Por que não podemos falar sobre menstruação?
-
0:01 - 0:04Na adolescência,
minha menstruação era terrível. -
0:05 - 0:06Eu tinha cólicas horríveis,
-
0:06 - 0:10sangrava nas roupas
e nos lençóis da minha cama, -
0:10 - 0:12e tinha diarreia menstrual.
-
0:13 - 0:16Tinha que faltar à escola
uma ou duas vezes por mês, -
0:16 - 0:20e me lembro de me sentar no sofá
com compressas de água quente, pensando: -
0:20 - 0:23"Mas o que é isso?"
-
0:23 - 0:27Quando comia, não saía saliva
das minhas glândulas salivares. -
0:27 - 0:32Quando ia caminhar, não secretava fluido
nos meus joelhos, líquido sinovial. -
0:32 - 0:36Por que minha menstruação
era tão diferente? -
0:36 - 0:40Eu queria respostas pra essas perguntas,
mas não tinha a quem perguntar. -
0:40 - 0:42Minha mãe não sabia nada
sobre menstruação, -
0:42 - 0:46só que era suja e vergonhosa,
e que eu não devia falar sobre isso. -
0:46 - 0:48Eu perguntava a amigas,
-
0:48 - 0:51e todas falavam usando eufemismos.
-
0:51 - 0:54Por fim, quando tive coragem
de ir a um médico -
0:54 - 0:56e falar sobre minha menstruação difícil,
-
0:56 - 0:58ele me disse pra comer fígado.
-
0:58 - 1:00(Risos)
-
1:00 - 1:05Quando fui à drogaria comprar
produtos para menstruação, -
1:05 - 1:09meu pacote de 48 superabsorventes,
-
1:09 - 1:12na época em que eles eram
do tamanho de uma caixa de lenços... -
1:12 - 1:13(Risos)
-
1:13 - 1:14Sabem do que estou falando.
-
1:14 - 1:17Vocês não imaginam
o quanto os absorventes evoluíram. -
1:17 - 1:20(Risos)
-
1:20 - 1:22Eu tinha que comprar
produtos para menstruação -
1:22 - 1:26no corredor de higiene
feminina da farmácia. -
1:26 - 1:27Me lembro de pensar:
-
1:27 - 1:31"Por que não comprar papel higiênico
no corredor de higiene anal?" -
1:31 - 1:32(Risos)
-
1:32 - 1:33Tipo, qual é o problema?
-
1:33 - 1:36Por que não podemos falar
sobre menstruação? -
1:36 - 1:41E a questão não é o sangue,
como diria Freud, -
1:41 - 1:42porque, se fosse,
-
1:42 - 1:44haveria um cirurgião otorrino aqui agora,
-
1:44 - 1:48falando sobre os tabus
do sangramento nasal, né? -
1:48 - 1:50E a questão nem é a menstruação,
-
1:50 - 1:54senão, quando não tivéssemos mais
nossa menstruação tóxica e vergonhosa -
1:54 - 1:55e entrássemos na menopausa,
-
1:55 - 1:58seríamos elevadas
a um status social mais elevado. -
1:58 - 2:00(Risos)
-
2:00 - 2:03(Aplausos)
-
2:05 - 2:08A questão é uma sociedade patriarcal
que oprime as mulheres -
2:08 - 2:12e, em diferentes fases da nossa vida,
usa coisas diferentes contra nós. -
2:12 - 2:13A menstruação é usada
-
2:13 - 2:16durante aquilo que, em medicina,
chamamos de idade reprodutiva. -
2:16 - 2:19Isso acontece desde o início dos tempos.
-
2:19 - 2:23Muitas culturas achavam que as mulheres
podiam arruinar colheitas, leite, -
2:23 - 2:25e murchar flores.
-
2:25 - 2:29Aí, quando a religião apareceu,
os mitos de pureza só pioraram as coisas. -
2:29 - 2:31A medicina não ajudava.
-
2:32 - 2:33Nas décadas de 1920 e 1930,
-
2:33 - 2:37pensava-se que as mulheres produziam
algo chamado de "menotoxina". -
2:37 - 2:40Podíamos fazer flores murcharem
só de passar perto delas. -
2:40 - 2:41(Risos)
-
2:41 - 2:44É o que acontece
quando não há diversidade, né? -
2:44 - 2:46Pois não havia nenhuma mulher
pra levantar a mão e dizer: -
2:46 - 2:50"Bem, na verdade, isso não acontece".
-
2:50 - 2:53E, se você não pode falar
sobre o que acontece com seu corpo, -
2:53 - 2:55como vai derrubar esses mitos?
-
2:55 - 2:59Não é nem preciso ser médico
pra saber que a menstruação não é tóxica. -
2:59 - 3:04Se fosse, por que um embrião
se implantaria num líquido tóxico? -
3:05 - 3:08Se todas tivéssemos
essa menotoxina secreta, -
3:08 - 3:12poderíamos estar estragando
as colheitas e o leite. -
3:12 - 3:13(Risos)
-
3:13 - 3:17Por que não usar nossos superpoderes
para ter direito ao voto bem antes? -
3:17 - 3:18(Risos)
-
3:18 - 3:20(Aplausos)
-
3:23 - 3:27Até hoje, quando tuíto
sobre diarreia menstrual, -
3:27 - 3:28algo supernormal,
-
3:28 - 3:30(Risos)
-
3:30 - 3:34menciono que ela acomete 28% das mulheres.
-
3:34 - 3:38E todas as vezes alguém chega e diz:
-
3:38 - 3:41"Achei que eu fosse a única".
-
3:41 - 3:44É isso que essa cultura da vergonha causa.
-
3:44 - 3:47As mulheres nem sequer podem
compartilhar suas experiências. -
3:47 - 3:49Então, comecei a pensar:
-
3:49 - 3:54"E se todos soubessem sobre menstruação
como um ginecologista? Não seria ótimo?" -
3:54 - 3:56Aí vocês todos saberiam o que eu sei.
-
3:56 - 3:59Saberiam que a menstruação
é um fenômeno único entre os mamíferos. -
3:59 - 4:02A maioria dos mamíferos
têm um período fértil. -
4:02 - 4:04Os humanos, alguns primatas,
-
4:04 - 4:06alguns morcegos,
-
4:06 - 4:09o musaranho-elefante
e o rato africano menstruam. -
4:09 - 4:12Com a menstruação,
o cérebro aciona os ovários -
4:12 - 4:14para que produzam óvulos.
-
4:15 - 4:18Estrogênio é liberado e começa a criar
um revestimento interno no útero, -
4:18 - 4:20célula por célula,
tijolos de revestimento. -
4:20 - 4:23O que acontece com uma parede
de tijolos muito alta e sem massa? -
4:23 - 4:25Bem, ela fica instável.
-
4:25 - 4:26O que acontece quando ovulamos?
-
4:26 - 4:29Liberamos um hormônio
chamado progesterona, -
4:29 - 4:33que é progestacional
e prepara o útero pra fertilização. -
4:33 - 4:36Funciona como a massa,
dando estabilidade aos tijolos. -
4:36 - 4:39Também causa algumas mudanças
-
4:39 - 4:42para tornar o revestimento
mais receptivo à fecundação. -
4:42 - 4:46Se não houver gravidez,
o revestimento é expelido, -
4:46 - 4:49ocorre sangramento,
e é isso que chamamos de menstruação. -
4:49 - 4:51Sempre acho isso muito interessante.
-
4:51 - 4:53Porque, no período fértil,
-
4:53 - 4:56o último sinal para preparar
o revestimento interno do útero -
4:56 - 4:59vem, na verdade, do embrião.
-
4:59 - 5:03Mas, na menstruação,
essa sinalização vem do ovário. -
5:03 - 5:07É como se a escolha estivesse codificada
em nosso sistema reprodutor. -
5:07 - 5:10(VIvas) (Applausos)
-
5:16 - 5:18Certo, agora sabemos
o porquê do sangramento, -
5:18 - 5:20e é um sangramento e tanto.
-
5:20 - 5:24São aproximadamente
de 30 a 90 mililitros de sangue, -
5:24 - 5:25e às vezes mais que isso.
-
5:25 - 5:28Sei que muitas vezes parece ser mais.
-
5:28 - 5:29Eu sei.
-
5:29 - 5:31Mas por que tanto sangue?
-
5:31 - 5:34Por que ele simplesmente não fica lá
até o próximo ciclo, né? -
5:34 - 5:37Tipo, você não engravidou,
então por que ele tem que sair? -
5:37 - 5:41Imaginem se, a cada mês,
ele fosse se acumulando e acumulando. -
5:41 - 5:44Imaginem o tsunami
de menstruação que seria. -
5:44 - 5:45(Risos)
-
5:45 - 5:48É sangue demais pra ser reabsorvido.
-
5:48 - 5:51E é demais porque precisamos
de um revestimento uterino espesso -
5:51 - 5:54por uma razão bem específica.
-
5:54 - 5:59A gravidez exerce uma pressão
significativa em nosso corpo. -
5:59 - 6:01Existe a mortalidade materna,
-
6:01 - 6:02a pressão da amamentação
-
6:02 - 6:07e a pressão de criar um filho
até que ele se torne independente. -
6:07 - 6:08E a evolução...
-
6:08 - 6:11(Risos)
-
6:11 - 6:13Isso se estende mais
pra algumas de nós que pra outras. -
6:13 - 6:16(Risos)
-
6:16 - 6:19Mas a evolução é sábia no que se refere
à relação risco-benefício. -
6:19 - 6:24Ela quer maximizar as chances
de um resultado benéfico. -
6:24 - 6:26E como maximizarmos as chances
de um resultado benéfico? -
6:26 - 6:29Temos que conseguir
os embriões de melhor qualidade. -
6:29 - 6:31E como fazer isso?
-
6:31 - 6:33Eles precisam provar que são melhores.
-
6:33 - 6:35Damos a eles um percurso
cheio de obstáculos. -
6:35 - 6:39Ao longo dos milênios da nossa evolução,
-
6:39 - 6:41tem ocorrido meio que uma guerra no útero:
-
6:41 - 6:44o revestimento ficando
cada vez mais espesso, -
6:44 - 6:46e o embrião ficando mais invasivo,
-
6:46 - 6:50até alcançarmos uma estabilidade
com o revestimento do útero que temos. -
6:50 - 6:54Temos um revestimento uterino espesso
e ele agora precisa ser expelido, -
6:54 - 6:56e como paramos de sangrar?
-
6:56 - 6:58Você para um sangramento
no nariz se comprimi-lo. -
6:58 - 7:01Se você tem um corte na perna,
põe pressão nela. -
7:01 - 7:03Paramos o sangramento com pressão.
-
7:03 - 7:04Ao menstruarmos,
-
7:04 - 7:06o revestimento do útero libera substâncias
-
7:06 - 7:09que são transformadas
no que chamamos de prostaglandina -
7:10 - 7:12e outros agentes inflamatórios.
-
7:12 - 7:14E eles fazem o útero se contrair,
-
7:14 - 7:18comprimir os vasos sanguíneos
para deter o sangramento. -
7:18 - 7:20Também podem alterar
o fluxo sanguíneo no útero -
7:20 - 7:23bem como causar inflamação,
o que faz a cólica piorar. -
7:23 - 7:26Então você diz: "Tá, de quanta
pressão estamos falando?" -
7:26 - 7:29A partir de estudos
em que mulheres incríveis -
7:29 - 7:33se voluntariaram para terem
cateteres de pressão colocados no útero, -
7:33 - 7:35durante todo o ciclo menstrual...
-
7:35 - 7:38Benditas sejam, porque não teríamos
esse conhecimento sem isso, -
7:38 - 7:40e é um conhecimento importante,
-
7:40 - 7:44porque a pressão gerada no útero
durante a menstruação -
7:44 - 7:46é de 120 milímetros de mercúrio.
-
7:46 - 7:48"Mas o que é isso?", dirão alguns.
-
7:48 - 7:50Bem, é a quantidade de pressão gerada
-
7:50 - 7:53no segundo estágio do parto,
quando se está fazendo força. -
7:53 - 7:54(Plateia suspira)
-
7:54 - 7:55Certo.
-
7:55 - 7:59Para aquelas de nós
que tiveram um parto medicado, -
7:59 - 8:01é o que acontece
quando o medidor de pressão -
8:01 - 8:04não está tão apertado quanto no início,
mas ainda está bem apertado, -
8:04 - 8:06e você gostaria que parasse.
-
8:06 - 8:09Isso então torna tudo diferente, não?
-
8:09 - 8:12Se pensarmos nas cólicas menstruais,
-
8:12 - 8:15não diríamos a uma mulher
que precisasse faltar à aula -
8:15 - 8:19por estar em trabalho de parto
que ela é fraca. -
8:19 - 8:22Diríamos: "Ai, meu Deus,
você frequentou até onde deu", né? -
8:22 - 8:23(Risos)
-
8:23 - 8:26E não negaríamos controle de dor
-
8:26 - 8:28a mulheres com dores comuns de parto, né?
-
8:29 - 8:32Então, é importante chamarmos essa dor
de "comum", em vez de "normal", -
8:32 - 8:36porque, ao dizermos que é normal,
é mais provável que seja ignorada. -
8:36 - 8:39Melhor dizermos que é comum,
e que deve ser controlada. -
8:39 - 8:44E existem algumas formas
de melhorar a cólica menstrual. -
8:44 - 8:46Uma delas é algo chamado dispositivo TENS,
-
8:46 - 8:47que você pode usar sob as roupas
-
8:48 - 8:51e que envia impulsos elétricos
aos nervos e músculos, -
8:51 - 8:52e ninguém sabe de fato como funciona,
-
8:52 - 8:55mas tem a ver com a teoria
do controle do portão da dor, -
8:55 - 8:57que é a contrairritação.
-
8:57 - 9:00É o mesmo motivo pelo qual, se você
se machucar, você esfrega o ferimento. -
9:00 - 9:04A vibração viaja mais rápido
até o cérebro que a dor. -
9:04 - 9:06Também temos medicamentos
-
9:06 - 9:08chamados de anti-inflamatórios
não esteroides. -
9:08 - 9:12Eles impedem a liberação
de prostaglandinas. -
9:12 - 9:16Eles podem reduzir a cólica menstrual
em 80% das mulheres. -
9:16 - 9:20Também reduzem o volume
de sangue em 30% a 40% -
9:20 - 9:22e podem ajudar com a diarreia menstrual.
-
9:22 - 9:25Também temos a contracepção hormonal,
-
9:25 - 9:27que deixa o revestimento
do útero mais fino, -
9:27 - 9:29então menos prostaglandina é produzida
-
9:30 - 9:33e, com menos sangue,
menos necessidade de cólicas. -
9:33 - 9:36Se esses medicamentos
não funcionarem em você... -
9:36 - 9:38e é importante dizer isso,
-
9:38 - 9:40pois a culpa não é nossa,
-
9:40 - 9:43a medicação é que não funciona em nós...
-
9:43 - 9:45Se a medicação não funcionar em você,
-
9:45 - 9:48talvez você esteja entre as pessoas
que têm resistência -
9:48 - 9:51a anti-inflamatórios não esteroides.
-
9:51 - 9:52Ainda não entendemos muito bem,
-
9:52 - 9:54mas existem mecanismos complexos
-
9:54 - 9:58que fazem esses medicamentos simplesmente
não funcionarem em algumas mulheres. -
9:58 - 10:04Também é possível que você tenha
cólicas dolorosas por outro motivo. -
10:04 - 10:06Talvez você tenha um problema
chamado endometriose, -
10:06 - 10:10em que o revestimento do útero
cresce na cavidade pélvica, -
10:10 - 10:13causando inflamação,
cicatrizes e aderência. -
10:13 - 10:17E talvez haja outros mecanismos
que ainda não compreendemos. -
10:17 - 10:19Os níveis de tolerância à dor podem variar
-
10:19 - 10:22devido a mecanismos biológicos
muito complexos. -
10:22 - 10:26Mas só vamos descobrir isso
falando a respeito. -
10:26 - 10:31Não devia ser um ato feminista
saber como seu corpo funciona. -
10:31 - 10:32Não devia...
-
10:32 - 10:35(Aplausos) (Vivas)
-
10:38 - 10:44Não devia ser um ato feminista
pedir ajuda quando se está sofrendo. -
10:45 - 10:50A era dos tabus da menstruação acabou.
-
10:51 - 10:53(Vivas) (Aplausos)
-
10:55 - 10:57A única maldição aqui
-
10:58 - 11:01é a capacidade de convencer
metade da população -
11:01 - 11:06de que a mesma mecânica biológica
que perpetua a espécie, -
11:06 - 11:08que nos dá tudo que temos,
-
11:08 - 11:11é de alguma forma suja ou tóxica.
-
11:11 - 11:13Não vou apoiar isso.
-
11:13 - 11:16(Aplausos)
-
11:19 - 11:23E a forma de derrubarmos essa maldição
é através do conhecimento. -
11:23 - 11:24Obrigada.
-
11:24 - 11:27(Vivas) (Aplausos)
- Title:
- Por que não podemos falar sobre menstruação?
- Speaker:
- Jen Gunter
- Description:
-
"Não devia ser um ato feminista saber como nosso corpo funciona", afirma a ginecologista e escritora Jen Gunter. Nesta palestra reveladora, ela explica como os tabus em torno da menstruação silenciam, reprimem e levam à disseminação de desinformação e à falta de mecanismos de controle adequados da dor. Pondo um fim à era dos tabus da menstruação, ela dá uma aula clara e extremamente necessária sobre o funcionamento do útero, antes misteriosos.
- Video Language:
- English
- Team:
- closed TED
- Project:
- TEDTalks
- Duration:
- 11:42
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