A história de Mestre Gil e o dragão | Rui Henrique | Causos de Cordel
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0:00 - 0:02[Música começa]
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0:07 - 0:08[Música acaba]
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0:08 - 0:10[Rui Henrique] Episódio de hoje:
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0:10 - 0:14"A peleja de Mestre Gil
contra o dragão sabido". -
0:15 - 0:20[RH] Há muito tempo, mas há tanto tempo
que nem mesmo o tempo sequer sabia -
0:20 - 0:22há quanto tempo tinha acontecido,
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0:22 - 0:26mas era tanto tempo que ainda tinha
pouca gente pelo mundo -
0:26 - 0:32e tantas coisas inacreditáveis aconteciam,
que nem Trancoso era capaz de acreditar. -
0:32 - 0:36Mas esta história, aconteceu
às margens do rio Beberibe, -
0:36 - 0:41numa vilazinha chamada Ham,
que nem no mapa se acha mais. -
0:41 - 0:46Mas dizem que ficava na divisa
entre Recife e Olinda, em Pernambuco. -
0:46 - 0:53Lá morava um cabra chamado Agídio Júlio,
mais conhecido como seu Gil, -
0:53 - 0:57que era dono de um sítio
onde plantava legumes, frutas -
0:57 - 0:59e tinha umas cabeças de gado.
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0:59 - 1:05Seu Gil morava sozinho e seu único
companheiro era um cachorro chamado Garm, -
1:05 - 1:08que o ajudava no cuidado com a terra.
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1:08 - 1:14Uma certa madrugada, um gigante tão alto
que sua testa raspava as nuvens do céu, -
1:14 - 1:16apareceu pela vila de Ham.
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1:17 - 1:22Cada passada dele destruía as plantações
de macaxeira de alguns moradores -
1:22 - 1:25e, pelo caminho, seus pés arrancavam
os pés de manga e caju, -
1:25 - 1:28como se fossem capim.
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1:28 - 1:32O povo de Ham se escondeu
onde pudesse se esconder, -
1:32 - 1:34com medo de ser esmagado
numa pisada do gigante. -
1:34 - 1:40O cachorro Garm viu tudo e saiu correndo
pra avisar o dono daquele acontecido. -
1:40 - 1:44Chegando na porta da casa do seu Gil,
Garm começou a latir -
1:44 - 1:49e na porta apareceu o seu Gil,
assustado pelo alvoroço do bicho. -
1:49 - 1:53[Seu Gil] O que foi, Garm?
Parece que viu assombração. -
1:53 - 1:55[RH] Garm falou todo assustado:
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1:55 - 1:58[Garm] Tem um gigante na sua terra
e acaba de esmagar sua vaca Galatéa -
1:58 - 2:00feito uma tapioca.
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2:00 - 2:03[RH] Sim, minha gente,
o cachorro Garm falou. -
2:03 - 2:07Mas não se espante, isso era
bem comum de acontecer naquele tempo. -
2:07 - 2:12Gil pegou sua velha garrucha e, meio
desacreditado, saiu atrás do Garm, -
2:12 - 2:14que seguia na direção do gigante.
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2:14 - 2:20Logo viram aquela criatura enorme
e Gil percebeu que o tiro de sua garrucha -
2:20 - 2:22não ia fazer quase nada naquele gigante.
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2:22 - 2:27Mesmo assim, morrendo de medo, ele atirou
na direção da cabeça do gigante, -
2:27 - 2:30e o tiro pegou bem na perna dele.
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2:30 - 2:35O gigante sentiu apenas uma picada
e pensando que era uma muriçoca, -
2:35 - 2:37levantou a perna para coçar.
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2:37 - 2:41Foi quando perdeu o equilíbrio
e acabou caindo dentro do rio. -
2:41 - 2:45Como o coitado não sabia nadar,
acabou se afogando. -
2:45 - 2:48E logo correu a notícia,
por toda a cidade, -
2:48 - 2:52que Gil tinha matado o gigante
com apenas um tiro e muita coragem. -
2:52 - 2:57O povo passou a chamá-lo
de Mestre Gil, o herói de Ham. -
2:57 - 2:59Com tanto falatório,
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2:59 - 3:03a história de caçador de gigantes chegou
aos ouvidos do conde de Olinda, -
3:03 - 3:07o governador da capitania de Pernambuco.
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3:07 - 3:12E o fidalgo conde enviou uma carta
ao Mestre Gil e, junto com essa carta, -
3:12 - 3:16dois presentes muito nobres:
uma espada e um cinturão, -
3:16 - 3:19que tinham sido de um
antepassado real do conde, -
3:19 - 3:22um grande caçador de dragões
lá em Portugal. -
3:22 - 3:25Apesar de assustado
com os acontecidos repentinos, -
3:25 - 3:28Mestre Gil gostou foi muito
da fama de herói -
3:28 - 3:32e do grande reconhecimento
do conde de Olinda. -
3:32 - 3:36E então a paz voltou a reinar
em toda a vila de Ham. -
3:37 - 3:42Bem, a paz durou até que um dragão
chamado Chrysophylax -
3:42 - 3:45começou a sobrevoar a vila de Ham.
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3:45 - 3:47Não era um dragão qualquer, não.
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3:47 - 3:51Chrysophylax era um dragão
inteligente e muito rico. -
3:51 - 3:58Em suas posses tinha o dinheiro, dobrões
de ouro e joias reais até da Europa. -
3:58 - 4:00Mas rápido que chuva no sertão,
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4:00 - 4:04chegou a notícia do dragão
aos ouvidos do conde de Olinda. -
4:04 - 4:08O fidalgo ficou foi preocupado,
pois sabia que seus soldados -
4:08 - 4:11num tinham coragem pra pelejar
contra os cangaceiros, -
4:11 - 4:13o que dirá contra um dragão.
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4:13 - 4:18Então se lembrou do fazendeiro,
Mestre Gil, que tinha dado fim no gigante. -
4:18 - 4:21O conde mandou uma intimação
pra Mestre Gil: -
4:21 - 4:24enfrentar e dar um fim naquela fera.
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4:24 - 4:28Ao receber a notícia,
Mestre Gil quase caiu da cadeira. -
4:28 - 4:31Ainda pensou em fugir
lá pras bandas de Caruaru, -
4:31 - 4:35só de pensar em ficar
frente a frente com o dragão. -
4:35 - 4:38Mas não podia fazer
aquela desfeita com o conde. -
4:38 - 4:42Além do mais, estava de posse
de uma espada matadora de dragões. -
4:42 - 4:47Parece até mentira, mas foi só
o Mestre Gil por os pés pra fora, -
4:47 - 4:51que o dragão Chrysophylax apareceu
na frente da fazenda. -
4:51 - 4:56Apesar de ser muito sabido e rico,
Chrysophylax não tinha muita coragem -
4:56 - 4:59e morria de medo de enfrentar
um soldado de espada do governo. -
4:59 - 5:04Mas ali na vila de Ham, ele sabia
que o povo era mais medroso que ele -
5:04 - 5:07e se aproveitando que os matutos correram,
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5:07 - 5:12começou o seu banquete comendo
as vacas mais gordas que via pela frente. -
5:12 - 5:18Quando o Mestre Gil viu Chrysophylax,
olhou pra seu cachorro Garm e falou: -
5:18 - 5:21[Mestre Gil] Agora sobrou
pra gente, Garm. -
5:21 - 5:24[RH] E foi nessa hora que Garm deu
uma carreira danada, -
5:24 - 5:26que deixou pra trás até as pulgas.
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5:26 - 5:31Então Mestre Gil se viu obrigado
a seguir sozinho naquela peleja. -
5:31 - 5:36Pegou a espada e seu cinturão,
presentes dados pelo conde, -
5:36 - 5:39e foi em direção ao dragão.
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5:39 - 5:42Ao ver Mestre Gil, o dragão parou de comer
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5:42 - 5:45e, meio sem jeito, o saudou
com um bom-dia. -
5:45 - 5:48"Bom dia!", respondeu de volta
Mestre Gil, sem entender. -
5:48 - 5:54Chrysophylax pensava rápido num jeito
de se livrar daquele caçador de dragão -
5:54 - 5:58e de sua espada,
espada esta que ele já sabia -
5:58 - 6:00que era uma exterminadora de dragões.
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6:00 - 6:04[Chrysophylax] Me desculpe perguntar,
mas vosmecê tá vindo pra me matar? -
6:04 - 6:07[MG] Não, não, o que é isso!
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6:07 - 6:12É que eu ouvi uma zoada por estas bandas
e vim ver o que era. -
6:12 - 6:16[RH] Nessa hora, Mestre Gil, de tão
nervoso, derrubou a espada sem querer. -
6:16 - 6:20Chrysophylax pensou em lhe dar o bote,
mas Mestre Gil foi mais rápido -
6:20 - 6:23e apontou a espada para o lado do dragão
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6:23 - 6:26e nisso acabou espetando
o peito do bicho. -
6:26 - 6:28[C] Calma, calma! Meu nome é Chrysophylax
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6:28 - 6:32e eu sou um dragão muito rico
e pago o prejuízo. -
6:32 - 6:36[RH] "Paga o prejuízo de quanto?",
falou Mestre Gil. -
6:36 - 6:38[C] Dois contos de réis, tá bom?
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6:38 - 6:41[RH] Já pensando em aumentar a oferta,
Mestre Gil respondeu: -
6:41 - 6:44[MG] Olha, seu dragão,
vosmecê me desculpe, -
6:44 - 6:47mas dois contos de réis é uma mixaria
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6:47 - 6:50e não paga nem o chocalho
da minha vaca malhadinha -
6:50 - 6:52que vosmecê acabou de devorar.
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6:52 - 6:56[RH] Chrysophylax na hora soube
que Mestre Gil era muito do sabido. -
6:56 - 6:58[C] Cinco contos, está bom?
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6:58 - 7:02[MG] É pouco, seu dragão, já viu
a carestia das coisas por aqui no Brasil? -
7:02 - 7:05[C] Dez contos dá para cobrir o estrago.
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7:05 - 7:07[RH] "Continue", falou Mestre Gil.
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7:07 - 7:09[C] Tá certo, tá certo!
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7:09 - 7:12Vinte contos de réis e os dobrões
de ouro pra vosmecê. -
7:12 - 7:14[MG] Tá fechado o negócio, seu dragão.
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7:14 - 7:16Mas cadê o dinheiro?
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7:16 - 7:19[C] Eu não tenho dinheiro aqui comigo,
tenho que buscar na minha toca. -
7:19 - 7:21[RH] Falou Chrysophylax.
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7:21 - 7:23[MG] Tá certo, vá buscar que eu espero.
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7:23 - 7:27[RH] Respondeu Mestre Gil, apontando
a espada para o dragão. -
7:27 - 7:29Foi quando Chrysophylax teve uma ideia:
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7:29 - 7:33[C] Me desculpe a intimidade, mas
por acaso vossa senhoria não desejaria -
7:33 - 7:35ser um conde muito rico?
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7:35 - 7:37[MG] Oxente! Mas quem é
que não quer, seu dragão? -
7:37 - 7:39[RH] Respondeu Mestre Gil.
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7:39 - 7:41[MG] Mas tudo o que eu tenho
é só estas terras -
7:41 - 7:44que vosmecê já destruiu metade.
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7:44 - 7:45[RH] Então Chrysophylax falou:
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7:45 - 7:47[C] Por que não fazemos um trato?
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7:47 - 7:51Vossa Senhoria me deixa morar na caverna
que tem no pé desse morro, -
7:51 - 7:53que está dentro de suas terras,
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7:53 - 7:56me deixa comer umas três
ou quatro vacas por semana -
7:56 - 7:59e em troca te dou todo o meu dinheiro
e ouro que precisar. -
7:59 - 8:01Pode até construir um castelo se quiser,
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8:01 - 8:05o importante é que nunca deixe
que me incomodem. -
8:05 - 8:07[MG] Eu estou de acordo, seu dragão.
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8:07 - 8:10Pode trazer todos os seus dinheiros
e seus ouros -
8:10 - 8:14que, a partir de hoje, vosmecê não será
mais incomodado. -
8:14 - 8:16[RH] Pra todo mundo de Ham,
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8:16 - 8:20Mestre Gil tinha espantado o dragão
pra nunca mais voltar. -
8:20 - 8:23Mas naquela madrugada,
enquanto todo mundo dormia, -
8:23 - 8:27Chrysophylax trouxe toda a sua riqueza
numa lona gigante -
8:27 - 8:31e se instalou na caverna no pé do morro,
dentro das terras do Mestre Gil. -
8:31 - 8:36E foi assim que Mestre Gil ficou
muito rico e acabou se tornando -
8:36 - 8:40um dos maiores criadores
de gado do Nordeste. -
8:42 - 8:44[Música começa]
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8:49 - 8:51[Música acaba]
- Title:
- A história de Mestre Gil e o dragão | Rui Henrique | Causos de Cordel
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Imagine se o escritor dos livros "O Senhor dos Anéis" e "O Hobbit" tivesse escrito uma história que se passa no nordeste. A gente imaginou e adaptou o lIvro do J.R.R Tolkien, "Mestre Gil de Ham", para o formato nordestino.
- Video Language:
- Portuguese, Brazilian
- Duration:
- 08:52