Meu nome é Elisabeth Wiklander,
e eu ...
eu sou autista.
O que vocês imaginam
ao ouvirem a palavra "autista"?
Como vocês reagem
ao ouvirem a palavra "autismo"?
Diriam que é um transtorno incurável?
Uma incapacidade?
Uma deficiência?
Essa é de fato a forma
como a linguagem médica o descreve,
mas o autismo é muito mais do que isso.
Nenhum manual médico pode de fato explicar
a experiência multifacetada do autismo.
Trata-se de uma diferença neurológica,
com um vasto espectro de formas
de manifestação dentro de sua população.
Ele pode trazer dons
e habilidades impressionantes,
e também algumas
características arrasadoras.
Mas o autismo não necessariamente
é o mesmo que deficiência.
Felizmente, hoje temos uma palavra
que se contrapõe
a essa terminologia negativa:
"neurodiversidade".
A neurodiversidade descreve o grau
de diversidade dos seres humanos,
do ponto de vista neurológico.
Ela sugere que as muitas variações
das mentes humanas, como as dos autistas,
devem ser aceitas
como parte natural e preciosa
da herança genética da humanidade.
O DNA nos mostra que o autismo
é essencialmente uma condição genética,
algo que foi passado
de forma hereditária por gerações
e que ainda está amplamente presente
na população em geral.
Esses genes podem carregar
algo tão positivo
que, apesar da diferença que causam,
persistiram ao longo da nossa evolução
e ainda se manifestam hoje.
Algumas das nossas invenções importantes,
obras de arte, música
e descobertas científicas
que fizeram nosso mundo avançar
vêm de mentes autistas.
Com o empolgante avanço
da tecnologia em neurociência,
descobrimos que os cérebros autistas
são diferentes do padrão.
Além disso,
ao que parece, cada um deles
é diferente de forma única.
Portanto, o autismo é rico em expressões,
mas ainda sofre
com esteriótipos limitantes.
Hoje, quero falar sobre o meu autismo,
um que tem aparência de normalidade
e que pode causar impactos catastróficos
na vida das pessoas,
não necessariamente
por causa do autismo em si,
mas devido ao desconhecimento das pessoas
ou da falha em reconhecer
que ele ao menos existe,
como eu acabaria descobrindo.
Bem, em situações sociais,
todos pomos expectativas
uns sobre os outros.
Usamos um certo tipo de protocolo social,
que, quando seguido,
nos premia com aceitação social.
Mas sempre senti que eu era diferente,
só que eu não sabia como,
e certamente não sabia por quê.
Era como tivessem me dado
um protocolo diferente
e eu não contasse com uma comunidade
que me apoiasse e confirmasse
que a forma como eu interpretava
o mundo também era válida.
Eu cresci me sentindo
muito incompreendida,
por praticamente todo mundo,
até por minha própria família.
Se eu aplicasse o que seriam
minhas razões, minhas intenções,
sobre o comportamento
de outra pessoa, ou vice-versa,
o resultado era geralmente
negativo e muito confuso.
Então, pra mim, o mundo social
se tornou assustador e imprevisível.
Eu notava, porém, principalmente
durante os anos de escola na Suécia,
que a minha mente havia sido
premiada com talentos,
tais como capacidade analítica
e foco mental intenso,
alta capacidade
de memorização de informação,
o que fazia com que estudar
me fosse muito prazeroso e fácil.
Então, na minha jornada acadêmica,
eu vim para Göteborg,
onde estudei na universidade.
Depois fui para a Holanda,
onde obtive meu mestrado em música.
Atualmente, vivo no Reino Unido
e sou violoncelista profissional
na Orquestra Filarmônica de Londres,
viajando pelo mundo.
Mas isto aqui é bem incomum pra mim,
estar num palco falando com vocês,
sem meu instrumento.
Não consigo evitar a sensação
de que o esqueci em algum lugar.
Claro, talvez vocês pensem:
"Tá, ela toca numa grande orquestra.
Obviamente ela é bem-sucedida.
Qual é o problema?"
Bem,
minha mente é bem literal,
e ela constantemente se choca
com sutilezas não verbais e verbais
em situações sociais.
Isso me faz ter uma linha bem direta
de abordagem e de diálogo no dia a dia.
Ainda não entendo muito bem
o propósito de "jogar conversa fora",
embora hoje em dia eu até que goste.
Piadas e sarcasmo passam
completamente despercebidos por mim.
Minha mente interpreta as coisas
de forma bem literal.
Ela adora analisar tudo.
Meu mundo é bem intenso.
Meus sentidos são aguçados.
Meu cérebro absorve tudo
como que através de um amplificador.
Meus interesses específicos
podem me consumir por completo.
E as minhas emoções
podem ir de um extremo ao outro,
e elas ligam e desligam
como um interruptor de luz.
Meus familiares, coitados,
ainda ficam completamente pasmos
quando vou de um total ataque
à total tranquilidade
em menos de dois segundos.
Literalmente.
Então, pois é, o autismo
influencia meus pensamentos,
minha imaginação,
meus sentidos, minhas emoções,
e a forma como processo informação.
Mas, sem saber disso,
era bem difícil pra mim manter amizades,
porque nossas expectativas sociais
eram muito diferentes.
Às vezes, eu era tida como estranha,
e sofri muito bullying por isso.
Mas o mais arrasador,
o mais arrasador de tudo
eram os mal-entendidos desgastantes
que dominavam a minha relação
com as pessoas mais próximas a mim.
Linguagem corporal?
Mal interpretada.
Palavras?
Totalmente mal interpretadas.
Era bem frustrante.
Era como lutar contra um fantasma,
algo que ninguém conseguia entender,
nem mesmo os terapeutas
que procuramos pra nos ajudar!
Então, era uma situação
mentalmente angustiante,
que persistia ano após ano,
e, por volta dos meus 25 anos,
eu havia chegado a um ponto bem sombrio
e comecei a realmente temer
pelo meu futuro.
Mas aí
algo extraordinário
aconteceu e mudou tudo.
Em 2006, ouvi falar
sobre a síndrome de Asperger.
O termo está ultrapassado atualmente,
mas refere-se a uma forma de autismo,
no extremo altamente
funcional do espectro.
Três anos depois, quando eu tinha 28 anos,
recebi esse diagnóstico
e percebi que praticamente
um terço da minha vida
tinha sido baseado numa falsa
percepção de mim mesma.
Imaginem só!
Não é de se admirar que minha vida
tenha sido tão complicada!
Mas, aí, eu comecei a me enxergar
num contexto novo e mais claro.
Toda a minha vida e todas as minhas
experiências começaram a fazer sentido!
Isso me lançou numa incrível jornada
de esclarecimento e transformação.
Finalmente eu tinha recebido algo
que me permitiu explorar a relatividade
da minha percepção do mundo
comparada com a dos outros.
Ganhei acesso àquele protocolo misterioso,
e poderia começar a compará-lo com o meu.
Então, aprendi a identificar
minhas diferenças.
Nos anos seguintes,
descobri formas eficazes
de melhorar minhas habilidades sociais.
Aprendi a verbalizar minhas necessidades,
a reconhecer minhas limitações
e a desenvolver meus pontos fortes.
Descobri estratégias eficientes
de levar meu dia a dia,
e melhorei significativamente
todos os "traços incapacitantes"
do meu diagnóstico.
Mas foi preciso muito foco,
dedicação e trabalho.
Como o autismo é um espectro,
eu tive que agir como uma pesquisadora
e coletar muita informação,
de diversas fontes diferentes,
ao longo de muito tempo,
até conseguir completar
o meu próprio quebra-cabeças.
Quando achei que tinha alcançado o nível
de adequação exigido pela sociedade,
ainda sentia que algo não estava certo.
Faltava algo.
Eu conseguia mudar minha forma de agir,
mas não posso mudar meu jeito de ser.
Minha calibragem natural e biológica
é e sempre será autista.
Só que agora eu tinha que conviver
com esses novos e altos padrões sociais
que eu mesma tinha estabelecido pra mim.
Eu tinha conseguido entender
as minhas diferenças.
Mas, como todos sabemos,
uma relação é uma via de mão dupla.
Sem aceitação e entendimento
do meu verdadeiro eu,
eu jamais seria verdadeiramente feliz,
e isso me fez um dia
tomar uma decisão bem radical.
Em 2 de abril de 2015,
anunciei meu autismo nas redes sociais,
e comecei a falar sobre ele
com todo mundo, abertamente.
Bum! Desse jeito.
Admito que foi assustador,
porque já conhecia o que havia por aí:
o estigma, o preconceito.
Tive muito receio
de que as pessoas projetassem sobre mim
suas preconcepções sobre o autismo,
em vez de me deixarem mostrar
como o autismo pode ser.
Mas não foi o que aconteceu.
O que aconteceu foi que minha vida
mudou completamente,
quase que da noite pro dia.
As pessoas ficaram curiosas,
e recebi muito apoio de toda parte:
de amigos, de familiares, de colegas
e de pessoas que eu nem conhecia!
A mídia começou a prestar atenção,
e pessoas que se reconheciam
em minha história
começaram me procurar,
de perto e de longe, buscando ajuda.
Ver o quanto a minha situação era comum
e que poderia ser revertida de forma
eficaz com as mesmas ferramentas que usei
me inspirou a compartilhar
mais ainda minha experiência:
a de que conhecer a neurodiversidade
abre novos canais de comunicação entre nós
por meio da identificação das diferenças
que não conhecíamos antes
por estarem escondidas em nossas mentes.
Isso abriu meu mundo com uma chave
que ajudou a identificar minhas diferenças
e a comunicá-las de forma
que todos pudessem entender.
Então, hoje, sou uma pessoa muito feliz.
Tenho amizades maravilhosas,
tenho uma relação mais profunda
com meus familiares
e estou descobrindo como é estar
num relacionamento feliz e saudável
com um homem maravilhoso,
que felizmente também é muito paciente,
porque os mal-entendidos ainda acontecem.
Só que hoje eles podem ser resolvidos,
e portanto não são mais uma ameaça
ao nosso relacionamento.
Ensinamos um ao outro a entender
os protocolos um do outro,
e isso foi enriquecedor pra nós dois.
Ainda sou autista,
mas adoro isso.
Eu aceito isso!
Não posso mais me conformar
com a palavra "deficiente",
porque, olhando pra trás, eu entendo
que o sofrimento pelo qual passei
não veio do meu autismo,
mas do impacto da ignorância
a respeito do autismo.
Se precisamos de cura pra alguma coisa,
não é para o autismo,
mas para a ignorância e a intolerância.
As diferenças são sempre um desafio,
mas também são o que torna o mundo
esse lugar tão bonito e espetacular.
Reconhecer que somos
diferentes uns dos outros,
do ponto de vista neurológico,
nos ajuda a convivermos
de forma mais tranquila,
sem termos que comprometer
tanto a nossa autenticidade,
dando às nossas habilidades, talento
e criatividade naturais mais liberdade,
não só para pessoas
que estão no espectro autista,
mas para todos.
Unindo forças, podemos ter
uma visão melhor de nós mesmos
e inspirarmos uns aos outros
em novos níveis.
A população autista não é tão pequena.
Somente no Reino Unido,
somos quase 1 milhão de pessoas.
Conscientemente ou não, você nos verá
entre seus amigos e colegas.
Talvez sejamos um familiar seu,
seu chefe,
ou um vizinho seu.
Talvez você tenha se apaixonado
por alguém do espectro autista.
Por quê?
Por que devemos vestir esse padrão
só porque serve pra maioria das pessoas?
Será que o que é neurologicamente aceito
deve ser determinado pelo que é maioria?
Será que o valor humano
é determinado pelo que é maioria?
Não, claro que não.
Ainda assim, muitos
indivíduos autistas, vários deles,
ainda não têm acesso
aos seus direitos básicos como cidadãos
pois o desconhecimento
a respeito das nossas diferenças
ainda permeia todos
os aspectos da sociedade.
Nós merecemos
o mesmo acesso à educação,
com conscientização e flexibilidade
em relação a nossa forma especial
de processar informação.
Merecemos o mesmo acesso
ao mercado de trabalho,
com conscientização
em relação à nossa sensibilidade
em termos de códigos sociais
e absorção sensorial de informação.
Merecemos reconhecimento
pelas nossas habilidades,
e merecemos o mesmo acesso
a ajuda e apoio adequados,
onde a verdadeira fonte de nossa
dificuldade seja melhor compreendida.
Todos os serviços
precisam começar a evoluir
visando a levar em consideração
a neurodiversidade,
ou muitas pessoas continuarão
sendo preteridas,
e isso é totalmente prejudicial
a toda a nossa sociedade.
É inaceitável
que, só porque alguns não se encaixam
no padrão estabelecido,
corram o risco de sofrer
discriminação, bullying,
sejam rotulados como deficientes
sejam relegados à margem da sociedade,
se tornando meros espectadores.
Essa é uma fraqueza que nos priva
das contribuições de mentes especiais,
que são valiosas pra todos nós
justamente por serem diferentes,
justamente por pensarem
de forma inovadora.
A criança peculiar na escola, como eu,
tem tanto a oferecer ao mundo
quanto qualquer outra pessoa.
Todo ser humano é valioso,
e a sociedade precisa se abrir mais
para que todos tenham seu espaço nela.
Pode parecer uma tarefa intimidadora,
mas precisamos ter coragem.
Coisas extraordinárias podem ser e foram
realizadas por pessoas ordinárias,
seja qual for o espectro
através do qual percebemos o mundo.
Obrigada.
(Aplausos)