O movimento pode ser algo poderoso. Quem joga videogame sabe a importância de um bom salto em um jogo de plataforma, ou de uma esquiva ágil em um jogo de luta. Mas, às vezes, são movimentos aparentemente banais que mais têm a dizer sobre um personagem. Seu jeito de fazer coisas simples como andar, ou sentar. E, como qualquer outra característica, a movimentação de um personagem pode ajudar a descontruir esterótipos de gênero ou reforçá-los. Em Destiny, o aclamado jogo de tiro online da Bungie, os jogadores começam criando seu próprio personagem: um guardião que deve proteger os remanescentes da humanidade. Como em outros jogos, essa ferramenta de criação permite que você escolha entre diferentes gêneros e etnias. Em muitos aspectos, Destiny trata as personagens femininas jogáveis da mesma forma que trata os personagens masculinos. Por exemplo, a armadura que você recebe, quando joga com um personagem feminino, não é sexualizada. É tão prática e estilosa quanto às obtidas pelos personagens masculinos. Contudo, existe um aspecto através do qual os personagens são diferenciados em função do gênero: a sua movimentação. Note como um guardião se senta para relaxar, depois de um árduo e longo dia combatendo as forças do mal. É simples. Sugere confiança. Quando uma guardiã se senta, a história é completamente diferente. Ela senta como flor delicada. Essa deveria ser uma guerreira espacial durona e ainda assim ela se senta como se fosse a Ariel, da Pequena Sereia. A movimentação de um personagem define quem ele é tanto quanto suas roupas e aparência. E como qualquer outra característica do personagem a movimentação é utilizada para comunicar informações a seu respeito. Isso não é inerentemente uma coisa ruim: Animações de personagem expressivas nos ajudam a entender quem o personagem é e o que o define. Seu jeito de andar, pular, e até a maneira como senta pode nos dizer muito sobre ele. Por exemplo, os movimentos precisos e graciosos de Ree-u Hayabusa indicam que ele é um ninja altamente treinado enquanto o jeito atrapalhado com que Nathan Drake atravassa situações perigosas sugere que ele é apenas um cara comum que acaba sempre se metendo em situações extraordinárias. Nathan: "[risos] Quase que a gente ia junto!" Em oposição, o jeito como as mulheres se movem não é usado para sugerir confiança, nem habilidade, ou qualquer outra faceta de sua personalidade. Ele é frequentemente usado, junto a outros aspectos do design, para fazê-las exalar sensualidade, para o entretenimento de supostos jogadores do sexo masculino A Mulher Gato da série Arkhan tem um balanço de quadril bastante exagerado quando anda. Em combinação com suas roupas e os ângulos de câmera, tudo isso é feito para dirigir o foco do jogador para sua bunda hiper-sexualizada. Em Resident Evil: Revelations, Jill Valentine, de alguma forma, consegue balançar o corpo inteiro enquanto corre. Em Assassin's Creed Syndicate, Evie Frye é uma personagem que escapa de várias das armadilhas em que alguns personagens jogáveis femininos costumam cair. Mas ela ainda anda com um jogo de quadril exagerado. Em Saints Row the Third, você pode trocar de gênero a qualquer momento. Se você for a uma clínica e optar pelo gênero feminino você também adquire uma caminhada sensual muito embora você devesse ser, literalmente, a mesma pessoa. Heróis masculinos podem andar como seres humanos normais, de um jeito "ordinário", ou forte, gracioso ou pateta. Enquanto isso, as animações de personagens femininos frequentemente fazem parecer que elas estão desfilando em uma passarela usando salto agulha. mesmo quando essas pensonagens estão em situação de combate. Assistindo à movimentação desses personagens, você imagina que o diretor da sessão de captura de movimento orientou elas a andarem como uma modelo em vez de uma guerreira espacial durona ou uma ladra profissional ou uma agente bioterrorista, ou uma chefe do crime, uma vampira ou uma assassina. Claro que no mundo real pessoas balançam o quadril quando usam salto alto. Se quisermos nos ater a tecnicalidades, esse balanço serve para manter o equilíbrio. Isso, por si só, não é um problema, (exceto o de ser, geralmente, muito desconfortável) mas suscita essa questão importante: porque essas mulheres em papéis de combate estão usando salto alto? Com tanta luta, correria e escalada que essas mulheres têm de fazer, vestí-las em salto alto é claramente uma decisão baseada no prazer estético erotizado. Não em credibilidade. De fato, a existência de tantas personagens cuja movimentação se enquadra nesse padrão de gênero sexualizado é um exemplo de como o olhar masculino se manifesta nos vídeo games. O termo "olhar masculino" (male gaze) foi cunhado em 1975 pela crítica de cinema e feminista Laura Mulvey e se refere à tendência das artes visuais de assumir, e ser construída em torno, de um suposto espectador masculino ou, nesse caso, jogador. O olhar masculino se manifesta quando a camera assume a perspectiva de um homem heterossexual estereotípico. Um exemplo incontestável ocorre quando a camera se demora percorrendo o corpo de uma mulher, embora isso não seja sempre tão óbvio. Nos jogos, isso pode ser tão simples quanto uma camera que enquadra os seios ou a bunda da personagem no centro da tela. Podem ser cutscenes que pousam sobre a bunda de uma mulher, podem ser as roupas que elas estão usando ou seu jeito de andar, ou pode ser algo tão básico quanto o jeito com que uma personagem feminina se move pelo universo do jogo. O olhar masculino reforça a noção de que o homem observa, e a mulher é observada. Ou como o crítico de arte John Berger explica no livro Modos de Ver de 1972, "Os homens agem, as mulheres aparecem. Os homens olham para as mulheres. As mulheres vêem-se a serem vistas. Isto determina não só a maioria das relações entre homens e mulheres como também as relações das mulheres consigo próprias." O olhar masculino não é uma regra incontestável. É um conceito teórico que nos ajuda a entender a maneira, por vezes, sutil com que a cultura influencia na mídia, e a maneira pela qual a mídia, em retorno, pode moldar ou reforçar dinâmicas de gênero existentes em nossa cultura. O olhar masculino não é, de nenhuma forma, limitado a homens ou indivíduos heterossexuais. Quase todos nós internaliza e se identifica com o olhar masculino, de alguma forma. Desfazer o olhar masculino não significa introduzir um olhar feminino que sexualize os homens. Não apenas porque objetificação sexual igualitária não é a solução, mas também, porque isso nunca serial igual. Uma reforça idéias opressoras preexistentes que causam danos reais na vida das mulheres diariamente. A outra não reforça nada. Tampouco são intercambiáveis. Por exemplo, quando o site satírico The Hawkeye Initiative recria personagens masculinos em poses sexualizadas que são comuns para personagens femininos, não se está usando o "olhar feminino". É apenas o olhar masculino, aplicado a homens. Quando personagens masculinos são apresentados sem camisa ou usando pouca roupa -- como o personagem apelidado de "Hot Ryu" em Street Fighter V -- sua falta de roupa demonstra seu poder e força, em vez de apresentá-los como brinquedos erotizados ou reduzi-los a partes do corpo sexualizadas. Isso vale também para a movimentação. Personagens masculinos se movem de forma a enfatizar diferentes traços de personalidade, mas existe um mundo inexplorado de representações possíveis para as mulheres que não as tratem como objetos sexuais, mas que as deixem ser furtivas ou fortes, ágeis ou imponentes, desajeitadas ou graciosas. A movimentação de Ellie, em The Last of Us, comunica um senso de tensão e perigo, demonstrando como a animação pode enfatizar a personalidade e o estado emocional de uma personagem ao invés de tratá-la como objeto sexual. O caminho para equidade e libertação não é reduzir, igualmente, homens e mulheres a meros objetos, mas tratar as pessoas de qualquer gênero e com todo tipo de corpo como seres humanos plenos e completos.