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[Sino]
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[Sino]
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[inaudível]
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[Sino]
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[Sino]
-
[Sino]
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Querido e respeitado Thay,
querido irmão Anthony,
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queridos amigos online,
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Estamos no meio de um período de repouso,
após um dos nossos maiores retiros,
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o retiro vietnamita, por isso, para aqueles
que estão online,
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está muito calmo no mosteiro.
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E tem estado muito calor, por isso
-
temos descansado à tarde
à sombra, e agora, à noite,
-
arrefeceu.
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Hoje estamos a estudar o 37.º Principio.
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Este Principio descreve
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o alicerce da prática de Plum Village.
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O que é que Plum Village oferece
às várias tradições budistas,
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ao Zen, à Terra Pura,
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às práticas do Mantrayana.
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As práticas fundamentais do Budismo de Origem.
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A prática fundamental
-
do Budismo de Origem é
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os Quatro Fundamentos da Atenção Plena.
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Às vezes chamamos-lhes os Estabelecimentos
da Atenção Plena.
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A sua função é reconhecer e transformar
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as energias habituais.
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Foi sobre isto que aprendemos
na aula anterior sobre [vipassana].
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E realizar plenamente
-
os Sete Fatores do Despertar
-
e o Nobre Caminho Óctuplo.
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A prática da meditação Mahayana,
-
incluindo o Zen dos Patriarcas,
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precisa, de tempos a tempos, de voltar atrás,
-
de regressar e mergulhar
no Budismo de Origem – tomar um banho
-
no Budismo de Origem,
-
para não perder a
essência do dharma do Buda.
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O Thay referia-se muitas vezes aos ensinamentos
iniciais do Buda como Budismo de Origem.
-
E estas práticas de origem,
-
que são fundamentais
nos ensinamentos budistas iniciais,
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são os Quatro Fundamentos da Atenção Plena,
que incluem a atenção plena à respiração,
-
o Sutra da Atenção Plena à Respiração.
-
Plum Village está organizada de tal forma,
na agenda, nas refeições,
-
na meditação sentada, na meditação caminhando,
que nos são dadas boas condições
-
para praticarmos os Quatro Fundamentos
da Atenção Plena
-
a cada minuto,
a cada hora, de cada dia.
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Lembram-se dos Quatro
Estabelecimentos da Atenção Plena?
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Qual é o primeiro?
-
O corpo.
-
Começamos por estar conscientes do corpo,
-
e o corpo inclui a respiração.
-
Portanto, a prática
que temos o tempo todo é:
-
inspirando, sei que estou a inspirar,
expirando, sei que estou a expirar,
-
simplesmente a desfrutar da inspiração
e da expiração.
-
Isso conduz-nos ao corpo.
-
Ajuda-nos a criar uma ligação entre
-
a mente e o corpo e
ver que não são dualidades,
-
não estão separadas.
-
Na verdade, a mente não pode
surgir sem o corpo,
-
tal como o corpo não pode
surgir sem a mente.
-
Os ensinamentos budistas são não-duais.
-
No Ocidente, temos este
conceito dualista de corpo e mente
-
que surgiu por várias razões
ao longo da história do pensamento
-
e da filosofia ocidentais — algo ausente no Budismo.
-
Portanto, estamos conscientes do corpo, mas também
estamos conscientes de que a mente está lá
-
no corpo.
-
Assim, ao estarmos conscientes do corpo,
já estamos conscientes da mente.
-
Estar consciente da respiração,
essa consciência, é a mente,
-
é
-
a luz que brilha sobre a respiração,
sobre a experiência física,
-
o acontecimento fisiológico de respirar.
-
E podemos libertar-nos destas ideias
que separam a consciência do
-
acontecimento do próprio acontecimento.
-
E assim, o sujeito e o objeto
que vemos surgem juntos.
-
Não podem existir um
sem o outro.
-
Portanto, o momento de estar consciente
da respiração é também
-
o momento em que se cria o sujeito,
a consciência,
-
e o objeto, que é a respiração.
-
Mas, na verdade, são um só,
não estão separados.
-
Ao mergulharmos profundamente
na respiração,
-
experimentamos essa unidade
do corpo e da mente
-
de forma muito prática.
-
Quando estamos perdidos em pensamentos
sobre o futuro ou o passado,
-
parece que a mente está
separada do corpo.
-
O corpo está presente,
mas a mente não está lá.
-
Na verdade, isso é uma ilusão,
-
porque não estamos realmente no futuro.
-
No momento presente, estamos
a experienciar imagens,
-
ideias que projetamos no futuro
-
ou no passado,
-
e isso está
a acontecer no momento presente.
-
Mas criamos a ilusão de que temos
uma mente separada
-
do corpo.
-
E por isso, a prática da
respiração conduz-nos de volta
-
ao corpo, leva a mente
de volta ao corpo, para que
-
já não fiquemos presos nessa ilusão.
-
Estamos a experimentar a
natureza não-dual da realidade.
-
Então temos o corpo, e depois
temos o segundo fundamento – as sensações.
-
E as sensações também estão no corpo.
-
Recentemente foi publicado um livro chamado
"O Corpo Guarda as Emoções", penso eu.
-
A ideia é que as experiências traumáticas
que temos ficam no corpo.
-
Esse ensinamento já
existe no Budismo.
-
Podemos ver o efeito que sentimentos
e emoções intensas têm no nosso corpo,
-
através das nossas ações e comportamentos.
-
Ao falarmos dos Quatro Fundamentos
da Atenção Plena, pode parecer que dividimos
-
essas experiências da realidade.
-
Mas isso é apenas para o propósito de
-
superarmos a nossa ilusão do
corpo e das sensações.
-
Ao estudarmos este ensinamento
dos Fundamentos da Atenção Plena,
-
por exemplo,
-
a formulação é “experienciar o
corpo no corpo” ou “como um corpo”.
-
Para que não experienciemos
conceitos ou ideias sobre o corpo.
-
Por exemplo, quando eu andava na escola secundária,
-
fazia parte da equipa de corta-mato e,
antes das provas,
-
fazíamos uma visualização
juntamente com o nosso treinador.
-
Ele pedia-nos para fecharmos os olhos e
-
criávamos na mente a imagem do percurso
que iríamos
-
correr no dia seguinte.
-
E percorríamos o
caminho mentalmente.
-
Alguns chamam a isso a
natureza "homuncular" da mente.
-
No nosso sistema motor,
podemos representar ações
-
sem ainda mover os braços –
isso acontece no cérebro.
-
Podemos usar essa capacidade.
-
Vem da ideia do "homúnculo",
-
a ideia de que existe uma
pessoinha dentro do cérebro.
-
Algumas filosofias ocidentais
tiveram essa conceção.
-
As nossas ações motoras são ensaiadas
interiormente, no cérebro,
-
como que testadas mentalmente antes
de o corpo as executar.
-
Por um exemplo, um atleta.
-
Se fores um lançador de basebol,
ao pensar no lançamento que vai fazer,
-
está a prepará-lo mentalmente antes
de o corpo o executar.
-
Então, fazíamos estas visualizações
para nos prepararmos
-
para a experiência real da corrida.
-
Assim, sabíamos que, por exemplo,
quando o corpo sentisse falta de oxigénio,
-
não ficaríamos surpreendidos
ou em choque,
-
porque a visualização ajudava-nos
a perceber que isso fazia parte
-
do processo de correr.
-
Ou se tivéssemos alguma
-
dor no tornozelo
ou se encontrássemos uma subida,
-
não nos apanharíamos de surpresa:
"ah, não sabia
-
que havia uma colina aqui."
Mas, como já tínhamos visualizado a corrida,
-
víamos-nos a passar
por todas as etapas,
-
e não ficávamos chocados, surpreendidos
ou dominados por uma emoção
-
durante a corrida. Preparávamo-nos
mentalmente para a correr,
-
e assim corríamos de forma mais calma
e tranquila.
-
Mas sabemos que a visualização
não pode corresponder exatamente à realidade
-
de como vamos experienciar essa corrida.
Muitas coisas podem acontecer.
-
Pode estar lamacento e molhado.
-
Da última vez estava seco e quente.
-
Talvez... talvez não tenhamos
bebido água suficiente?
-
Há muitas coisas que podem afetar
-
a experiência da corrida.
-
O perigo é vivermos
nas visualizações,
-
no aspeto idealizado do nosso pensamento,
e deixarmos de regressar ao que
-
está realmente a acontecer.
-
Planeamento, visualização – tudo bem.
-
Falamos em viver no momento presente.
Muitas pessoas perguntam:
-
"Então, tenho de viver no momento presente.
Como posso planear o futuro?"
-
E tu planeias muito bem
se estiveres consciente,
-
se aprenderes a estar atento
e mais atento ao teu corpo,
-
então noto que o meu pensamento
corresponde muito mais
-
àquilo que realmente acontece.
-
Assim, já não fico preso
a pensamentos ilusórios,
-
que nada têm a ver com a realidade,
-
porque essa prática de estar consciente do corpo e das sensações
ajuda-me a ver com mais clareza.
-
Hoje em dia, podemos ir "navegar" na internet,
-
ver vídeos ou pesquisar algo útil,
-
e, como se diz, entrar por uma
“toca de coelho” a estudar algo.
-
E se não tivermos cuidado,
perdemos o contacto com
-
o que está a acontecer no momento presente.
-
Perdemos o contacto com
a respiração, com o corpo.
-
Também podemos perder o contacto
com a comunidade em que vivemos,
-
com as pessoas que nos são próximas.
-
Perdemo-nos no telemóvel
ou no computador.
-
As pessoas que vivem connosco,
os nossos entes queridos,
-
talvez os nossos filhos, pais,
ou companheiro, deixam de estar presentes
-
porque estamos absorvidos
nos nossos pensamentos sobre aquele projeto,
-
aquele tema ou aquele vídeo.
-
Temos de ter muito cuidado
quando estamos a viver uma espécie de
-
visualização guiada.
-
Usar a internet é como uma
visualização guiada.
-
Através das páginas web,
e muitas vezes de um algoritmo,
-
um algoritmo muito poderoso
que já acompanhou o comportamento
-
de muitos outros seres humanos,
como vídeos no YouTube
-
ou redes sociais,
estão a prever, rapidamente,
-
o que queremos ver a seguir.
Para que continuemos a olhar
-
para o ecrã – e isso é
uma espécie de visualização guiada.
-
E, se tu...
-
por exemplo, se estás sempre
a ver o que os teus amigos estão a fazer
-
e estás sentado em casa
a pensar: "porque é que eu…?"
-
"Porque é que a minha vida
não é tão importante como a dos outros?"
-
"O que é que eles andam a fazer…?"
-
Essa meditação pode trazer
muito desespero e ansiedade:
-
"O que estou a fazer com a minha vida?"
-
"Sinto-me um falhado, ou algo assim."
-
FOMO – o medo de ficar de fora (Fear of Missing Out).
-
E eu tenho experiência a trabalhar
em comunicação na Sangha,
-
por vezes usando redes sociais.
-
Tenho de as desligar rapidamente
porque estou consciente do efeito que têm no meu corpo.
-
Estão a ser geradas sensações
através dessa visualização
-
que me levam a querer
ser outra pessoa.
-
Portanto, este tipo de visualizações,
que ocorrem apenas ao nível
-
do pensamento,
são alimentadas pelo que vemos no ecrã.
-
Também pela publicidade,
ou são alimentadas por tudo — pelo ambiente,
-
do mosteiro, pelas plantas,
pelos irmãos, pelo que estão a fazer.
-
Entramos na sala para beber chá
e começam
-
a falar da família, ou de algo
que os preocupa, e então começamos
-
a viver isso com eles também
com eles, uma espécie de meditação guiada.
-
O que o Buda nos propõe com tudo isto
é, na verdade, meditações guiadas
-
para usarmos com regularidade,
de forma a nutrir um entendimento
-
da realidade vivida que nos permita
reduzir ao máximo as perceções erradas.
-
Essa é a função
das Quatro Estabelecimentos da Atenção Plena:
-
trazer a nossa consciência
para fora da ideação ou do que se chama
-
no budismo antigo Papanca,
-
que é uma espécie de pensamento proliferado.
-
É como um borbulhar constante de conceitos,
ideias e noções
-
que a maioria de nós experiencia
ao longo de todo o dia,
-
nas nossas vidas desperta.
-
São como bolhas —
surgem, rebentam,
-
e depois ficamos com o sabor a sabão
-
dessas bolhas.
-
E é: “Quero fazer isto”, “Quero fazer aquilo”...
-
E o Buda dizia mesmo aos monges,
quando os apanhava a falar,
-
por exemplo,
-
naquele tempo, a especular sobre política
-
ou sobre o mercado.
-
Diziam coisas como:
"As tropas do rei vão avançar hoje,
-
amanhã ou na próxima semana?"
-
E entravam nestas conversas,
-
como nós hoje ao ler as notícias.
-
Queremos saber:
"Será que o parlamento aprovou a lei climática?"
-
Queremos saber.
Mas será que isso nos ajuda realmente
-
a tocar a realidade
neste momento presente?
-
Então esta é uma pergunta
que pratico fazer a mim próprio:
-
"Será que isto me ajuda realmente
a estar mais presente para mim e para os meus irmãos?"
-
E muitas vezes percebo que não.
-
Por isso, tento reduzir
-
e não usar demasiada
energia emocional
-
a pensar em coisas que estão a acontecer
à escala mundial.
-
Há assuntos muito importantes,
como a crise climática —
-
e isso está a acontecer,
aconteceu no ano passado,
-
acontece desde que nascemos,
desde antes de nascermos.
-
E devemos estar conscientes disso.
-
Mas no dia a dia?
-
Precisamos mesmo de estar
tão atentos a quem processa quem,
-
ao que está a acontecer
nos governos, nas guerras,
-
e por aí fora?
-
Na verdade, como comunidade
estamos bastante informados.
-
E eu próprio fui educado
-
por um professor de estudos sociais
no secundário a ler o jornal todos os dias.
-
E por isso costumo ver as notícias,
mas com muito cuidado
-
na forma como as consumo,
porque quero continuar presente aqui,
-
com a minha comunidade,
e não ser levado por essas coisas
-
que não estão diretamente
relacionadas com a minha vida e comunidade.
-
Mas o que é belo nestas práticas
-
dos Estabelecimentos da Atenção Plena
é que nos ajudam a dar prioridade.
-
Na verdade, o nosso corpo e mente,
esta experiência do momento presente —
-
quando estamos sintonizados com ela —
dá-nos um sentido natural de prioridade.
-
Por exemplo, agora mesmo,
o Irmão Minh Anh e o Anthony,
-
vocês são o mais importante para mim.
-
Mas se estou a pensar na minha relação
com outro irmão ou irmã,
-
e perco a consciência de vocês os dois,
então a minha prioridade está errada.
-
O que mais me tem beneficiado
com esta prática é realmente voltar
-
a estar em contacto com
a nossa intuição natural como seres humanos —
-
saber qual é a prioridade,
o que é mais importante:
-
o que está a acontecer agora.
-
E não ficar emocionalmente preso
ao drama de assuntos
-
que podemos afetar apenas ligeiramente,
-
e que certamente as nossas emoções fortes
não vão ajudar
-
a transformar.
-
O mais importante é estarmos verdadeiramente presentes,
-
aqui e agora.
-
Essa é a beleza desta prática.
-
O Buda ensinou muitas formas
de não ficarmos presos neste
-
pensamento conceptual — Papanca,
ou pensamento proliferado.
-
Às vezes também chamado
de fluxo interior —
-
pensamentos, conceitos,
preocupações, medos, ansiedades.
-
E, concretamente,
estarmos conscientes do corpo,
-
e depois conscientes das sensações.
-
Em vez de ficarmos...
-
Uma prática que me encontro
constantemente a ensinar
-
às pessoas que chegam
com muito sofrimento nas emoções
-
é esta: como trazer a atenção
do nível do pensamento —
-
da ideação —
para o nível das sensações.
-
O que se sente?
Só estar consciente da sensação.
-
Não pensar mais sobre isso.
-
Apenas estar consciente da sensação.
-
Porque, quando estamos mesmo conscientes
das nossas sensações, sabemos como —
-
descobrimos como —
entrar no método para lidar com elas.
-
Mas é porque não vemos
que esse borbulhar de pensamentos
-
é na verdade uma fonte de alimento
para as sensações
-
que experienciamos.
-
E, por não termos consciência disso,
-
experienciamos as sensações
como algo aleatório,
-
como se viessem do nada.
-
Por isso temos de ser honestos connosco próprios
e ver verdadeiramente
-
como é que a nossa atenção,
na vida diária,
-
alimenta este tipo
de Papanca.
-
Este tipo de pensamento, tal como
quando o Buda se aproximava dos monges
-
que estavam a falar sobre os exércitos
a avançar e assim por diante —
-
ele dizia: "Isto não é um tema
-
apropriado para conversas de Dharma."
-
Em Plum Village, a prática
-
da partilha do Dharma
-
existe precisamente para nos ajudar
a regressar ao corpo,
-
a regressar às nossas sensações.
-
Quando aprendemos a praticar
a partilha do Dharma,
-
aprendemos a não partilhar sobre livros,
ideias ou conceitos que
-
aprendemos ou pelos quais estamos entusiasmados,
-
mas sim a partilhar a nossa experiência vivida
-
da prática durante o retiro.
-
Descemos do nível da teoria
e trazemos a nossa atenção
-
para a experiência no corpo,
-
para a experiência nas sensações.
-
E assim temos menos pensamento ilusório,
-
menos fascínio
-
pelas ideias e teorias.
-
A nossa prática do Budismo
torna-se muito pragmática.
-
E não somos perfeitos,
não nos deixamos prender por ideias
-
de perfeição ou de ser um praticante
perfeito de atenção plena —
-
apenas vemos que cada momento
é uma oportunidade de mudar hábitos,
-
de cultivar hábitos benéficos
e largar hábitos que não são úteis,
-
que geram emoções intensas
-
ou desequilíbrios no nosso corpo.
-
O Thay dizia que, ao tomarmos
um banho nestes ensinamentos do Budismo na Fonte,
-
podemos praticar
-
com a mesma solidez
-
que a Sangha do Buda.
-
Vivemos em Solidity Hamlet,
e essa é uma qualidade que o Thay
-
ensinava até às crianças, cultivar a qualidade da solidez.
E aqui ele diz que,
-
para praticarmos com a mesma solidez que a Sangha do Buda,
precisamos de tomar um banho
-
nos ensinamentos do Budismo na Fonte.
Não podemos limitar-nos
-
apenas a preocupar-nos com os ensinamentos
mais tardios do Budismo.
-
Há muitos ensinamentos úteis
e profundos que surgiram
-
ao longo das gerações
da tradição budista.
-
Portanto, isto não é um apelo ao fundamentalismo budista.
E é precisamente isso que admiro
-
na forma como o Thay apresenta este Princípio:
a imagem da imersão,
-
de tomar um banho nos ensinamentos do Budismo na Fonte.
-
Tal como quando tomamos
um banho num rio,
-
não consideramos o rio
uma autoridade dogmática.
-
Simplesmente sentimos
a frescura da água, e somos renovados por ela.
-
É isso que adoro neste Princípio
-
e na forma como o Thay transmite
os ensinamentos do Buda.
-
Porque seria tão fácil cairmos na ideia:
“Mahayana, Terra Pura, Maitreyana...
-
nada disto existia no tempo do Buda.
-
Foram ensinamentos que surgiram
mil ou mil e quinhentos anos depois do Buda.
-
Logo, devemos abandonar tudo isso,
é uma perda de tempo.
-
Devemos voltar apenas
às Quatro Estabelecimentos da Atenção Plena.”
-
Essa seria uma abordagem
muito dogmática deste sentimento.
-
E o que é tão belo
-
na apresentação do Thay
-
é que ele nos mostra
que precisamos, de tempos a tempos,
-
de voltar e mergulhar
no Budismo da Fonte.
-
Tal como, num dia muito quente —
-
ontem, por exemplo, alguns dos irmãos
foram até à praia.
-
E assim que chegámos,
-
vestimos
-
os calções de banho e mergulhámos diretamente no mar.
E soube tão bem
-
tão fresco e tão salgado, mas reconfortante.
-
Tomámos um banho no oceano.
-
Esse é o espírito com que
praticamos as Quatro Estabelecimentos
-
da Atenção Plena
e a Atenção à Respiração.
-
Fazemo-lo porque sabe bem,
porque faz sentido,
-
porque é a coisa apropriada a fazer
quando estamos sobrecarregados
-
pelo calor das nossas aflições.
Só queremos ir tomar um banho,
-
mergulhar nestes ensinamentos.
Porque quando o fazemos, o nosso corpo arrefece,
-
torna-se mais sólido,
mais estável, mais livre.
-
E agora, podemos saborear a respiração,
enquanto ouvimos o som do sino.
-
[SINO]
-
Então, o Terceiro Fundamento ou
Estabelecimento da Atenção Plena é
-
a mente, certo?
-
as formações mentais.
-
E este papanca acontece
ao nível da nossa mente.
-
Portanto, a mente já está
presente no corpo,
-
a mente também está presente nas sensações.
As sensações estão na mente.
-
Estas coisas não são
em última análise separadas.
-
Por vezes, esta prática é,
alguns mestres chamam-na
-
em vez de Fundamentos da Atenção Plena,
quadros de referência.
-
Satipatthana
-
é a
-
palavra em Pali para estes,
-
aquilo que traduzimos como
Fundamentos da Atenção Plena.
-
Então Sati é atenção plena e upatthana é
como montar uma base, algo estável —
-
como o tripé ali onde está
a câmara — tem três pernas,
-
monta-se e
torna-se estável, estabelecido.
-
Portanto, a preocupação desta
prática fundamental é
-
estabelecer uma base sólida
para a atenção plena.
-
Assim, a nossa atenção plena torna-se muito
estável. Não é facilmente
-
removida ou
-
ofuscada ou reprimida,
ou algo do género.
-
Quanto mais praticamos
-
estes Quatro Fundamentos da Atenção Plena,
mais fácil se torna trazer
-
a atenção plena a qualquer situação.
-
E especialmente quando
temos uma emoção forte,
-
podemos trazer a atenção plena, podemos ver:
isto não é, isto cansa o corpo,
-
isto cansa a mente,
cansa as sensações.
-
O Buda usava essa expressão com frequência.
-
Ele via que muitas das coisas que fazemos no dia a dia
são simplesmente exaustivas e...
-
Lembro-me de quando tive o meu único carro.
-
Herdei o carro da minha avó.
-
Era um Plymouth Reliant.
Uma espécie de caixa cinzenta.
-
Provavelmente o carro menos sexy
que um adolescente poderia ter.
-
E não que eu me preocupasse
em ter um carro fixe,
-
mas estava muito feliz porque
não precisei de comprar o carro.
-
A minha avó já não podia conduzir
e ela já tinha o carro,
-
e estava em boas condições.
-
E por isso conduzi esse carro
nos meus últimos anos do secundário.
-
E lembro-me de ter de trabalhar
para pagar a gasolina.
-
Agora os preços da gasolina estão a baixar
de novo, recentemente estavam a 6 dólares.
-
Lembro-me de que a maioria dos meus trabalhos no secundário
era apenas para pagar a gasolina do carro,
-
para poder conduzi-lo e
ir ver os meus amigos,
-
o que era algo inegociável
naquela altura.
-
Hoje, provavelmente usaria
uma das bicicletas elétricas ou algo assim.
-
Porque comecei a perceber
como era complicado e difícil
-
tomar conta de um carro.
-
E o quanto eu gastava do meu tempo e energia
a trabalhar
-
para pagar a gasolina para encher
aquele carro, comecei a perguntar a mim mesmo:
-
isto é exaustivo,
cuidar deste carro.
-
Será que preciso mesmo de ter um carro?
-
E continuei a fazer
essa pergunta a mim mesmo.
-
Então, quando fui para a universidade, decidi
não levar o carro, porque sabia
-
que não queria passar o meu tempo
a trabalhar só para pagar a gasolina
-
para poder conduzi-lo, e preferia
simplesmente não ir a lado nenhum, ou
-
se alguém me convidasse para sair
e tivesse um carro, ótimo,
-
caso contrário, teria
a minha bicicleta e isso seria suficiente.
-
E quando voltei a casa no Natal,
lembro-me que estava a planear, num dia,
-
sair com a minha namorada,
que era da minha terra natal.
-
Planeámos sair
nessa noite,
-
e nessa noite nevou.
-
E porque eu tinha praticado visualizar
-
porque estive fora
durante todo o período na universidade,
-
e queria passar o máximo de tempo
possível com a minha namorada,
-
e também estava a trabalhar durante o Natal,
-
quis sair de qualquer maneira —
essa era a minha mente iludida.
-
Estava deslumbrado com a ideia,
e por isso fui buscá-la.
-
E nem acredito que
os pais dela me deixaram levá-la a sair,
-
com a neve a cair como caía.
-
E conduzimos apenas alguns quilómetros
e apanhámos uma mancha de gelo negro,
-
a ir muito devagar, a cerca de
dez milhas por hora,
-
bati na traseira de uma carrinha pickup.
-
Repara, foi o único acidente
que tive até hoje num carro.
-
E, a carrinha ficou praticamente intacta,
-
mas o pára-choques da frente do carro
da minha avó ficou bastante amolgado,
-
e um dos faróis foi destruído.
-
E passei o resto das férias de Natal
a reparar o carro.
-
Tive de encomendar um novo pára-choques,
pintá-lo, encomendar os faróis.
-
Reparei tudo sozinho e estou tão grato
-
por ter feito isso, porque foi isso que me trouxe
a resolução
-
de que ter um carro é mesmo,
mesmo, um verdadeiro incómodo.
-
É mesmo exaustivo.
-
O meu tempo, a minha energia, o meu trabalho, a minha atenção!
-
E então, de alguma forma, no fundo de mim,
decidi que não queria
-
ter um carro na minha vida.
-
O que é bastante normal na Europa — alguém
pode decidir não querer ter um carro.
-
Mas nos Estados Unidos,
é quase um sacrilégio.
-
É mais fácil ser ateu do que
não ter um carro
-
nos Estados Unidos da América,
de certa forma.
-
Portanto, acabei por — não tinha ainda
a prática da atenção plena — mas a
-
experiência vivida do cansaço de
ter um carro e depois essa
-
experiência de ter um pequeno acidente,
-
ajudaram-me a cultivar
a prática de largar, de deixar ir.
-
Não quero tomar conta de um carro.
É simplesmente demasiado difícil!
-
E esse é o espírito da prática
do Satipatthana: é que nós
-
vemos que tantas coisas
às quais sujeitamos o corpo,
-
tantas coisas às quais sujeitamos
as nossas sensações, a nossa mente,
-
são apenas cansativas e
exaustivas para o corpo.
-
Por isso, precisamos de nos perguntar
constantemente: isto está realmente
-
a trazer-me paz, liberdade e alegria?
E se não está, simplesmente deixo ir.
-
E temos projetos e
coisas que fazemos na Sangha,
-
e
-
esse é um aspeto muito interessante
da prática em Plum Village.
-
O Thay estava sempre a dar-nos coisas
para fazer, mas ao mesmo tempo
-
praticávamos “não há para onde ir,
nada para fazer”, e na verdade, quando
-
nos aprofundamos nisso,
não há conflito, descobri.
-
Na verdade, podemos ter um sítio
para onde ir, algo para fazer,
-
mas podemos fazê-lo com paz e liberdade.
-
Esse é o espírito de fazer as coisas
na fundação da atenção plena.
-
E eu continuo a praticar,
mesmo sendo monge
-
há já 19 anos.
-
Continuo a praticar isso todos os dias:
-
não há para onde ir, nada para fazer,
não há mais pressa,
-
fazer as coisas na Sangha
-
e fazê-las sem
pressa, ansiedade ou correria.
-
Porque ainda vejo, às vezes, que surge
ansiedade, preocupação e medo.
-
Então preciso de voltar e
tomar um banho nas práticas
-
do Budismo das Origens.
-
Fiquei demasiado enredado
na minha aspiração Mahayana
-
de ajudar todos os seres vivos.
-
Por isso preciso de voltar atrás
e tomar um banho na prática básica da atenção plena.
-
E penso que muitos irmãos e irmãs
se perdem nisso,
-
o desejo de ajudar é tão grande
que perdem a atenção plena,
-
e depois, lentamente, começam a
perder a sua própria aspiração.
-
Por isso é mesmo importante, todos os dias,
desde o momento em que acordamos
-
até à noite, e mesmo enquanto
dormimos, tomar banho
-
nestas práticas básicas
de atenção plena.
-
Portanto, como o Anthony disse, tudo
é uma formação, incluindo a mente.
-
Na nossa tradição temos
51 formações mentais.
-
Há formações mentais
como a raiva, o ódio.
-
Há formações mentais
como a compaixão e a compreensão.
-
E como praticantes,
precisamos de conhecer
-
todas estas formações mentais.
-
São elas que povoam a nossa mente.
-
E cada uma tem as suas
próprias qualidades e aprendemos a
-
nutrir formações mentais como
compaixão e compreensão,
-
trazê-las à superfície e
fazer com que fiquem connosco por muito tempo.
-
Ao viver no mosteiro,
-
estando rodeado de pessoas compassivas
e compreensivas,
-
tendo pessoas que nos mostram
as nossas próprias ilusões,
-
as nossas perceções erradas,
-
e depois praticar
deixá-las ir,
-
seguir com o rio da Sangha,
é a prática mais fundamental
-
de viver em comunidade.
-
Deixar ir a nossa ideia.
-
Não ficamos agarrados à ideia
de que uma ideia é a certa,
-
mas sim, quando
vivemos em comunidade,
-
vemos que há muitas formas de
olhar para o viver em comunidade.
-
E queremos tentar
harmonizar as nossas ideias
-
e pontos de vista,
-
o que pode significar deixar
completamente a nossa ideia
-
ou, mais frequentemente, encontrar
forma de caminhar juntos,
-
e integrar as nossas ideias para
nos unirmos como uma só comunidade.
-
E assim, o olhar da Sangha
é sempre mais profundo do que a perspetiva individual.
-
E depois, a quarta fundação —
os objetos da atenção plena, ou fenómenos.
-
Assim, a mente como órgão sensorial,
como a vemos na tradição budista,
-
tem objetos tal como o olho vê formas
e o ouvido ouve sons,
-
e o paladar — desculpa — a língua
saboreia os sabores, e assim por diante.
-
O nariz cheira.
-
Da mesma forma, a mente tem objetos
e, nesse sentido,
-
em Pali e Sânscrito, chama-se dharma,
-
Dharma no sentido de fenómenos.
-
São aspetos fundamentais da realidade.
-
Coisas como formações mentais, sensações,
corpos — tudo isto são objetos da mente.
-
E também são os ensinamentos.
-
Assim, os sete fatores do
despertar são objetos da mente,
-
o Nobre Caminho Óctuplo
são objetos da mente;
-
as Quatro Nobres Verdades
são objetos da mente;
-
a Impermanência, o Não-Eu
são objetos da mente.
-
Tudo pode ser objeto da mente.
-
Portanto, podemos ver que, desta forma, estas
-
quatro fundações da atenção plena intersão.
-
Não podemos separá-las completamente
umas das outras, porque
-
o corpo pode ser objeto da mente.
As sensações podem ser objeto da nossa mente.
-
Até a mente pode ser objeto da
mente — a mente a ver a mente.
-
Portanto, tudo pode ser colocado
neste domínio dos fenómenos.
-
E o importante é que
nós, por exemplo, tal como fazemos
-
com o corpo, com as
sensações, com a mente,
-
e com os fenómenos
nos próprios fenómenos,
-
devemos chamá-los pelo seu verdadeiro nome.
-
Por exemplo, quando a raiva se manifesta,
chamamos-lhe pelo seu verdadeiro nome:
-
Isto é raiva.
-
Não tentamos enganar-nos
e, quando estamos com raiva,
-
dizer que estamos a agir com compaixão.
-
Temos de reconhecer que
a raiva está presente
-
e ajudar a abraçar essa raiva,
-
caso contrário, podemos causar
muito sofrimento.
-
E grande parte do meu sofrimento, sinto
que é criado por mim mesmo e para os outros,
-
por não chamar às minhas formações mentais
pelo seu verdadeiro nome.
-
Por não as reconhecer
pelo que realmente são.
-
Por isso, temos esta lista de 51 formações
mentais que nos pode ajudar a
-
olhar e ver que todos têm
compaixão, compreensão.
-
Mas todos também têm raiva, medo,
ansiedade, preocupação, e por aí fora.
-
E se a tua experiência de ansiedade e
medo for ligeiramente diferente da minha,
-
então tentamos reconhecer
essa ansiedade e medo em nós mesmos
-
e também nos outros. Há este
refrão nas fundações da atenção plena,
-
que é: estar consciente do
corpo no próprio corpo,
-
e também estar consciente do corpo do
outro, fora do nosso corpo.
-
Estamos conscientes dentro e fora.
Portanto, isto é uma abordagem muito científica
-
que é crucial para estabelecer
a atenção plena.
-
Estamos conscientes de que podemos
ter perceções erradas,
-
mas esta prática de ver,
por exemplo, a raiva em nós próprios,
-
e também ser capazes de ver
a raiva noutra pessoa,
-
ajuda-nos a entender que
a raiva é apenas um aspeto básico
-
da mente.
-
E alguns de nós podem ter
a semente da raiva
-
muito forte, na nossa consciência
individual, e outros
-
talvez não tão forte, mas podemos
reconhecer a raiva e chamá-la
-
pelo seu verdadeiro nome. Isso é
a prática de ver os fenómenos
-
nos próprios fenómenos,
os objetos da mente.
-
E isto é também como ser um
cientista que estuda um
-
fenómeno na natureza. Temos de estar
dispostos a largar o que
-
pensamos que é a raiva ou quais são as qualidades
da nossa raiva. Por exemplo,
-
podemos pensar: "Não sou uma
pessoa muito zangada, tenho raiva",
-
mas, na verdade, os outros podem
experimentar-nos como alguém com muita raiva.
-
Então, isso é como um sino de atenção plena
quando há luz a brilhar e alguém
-
partilha algo que dissemos ou fizemos
e que teve um impacto forte.
-
Vejo isso como um sino de atenção plena,
para regressar
-
e ver — talvez eu não esteja
realmente a ver completamente
-
a dimensão de como a raiva está a afetar
o meu pensamento, a minha fala e as minhas ações.
-
Assim, a prática de fazer surgir
a semente da atenção plena
-
e depois iluminá-la sobre as formações mentais —
essa é a prática
-
da quarta fundação da
atenção plena: ver os
-
fenómenos nos próprios fenómenos,
ver a raiva na própria raiva.
-
Estar disposto a mudar e adaptar-se,
não ficar preso à nossa ideia
-
do que é a raiva.
-
E, na neurociência,
estamos agora a aprender que não é assim tão simples
-
ter
-
uma visão redutora para descrever
as nossas emoções, porque
-
as emoções estão muito ligadas à
experiência vivida dessa emoção.
-
Portanto, não podemos simplesmente dizer "raiva"
-
e separá-la de qualquer
experiência de raiva.
-
E uma vez que se experimenta raiva
-
pode ser muito diferente de outra,
dependendo da situação
-
em que essa raiva se manifestou.
-
Portanto, é outra forma de dizer
que as nossas emoções estão profundamente
-
enraizadas na nossa experiência
vivida delas.
-
E mudam, crescem e
manifestam-se de maneiras diferentes para cada um.
-
Por isso, temos de estar prontos
-
a mudar, a adaptar-nos
e a reconhecer quando,
-
quando uma emoção
se manifesta, que nós...
-
O que eu amo na nossa comunidade
é que podemos abraçar a visão coletiva
-
das nossas próprias formações mentais.
-
Não é apenas a nossa
raiva, isolada,
-
mas sim, recebemos a perceção
-
dos nossos companheiros praticantes e eles
partilham connosco, e então é como se — oh —
-
expandíssemos a nossa perceção. Se conseguirmos
superar o nosso orgulho, então podemos
-
expandir a nossa noção do que é
essa formação mental,
-
para incluir também as perceções
dos nossos irmãos e irmãs de prática.
-
Portanto, esta prática das quatro
fundações da atenção plena, em Plum Village, não é
-
isolacionista.
-
Não se trata de um indivíduo
afastar-se e decidir por si próprio
-
quais são as suas formações mentais,
-
mas sim de se reunir em comunidade,
-
e ser capaz de ouvir,
de receber feedback,
-
e de saber que estamos apenas parcialmente certos.
-
Mesmo no que toca ao reconhecimento das nossas emoções.
-
Vamos melhorando com a prática,
mas
-
precisamos também de estar abertos
a receber contributos dos outros.
-
Este é o caminho para cultivar
a Visão Certa,
-
um dos elementos do
Nobre Caminho Óctuplo.
-
É soltar o apego ao nosso pensamento conceptual,
-
regressar ao corpo,
ver o corpo no corpo,
-
as sensações nas sensações,
a mente na mente, os fenómenos
-
nos fenómenos. Estas são formas de cultivar
a Visão Certa.
-
Que, no fim de contas, é abandonar
todas as visões e noções, para podermos ver
-
a bondade e a ternura
que existem na nossa natureza mais profunda.
-
E quanto mais libertamos o nosso
-
desejo de prazeres sensoriais
e as ambições pessoais
-
a carreira, o carro que queremos comprar,
a casa, todas essas coisas,
-
mais a nossa natureza intrínseca
se manifesta.
-
A forma do monge serve precisamente
para apoiar esse processo.
-
É por isso que
-
deixamos os bens pessoais,
vivemos de forma simples na sangha,
-
e seguimos preceitos.
Tudo isso serve para nos ajudar
-
a largar os apegos que nos impedem
de realizar a Visão Certa, ou a nossa
-
verdadeira natureza.
-
É por isso que, quando os Budas
falam de abandonar todas as visões,
-
isso é Visão Certa.
E pode ser difícil
-
abraçar essa prática.
O Buda propôs que desenvolvêssemos
-
a compreensão e a compaixão.
-
Assim, por exemplo, no
partilhar do Dharma, aprendemos a
-
compreender-nos melhor,
escutando o sofrimento da experiência
-
de outra pessoa. Isso rega a semente
da compaixão e da compreensão
-
no nosso coração. Isto é cultivar
a Visão Certa — estamos a cultivar um bom hábito.
-
Porque se dissermos simplesmente
que Visão Certa é abandonar todas as visões,
-
podemos, se não formos cuidadosos,
carregar visões muito enraizadas,
-
sobre nós próprios e sobre os outros,
que continuam escondidas
-
e influenciam a forma como vivemos.
-
E podemos andar a dizer
que vivemos na dimensão última,
-
que já abandonámos todas as visões,
mas, na verdade, ainda temos muitos preconceitos
-
e julgamentos escondidos,
de forma inconsciente.
-
Por isso, quando começamos no caminho,
cultivamos compaixão e compreensão,
-
para alcançar uma visão correta da situação
-
uma visão que leva depois
ao Pensamento Correto.
-
Por exemplo, quando alguém partilha
o seu sofrimento, não dizemos apenas:
-
“Tens é de largar todas as tuas visões,
e serás livre.”
-
Isso pode não ajudar nada.
-
Algumas pessoas até podem sentir isso
como agressivo, ou violento.
-
Por isso, com compreensão
e compaixão, podemos ser gentis.
-
Fazer gestos de bondade por essa pessoa.
-
Reconhecer as suas qualidades,
regar diariamente as boas sementes dentro dela.
-
“Foi muito bonito o que fizeste ali.”
“Agradeço mesmo a forma como agiste.”
-
Mudar a narrativa. Ajudar essa pessoa
a mudar a sua própria narrativa.
-
Pode ser que, na sua mente,
haja muita ansiedade, medo e dúvida.
-
Aponta as coisas reais —
não inventes coisas positivas,
-
mas reconhece as ações reais que
essa pessoa fez e que foram benéficas,
-
que ajudaram a comunidade,
que trouxeram compaixão. Aponta isso.
-
Primeiro, podemos pensar isso —
e depois dizê-lo.
-
Fala Correta.
-
A Visão Certa torna-se a
base para o Pensamento Correto.
-
E o Pensamento Correto
torna-se a base para a Fala Correta.
-
E então, a nossa fala torna-se
mais suave, mais gentil, e as pessoas
-
gostam de estar connosco.
Sentem-se inspiradas pelo que dizemos.
-
Se estivermos agarrados a uma ideia de verdade,
e dizemos coisas duras, justificando:
-
“Estou apenas a dizer a verdade.” —
já vi isso em mim e nos outros,
-
na comunidade.
Mas há muitas formas
-
de expressar a verdade.
Não existe só uma maneira.
-
Por isso, mesmo que vejamos
algo como sendo verdadeiro,
-
como é que podemos
ajudar alguém a ver isso,
-
especialmente quando está envolvido
com perceções erradas?
-
Como é que podemos ajudá-lo
a transformar a sua própria história,
-
a narrativa interna sobre si mesmo,
para que possa
-
encontrar o seu próprio caminho
fora dessa visão errada?
-
Isso é muito interessante.
É agir com bondade. É esse o tipo de ação
-
de um Bodhisattva, como aprendemos já
no Mahayana.
-
Portanto, isto é usar meios hábeis para
transformar a situação,
-
mudar a narrativa.
-
Ou, como o Thay costumava dizer,
mudar a cavilha.
-
Temos uma cavilha podre que está a segurar...
-
duas partes fundamentais da estrutura de madeira
que sustenta uma casa.
-
Se tens ali uma cavilha podre,
a forma de a tirar é ter uma nova,
-
uma boa cavilha, e um martelo.
Colocas a nova cavilha e
-
vais batendo, expulsando a velha.
E à medida que bates na velha cavilha,
-
vais inserindo a nova.
-
Isto é a prática da
Fala Certa, Pensamento Certo.
-
Mudas a cavilha. Não expulsas simplesmente
a cavilha podre e deixas
-
a casa desabar. Ao retirares
a antiga, colocas logo a nova.
-
Isso é usar meios hábeis. Pensamento Certo,
Fala Certa e Ação Certa.
-
Por vezes, as nossas ações corporais são gentis.
Uma coisa que fazemos muitas vezes no mosteiro
-
é alguém oferecer-se para lavar
a loiça de outra pessoa.
-
Tão bonito. E quase não exige
mais energia.
-
Tens de ir lavar a tua loiça de qualquer forma,
-
e ao levares a tua para os baldes de lavagem,
-
lavas também a do outro.
-
A gentileza que projetas
ao fazer esse gesto é imensurável.
-
Pequenas coisas, pequenas ações podem,
-
com muito pouco esforço,
trazer grande benefício.
-
Mas se não tivermos esta base
de Visão Correta e Fala Correta,
-
é muito difícil
chegar ao ponto
-
em que conseguimos aproximar-nos e dizer:
“Posso lavar a tua loiça por ti?”
-
E nem estamos a falar de coisas mais
complexas e difíceis.
-
Como quando alguém está a passar
por uma crise mental, e
-
dedicas o teu tempo, dia após dia,
para estares com essa pessoa.
-
Ajudá-la a ultrapassar isso.
Isso exige muito mais esforço
-
do que oferecer-se para lavar
a loiça de alguém. Mas se não começares
-
por simples atos de bondade no dia a dia,
é difícil chegares a esse lugar onde consegues
-
ajudar alguém nos seus momentos
mais difíceis.
-
Portanto, a Ação Certa assenta nestes
elementos anteriores: Fala Certa,
-
Pensamento Certo, Visão Correta.
-
Estas são quatro das componentes
do Nobre Caminho Óctuplo.
-
Temos também, como já aprendemos,
o Meio de Vida Correto, o Esforço Correto,
-
e depois a Atenção Plena Correta,
que está envolvida em todos os aspetos do caminho.
-
A Concentração Correta, mantendo a estabilidade.
-
Manter a nossa atenção plena ao longo
do tempo, sem nos perdermos
-
ou distrairmos.
-
A Compreensão Correta ou Visão Correta.
-
Estes são os elementos do Nobre Caminho Óctuplo,
-
e os Sete Fatores do Despertar,
que são ensinados noutros contextos.
-
Não creio que os vá abordar hoje.
-
São, essencialmente, práticas
de cultivo de uma experiência desperta
-
do momento presente, a cada momento.
-
Cultivar atenção plena,
-
investigação, energia ou esforço diligente,
-
alegria, paz, concentração e equanimidade.
-
E são práticas maravilhosas para
cultivar na vida quotidiana.
-
E claro, vemos que a atenção plena
está aqui — Satipatthana — a atenção plena
-
faz parte do Nobre Caminho Óctuplo
e é também o primeiro dos
-
Sete Fatores do Despertar.
-
Muito interessante.
-
É por isso que colocamos tanta ênfase
na atenção plena na tradição de Plum Village.
-
Todas as práticas mais ricas e saborosas
do Budismo envolvem atenção plena.
-
E, como o Thay dizia,
nunca se pode ter atenção plena a mais.
-
Portanto, podemos sempre
cultivar mais atenção plena.
-
Ter mais consciência do que
está a acontecer dentro de nós
-
e à nossa volta, no momento presente.
-
É assim que tomamos
um banho no Budismo de Origem.
-
Praticando as Quatro
Fundações da Atenção Plena.
-
Somos também uma tradição Mahayana,
por isso praticamos
-
como estudantes na linhagem
do Mestre Zen Linji, especificamente.
-
E claro, o Zen tem muitas
práticas desenvolvidas também,
-
para além das do
Budismo de Origem, como a prática do Koan,
-
ou Gong-an em chinês.
-
Há também frases mais curtas
dentro dos koans,
-
fragmentos autónomos,
chamados [fragmentos de koan],
-
que nos ajudam a
-
superar algumas das nossas aflições mentais
e obstáculos.
-
Mantemos essa frase ou caso —
um koan é muitas vezes traduzido como um caso —
-
histórias de coisas que aconteceram.
-
Mantemo-los para superar
o nosso pensamento ilusório.
-
Mas, se não tivermos cuidado,
essa prática do koan —
-
e falo por experiência, tendo praticado noutras
tradições antes de vir para Plum Village —
-
se não houver cuidado, pode tornar-se
apenas um exercício intelectual.
-
Se houver um bom professor,
na minha experiência, o koan pode ser
-
muito útil para superar
bloqueios mentais,
-
especialmente no cultivo da
capacidade de largar.
-
Largar o pensamento conceptual.
-
Mas, se não tivermos atenção,
pode conduzir a ainda mais pensamento conceptual.
-
E se olharmos para a
tradição Zen,
-
os comentários sobre os koans e
os fragmentos de koan enchem muitos volumes.
-
E,
-
o que o Thay percebeu, à medida que se aprofundava
-
nas tradições budistas,
-
foi que o Zen, durante muito tempo,
-
deixou de regressar
ao Budismo de Origem para tomar banho.
-
Em parte por razões geográficas,
-
mas também por razões
dogmáticas e ideológicas.
-
E, como ele teve uma experiência profunda
de superação
-
da sua depressão
causada pela guerra — a guerra
-
no Vietname —, assim como da morte da sua mãe,
-
através da prática destas
práticas fundamentais:
-
as Fundações da Atenção Plena,
a Atenção Plena à Respiração,
-
o Thay disse que a tradição budista
como um todo tem também de fazer isso —
-
regressar e tomar um banho
nestes ensinamentos iniciais,
-
para se renovar e refrescar.
-
Portanto, não abandonamos o Zen dos
Patriarcas nem os ensinamentos do Mahayana,
-
que nos podem ajudar a viver
também de forma iluminada,
-
a ajudar-nos a nós próprios e
a ajudar os outros a despertar.
-
Mas nós, tal como alguém que,
-
num dia muito quente, quer simplesmente
mergulhar num rio fresco e tomar banho,
-
não precisamos de dar
uma grande justificação para o fazer.
-
Fazemo-lo porque
sabe bem, é refrescante.
-
E é com esse espírito que podemos
praticar o Mahayana
-
e, todos os dias, continuar a banhar-nos
nessas águas frescas dos
-
ensinamentos do Budismo de Origem.
-
Plum Village herda também
a sua linhagem da tradição da Terra Pura.
-
Quando somos jovens monges, e em
muitos lugares da Ásia Oriental onde
-
a tradição da Terra Pura é ensinada,
os jovens monges e monjas precisam de aprender e memorizar
-
por exemplo, o Sutra [Shirmagadi],
-
assim como o Sutra de Sukhavati.
-
Em Plum Village,
não memorizamos os sutras.
-
Por vezes lemos excertos, mas
se foste criado na tradição da Terra Pura,
-
como aspirante e jovem noviço,
-
tens de memorizar esses sutras em chinês clássico,
-
para os poderes entoar
de cor, e o
-
ensinamento da Terra Pura, na tradição de Plum Village,
-
é que a Terra Pura está aqui e agora.
-
Não precisamos de esperar até morrer
e recitar o nome do Buda
-
para renascer na
terra do Buda Amitabha.
-
Podemos experienciar a Terra Pura
do Buda Amitabha aqui mesmo, agora mesmo.
-
O ensinamento profundo
da Terra Pura é que
-
essa Terra está presente
na nossa própria consciência.
-
É a forma como olhamos para o mundo e
como o experienciamos que cria a Terra Pura
-
ou que cria um inferno.
Por isso, quando cantamos
-
a canção "Aqui é a Terra Pura,
a Terra Pura está aqui", e eu gosto muito
-
de cantar essa canção, porque é
um ensinamento profundo,
-
é transformador, vai
ao fundo da transformação
-
de toda a tradição da Terra Pura,
-
que é reconhecer que a verdadeira
Terra Pura está aqui e agora,
-
e que tudo depende da forma como vemos.
Vemos o Buda numa folha de outono,
-
e reconhecemos que Amitabha
já está presente nessa folha.
-
O Dharma é uma nuvem flutuante.
Vemos a impermanência,
-
a natureza de não-eu dessa nuvem.
-
Olhamos, e recebemos o Dharma,
o ensinamento, diretamente.
-
E vemos o corpo da sangha em todo o lado.
-
Assim, a nossa verdadeira casa está aqui,
-
não precisamos de a procurar
noutro lugar.
-
Portanto, a tradição da Terra Pura — é assim que
o Thay ajudou a trazer a tradição da Terra Pura
-
para tomar banho nos
ensinamentos do Budismo de Origem.
-
E o mesmo se aplica à tradição do Mantrayana.
-
No Vietname, também existe
a prática de recitação de mantras.
-
Quando o Thay regressou ao Vietname em 2007,
-
foram organizadas três cerimónias
fúnebres em massa para honrar
-
e também transformar o sofrimento
dos que morreram na guerra —
-
no Norte, no Sul e também os americanos.
E isso foi muito
-
controverso no Vietname. Muitas pessoas
perguntaram ao Thay:
-
“Thay, estás a organizar estas cerimónias
com três dias de recitação de mantras
-
e rituais complexos —
-
estás a abandonar os ensinamentos
de Plum Village?
-
Pensávamos que eras só sobre
atenção plena, concentração e
-
compreensão. Por que estás
a recitar mantras?” E o Thay respondeu:
-
“Quando recitamos um mantra com
atenção plena, podemos gerar
-
transformação e cura.
-
Não é o mantra em si, é como o recitamos.”
-
E, para tocar a consciência
coletiva do Vietname,
-
para gerar o tipo de cura
que era necessária para superar
-
o sofrimento de
-
todos esses amigos
desaparecidos — soldados, famílias —
-
cujos túmulos nunca foram assinalados,
-
cujas mortes nunca foram
verdadeiramente honradas de forma adequada,
-
o Thay teve de recorrer à
energia coletiva desta prática
-
do Mantrayana durante esses três dias —
-
a cerimónia mais elaborada
do Leste Asiático,
-
o Badrayana
-
para que a atenção plena
na recitação dos mantras e a participação
-
nas cerimónias gerasse
uma transformação coletiva.
-
Então, essa é a prática do Thay de também integrar
a prática do Mantrayana,
-
a prática do Badarayana, e de se
banhar no Budismo da Fonte.
-
Trazer atenção plena ao
canto. Atenção plena à
-
cerimónia — isso é o que traz
a eficácia e a transformação.
-
Então, o ponto principal deste Princípio,
para que possamos compreender a
-
base da prática em Plum Village, é que
não rejeitamos nada.
-
O Budismo não tem
um movimento protestante.
-
Somos muito
-
cuidadosos ao longo dos séculos
para não ficar presos ao dogma.
-
Claro que isso acontece,
-
mas, felizmente, está integrado
no Budismo a libertação
-
da ideologia, de ficar
preso a uma ideologia ou dogma.
-
E assim,
-
não nos tornamos violentos em relação às
ideologias ou dogmas.
-
Honramos as tradições. Assim,
aprendemos a recorrer à prática para trazer
-
uma transformação coletiva e
cura. Quando percebemos que a tradição
-
ficou um pouco presa, surge
uma energia renovadora,
-
e por isso usamos a nossa própria intuição.
Por isso não podemos ficar presos apenas
-
à forma da prática, porque
então ficamos presos e
-
apegados à forma.
-
Ao aprofundar na
tradição, podemos promover
-
a transformação. Esse é
o espírito da prática em Plum Village.
-
E o Thay disse, contou a um dos meus
irmãos mais velhos, que se estivermos
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a praticar exatamente da mesma forma daqui a
50 anos, então o Thay não
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nos ensinou muito bem.
Não estamos a honrar o caminho do Thay.
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Por isso também temos que usar a nossa intuição
para conseguir trazer novas
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transformações à tradição. E
não é fácil, porque sinto que o Thay
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fez um trabalho incrível em
tantos aspetos, renovando as
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tradições budistas, mas precisamos mesmo
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de aplicar isso na nossa vida,
e ver
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se são adequadas. Porque o Thay quer
que continuemos e aprofundemos as nossas perceções,
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trazendo novos insights até mesmo
sobre o que o Thay já viu
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na sua própria prática
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e na vida da comunidade.
Esse é o ponto principal.
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Não rejeitamos nada.
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Gosto muito deste Princípio e da
abordagem do Thay ao Budismo.
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Não cortamos nenhuma parte dos
ensinamentos budistas, estamos simplesmente
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a regressar alegremente e a tomar
um banho nos ensinamentos originais,
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para que possamos renovar a intenção
e o propósito originais, assim como
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o Mahayana, o Zen, a Terra Pura e os ensinamentos
do Mantrayana.
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Está bem. Já passei um pouco do tempo.
Obrigado, irmãos.
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Muito alegre.
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Desfrutem os três sons
do sino.
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[Sino]
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[Sino]
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[Sino]