Return to Video

Como o tradicionalismo afeta a violência doméstica.

  • 0:07 - 0:12
    Yara Savchuck era uma cabeleireira
    russa de 36 anos,
  • 0:12 - 0:17
    que vivia em Oryol, uma cidade
    a 400 quilómetros de Moscovo.
  • 0:17 - 0:19
    Ela namorava um homem que não a amava
  • 0:19 - 0:22
    ao ponto de a ter espancado e morto.
  • 0:22 - 0:24
    Mas a Yana podia ter sido salva.
  • 0:24 - 0:26
    Quando ela ligou para
    a polícia em novembro
  • 0:26 - 0:29
    dizendo que o marido a ia matar,
  • 0:29 - 0:33
    o polícia ignorou o seu pedido
    de ajuda como sendo ridículo.
  • 0:33 - 0:38
    "Não se preocupe, se ele a matar, nós
    iremos examinar o seu corpo" disse ele,
  • 0:38 - 0:40
    conforme ficou gravado
    no telefone da vítima.
  • 0:40 - 0:44
    Quarenta minutos depois,
    Yana estava morta,
  • 0:44 - 0:47
    espancada pelo mesmo homem
    que o polícia recusou deter.
  • 0:48 - 0:51
    Pessoalmente, sempre fiquei perplexa
    face a estes episódios
  • 0:51 - 0:54
    de violência doméstica
    e feminicídios no meu país.
  • 0:54 - 0:58
    Lembro-me que, quando estava
    no último ano da escola primária,
  • 0:58 - 1:00
    como vivia numa grande cidade,
  • 1:00 - 1:03
    apenas algumas das minhas amigas
    iam completamente sozinhas para casa.
  • 1:03 - 1:05
    Uma delas em particular,
  • 1:05 - 1:09
    disse que a mãe dela não a deixava ir
    porque soubera de uma rapariga,
  • 1:09 - 1:12
    apenas dois anos mais velha do que nós,
  • 1:12 - 1:15
    que fora morta quando voltava
    de um centro desportivo para casa.
  • 1:15 - 1:19
    Também me lembro de Fortunata,
    uma senhora de 90 anos que eu conhecia,
  • 1:19 - 1:21
    que vivia numa pequena aldeia
    do sul de Itália
  • 1:22 - 1:25
    que achava normal que o seu marido
    lhe continuasse a bater
  • 1:25 - 1:28
    mesmo depois de 70 anos de casamento
    e que se recusava a deixá-lo,
  • 1:28 - 1:31
    apesar de os filhos
    quererem que ela o deixasse.
  • 1:31 - 1:33
    Depois de eu ouvir estas histórias,
  • 1:33 - 1:39
    percebi que a realidade não era
    exatamente o que eu esperava que fosse
  • 1:39 - 1:42
    ou a realidade em que os meus pais
    e professores acreditavam:
  • 1:42 - 1:45
    a igualdade de género nem sempre é real,
  • 1:45 - 1:50
    e as vítimas de violência nem sempre
    recebem ajuda ou proteção.
  • 1:50 - 1:51
    Há uns anos,
  • 1:51 - 1:54
    enquanto lia os cabeçalhos
    dos jornais locais
  • 1:55 - 1:59
    descobri que este problema existe
    em todos os países do mundo.
  • 1:59 - 2:03
    Nos EUA, todos os dias,
    cerca de três mulheres são mortas
  • 2:03 - 2:07
    pelo seu companheiro, de acordo
    com o Violence Policy Center.
  • 2:07 - 2:11
    Enquanto que em locais como o Paquistão
    este fenómeno é endémico.
  • 2:12 - 2:16
    Estes artigos fizeram-me perceber
    que até a lei pode ser injusta
  • 2:16 - 2:18
    nestas terríveis situações.
  • 2:19 - 2:23
    Fiquei sobressaltada ao descobrir
    que a violência doméstica na Rússia
  • 2:23 - 2:27
    matou pelo menos 14 000 mulheres em 2009,
  • 2:27 - 2:31
    de acordo com o Comité da Duma
    para a defesa social.
  • 2:31 - 2:34
    As estatísticas oficiais
    do Ministério do Interior russo
  • 2:34 - 2:38
    apontam para 4 milhões de casos
    de violência reportados em 2015.
  • 2:38 - 2:44
    Estas estatísticas não incluem o provável
    grande número de casos não reportados,
  • 2:44 - 2:46
    porque cerca de 90% das sobreviventes
  • 2:46 - 2:49
    não reporta o caso de violência à polícia.
  • 2:49 - 2:52
    Com estas estatísticas tão elevadas,
  • 2:52 - 2:56
    seria de esperar que houvesse leis
    muito restritas em relação à violência.
  • 2:56 - 2:57
    Certo?
  • 2:57 - 2:59
    Bem, não é isso que está a acontecer.
  • 2:59 - 3:04
    Em 2016, os acusados de violência
    eram condenados a dois anos de prisão.
  • 3:05 - 3:08
    Mas em 2017, uma nova lei foi proposta
  • 3:08 - 3:11
    e aprovada por grande maioria
    no Parlamento,
  • 3:11 - 3:15
    que alterou a punição para uma multa
    no caso de primeira infração
  • 3:15 - 3:18
    e agravada para uma acusação criminal
    na segunda infração.
  • 3:18 - 3:21
    Mas apenas se houver apenas
    uma acusação por ano.
  • 3:22 - 3:23
    Por outras palavras,
  • 3:23 - 3:26
    os homens russos estão autorizados
    a bater na mulher uma vez por ano
  • 3:26 - 3:28
    sem serem considerados criminosos.
  • 3:28 - 3:31
    E, além de tudo isso,
  • 3:31 - 3:35
    a Igreja Ortodoxa e os conservadores
    concordaram e justificaram esta lei
  • 3:35 - 3:39
    como sendo uma forma de preservar
    os valores tradicionais de família.
  • 3:40 - 3:43
    Quando ouvi falar pela primeira vez
    desta lei, tinha duas opções:
  • 3:44 - 3:47
    virar a página e agir como
    se nada tivesse acontecido,
  • 3:47 - 3:50
    ou preocupar-me e reconhecer que,
  • 3:50 - 3:53
    mesmo que vivesse noutro país
    e noutra sociedade,
  • 3:53 - 3:55
    mesmo que nunca
    tivesse conhecido aquelas mulheres,
  • 3:55 - 3:58
    eu partilhava as suas histórias
    e o seu medo,
  • 3:58 - 4:02
    porque as estatísticas dizem que isto
    também me pode acontecer.
  • 4:02 - 4:05
    Por isso, decidi investigar isto melhor.
  • 4:06 - 4:08
    Qual a verdadeira causa desta
    mudança na Rússia
  • 4:08 - 4:11
    e porque é que pode envolver-me
    a mim ou ao meu país?
  • 4:11 - 4:16
    O "The Economist" descreve, num artigo de
    2017, como o estado russo patrocinou
  • 4:16 - 4:19
    esta viragem para o tradicionalismo
  • 4:19 - 4:21
    durante o 3.º mandato presidencial
    de Vladimir Putin
  • 4:21 - 4:24
    e denunciou estas falhas.
  • 4:24 - 4:28
    Muitos russos aceitam agora a noção
    liberal de direitos individuais
  • 4:28 - 4:31
    mas outros estão a ir
    na direção contrária.
  • 4:31 - 4:35
    Tal como podemos ver, esta é
    uma tendência em muitos países
  • 4:35 - 4:37
    nos quais a democracia não está
    completamente consolidada
  • 4:37 - 4:42
    e onde a liderança autoritária quer provar
    a supremacia dos seus valores culturais
  • 4:42 - 4:44
    face a outros países,
  • 4:44 - 4:47
    especialmente em relação
    às democracias ocidentais.
  • 4:47 - 4:49
    Desde a aprovação desta lei,
  • 4:49 - 4:52
    o número de casos de violência,
    aparentemente, está a descer.
  • 4:52 - 4:55
    Isto acontece porque agora é muito
    mais difícil para uma mulher
  • 4:55 - 4:57
    denunciar o seu marido.
  • 4:57 - 5:00
    Os polícias frequentemente
    culpam as vítimas,
  • 5:00 - 5:02
    não as ajudam ou ignoram-nas.
  • 5:02 - 5:06
    Mesmo quando as tentam ajudar,
    estão impedidos pela lei.
  • 5:06 - 5:09
    Se uma mulher for capaz de denunciar
    a violência de que sofre
  • 5:09 - 5:13
    então o marido provavelmente irá
    obrigá-la a ser ela a pagar a multa.
  • 5:13 - 5:17
    Mas se, por um lado, o número
    de denúncias está a diminuir,
  • 5:17 - 5:21
    por outro, o número de chamadas
    de emergência está a aumentar,
  • 5:21 - 5:24
    de acordo com os dados do Centro "ANNA"
    para a prevenção da violência.
  • 5:24 - 5:28
    Assim, esta lei é uma forma
    de esconder a realidade.
  • 5:29 - 5:33
    Por isso, se eu fosse uma mulher russa
    que sofresse de violência doméstica,
  • 5:33 - 5:36
    o que é que eu podia fazer
    para me proteger?
  • 5:37 - 5:40
    Precisava de chamar a polícia,
    provavelmente mais do que uma vez,
  • 5:40 - 5:43
    esperando poder falar com alguém
    que não me culpasse
  • 5:43 - 5:46
    para denunciar a agressão
    pela primeira vez.
  • 5:46 - 5:50
    Depois disso, o meu marido provavelmente
    iria obrigar-me a pagar a multa,
  • 5:51 - 5:53
    depois, teria de voltar a chamar a polícia
  • 5:53 - 5:57
    esperando poder falar com alguém
    que não me atacasse.
  • 5:57 - 6:01
    A seguir, teria de denunciar
    a agressão pela segunda vez.
  • 6:01 - 6:06
    Talvez então o meu marido fosse preso
    e me mandasse cartas da prisão
  • 6:06 - 6:09
    a dizer que me iria matar
    assim que saísse de lá.
  • 6:09 - 6:14
    É difícil imaginar o que acompanharia
    cada uma dessas etapas.
  • 6:14 - 6:18
    Se fosse comigo, as minhas
    decisões seriam as mesmas?
  • 6:19 - 6:20
    Acho que não.
  • 6:20 - 6:24
    Os meus amigos iriam apoiar-me
    tal como têm feito até agora?
  • 6:24 - 6:27
    Não sei, mas acho que não.
  • 6:27 - 6:32
    A outra razão pela qual uma lei assim
    ainda existe em 2018
  • 6:32 - 6:34
    é porque, infelizmente,
  • 6:34 - 6:38
    o progresso da sociedade não é tão
    linear como o progresso científico.
  • 6:38 - 6:42
    Ouço muitas vezes as pessoas dizerem:
    "Bolas! Estamos em 2018!"
  • 6:42 - 6:44
    mas o que é que isso quer dizer?
  • 6:44 - 6:48
    Assumem que, por estarmos em 2018,
    toda a gente goza os seus direitos humanos
  • 6:49 - 6:52
    e toda a gente é respeitada
    e não é discriminada.
  • 6:52 - 6:54
    Assumem que a sociedade está
    em constante progresso.
  • 6:54 - 6:57
    Quem me dera que assim fosse.
  • 6:57 - 6:59
    Na ciência, se uma descoberta
    estiver correta,
  • 6:59 - 7:02
    ela será a base da descoberta seguinte.
  • 7:02 - 7:05
    Mas a sociedade pode sempre retroceder.
  • 7:05 - 7:10
    Aconteceu em França e noutros países
    europeus durante o século XIX,
  • 7:10 - 7:13
    quando, durante a Restauração,
    foram suprimidas
  • 7:13 - 7:16
    muitas leis progressistas
    aprovadas na era napoleónica.
  • 7:16 - 7:19
    Está agora a acontecer na Rússia
    e pode acontecer em qualquer lugar.
  • 7:19 - 7:22
    É por isso que eu me importo.
  • 7:22 - 7:26
    Não suporto que as vítimas
    sejam apenas números,
  • 7:26 - 7:29
    porque, tal como disse
    Anastasia Potemkina,
  • 7:29 - 7:32
    uma artista que criou
    um fantástico projeto artístico
  • 7:32 - 7:35
    para todas as vítimas
    de violência doméstica:
  • 7:35 - 7:39
    "Não estou de modo algum
    a tentar falar por elas
  • 7:39 - 7:42
    "mas a sua falta de representação,
    preocupa-me".
  • 7:42 - 7:46
    Hoje, estou aqui porque este
    não é o mundo em que eu acredito,
  • 7:46 - 7:50
    o mundo em que os meus pais
    e professores me ensinaram a acreditar,
  • 7:50 - 7:52
    o mundo que a minha YouTuber favorita,
  • 7:52 - 7:56
    ou a fundadora do Women Russian Crisis
    Center lutam para criar.
  • 7:56 - 8:00
    Hoje estou aqui para falar
    pela Yana, pela Veronica,
  • 8:00 - 8:04
    pela Svetlana, pela Irina, pela Margarita
  • 8:04 - 8:07
    e por todas as mulheres
    que não podem falar.
  • 8:07 - 8:08
    Obrigada.
  • 8:08 - 8:12
    (Aplausos)
Title:
Como o tradicionalismo afeta a violência doméstica.
Description:

Sofi Guidi ficou chocada quando compreendeu o quão prevalente a violência doméstica é por todo o mundo. Ainda ficou mais chocada quando descobriu que a lei não está sempre do lado da vítima. Nesta fervorosa palestra, Sofia usa manchetes russas como forma de explicar que preservar a tradição cultural não significa necessariamente preservar a segurança e discute o porquê da sua preocupação com o estado dos direitos da mulher internacionalmente. "Mesmo que eu viva noutro país, noutra sociedade e nunca tenha conhecido essas mulheres, eu partilho as suas histórias e o seu medo."

more » « less
Video Language:
English
Team:
closed TED
Project:
TED-Ed
Duration:
08:14

Portuguese subtitles

Revisions