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Podemos criar vacinas que sofram mutações e se propaguem?

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    Vou falar-vos de uma aluna minha.
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    Há umas semanas, ela estava de férias
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    quando, às três da manhã,
    recebeu uma chamada.
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    Era o marido a dizer-lhe
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    que a cidade onde ela estava ia entrar
    em quarentena às 10 da manhã.
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    Ela estava em Wuhan, na China,
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    o epicentro do surto do novo coronavírus.
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    Às oito da manhã, ela estava na estrada
    no carro de uma amiga
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    a percorrer 800 km até
    ao aeroporto de Xangai.
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    Durante todo o caminho,
    ia apavorada com medo de ser detida.
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    Conseguiu embarcar num dos últimos voos.
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    Ficámos aliviados
    por ela ter voltado para casa
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    e estar a salvo nos EUA.
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    Mas e se eu dissesse que ela está aqui?
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    Que ela está sentada ao vosso lado?
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    Não há vacina.
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    Não teremos nenhuma vacina
    durante, pelo menos, 12 meses.
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    E este vírus está a sofrer mutações,
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    por isso não há garantia de que a vacina
    que produzirmos daqui a 12 meses
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    corresponda ao vírus alterado.
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    Estamos a brincar à apanhada.
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    Este é o cenário em que nos encontramos,
    sempre que há um surto.
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    As nossas quarentenas são porosas,
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    as nossas respostas médicas
    são desajeitadas,
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    O principal problema que enfrentamos
    para controlar estes surtos
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    é que os vírus e outras infeções
    fazem duas coisas muito bem feitas:
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    sofrem mutações
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    e propagam-se.
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    As nossas ferramentas médicas
    não fazem nenhuma dessas coisas.
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    As nossas ferramentas médicas
    não sofrem mutações nem se propagam.
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    Temos uma incompatibilidade fundamental
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    entre as nossas ferramentas,
    que são estáticas,
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    e as infeções, que são dinâmicas.
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    Essa incompatibilidade é a razão
    de nunca estarmos preparados.
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    É o motivo de estarmos um passo atrás.
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    E essa incompatibilidade é universal.
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    É a razão de termos infeções
    resistentes a antibióticos,
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    que mataram mais de 40 000 americanos
    no ano passado
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    e é a razão por que a vacina
    contra a gripe não impediu
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    que a gripe matasse, no ano passado,
    mais de 60 000 americanos.
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    Então como resolvemos
    esta incompatibilidade?
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    Eu tenho dedicado a minha carreira
    a estudar e resolver este problema.
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    Durante 100 anos,
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    temos usado produtos químicos
    como remédios para tratar infeções.
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    Os produtos químicos nunca sofrerão
    mutações nem se propagarão.
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    As nossas vacinas também não passam
    por mutações nem se propagam.
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    Há 20 anos,
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    eu tive uma ideia radical
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    para usar os vírus como terapias,
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    — como blocos de construção
    para terapias —
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    para criar terapias que pudessem
    sofrer mutações e propagar-se.
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    Vou contar-vos
    como fizemos um grande progresso,
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    e já estamos a testar
    essas novas terapias.
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    O VIH é a pandemia
    mais devastadora da nossa era.
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    São 75 milhões infetados;
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    33 milhões de mortos.
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    Muitos de nós acreditam
    que o VIH é um problema resolvido.
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    Temos antivirais realmente incríveis:
  • 3:35 - 3:37
    são seguros e eficazes.
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    Passámos 15 anos
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    e gastámos milhões de dólares
    a distribuir esses remédios
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    por todo o mundo.
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    Então, vamos olhar para os números.
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    Em 2019,
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    houve 1,7 milhões de pessoas
    que contraíram o VIH.
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    Esse número só me impressionou
    no ano passado,
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    quando visitei uma aldeia rural,
    nos arredores de Durban, na África do Sul.
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    Eu ia a conduzir ao longo
    duma estrada poeirenta,
  • 4:04 - 4:07
    com a minha filha de 10 anos
    no banco de trás,
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    e ao nosso lado na estrada,
    havia miúdas a caminhar,
  • 4:11 - 4:14
    com a mesma idade da minha filha,
    descalças.
  • 4:15 - 4:18
    A minha filha perguntou-me
    porque é que elas estavam descalças
  • 4:18 - 4:20
    e eu tive de lhe explicar a razão,
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    o que não foi nada fácil.
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    Mas o que realmente me chocou,
    foi quando os meus colegas,
  • 4:27 - 4:31
    os cientistas africanos locais,
    me explicaram
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    que essas raparigas
    da mesma idade da minha filha
  • 4:35 - 4:37
    — desculpem —
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    tinham 80% de hipóteses
    de contrair VIH durante a sua vida.
  • 4:43 - 4:44
    Isso surpreendeu-me.
  • 4:44 - 4:47
    Como é que elas podiam
    correr um risco de 80%,
  • 4:47 - 4:50
    se nós temos medicamentos
    seguros e eficazes?
  • 4:51 - 4:53
    A razão é a incompatibilidade fundamental.
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    Isso cria uma barreira para controlar
    doenças infecciosas,
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    principalmente em ambientes
    com recursos limitados.
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    A primeira barreira é a mutação:
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    os vírus sofrem mutações,
    os nossos medicamentos não.
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    A segunda barreira é a adesão.
  • 5:10 - 5:14
    É muito difícil chegar
    àqueles que mais precisam.
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    Eu nem consigo aderir a um regime
    de antibióticos de uma semana neste país.
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    Nós estamos a pedir àqueles
    com recursos limitados,
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    que enfrentam
    uma enorme adversidade,
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    para aderirem a regimes vitalícios.
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    A terceira barreira é a distribuição,
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    ou seja, o acesso.
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    É muito difícil fazer chegar
    esses medicamentos aos que mais precisam.
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    Não àquelas miúdas, mas às pessoas
    que se dedicam a atividades de alto risco,
  • 5:45 - 5:48
    como o trabalho sexual
    e o consumo de drogas injetáveis.
  • 5:50 - 5:52
    Na linguagem epidemiológica,
  • 5:52 - 5:54
    chamamos a esses grupos
    os "super-propagadores".
  • 5:54 - 5:56
    Na década de 1900,
  • 5:56 - 5:59
    Um pequeno grupo de "super-propagadores"
  • 5:59 - 6:02
    levou o VIH ao longo
    das autoestradas transafricanas
  • 6:02 - 6:05
    e assim propagou o vírus
    por todo o continente.
  • 6:06 - 6:09
    Esses grupos são muito
    difíceis de identificar,
  • 6:09 - 6:10
    são pequenos,
  • 6:10 - 6:14
    são objeto de um enorme estigma social,
    e por isso não se identificam.
  • 6:14 - 6:17
    São eles que mais precisamos de atingir.
  • 6:18 - 6:23
    Todas as barreiras combinadas, criaram
    a situação em que nos encontramos hoje,
  • 6:23 - 6:28
    onde mais de 15% da população
    da África do Sul vive com VIH.
  • 6:31 - 6:33
    A sabedoria convencional é:
  • 6:33 - 6:36
    o que precisamos de conseguir
    mais medicamentos
  • 6:36 - 6:39
    mais eficazes para mais pessoas.
  • 6:39 - 6:43
    Eu diria que precisamos de resolver
    a incompatibilidade fundamental:
  • 6:43 - 6:45
    precisamos de eliminar essas barreiras.
  • 6:46 - 6:50
    Se conseguirmos criar terapias
    que sofram mutações e se propaguem,
  • 6:50 - 6:53
    podemos superar a resistência
    aos medicamentos,
  • 6:53 - 6:56
    superar as barreiras de adesão,
  • 6:56 - 6:59
    e se pudermos fazer isso adequadamente,
  • 6:59 - 7:02
    converteremos os super-propagadores
    da maior barreira
  • 7:02 - 7:06
    para a estratégia de distribuição
    mais poderosa que podemos imaginar.
  • 7:09 - 7:11
    Este é um conceito radical.
  • 7:11 - 7:14
    Tem um grande potencial de recompensa,
  • 7:14 - 7:17
    mas há um problema.
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    E é muito profundo.
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    Antes de distribuirmos uma terapia
    que possa vir a propagar-se,
  • 7:26 - 7:30
    mesmo que seja apenas numa população
    limitada de indivíduos já infetados,
  • 7:30 - 7:32
    antes de fazermos isso,
  • 7:32 - 7:34
    precisamos de ser excecionalmente
    cuidadosos.
  • 7:35 - 7:38
    Precisamos de testar com muito cuidado,
    da maneira mais rigorosa possível.
  • 7:40 - 7:44
    A razão por que eu estou aqui hoje
    é porque, pela primeira vez em 20 anos,
  • 7:44 - 7:45
    conseguimos que isto funcione.
  • 7:45 - 7:49
    E é a primeira vez que estou
    a comunicar isto em público.
  • 7:49 - 7:52
    (Aplausos)
  • 7:58 - 8:00
    As duas últimas vezes
    que fiz isto, chorei.
  • 8:00 - 8:02
    (Risos)
  • 8:03 - 8:07
    Então, para vos ajudar
    a entender essa descoberta,
  • 8:07 - 8:11
    vou recuar 20 anos, a 1999.
  • 8:12 - 8:15
    Eu era estudante universitário
    em Berkeley, na Califórnia,
  • 8:15 - 8:17
    a estudar a biofísica do VIH.
  • 8:17 - 8:19
    Para uma epidemia tão complexa,
  • 8:19 - 8:23
    fiquei fascinado
    com a simplicidade deste vírus.
  • 8:24 - 8:28
    O VIH, assim como todos os vírus,
    é um conjunto de instruções
  • 8:28 - 8:29
    um "software" maléfico.
  • 8:30 - 8:34
    Sequestra uma célula e transforma-a
    numa fábrica para fazer uma coisa:
  • 8:34 - 8:37
    produzir mais vírus, teimosamente.
  • 8:37 - 8:40
    Todas as funções normais
    da célula desaparecem.
  • 8:40 - 8:43
    O VIH infeta os glóbulos brancos
    que nos mantêm saudáveis.
  • 8:44 - 8:47
    Esta célula já foi sequestrada
    e transformada numa fábrica.
  • 8:48 - 8:50
    Se a ampliarmos,
  • 8:50 - 8:52
    podemos ver a anatomia do vírus.
  • 8:53 - 8:55
    Estas linhas vermelhas
    onduladas no meio?
  • 8:55 - 8:57
    São o conjunto de instruções do VIH.
  • 8:57 - 8:59
    O seu material genético.
  • 9:00 - 9:04
    Este material genético
    dirige o processo do sequestro,
  • 9:04 - 9:07
    transformando primeiro
    a célula numa fábrica
  • 9:07 - 9:11
    para fazer mais cópias
    do conjunto de instruções
  • 9:11 - 9:14
    e depois todos os outros
    componentes do vírus
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    e montá-los numa partícula.
  • 9:17 - 9:20
    É assim que o vírus se multiplica.
  • 9:22 - 9:25
    Cada uma dessas partículas
    pode sequestrar uma célula nova.
  • 9:26 - 9:28
    É assim que o vírus se propaga.
  • 9:28 - 9:31
    E sempre que uma célula é sequestrada,
  • 9:31 - 9:35
    ocorrem pequenos erros
    ao copiar os materiais genéticos.
  • 9:35 - 9:38
    É assim que o vírus sofre mutações.
  • 9:38 - 9:41
    Esta capacidade de se multiplicar,
    de se propagar e de sofrer mutações
  • 9:41 - 9:44
    é uma coisa que os nossos
    medicamentos atuais não fazem.
  • 9:45 - 9:49
    Então, como era jovem e ingénuo,
    e um pouco ignorante.
  • 9:49 - 9:51
    eu pensei:
  • 9:51 - 9:54
    porque é que não podemos criar
    terapias mutantes,
  • 9:54 - 9:57
    que se propaguem e se multipliquem?
  • 9:59 - 10:01
    A ideia era esta.
  • 10:02 - 10:04
    Se pudermos pegar no vírus
  • 10:04 - 10:08
    e modificá-lo para amputar
    o material genético aqui a azul,
  • 10:08 - 10:12
    esse conjunto de instruções amputado
    deixa de poder sequestrar a célula.
  • 10:13 - 10:17
    Mas esse conjunto de instruções amputado
    pode fazer uma coisa especial.
  • 10:18 - 10:20
    Numa célula já infetada,
  • 10:20 - 10:25
    esse conjunto de instruções amputado
    pode sequestrar o sequestrador.
  • 10:25 - 10:31
    Pode obrigar o maquinismo do VIH
    a fazer mais cópias de si mesmo,
  • 10:31 - 10:33
    o conjunto de instruções amputado,
  • 10:33 - 10:38
    e assim cada uma dessas cópias pode
    roubar todos os outros componentes do VIH,
  • 10:38 - 10:43
    para as células deixarem de ser
    uma fábrica que produz vírus
  • 10:43 - 10:46
    e passem a ser uma fábrica
    que produz a terapia.
  • 10:46 - 10:48
    Sequestradores.
  • 10:48 - 10:50
    Estes não transmitem doenças.
  • 10:50 - 10:53
    Isto abaixa enormemente
    os níveis do VIH,
  • 10:53 - 10:55
    mantendo as células saudáveis.
  • 10:57 - 11:01
    Esta ideia consumiu-me durante meses.
  • 11:01 - 11:05
    Foi a experiência intelectual
    mais intensa da minha vida.
  • 11:06 - 11:08
    Nas minhas viagens
    de bicicleta para o laboratório,
  • 11:08 - 11:11
    nas minhas caminhadas até ao café,
  • 11:11 - 11:14
    nas minhas corridas pelas colinas
    acima do campus,
  • 11:14 - 11:16
    as ideias, os argumentos,
  • 11:16 - 11:17
    os contra-argumentos,
  • 11:17 - 11:20
    apareciam tão rapidamente na minha
    cabeça, no meu monólogo interior
  • 11:20 - 11:23
    que eu ficava fisicamente sem fôlego.
  • 11:23 - 11:26
    Pensei que, se de facto pudéssemos
    criar uma terapia que se multiplicasse,
  • 11:26 - 11:29
    só precisaria de ser aplicada uma vez.
  • 11:30 - 11:32
    Poderia sofrer mutações
    juntamente com o vírus,
  • 11:32 - 11:36
    e possivelmente poderia propagar-se
    entre os indivíduos infetados,
  • 11:36 - 11:38
    para os tratar.
  • 11:39 - 11:43
    Era uma terapia que poderia fazer
    todas as coisas que o vírus pode fazer.
  • 11:43 - 11:46
    Isso resolvia a incompatibilidade
    fundamental.
  • 11:48 - 11:51
    A parte mais radical deste conceito,
  • 11:51 - 11:55
    era que os super-propagadores
    também seriam transformados:
  • 11:55 - 11:59
    em vez de propagarem o vírus
    passavam a propagar a terapia.
  • 12:00 - 12:04
    Era uma terapia que se tornaria viral
    juntamente com o vírus.
  • 12:06 - 12:08
    Isso assustou algumas pessoas.
  • 12:08 - 12:11
    Mas já existe um precedente:
  • 12:11 - 12:16
    nós já, involuntariamente,
    usamos terapias que se propagam.
  • 12:17 - 12:20
    A vacina que erradicou
    a poliomielite nos EUA,
  • 12:20 - 12:22
    a vacina oral contra a poliomielite,
  • 12:22 - 12:24
    propaga-se entre as pessoas.
  • 12:25 - 12:27
    Não é um facto muito conhecido,
  • 12:27 - 12:30
    mas o facto de essa vacina se propagar
  • 12:30 - 12:34
    faz parte da razão por que foi escolhida
    para a tentativa de erradicação mundial,
  • 12:34 - 12:37
    apesar dos seus problemas de segurança.
  • 12:38 - 12:43
    Então, o maior problema era que essas
    terapias sequestradoras não existiam.
  • 12:44 - 12:47
    Os meus conselheiros
    da Berkeley disseram-me:
  • 12:48 - 12:51
    "Uma ideia adorável, é pena
    que nunca vá funcionar",
  • 12:51 - 12:55
    ou "Os reguladores
    nunca irão permitir isso, abandona-a."
  • 12:57 - 12:59
    Mas a ideia não me abandonou.
  • 13:02 - 13:03
    Se aquilo funcionasse,
  • 13:03 - 13:06
    resolveria a incompatibilidade
    fundamental.
  • 13:06 - 13:09
    Então, tentámos criá-la durante anos.
  • 13:09 - 13:12
    Experimentámos todas as formas possíveis
  • 13:12 - 13:15
    e falhámos vezes sem conta.
  • 13:17 - 13:20
    Sempre que pensávamos
    ter tido uma boa ideia,
  • 13:20 - 13:22
    passávamos meses,
    às vezes anos a trabalhar nela,
  • 13:23 - 13:25
    para acabar sem nada.
  • 13:26 - 13:29
    Uma vez passámos cinco anos
  • 13:30 - 13:34
    a construir 150 000 versões
    de uma terapia de sequestrador.
  • 13:35 - 13:37
    Todas elas falharam.
  • 13:39 - 13:42
    Uma vez, perguntei a um aluno
    muito inteligente
  • 13:42 - 13:45
    o que é que ele esperava aprender
    comigo durante o seu doutoramento.
  • 13:45 - 13:47
    (Risos)
  • 13:47 - 13:48
    E ele respondeu:
  • 13:49 - 13:50
    "Como continuar,
  • 13:50 - 13:52
    "como seguir em frente
  • 13:52 - 13:55
    "mesmo com zero evidências
    de que há ali alguma coisa."
  • 13:55 - 13:57
    (Risos)
  • 13:58 - 14:01
    Fiquei a pensar se ele estava
    a tentar dizer-me alguma coisa.
  • 14:01 - 14:02
    (Risos)
  • 14:03 - 14:06
    Em 2018, as coisas pareciam correr mal.
  • 14:08 - 14:10
    Não havia nenhum indício
  • 14:10 - 14:12
    de ser possível
    uma terapia de sequestrador.
  • 14:12 - 14:16
    Na verdade, tínhamos indícios
    de que isso podia ser impossível.
  • 14:17 - 14:20
    Era altura de encarar a difícil verdade.
  • 14:20 - 14:22
    Essa solução que tanto queríamos,
  • 14:22 - 14:26
    essa terapia de sequestrador não existia.
  • 14:28 - 14:30
    Durante 20 anos,
  • 14:30 - 14:32
    eu tinha andado a perseguir um fantasma.
  • 14:35 - 14:37
    Até que um dia,
  • 14:37 - 14:39
    Elizabeth, uma pós-doutorado,
    no meu laboratório,
  • 14:39 - 14:42
    veio mostrar-me esta foto.
  • 14:42 - 14:44
    Não tinha um grande aspeto.
  • 14:44 - 14:47
    A minha mulher acha que se parece
    com um teste de gravidez.
  • 14:47 - 14:49
    (Risos)
  • 14:50 - 14:53
    Mas esta pequena banda aqui
  • 14:53 - 14:56
    era o material genético amputado
  • 14:56 - 14:58
    de que andávamos à procura há 20 anos.
  • 14:59 - 15:03
    Todo o tempo que tínhamos
    tentado construí-lo e tínhamos falhado,
  • 15:03 - 15:06
    ele evoluíra por si mesmo
    num frasco na traseira do laboratório.
  • 15:06 - 15:08
    (Audiência) O quê?
  • 15:08 - 15:09
    (Risos)
  • 15:09 - 15:11
    Finalmente tínhamos uma base.
  • 15:11 - 15:14
    E usámos isto para criar
    o primeiro sequestrador.
  • 15:15 - 15:19
    Não havia nenhum indício de que
    o que tínhamos construído era uma terapia.
  • 15:20 - 15:24
    O primeiro obstáculo que qualquer
    terapia tem de vencer é o teste num rato.
  • 15:24 - 15:26
    Pode ser arriscado.
  • 15:26 - 15:30
    No nosso caso, se o rato morresse,
  • 15:30 - 15:31
    poderíamos perder o financiamento
  • 15:31 - 15:34
    e, com isso, a esperança
    de criar uma terapia,
  • 15:34 - 15:37
    e muito menos uma terapia transformadora.
  • 15:38 - 15:39
    Depois de tantos fracassos,
  • 15:39 - 15:44
    estávamos todos céticos,
    mas não tínhamos muitas alternativas.
  • 15:44 - 15:47
    Tínhamos de arriscar;
    tínhamos de tentar.
  • 15:49 - 15:54
    Surpreendentemente, a terapia
    do sequestrador funcionou num rato,
  • 15:54 - 15:58
    e funcionou exatamente como tínhamos
    previsto 20 anos antes.
  • 15:58 - 16:01
    Protegeu as células do rato contra o VIH.
  • 16:01 - 16:04
    Estas são as células
    vistas ao microscópio.
  • 16:04 - 16:07
    Primeiro, o VIH a vermelho
    infeta as células,
  • 16:07 - 16:11
    e depois o sequestrador, a azul,
    pode ser ativado,
  • 16:11 - 16:14
    protege essas células
    e propaga-se para outras.
  • 16:16 - 16:20
    Finalmente criámos
    um sequestrador ao fim de 20 anos.
  • 16:20 - 16:23
    Todos no laboratório estavam eufóricos.
  • 16:23 - 16:26
    Para mim, foi uma prova do conceito.
  • 16:27 - 16:30
    Se podíamos fazer isso com um vírus,
    era possível com outros.
  • 16:32 - 16:35
    Para entender como esse sequestrador
    pode ter impacto
  • 16:35 - 16:37
    nos níveis do VIH no mundo inteiro,
  • 16:37 - 16:39
    fizemos simulações em computador.
  • 16:39 - 16:41
    Modelos epidemiológicos.
  • 16:41 - 16:44
    E os resultados foram incríveis.
  • 16:45 - 16:48
    Se não fizermos nada
    nas áreas mais atingidas de África,
  • 16:48 - 16:52
    a prevalência do VIH
    vai manter-se entre 25 e 30%.
  • 16:54 - 16:59
    Se conseguirmos introduzir os medicamentos
    em três quartos da população,
  • 16:59 - 17:03
    ou se um dia encontrarmos
    a tão procurada vacina,
  • 17:03 - 17:06
    reduziríamos esses números a 20%.
  • 17:06 - 17:09
    Mas estes são os melhores cenários.
  • 17:09 - 17:12
    Se o VIH desenvolver resistência
  • 17:12 - 17:14
    ou se as pessoas mudarem
    os seus comportamentos,
  • 17:14 - 17:17
    esses números poderão voltar aos 30%
  • 17:17 - 17:19
    ou até mais do que isso.
  • 17:19 - 17:23
    O azul é a terapia do sequestrador.
  • 17:24 - 17:26
    E não encontrámos uma forma,
  • 17:26 - 17:29
    teórica ou experimental,
  • 17:29 - 17:33
    de que o VIH pode desenvolver
    resistência ao sequestrador.
  • 17:34 - 17:38
    Esse sequestrador funciona muito bem
    por conta dos super-sequestradores.
  • 17:39 - 17:43
    Se o sequestrador for introduzido
    num local aqui,
  • 17:44 - 17:48
    o super-propagador pode apanhá-lo
    e propagar-se para a população.
  • 17:53 - 17:58
    Imaginem se daqui a 10 anos,
    o VIH já não for uma pandemia.
  • 17:59 - 18:00
    Para lá chegar,
  • 18:00 - 18:04
    temos de começar testes clínicos
    de grande escala, dentro de cinco anos,
  • 18:04 - 18:08
    o que significa testes em seres humanos
    já no próximo ano.
  • 18:08 - 18:13
    A FDA autorizou-nos a iniciar testes
    em doentes VIH positivo
  • 18:13 - 18:16
    que tenham um cancro terminal
  • 18:16 - 18:19
    e tenham um prognóstico
    de menos de um ano de vida.
  • 18:22 - 18:24
    Oferecer-se como voluntários
    para esses testes
  • 18:24 - 18:27
    é o último ato generoso
    desses doentes para com o mundo.
  • 18:27 - 18:30
    Chamam-lhes "A coorte do último presente".
  • 18:30 - 18:34
    Para testar nesses pacientes altruístas
    no próximo ano,
  • 18:34 - 18:38
    precisamos de finalizar os testes
    pré-clínicos este ano
  • 18:38 - 18:40
    e acho que conseguiremos.
  • 18:40 - 18:42
    Eu ainda encontro colegas que resistem
  • 18:42 - 18:46
    e se opõem a deixar-nos
    avançar com os testes.
  • 18:46 - 18:49
    Dizem: "E se alguma coisa correr mal?
  • 18:49 - 18:52
    "Vocês não podem desfazer isso."
  • 18:52 - 18:54
    Dizem: "Há problemas éticos;
  • 18:54 - 18:57
    "as pessoas não podem consentir."
  • 18:57 - 19:00
    A vacina oral da poliomielite
    enfrentou preocupações semelhantes
  • 19:00 - 19:02
    sobre ética e segurança.
  • 19:02 - 19:07
    A vacina oral da poliomielite enfrentou
    uma campanha de desinformação tão eficaz
  • 19:07 - 19:09
    que muitas pessoas
    ainda não sabem que se propaga,
  • 19:09 - 19:13
    que erradicou a poliomielite
    com êxito em muitos países
  • 19:13 - 19:16
    ou que essa vacina é a base
    para novas vacinas.
  • 19:17 - 19:22
    Quando apresentámos a ideia da terapia
    de sequestrador em África no ano passado,
  • 19:22 - 19:26
    os cientistas africanos
    tiveram uma reação diferente.
  • 19:27 - 19:30
    Disseram: "Como é
    que não podem testar isso?"
  • 19:30 - 19:34
    Disseram que seria antiético
    não a testar.
  • 19:34 - 19:37
    Então, mesmo que possamos vir a falhar,
  • 19:37 - 19:40
    está muita coisa em jogo
    para deixar de tentar.
  • 19:40 - 19:42
    Se não fizermos nada,
  • 19:42 - 19:46
    aquelas miúdas nos arredores de Durban
    vão contrair o VIH
  • 19:46 - 19:49
    e a próxima vez que surgir um novo vírus,
  • 19:51 - 19:54
    estaremos tão vulneráveis
    como estamos hoje,
  • 19:55 - 19:58
    com quarentenas porosas
  • 19:59 - 20:04
    e vacinas em que é preciso esperar meses
    e que talvez não sejam compatíveis.
  • 20:06 - 20:08
    Acho que é altura
    de uma nova abordagem,
  • 20:08 - 20:12
    uma abordagem diferente
    do século passado.
  • 20:13 - 20:16
    É altura de uma tecnologia
    que seja menos reativa
  • 20:16 - 20:18
    e mais proativa.
  • 20:19 - 20:21
    Acho que é altura para tratamentos
  • 20:21 - 20:24
    que não beneficiem apenas
    os que são mais ricos,
  • 20:24 - 20:29
    mas também quem enfrenta
    grandes dificuldades.
  • 20:32 - 20:35
    Acho que é altura
    de um novo tipo de arma
  • 20:35 - 20:37
    que seja compatível,
  • 20:37 - 20:40
    ou que resolva
    a incompatibilidade fundamental.
  • 20:40 - 20:42
    Acho que é altura para as terapias
    se tornarem virais.
  • 20:42 - 20:44
    Muito obrigado.
  • 20:44 - 20:45
    (Aplausos)
Title:
Podemos criar vacinas que sofram mutações e se propaguem?
Speaker:
Leo Weinberger
Description:

Os vírus sofrem mutações e propagam-se de pessoa para pessoa, um processo dinâmico que muitas vezes nos deixa a brincar à apanhada quando há um novo surto duma doença. E se as vacinas funcionassem da mesma forma? O virologista Leor Weinberger partilha uma descoberta científica: "terapia de sequestrador," um tipo de tratamento médico que pode atacar, modificar e propagar-se tal como um vírus, tratando indivíduos afetados e retardando a propagação de infeções como o VIH.

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Video Language:
English
Team:
closed TED
Project:
TEDTalks
Duration:
20:59

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