Crítica - Uncharted 4

O jogo Uncharted 4 se inicia com a frase: "Eu sou um homem de sorte e devo sair em busca da minha fortuna." Nos três jogos anteriores da série Uncharted, o protagonista Nathan Drake certamente fez o papel do típico homem de sorte. Alguém com aventura na veia, para quem a busca por ouro e glória é o único estilo de vida que ele conhece. O jogo mais recente e, ao que tudo indica, o último da série, é praticamente mais uma aventura ao redor do mundo recheada de escaladas e matanças. Mas ao mesmo tempo que o jogo cumpre
com os requisitos de um jogo de ação e aventura, e às vezes pareça estar amarrado aos mesmos, também há momentos emocionantes
quando você sente o jogo tencionar as restrições e expectativas do gênero, e quando pelo menos se tenta fazer com que o próprio Drake e nós, jogadorxs, se perguntem se ser um 'homem de sorte' é realmente isso tudo que parece ser.

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"Senhorita,

você tem sorte que eu sou um cavalheiro;

porque se eu não fosse,

eu iria..."

Uncharted 4:
O fim de um ladrão

O jogo Uncharted 4 se inicia com a frase:

"Eu sou um homem de sorte
e devo sair em busca da minha fortuna."

Nos três jogos anteriores
da série,

o protagonista Nathan Drake
certamente fez o papel

do típico 'homem de sorte'.

Alguém com aventura na veia,

para quem a busca por ouro e glória

é o único estilo de vida que ele conhece.

O jogo mais recente e, ao que tudo
indica, o último da série,

é praticamente mais uma
aventura ao redor do mundo

recheada de escaladas e matanças.

Mas ao mesmo tempo que o jogo cumpre
com os requisitos

de um jogo de ação e aventura,

e às vezes pareça estar amarrado
aos mesmos,

há também momentos emocionantes

em que você sente o jogo tencionar
as restrições e expectativas do gênero,

e quando ele ao menos tenta fazer
com que o próprio Drake

e nós, jogadorxs,

nos perguntemos se ser um
'homem de sorte' é realmente

isso tudo o que parece ser.

A premissa básica do jogo é:

Sam, irmão de Nathan,

que por muito tempo
acreditou-se estar morto,

aparece do nada jurado de morte,

e convence Nathan a voltar
para o jogo de caça ao tesouro

para ajudá-lo a encontrar um
tesouro pirata legendário

para conseguir comprar sua liberdade.

Mas não são os eventos
do jogo em si

que são particularmente interessantes.

Pelo contrário, é o jeito como
a história do jogo é narrada,

com um foco real nas
personagens e suas motivações.

Os diálogos e as atuações são excelentes.

Várias vezes é aquilo que as personagens
deixam de dizer que conta mais,

e às vezes expressam muita coisa
somente com um olhar.

Elena: "Tem muito chão pela frente."

O enredo em si, por outro lado,
pode ser bastante clichê e frustrante,

e porque a história é tão boa,

isso acaba nos fazendo desejar

que as personagens estivessem
numa história melhor.

A primeira vez que vemos
Nathan e sua esposa Elena juntos,

é uma cena agradável e surpreendente

que sugere que os dois compartilham
um nível maravilhoso de

proximidade e confiança.

A conversa entre os dois é séria,

e divertida,

e honesta,

tudo ao mesmo tempo.

Por isso, é decepcionante que Nathan faz

aquilo que homens frequentemente
fazem nesse tipo de história

quando embarcam numa aventura:

ele mente para sua esposa
sobre o que está fazendo.

Botar Nate para fazer algo tão tolo
é um jeito fácil e previsível

de criar conflito na história,

o que também relega Elena a representar
a existência doméstica enfadonha

que Nate deixa para trás, ao sair
por aí desbravando o mundo

com Sam e Sully.

Enquanto jogador_s, é claro que
desejamos que Nathan saia

'em busca de sua fortuna' -

- é aí que o jogo fica divertido.

Esse artifício narrativo cansativo
só faz com que Elena pareça ser

um obstáculo pra toda essa diversão.

Elena: "... foi tipo um choque nos pulmões
na hora que ela..."

Ela é uma personagem ótima
quando lhe dão uma chance,

e ela de fato ganha essa chance
perto do fim do jogo.

Mas teria sido uma mudança refrescante se,

ao invés se apoiar em
fórmulas preconcebidas,

o jogo tivesse oferecido um retrato
de um casamento entre duas pessoas

que realmente confiam uma na outra

e enfrentam os desafios
juntas, como dois iguais.

O jogo Uncharted 4 também tropeça
na representação de pessoas de cor.

A única pessoa de cor proeminente no jogo

é Nadine Ross,

durona e astuta,

dona de uma armada privada
chamada Shoreline, que,

estranhamente,

apesar de ser comandada por uma mulher,

não parece empregar nenhuma.

Ainda assim, é uma personagem decente,

e luta melhor que Nathan.

Mas ela é uma vilã e,

além dela,

as pessoas de cor no jogo são
frequentemente retratadas

com estereótipos ameaçadores,

como os bandidos tatuados
numa prisão no Panamá,

ou o traficante sádico que ameaça
acabar com a vida de Sam

se ele não encontrar o legendário
tesouro pirata.

Pelo fato de todos os heróis do jogo

serem um bando de caras brancos
privilegiados,

é um incômodo quando o jogo
trata uma cidade no Madagascar

como um parquinho particular
pros protagonistas,

que deixam partes da cidade destruídas

numa grande cena de ação.

Por vezes, surge uma tensão interna entre

a história humana que o jogo tenta narrar

e as ações desumanas que o jogo faz
os seus heróis realizar.

Nathan e Sam às vezes refletem sobre a
moralidade dos piratas

cujo tesouro eles estão procurando,

mas não param para se questionar

sobre a moralidade de suas
próprias ações.

E em determinada cena, o antagonista
psicopata Rafe Adler

diz que Nathan e Sam não têm
o que é preciso para matar Nadine,

mesmo apesar deles já terem matado
centenas de pessoas no jogo até então.

É em momentos como esse que parece
que o jogo está amarrado ao fato de que,

por ser um jogo de ação e aventura,

é obrigatório existir situações em que

você simplesmente te m que matar
dezenas de capangas.

Contudo, Uncharted 4 se esforça para
superar as expectativas de um jogo

de ação e aventura comum.

De certa forma, o jogo segue
os mesmos passos de Left Behind,

um DLC do jogo The Last Of Us

(outro título da
Naughty Dog),

um jogo que dá mais ênfase ao enredo
e ao desenvolvimento das personagens

do que à ação e à violência.

O Uncharted 4 se dispõe a
investir parte do tempo do jogo

para aprofundar a nossa
compreensão sobre as personagens,

como em uma cena
no início do jogo

quando você explora a casa de Nathan

e encontra lembranças
de suas aventuras passadas.

Há uma densidade maravilhosa
de detalhes nos cenários

que te faz sentir enraizadx nos lugares

conforme você vai explorando,
examinando objetos

e tendo uma noção maior de quem são
essas pessoas do jogo.

Há também uma incrível firmeza no
ritmo do jogo.

Muito mais do que nos
outros jogos da série,

grandes trechos no jogo são dedicados

a simplesmente explorar fases belíssimas
e a resolver enigmas,

o que faz parecer que o combate
é algo pontual para o jogo,

ao invés de ser algo de que o jogo
depende constantemente.

Uncharted 4 é frustrante quando
explora territórios convencionais

e - caham! - bem conhecidos.

Mas há muitos momentos belos
e surpreendentes no jogo -

que não serão abordados aqui -,

e os cenários estonteantes,
as tramas e a dublagem

geralmente elevam as personagens
acima da história convencional

na qual elas estão presas.

No final, são os relacionamentos,

e não o tesouro pirata,

o que mais importa no jogo Uncharted 4.

E ao mesmo tempo que o jogo às vezes
cai no lugar comum dos jogos de ação,

ele também demonstra que há espaço
para jogos AAA desafiarem nossas

expectativas e nos surpreender,

e isso é algo que eu quero ver
acontecendo muito mais no futuro.

"Tá vendo a arma na cabeça dele?

Ele escolheu isso. Ok?

Ele foi feito pra essa vida."

"Você realmente acredita nisso?"