Health4Moz — solidariedade médica em Moçambique | Carla Rego | TEDxPortoSalon
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0:09 - 0:11Todos conhecem Moçambique.
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0:11 - 0:13Moçambique foi o país onde nasci,
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0:13 - 0:19um país que do norte — Rovuma —
ao sul — Maputo — -
0:19 - 0:22tem cerca de 3000 quilómetros.
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0:22 - 0:26É um país em que
mais de metade da população -
0:26 - 0:29vive abaixo do limiar de pobreza.
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0:29 - 0:31É um país em que cerca
de dois terços da população -
0:31 - 0:33vive da agricultura de subsistência
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0:33 - 0:39o que significa que, se há seca
ou se há chuva, não há colheita, há fome. -
0:39 - 0:44É um país em que cerca de metade
da população apenas -
0:44 - 0:46teve direito à alfabetização
-
0:46 - 0:49e percebe alguma coisa
de ler e de escrever, -
0:49 - 0:54e em que um terço das mulheres apenas
sabe ler ou escrever. -
0:54 - 0:58E é um país em que, aproximadamente,
52% — mais de metade — -
0:58 - 1:01não tem acesso direto a água potável.
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1:02 - 1:04Se fizermos um pequeno exercício
de comparação -
1:04 - 1:07entre o nosso país e Moçambique,
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1:08 - 1:11afinal de contas, Moçambique
tem 30 milhões de população, -
1:11 - 1:13o triplo de Portugal.
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1:13 - 1:17É um país em que
a taxa de mortalidade infantil -
1:17 - 1:20é seguramente 70 vezes superior à nossa.
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1:20 - 1:23É um país em que a esperança
média de vida é cerca de metade da nossa. -
1:24 - 1:28É um país em que o PIB per capita
é 50 vezes inferior ao nosso. -
1:30 - 1:34É um país em que cada mulher
tem, em média, cinco a seis filhos, -
1:34 - 1:38sendo que, para além de a taxa
de mortalidade infantil ser brutal, -
1:38 - 1:40a expetativa média de vida é curta,
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1:40 - 1:44o que significa que a pirâmide
daquele país é traduzida -
1:44 - 1:48por mais de metade da população
ter menos de 15 anos de idade. -
1:49 - 1:52Para esta população de cerca
de 30 milhões de habitantes -
1:52 - 1:56em que mais de metade tem
menos de 15 anos de idade, -
1:57 - 2:01a quantidade de profissionais de saúde,
concretamente a classe médica, -
2:01 - 2:03das diferentes especialidades
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2:03 - 2:07não ultrapassa um, dois dígitos,
comparativamente a Portugal -
2:07 - 2:11onde, em média,
é de três a quatro dígitos. -
2:11 - 2:14Por exemplo, para cerca
de 15 milhões de crianças -
2:14 - 2:17e adolescentes com menos de 15 anos,
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2:17 - 2:23há 89 pediatras no país inteiro,
com 3000 km de comprimento. -
2:24 - 2:26Afinal quem é a Health4Moz?
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2:26 - 2:28A Health4Moz nasceu em 2013
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2:28 - 2:31e nasceu do repto do então reitor
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2:31 - 2:35duma das maiores universidades
de ciências de saúde do país, -
2:36 - 2:39que partilhou com um grupo
de profissionais portugueses -
2:39 - 2:43a sua angústia relativamente
à qualidade da formação em saúde -
2:43 - 2:45dos profissionais de Moçambique
-
2:45 - 2:49quer a nível da formação académica
-
2:49 - 2:52quer a nível da formação diferenciada.
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2:53 - 2:57Afinal de contas, esse reitor
partilhou essa angústia, pedindo ajuda. -
2:58 - 3:02O que esse grupo de médicos assumiu
foi que não podia ficar indiferente. -
3:02 - 3:07Não podia guardar o conhecimento,
a competência e a qualificação para si -
3:07 - 3:12e tinha obrigação humana, deontológica
e profissional de o partilhar. -
3:12 - 3:15Foi assim que esse grupo
de médicos assumiu, -
3:15 - 3:20com base na solidariedade científica,
no total regime de voluntariado, -
3:20 - 3:22colaborar com Moçambique
-
3:22 - 3:26e colaborar na formação pré-graduada,
na capacitação de profissionais, -
3:26 - 3:28com um único objetivo,
-
3:28 - 3:30dar competências, criar capacidades,
-
3:30 - 3:33de forma a melhorar a prestação
de cuidados de saúde à população. -
3:34 - 3:37O nosso lema é a solidariedade científica
com Moçambique -
3:37 - 3:41sendo que, desde 2013,
a Health4Moz tem vindo a crescer -
3:41 - 3:45e, até à data, realizámos
24 missões no terreno. -
3:45 - 3:49Essas 24 missões envolveram
mais de 100 profissionais portugueses -
3:49 - 3:51de diferentes áreas de conhecimento,
-
3:51 - 3:55formaram no terreno mais de 2500 alunos
-
3:55 - 3:59de medicina, de medicina dentária,
de enfermagem, de nutrição, -
3:59 - 4:02formaram no terreno
mais de 3000 profissionais -
4:02 - 4:04destas diferentes áreas
de conhecimento -
4:04 - 4:07e formaram cerca de 86 formadores.
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4:08 - 4:11Formamos em várias áreas
e formamos do norte a sul do país, -
4:11 - 4:14desde a medicina dentária,
dentistas de todo o país, -
4:14 - 4:16quer numa formação teórica,
-
4:16 - 4:21quer numa formação teórico-prática,
ombro a ombro com o doente. -
4:21 - 4:24Temos a preocupação — porque somos
suportados na Academia — -
4:24 - 4:26de fazer uma formação com qualificação,
-
4:26 - 4:29que permita a esses profissionais
não só sentirem-se envolvidos -
4:29 - 4:31porque a vontade
que têm de aprender é brutal, -
4:31 - 4:35a capacidade de encontrarem
conhecimento que os ajude -
4:35 - 4:38a melhorar as suas competências
é que é extremamente difícil, -
4:38 - 4:41o que significa que incentivamos
e damos formação de qualidade -
4:41 - 4:44de forma a melhorar as suas competências.
-
4:44 - 4:47Temos a preocupação de fazer
um tipo de formação que permita -
4:47 - 4:50a replicação até à aquisição
das competências completas. -
4:50 - 4:55A simulação é uma forma que usamos
frequentemente para ensinar -
4:55 - 4:59não apenas a simulação mas também
depois o treino ombro a ombro -
4:59 - 5:02porque complementa o treino
da simulação prática, -
5:02 - 5:04em saúde materno-infantil,
porque é um país de gente jovem, -
5:04 - 5:09em cuidados neonatais
porque a taxa de natalidade é brutal -
5:09 - 5:11e a taxa de mortalidade também
-
5:11 - 5:16e formação, por exemplo, numa área
que não existe em Moçambique. -
5:16 - 5:19Por incrível, num país
com uma população pediátrica brutal, -
5:19 - 5:22com uma prevalência de acidentes enorme,
-
5:22 - 5:24não ensina cirurgia pediátrica.
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5:24 - 5:27Um país com uma prevalência brutal
de malformações -
5:27 - 5:30não tem formação
de cirurgiões pediátricos. -
5:30 - 5:32Uma das áreas que,
começando por "e-learning" -
5:32 - 5:34e depois trabalhando-a
no ensino no terreno, -
5:34 - 5:35a Health4Moz desenvolveu.
-
5:35 - 5:37É um país com outra particularidade.
-
5:37 - 5:39Fala-se muito da má nutrição
por desnutrição, -
5:39 - 5:43associada à pobreza
à dificuldade do acesso ao alimento -
5:43 - 5:45e ao baixo nível cultural.
-
5:46 - 5:49Mas é um país caracteristicamente
em transição nutricional, -
5:49 - 5:52em que há uma prevalência
brutal de malnutrição por desnutrição, -
5:52 - 5:55e também há uma prevalência crescente
das doenças não comunicáveis -
5:55 - 5:59— a diabetes, a doença cardiovascular,
o cancro, entre outras. -
5:59 - 6:03E assim, a formação em diabetes,
a formação em doenças cardiovasculares, -
6:03 - 6:05tem sido uma das nossas preocupações.
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6:05 - 6:08Outra área, e nós vamos
sempre ao encontro -
6:08 - 6:10daquilo que os profissionais nos pedem
-
6:10 - 6:14e daquilo que nós vamos conhecendo do país
e achamos que tem cabimento desenvolver, -
6:14 - 6:17outra área muito trabalhada
é a área da cirurgia ambulatória. -
6:17 - 6:21Num país com patologia cirúrgica
abundante -
6:21 - 6:24com carência de recursos
técnicos e humanos, -
6:24 - 6:26é importante agilizar
a prestação de cuidados -
6:26 - 6:29e criar unidades de cirurgia ambulatória
do norte a sul do país -
6:29 - 6:31nos hospitais de referência.
-
6:31 - 6:33Foi uma das nossas ações
que neste momento já permitiu -
6:33 - 6:36a criação de duas unidades
em dois hospitais centrais. -
6:36 - 6:40Cirurgia oftalmológica: a catarata
é uma das principais causas -
6:40 - 6:42da perda de visão
com implicações brutais -
6:42 - 6:44no dia a dia da população.
-
6:44 - 6:47Afinal de contas,
é de fácil resolução nos dias de hoje. -
6:47 - 6:52E depois, para além desta vertente
formativa, pré-graduada ou especializada, -
6:52 - 6:57temos a preocupação brutal de capacitar
os cuidados primários de saúde -
6:57 - 6:59ensinar os técnicos,
ensinar os enfermeiros -
6:59 - 7:02ensinar os médicos
a irem ao encontro da população -
7:02 - 7:04e fazerem algo que é crucial
em qualquer país, -
7:04 - 7:07em particular num país destes:
a prevenção primária. -
7:07 - 7:11Então, em feiras de saúde,
em colaboração direta com os profissionais -
7:11 - 7:15temos trabalhado a prevenção,
nomeadamente no que diz respeito -
7:15 - 7:17não apenas a doenças infecciosas,
-
7:17 - 7:19mas às tais doenças não comunicáveis,
-
7:19 - 7:23inclusive elaborando ferramentas
que distribuímos à população -
7:23 - 7:27adaptadas e adequadas à realidade
cultural e socioeconómica do país. -
7:27 - 7:30Outro aspeto de que nos orgulhamos
fortemente -
7:30 - 7:34foi a promoção a nível nacional, com base
nas faculdades de medicina dentária, -
7:34 - 7:38dum sistema de vigilância
de saúde oral a nível escolar. -
7:38 - 7:42Este sistema de vigilância permite
não apenas rastrear patologia, -
7:42 - 7:44nomeadamente cáries em crianças escolares,
-
7:44 - 7:47o que significa atuar
numa fase muito precoce -
7:47 - 7:51mas tivemos o privilégio de ensinar
tendo o apoio deste professor holandês, -
7:51 - 7:54uma forma simples de tratamento
de cárie dentária, -
7:54 - 7:58numa mesa duma escola,
feito por profissionais de saúde -
7:58 - 8:01e que permite de uma forma
não dolorosa, não traumática, -
8:01 - 8:02mas altamente eficaz
-
8:03 - 8:06resolver uma das doenças
mais prevalentes nesta população. -
8:08 - 8:12Para além desta intervenção
a nível de formação e de comunidade, -
8:12 - 8:15a Health4Moz também
tem tido outra preocupação: -
8:15 - 8:17É partilhar experiências
-
8:17 - 8:20entre profissionais
moçambicanos e portugueses. -
8:20 - 8:24Assim, incentivamos e apoiamos
não apenas estágios de moçambicanos -
8:24 - 8:25profissionais em Portugal
-
8:25 - 8:28mas sobretudo estágios
de internos portugueses -
8:28 - 8:31em formação específica
em instituições de Moçambique -
8:31 - 8:34para permitir terem um contacto
com uma realidade -
8:34 - 8:36em termos de cuidados de saúde,
-
8:36 - 8:42que, como foi descrita, não tem nada a ver
com a nossa realidade -
8:42 - 8:45e que nos permite pensar
e confrontar situações -
8:45 - 8:47que no nosso dia a dia são raras.
-
8:47 - 8:49Em Portugal, o interno de pediatria
-
8:49 - 8:52— e eu falo da pediatria porque é
a área que conheço melhor — -
8:52 - 8:55é confrontado com a morte
numa situação excecional -
8:55 - 8:56em cuidados intensivos pediátricos
-
8:56 - 8:59e em cuidados neonatais, excecionalmente.
-
8:59 - 9:02Mas, em Moçambique, é confrontado
com a morte diariamente -
9:02 - 9:05e não de uma nem de duas
nem de três pessoas. -
9:05 - 9:11Em 2018, foi o ano em que
tivemos uma atividade incrível -
9:11 - 9:14durante todo o ano, caracterizada
por termos um profissional de saúde, -
9:14 - 9:16pelo menos, o ano inteiro em Moçambique
-
9:16 - 9:20desenvolvendo uma série de atividades
dentro do âmbito que acabei de descrever. -
9:21 - 9:23Toda a nossa atividade
é uma atividade "pro bono" -
9:23 - 9:26voluntária, baseada
na solidariedade científica. -
9:26 - 9:29Somos apoiados por mecenas
que confiam na nossa missão -
9:29 - 9:31mas também temos tentado fazer algo
-
9:31 - 9:34que está intrínseco
nas características do médico: -
9:34 - 9:37Fazer o "link" entre a medicina,
a solidariedade médica -
9:37 - 9:39e a solidariedade artística,
porque o médico, -
9:39 - 9:42quer se queira, quer não,
os profissionais em geral, -
9:42 - 9:44têm uma vertente, uma veia artística.
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9:45 - 9:48Tivemos o privilégio, o ano passado,
de contar com a primeira visita a Portugal -
9:48 - 9:50da Orquestra de Médicos do Mundo,
-
9:50 - 9:54uma orquestra sinfónica constituída
apenas por médicos do mundo inteiro -
9:54 - 9:57que, pela primeira vez, esteve em Portugal
a realizar dois concertos no país. -
9:57 - 10:00Temos o privilégio também de,
de dois em dois anos, -
10:00 - 10:03e este ano, existirá de novo,
pela segunda vez, a realizar -
10:03 - 10:06uma coletiva de artistas
solidários com a Health4Moz -
10:06 - 10:09que reúne mais de 30 nomes
de alto gabarito -
10:09 - 10:12na arte portuguesa e moçambicana.
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10:12 - 10:15É evidente que a preocupação
que temos sempre -
10:15 - 10:18é fazer formação de qualidade,
formação de referência, -
10:18 - 10:21formação que permita mudar atitudes
melhorar competências -
10:21 - 10:23e melhorar a saúde do país.
-
10:23 - 10:26Para isso, temos o apoio e a retaguarda
em termos de creditação -
10:26 - 10:29das diferentes instituições,
quer em Portugal, quer em Moçambique. -
10:30 - 10:32Em 2019, aconteceu o Idai.
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10:32 - 10:35O Idai que, como todos se recordam,
-
10:35 - 10:39destruiu três províncias
do centro de Moçambique -
10:39 - 10:43— as províncias de Sofala,
de Manica e da Zambézia — -
10:43 - 10:48causou graves danos
na população e nas estruturas -
10:48 - 10:51após uma noite de mais de 12 horas
-
10:51 - 10:54de ventos ciclónicos
a mais de 300 km/hora. -
10:54 - 10:58Choveu torrencialmente
durante dois a três dias -
10:58 - 11:02o que causou inundações
e destruições gravíssimas nesta zona. -
11:03 - 11:06A Beira é uma cidade muito particular,
capital da província de Sofala, -
11:06 - 11:09tem a característica de estar localizada
-
11:09 - 11:12a cerca de dois metros
abaixo do nível do mar, -
11:12 - 11:13na confluência de três rios
-
11:13 - 11:16e ficou praticamente inundada.
-
11:16 - 11:21Para além da cidade em si,
o hospital da Beira -
11:22 - 11:25que é uma unidade hospitalar
das maiores de África -
11:25 - 11:29que ocupa uma área de mais de 40000 m2.
-
11:29 - 11:32e serve uma população
de nove milhões de habitantes, -
11:32 - 11:34ficou totalmente destruído.
-
11:34 - 11:38Todos os edifícios ficaram sem teto,
choveu no interior -
11:38 - 11:40o bloco operatório ficou inoperante
-
11:40 - 11:44o que complicou e impediu
a prática assistencial, -
11:44 - 11:47não apenas a quem estava internado
mas também a tudo aquilo -
11:47 - 11:51que era necessário socorrer
resultante da catástrofe do Idai. -
11:52 - 11:57A Health4Moz não podia
ficar indiferente ao desafio -
11:57 - 11:59tinha de colaborar
com a população da Beira. -
11:59 - 12:01O Idai aconteceu numa quinta-feira
-
12:01 - 12:05e, no domingo a seguir, quando,
em Portugal, não se falava ainda do Idai -
12:05 - 12:08porque não houve comunicações
com a cidade durante 4 ou 5 dias, -
12:08 - 12:11a Health4Moz ,em colaboração
com a Ordem dos Médicos, -
12:11 - 12:14reuniu e criou o movimento
Unidos pela Beira. -
12:14 - 12:17Este movimento Unidos pela Beira
teve dois grandes objetivos. -
12:17 - 12:19O primeiro foi prestar apoio médico
e medicamentoso -
12:19 - 12:21aos colegas do Hospital Central da Beira
-
12:21 - 12:25afinal de contas um hospital
de retaguarda crucial. -
12:26 - 12:29E, assumindo que tinha havido
uma ajuda humanitária incrível, -
12:29 - 12:33uma resposta mundial brutal no pós-Idai,
-
12:33 - 12:34o que significa, na emergência,
-
12:34 - 12:39nós assumimos que tinha muito mais lógica,
pelas qualificações das próprias equipas, -
12:39 - 12:41apoiar no pós-emergência.
-
12:42 - 12:45E no mês de maio, durante o inteiro,
esteve uma equipa a trabalhar -
12:45 - 12:47com os colegas
do Hospital Central da Beira -
12:47 - 12:51que levou mais de duas toneladas
de material médico e de consumíveis -
12:51 - 12:53e que teve a preocupação
de fazer formação em áreas -
12:53 - 12:58de infecciologia, da gestão de serviços,
dos registos, -
12:58 - 13:00transversal a todos os profissionais,
-
13:00 - 13:04da higiene e segurança alimentar,
crucial em qualquer ocasião, -
13:04 - 13:07mas particularmente numa época
em que as epidemias eram o grande drama, -
13:08 - 13:10e do pessoal de enfermagem.
-
13:10 - 13:13A formação era sempre
uma formação ombro a ombro, -
13:13 - 13:14com uma base teórica
-
13:14 - 13:16mas com partilha de conhecimentos
e de competências, -
13:16 - 13:20e tivemos o privilégio
de criar algumas coisas diferentes. -
13:20 - 13:21Por exemplo,
-
13:21 - 13:25criar uma unidade
de queimados pediátricos. -
13:25 - 13:30Em Moçambique, sobretudo no mato,
à noite, as crianças não têm cobertores. -
13:30 - 13:33Na época fria, a forma de se aquecerem
é dormirem junto da fogueira. -
13:34 - 13:37É óbvio que acontecem
frequentemente acidentes, -
13:37 - 13:41com queimaduras gravíssimas
em extensões corporais brutais. -
13:41 - 13:44Estas crianças são internadas
numa enfermaria -
13:44 - 13:46no serviço de cirurgia de adultos
do Hospital da Beira. -
13:46 - 13:49O tratamento das suas queimaduras
-
13:49 - 13:52— se alguém já se queimou um pouquito
sabe a dor duma queimadura, -
13:52 - 13:55e grande parte das vezes
eles têm extensões corporais enormes — -
13:55 - 13:59o tratamento das queimaduras
é apenas feito com mudança do penso, -
13:59 - 14:02sem um analgésico,
sem nada que retire a dor. -
14:02 - 14:04Às dez e meia da manhã,
-
14:04 - 14:06passar no corredor do serviço
de cirurgia era dantesco -
14:06 - 14:10com mais de 20 crianças
sistematicamente internadas, -
14:10 - 14:12a fazerem os seus pensos,
sem nenhuma analgesia. -
14:12 - 14:16A Health4Moz, em colaboração
com os profissionais do serviço, -
14:16 - 14:19criou um protocolo de sedo-analgesia,
afinal simples, -
14:19 - 14:22mas que era preciso saber
que ele existe e saber utilizá-lo. -
14:22 - 14:27Permitiu que, com uma forma
de administração oral de fármacos, -
14:27 - 14:30a partir do dia da implementação
desse protocolo, -
14:30 - 14:33era uma tranquilidade passar
naquela enfermaria, -
14:33 - 14:36sobretudo porque ensinámos as mães,
com o apoio das enfermeiras, -
14:36 - 14:39a usar a medicação
e permitimos que essas crianças -
14:39 - 14:43que viviam no pânico do dia seguinte
e do penso do dia seguinte, -
14:43 - 14:45passassem a ter tempo para brincar
-
14:45 - 14:48e pudessem desenhar e relaxar
-
14:48 - 14:51e ter um olhar bem mais sereno,
bem mais tranquilo. -
14:51 - 14:53Permitiu também
aos profissionais de saúde -
14:53 - 14:55sentirem-se mais confiantes e capazes
-
14:55 - 14:59e muito mais reconhecidos
pela possibilidade de poderem tratar, -
14:59 - 15:03sem infligir dor e tratar
de uma forma muito mais eficaz. -
15:04 - 15:06Por muito incrível que nos possa parecer,
-
15:06 - 15:10a humanização nestes hospitais
é algo que não existe. -
15:10 - 15:15O volume de trabalho é brutal,
a dificuldade de acesso a ferramentas -
15:15 - 15:18para tratar, muitas vezes, é enorme,
-
15:18 - 15:21o que significa que a pessoa,
o pensar na pessoa, -
15:21 - 15:23o preocupar-se com o sofrimento da pessoa,
-
15:23 - 15:27é algo que nem sequer faz parte
do raciocínio do dia a dia. -
15:27 - 15:28É preciso resolver.
-
15:28 - 15:32A taxa de natalidade, como referi,
é incrivelmente elevada, -
15:32 - 15:35com cinco a seis gravidezes
para cada mulher, -
15:35 - 15:37o que leva a internamentos
às vezes, de crianças -
15:37 - 15:39em mais do que uma no mesmo berço,
-
15:39 - 15:42e leva, na sequência do que falei,
da falta de humanização, -
15:42 - 15:44a outro aspeto impressionante.
-
15:44 - 15:47A Joaquina teve o seu sexto filho.
-
15:48 - 15:52Teve o sexto filho a caminho, porque
andou 40 km para chegar ao hospital. -
15:52 - 15:54Teve o sexto filho a caminho do hospital.
-
15:54 - 15:56Foi um bebé prematuro,
aquele que ali está -
15:56 - 15:59— tem um termómetro ao lado,
para verem a dimensão — -
15:59 - 16:01que nasceu com pouco mais de 600 gramas
-
16:01 - 16:05e que foi para uma unidade
de cuidados especiais, -
16:05 - 16:07unidade de cuidados especiais essa
que seria o equivalente -
16:07 - 16:10à nossa unidade de cuidados
intensivos neonatais, -
16:10 - 16:14onde seria ventilado,
se houvesse ventilador, mas não há. -
16:14 - 16:17Teria assistência diferenciada,
mas não existe. -
16:17 - 16:21Foi colocado num berço apenas
e foi esperado que o bebé sobrevivesse -
16:21 - 16:23tendo em conta a sua resistência.
-
16:23 - 16:26Mas não era aqui que eu queria partilhar
a nossa preocupação. -
16:26 - 16:29A Joaquina que, quando chegou ao hospital,
já com o bebé nos braços, -
16:29 - 16:31prematuro, com 600 gramas,
-
16:31 - 16:33foi avaliada na ginecologia
e teve alta. -
16:34 - 16:37O seu bebé, que foi internado
nesta unidade não tinha direito a visitas. -
16:37 - 16:41Ou seja, as mães que têm bebés internados
em unidades de cuidados especiais, -
16:41 - 16:43não veem o seu bebé
durante o internamento. -
16:43 - 16:46Nós encontrámos a Joaquina
depois do segundo dia -
16:46 - 16:49estar sentada à porta
da unidade da pediatria -
16:49 - 16:51sem ter visto o seu filho.
-
16:51 - 16:55E conseguimos nesta altura
implementar um projeto -
16:55 - 16:58que permita que as mães,
todos os dias, na rotina do serviço, -
16:58 - 17:02consigam visitar os seus bebés
internados, pelo menos durante meia hora, -
17:02 - 17:04porque senão, só podiam
ter acesso ao seu bebé -
17:04 - 17:07e saber o que se passava com ele
depois de a criança ter alta. -
17:07 - 17:09Para além do apoio médico e medicamentoso
-
17:09 - 17:12a Health4Moz assumiu reconstruir
o Hospital Central da Beira, -
17:12 - 17:15um dos maiores hospitais de África,
que ocupa a área de que vos falei. -
17:17 - 17:19Terminámos a primeira fase
da reconstrução -
17:19 - 17:21— e recordam-se das imagens anteriores —
-
17:21 - 17:22em novembro.
-
17:22 - 17:25Iniciámos a reconstrução a 16 de maio,
dois meses após o Idai, -
17:25 - 17:29e a primeira fase que incluiu três blocos,
foi terminada no dia 1 de novembro. -
17:29 - 17:35E a reconstrução dos três primeiros blocos
deste grande hospital de África -
17:35 - 17:39incluiu o bloco cirúrgico,
incluiu o banco de sangue -
17:39 - 17:41e incluiu o bloco de imagiologia.
-
17:42 - 17:45A partir de 1 de novembro,
começaram o seu funcionamento em pleno. -
17:45 - 17:48O banco de sangue e o de imagiologia
nunca pararam de funcionar. -
17:48 - 17:50O bloco cirúrgico deixou de operar
desde o Idai, -
17:50 - 17:53e recomeçou as cirurgias
a partir de 1 de novembro. -
17:53 - 17:54Iniciámos a cobertura
-
17:54 - 17:57do bloco das enfermarias
do Hospital Central da Beira. -
17:57 - 18:01que tem 2000 m2
e que vamos impermeabilizar. -
18:01 - 18:03São imagens do interior
do bloco operatório -
18:03 - 18:06que faz inveja a alguns dos blocos
do nosso país -
18:06 - 18:08e do serviço de imagiologia
-
18:08 - 18:10e do serviço de sangue.
-
18:11 - 18:14Estamos neste momento
em pleno desenvolvimento -
18:14 - 18:15da segunda fase de reconstrução
-
18:15 - 18:17com mais três blocos
-
18:17 - 18:20e vamos avançar a partir de março ou abril
-
18:20 - 18:23para a terceira fase
de reconstrução do hospital -
18:23 - 18:25que vai incluir a reconstrução
do bloco das enfermarias, -
18:25 - 18:29cujo estado exterior
é fácil aqui de se avaliar -
18:29 - 18:33e o estado interior onde estão internados
todos os doentes do hospital -
18:33 - 18:37— e lembro que serve
cerca de nove milhões de habitantes — -
18:37 - 18:39está neste estado.
-
18:39 - 18:41Porque reconhecemos que é fundamental
-
18:41 - 18:45dar capacidade de viver
a alguns recém-nascidos, -
18:45 - 18:48vamos apoiar o apetrechamento
da primeira unidade -
18:48 - 18:51de cuidados intensivos neonatais
em Moçambique -
18:51 - 18:54e, porque o nosso "core" é a formação
-
18:54 - 18:58pretendemos desenvolver e criar
o primeiro centro de formação contínua -
18:58 - 18:59no país.
-
19:00 - 19:05Entendemos que ser médico
é nobre. -
19:06 - 19:09Ser médico e usar as suas capacidades
e competências -
19:09 - 19:11em prol dos que nós tratamos,
-
19:11 - 19:13é aquilo para o qual
nós somos formatados, -
19:13 - 19:16e é aquilo que nós sabemos
e gostamos de fazer. -
19:16 - 19:22Ser médico e usar as nossas capacidades
para, às vezes com pequeninos pormenores, -
19:22 - 19:29mudar as competências, o conhecimento
de colegas nossos -
19:29 - 19:30ávidos do saber,
-
19:30 - 19:33mas com dificuldade em ter acesso
a esse mesmo saber, -
19:33 - 19:37e sabendo que pequeninas mudanças
resultarão na melhoria -
19:37 - 19:40da qualidade e da expetativa
-
19:40 - 19:41duma população inteira
-
19:41 - 19:45é algo a que nunca nenhum médico
pode fugir. -
19:45 - 19:48Garanto-vos, enche o coração
-
19:48 - 19:50e justifica a nossa passagem nesta vida.
-
19:50 - 19:51Muito obrigada.
-
19:51 - 19:53(Aplausos)
- Title:
- Health4Moz — solidariedade médica em Moçambique | Carla Rego | TEDxPortoSalon
- Description:
-
Carla Rego é médica pediatra num hospital portuense e há uns anos criou a Health4Moz, uma iniciativa sem fins lucrativos para ajudar a formar médicos em Moçambique, o país em que nasceu. Em março de 2019 o furacão Idai atingiu a Beira, no centro do país, e destruiu muitas infraestruturas, incluindo o seu hospital, que serve mais de 9 milhões de pessoas na região central. De forma muito rápida, a Health4Moz reuniu apoios para reconstruir o hospital, criando assim um local onde os cuidados de saúde podem ser administrados à população com a dignidade que ela merece.
Carla Rego é médica pediatra no Hospital CUF, com áreas de diferenciação em nutrição pediátrica e avaliação e orientação médico-desportiva. É professora convidada de pediatria na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e professora convidada e regente da disciplina de nutrição pediátrica do curso de ciências da nutrição, Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica do Porto.Esta palestra foi feita num evento TEDx usando o formato de palestras TED, mas organizado independentemente por uma comunidade local. Saiba mais em http://ted.com/tedx
- Video Language:
- Portuguese
- Team:
- closed TED
- Project:
- TEDxTalks
- Duration:
- 20:03