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O que aprendi passando trinta e um dias debaixo d'água

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    Tenho uma confissão a fazer.
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    Sou viciado em aventura.
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    Quando menino,
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    eu preferia olhar pela janela,
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    vendo os pássaros nas árvores e no céu,
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    do que olhar para aquele quadro negro
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    bidiomensional e cheio de giz,
    onde o tempo fica parado,
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    e às vezes até morre.
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    Meus professores achavam
    que havia algo errado comigo
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    porque eu não prestava atenção às aulas.
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    Não encontravam nada específico de errado,
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    além de ser levemente disléxico
    por ser canhoto.
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    Mas nunca fizeram um teste de curiosidade.
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    A curiosidade, para mim,
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    tem a ver com a nossa ligação
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    com o mundo, com o universo.
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    É ver o que há no próximo recife de coral
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    ou na próxima árvore,
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    e aprender mais não só
    sobre o nosso ambiente,
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    mas sobre nós mesmos.
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    O meu maior sonho:
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    quero ir explorar os oceanos de Marte,
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    mas até que possamos ir até lá,
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    acho que os oceanos daqui ainda guardam
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    muitos segredos.
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    Na realidade,
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    se pensarmos em nosso planeta
    como o oásis no espaço que ele é
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    e o analisarmos como um espaço vivo,
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    o oceano representa mais de 3,4 bilhões
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    de quilômetros cúbicos de volume,
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    dos quais exploramos menos de 5%.
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    Eu vejo isso e penso: "Bem,
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    existem ferramentas que nos permitem
    ir mais fundo, mais longe, além:
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    submarinos, VSOR, até mergulho.
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    Mas se formos explorar a fronteira final
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    deste planeta, precisamos morar nela.
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    Precisamos montar uma cabana,
    digamos assim,
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    no fundo do mar.
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    Então, eu tinha uma grande
    curiosidade dentro de mim,
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    quando fui visitar
    uma vencedora do prêmio TED
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    chamada Dra. Sylvia Earle.
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    Talvez tenham ouvido falar dela.
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    Dois anos atrás, ela foi colocada
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    no último laboratório submarino
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    para tentar salvá-lo,
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    para tentar nos convencer
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    de não nos desfazermos dele
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    e trazê-lo de volta à superfície.
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    Só tivemos cerca de uns doze
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    laboratórios científicos
    no fundo do oceano.
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    Só resta um no mundo,
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    a 14,5 km de distância do continente
    e a 20 metros de profundidade.
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    Chama-se Aquarius.
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    O Aquarius, de certa forma,
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    é um dinossauro,
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    um robô antigo, acorrentado
    ao leito oceânico,
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    um leviatã.
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    Por outro lado, ele é um legado.
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    Com essa visita,
    percebi que tinha pouco tempo,
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    se quisesse experimentar
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    como era ser um aquanauta.
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    Quando nadamos na direção dele,
    depois de muitas luas
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    de tortura e dois anos de preparação,
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    esse habitat esperando para nos receber
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    foi como um novo lar.
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    E o objetivo de descermos
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    e vivermos nesse habitat
    não era ficar dentro dele,
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    nem viver dentro de algo
    do tamanho de um ônibus escolar.
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    Era termos tempo de sobra
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    do lado de fora para passear, explorar,
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    entender mais a respeito
    dessa fronteira final oceânica.
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    A megafauna vinha nos visitar.
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    Essa raia-pintada é muito comum
    nos oceanos.
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    Mas por que isso é tão importante?
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    Por que essa foto?
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    Porque esse animal em particular
    trouxe com ele seus amigos,
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    e, em vez de serem
    os animais pelágicos que eram,
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    ficaram curiosos a nosso respeito,
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    estranhos que se instalaram
    na vizinhança deles,
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    fazendo coisas com o plâncton.
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    Estávamos estudando
    todo tipo de animais e criaturas,
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    e eles ficavam cada vez mais perto de nós,
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    e por causa do tempo de sobra,
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    esses animais,
    residentes do recife de corais,
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    foram se acostumando conosco
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    e esses pelágicos, que normalmente
    passam direto, paravam.
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    Esse animal em particular
    ficou ao nosso redor
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    por 31 dias durante nossa missão.
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    Então, a missão 31 não teve muito a ver
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    com quebra de recordes.
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    Tratou-se de uma conexão homem-oceano.
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    Por causa do tempo de sobra,
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    pudemos estudar animais
    como tubarões e garoupas
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    em uma harmonia nunca antes vista.
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    É como ver cães e gatos
    se comportando bem juntos.
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    Pudemos até ter contato
    com animais muito maiores que nós,
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    como esse mero, ameaçado de extinção,
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    que hoje só existe
    no arquipélago Florida Keys.
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    É claro, como qualquer vizinho,
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    depois de um tempo, já cansado,
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    o mero "late" para nós.
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    O "latido" é tão poderoso
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    que ele atordoa a presa
    antes de ser aspirada
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    em menos de um segundo.
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    É um pedido para que voltemos
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    para o habitat e o deixemos em paz.
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    Mas não tratou-se apenas de aventura.
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    Na verdade, havia um objetivo sério.
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    Fizemos muita ciência e, mais uma vez
    por causa da sobra de tempo,
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    pudemos realizar
    mais de três anos de ciência
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    em 31 dias.
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    Nesse caso em particular, usávamos um MAP.
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    Deixem-me ver se consigo falar:
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    Fluorômetro de Modulação
    por Amplitude de Pulso.
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    E nossos cientistas da FIU, do MIT
  • 5:19 - 5:22
    e da Northeastern University
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    conseguiram ter uma ideia
    do que os recifes de corais fazem
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    quando não estamos perto.
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    O Fluorômetro de Modulação
    por Amplitude de Pulso, ou MAP,
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    mede a fluorescência dos corais,
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    no que se refere a poluentes na água
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    e a problemas relacionados
    com a mudança climática.
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    Nós usamos todo tipo
    de ferramentas avançadas,
  • 5:41 - 5:43
    como esta sonda, ou, como gosto de chamar,
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    o proctologista de esponjas.
  • 5:48 - 5:52
    A sonda verifica as taxas de metabolismo
  • 5:52 - 5:55
    naquilo que, neste caso específico,
    é uma esponja-barril,
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    ou as sequoias do oceano.
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    Isso nos dá uma noção muito melhor
    do que acontece debaixo d'água,
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    no que se refere aos problemas
    relacionados com mudança climática
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    e como essa dinâmica
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    nos afeta aqui em terra.
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    Por fim, analisamos
    o comportamento predador-presa.
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    Esse comportamento é interessante,
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    porque, na ausência
    de alguns dos predadores
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    desses recifes de corais
    ao redor do mundo,
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    as presas, ou peixes de forragem,
    agem de forma bem diferente.
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    Nós percebemos
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    que eles não apenas param
    de tomar conta do recife,
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    entrando rapidamente,
    pegando um pouco de algas
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    e voltando para suas casas,
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    mas começam a se espalhar e a desaparecer
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    desses recifes de coral.
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    Bem, nesses 31 dias,
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    conseguimos gerar
    mais de 10 artigos científicos
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    sobre cada um desses tópicos.
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    Mas o objetivo da aventura
    não foi só aprender,
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    mas poder compartilhar
    esse conhecimento com o mundo
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    e, com isso, graças a uma dupla
    de engenheiros do MIT,
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    pudemos usar uma câmera prototípica
    chamada Edgertronic,
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    para capturar vídeos em câmera lenta,
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    de até 20 mil quadros por segundo,
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    numa pequena caixa
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    que vale 3 mil dólares.
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    Está disponível para qualquer pessoa.
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    E essa câmera em particular
    nos dá uma ideia
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    do que animais bem comuns fazem
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    e que não conseguimos nem ver
    num piscar de olhos.
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    Vou mostrar o que essa câmera faz,
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    num vídeo bem curto.
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    Vocês podem ver as bolhas suaves saindo
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    dos nossos capacetes.
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    Isso nos dá uma ideia
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    sobre alguns dos animais que estavam
    próximos durante 31 dias
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    e nos quais jamais teríamos reparado,
    em situações normais,
  • 7:33 - 7:35
    como os bernardos-eremitas.
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    Bem, utilizar tecnologia de ponta
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    que na verdade não é feita para os oceanos
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    não é muito fácil.
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    Às vezes, tínhamos de colocar
    a câmera de ponta-cabeça,
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    conectá-la ao laboratório
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    e acionar o gatilho manualmente,
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    do laboratório.
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    Mas isso nos dá
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    a possiblidade de observar e analisar,
  • 7:57 - 8:00
    em termos científicos e de engenharia,
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    alguns dos comportamentos mais incríveis
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    que o olho humano nem percebe,
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    como este estomatópode
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    tentando pegar sua presa,
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    em 0,3 segundo.
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    Esse golpe tem a força
    de uma bala de calibre 22.
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    E se você tentar pegar uma bala
    no ar só olhando, é impossível.
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    Mas agora podemos ver coisas
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    como essas poliquetas
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    se contraindo e se expandindo
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    de uma forma que o olho não pode ver,
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    ou, neste caso,
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    um peixe vomitando grãos de areia.
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    Este é um gobião,
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    e se o observarmos em tempo real,
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    na verdade, nem dá para vê-lo se expandir,
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    porque é muito rápido.
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    Um dos presentes mais preciosos
    que tínhamos debaixo d'água era o WiFi,
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    e, por 31 dias seguidos,
    pudemos nos conectar
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    com o mundo em tempo real,
    do leito oceânico,
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    e compartilhar todas essas experiências.
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    Ali, eu literalmente falava pelo Skype
    com um dos seis continentes
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    e com alguns dos 70 mil alunos
    com que nos conectávamos
  • 9:13 - 9:15
    todos os dias, mostrando
    essas experiências.
  • 9:15 - 9:17
    Na realidade, estou mostrando
    uma foto que tirei
  • 9:17 - 9:20
    debaixo d'água, com meu smartphone,
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    de um mero deitado no fundo.
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    Jamais tínhamos visto aquilo.
  • 9:28 - 9:29
    E eu sonho com o dia
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    em que teremos cidades subaquáticas
  • 9:32 - 9:34
    e, talvez, apenas talvez,
    se superamos os limites
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    da aventura e do conhecimento
  • 9:36 - 9:39
    e compartilharmos esse
    conhecimento com os outros,
  • 9:39 - 9:43
    poderemos resolver todo tipo de problema.
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    Meu avô costumava dizer:
  • 9:44 - 9:47
    "As pessoas protegem aquilo que amam".
  • 9:47 - 9:52
    Meu pai: "Como as pessoas podem proteger
    aquilo que não compreendem?"
  • 9:55 - 9:59
    E eu pensei nisso minha vida inteira.
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    Nada é impossível.
  • 10:02 - 10:05
    Precisamos sonhar,
    precisamos ser criativos
  • 10:05 - 10:08
    e todos precisamos ter uma aventura
  • 10:08 - 10:11
    para criarmos milagres
    nos momentos mais escuros.
  • 10:11 - 10:14
    Seja a mudança climática,
  • 10:14 - 10:16
    a erradicação da pobreza
  • 10:16 - 10:18
    ou garantindo às futuras gerações
  • 10:18 - 10:21
    aquilo que não valorizamos tanto,
  • 10:21 - 10:22
    trata-se de aventura.
  • 10:22 - 10:25
    E, quem sabe, talvez haja
    cidades subaquáticas
  • 10:25 - 10:29
    e talvez alguns de vocês
    se tornem futuros aquanautas.
  • 10:29 - 10:30
    Muito obrigado.
  • 10:30 - 10:33
    (Aplausos)
Title:
O que aprendi passando trinta e um dias debaixo d'água
Speaker:
Fabien Cousteau
Description:

Em 1963, Jacques Cousteau viveu durante trinta dias num laboratório subaquático instalado no leito do Mar Vermelho, e estabeleceu um recorde no processo. No último verão, seu neto Fabien Cousteau quebrou esse recorde. Cousteau, o neto, ficou durante trinta e um dias a bordo do Aquarius, um laboratório de pesquisa subaquático a 14,5 quilômetros da costa da Flórida. Numa palestra encantadora, ele dá vida à sua maravilhosa aventura.

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Video Language:
English
Team:
closed TED
Project:
TEDTalks
Duration:
10:47

Portuguese, Brazilian subtitles

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