0:00:13.025,0:00:16.305 Imaginem que andam a passear[br]numa exposição de arte com um amigo 0:00:16.335,0:00:18.905 e uma pintura surpreendente[br]chama a vossa atenção. 0:00:18.925,0:00:21.985 O vermelho vivo faz-vos lembrar[br]um símbolo do amor, 0:00:22.085,0:00:25.355 mas o vosso amigo está convencido[br]que é um símbolo da guerra. 0:00:25.495,0:00:28.865 Onde veem estrelas num céu romântico 0:00:28.955,0:00:33.377 o vosso amigo vê poluentes[br]responsáveis pelo aquecimento global. 0:00:33.787,0:00:37.577 Para pôr fim ao debate,[br]vão à Internet, onde leem 0:00:37.607,0:00:42.057 que a pintura é uma réplica do projeto[br]de arte do primeiro ano da artista. 0:00:42.147,0:00:45.906 O vermelho era a sua cor preferida[br]e os pontos prateados são fadas. 0:00:46.746,0:00:51.178 Agora conhecem as intenções exatas[br]que levaram à criação daquela obra. 0:00:51.328,0:00:55.358 É um erro tê-la apreciado como uma coisa[br]que a artista não tencionava fazer? 0:00:55.398,0:00:58.638 Apreciam-na menos agora[br]que conhecem a verdade? 0:00:58.928,0:01:01.108 Até que ponto a intenção da artista 0:01:01.118,0:01:04.118 afeta a vossa interpretação da pintura? 0:01:04.408,0:01:06.398 É uma questão que tem sido discutida 0:01:06.428,0:01:10.828 por filósofos e críticos de arte[br]há décadas, sem consenso à vista. 0:01:11.778,0:01:13.739 Em meados do século XX, 0:01:13.749,0:01:18.099 o crítico literário W.K. Wimsatt[br]e o filósofo Monroe Beardsley 0:01:18.129,0:01:21.219 argumentaram que a intenção[br]do artista era irrelevante. 0:01:21.519,0:01:23.869 Chamaram-lhe a "Falácia Intencional": 0:01:23.899,0:01:27.719 a ideia que valorizar as intenções[br]de um artista era enganadora. 0:01:28.239,0:01:30.409 Os seus argumentos eram de dois tipos. 0:01:30.429,0:01:33.669 Primeiro, os artistas que estudamos[br]já não são vivos, 0:01:33.719,0:01:35.589 nunca registaram as suas intenções 0:01:35.609,0:01:39.369 ou não estão disponíveis para responder[br]a perguntas sobre a sua obra. 0:01:39.807,0:01:44.247 Segundo, mesmo que houvesse[br]muitas informações relevantes, 0:01:44.297,0:01:45.907 Wimsatt e Beardsley pensavam 0:01:45.937,0:01:48.897 que isso nos desviaria[br]das qualidades da obra. 0:01:49.087,0:01:51.287 Comparavam a arte a uma sobremesa. 0:01:51.347,0:01:52.977 Quando saboreamos um pudim, 0:01:53.017,0:01:57.067 as intenções do "chef" não afetam[br]que apreciemos o seu sabor ou textura. 0:01:57.337,0:02:01.077 Só interessa, disseram,[br]que o pudim "funcione". 0:02:01.597,0:02:05.677 Claro que o que "funciona" para uma pessoa[br]pode não "funcionar" para outra. 0:02:05.697,0:02:09.268 Tal como interpretações diferentes[br]são apresentadas por pessoas diferentes, 0:02:09.288,0:02:12.788 os pontos prateados na nossa pintura[br]podem ser interpretados razoavelmente 0:02:12.828,0:02:15.360 como fadas, como estrelas[br]ou como poluição. 0:02:15.510,0:02:17.530 Pela lógica de Wimsatt e de Beardsley, 0:02:17.560,0:02:19.800 a interpretação do artista[br]quanto à sua obra 0:02:19.800,0:02:23.910 seria apenas mais uma entre muitas[br]possibilidades igualmente aceitáveis. 0:02:24.550,0:02:26.362 Se acham que isto é problemático, 0:02:26.372,0:02:30.372 podem estar mais de acordo[br]com Steven Knapp e Walter Benn Michaels, 0:02:30.422,0:02:33.892 dois teóricos literários que rejeitaram[br]a Falácia Intencional. 0:02:34.182,0:02:36.712 Argumentaram que o sentido[br]da intenção de um artista 0:02:36.742,0:02:39.192 não era apenas uma interpretação possível, 0:02:39.222,0:02:41.802 mas a única interpretação possível. 0:02:41.902,0:02:44.682 Por exemplo, suponham que[br]estão a passear numa praia 0:02:44.702,0:02:46.912 e encontram uma série de marcas na areia 0:02:46.952,0:02:49.242 que representam um verso de poesia. 0:02:49.272,0:02:52.221 Knapp e Michaels creem[br]que o poema perderia todo o sentido 0:02:52.261,0:02:55.661 se descobrissem que essas marcas[br]não eram fruto de um ser humano, 0:02:55.691,0:02:58.471 mas uma estranha coincidência[br]produzida pelas ondas. 0:02:58.531,0:03:00.641 Acreditavam que só um criador intencional 0:03:00.671,0:03:03.891 torna o poema sujeito[br]a qualquer compreensão 0:03:04.591,0:03:07.078 Outros pensadores defendem[br]um terreno intermédio, 0:03:07.098,0:03:11.688 sugerindo que a intenção é apenas[br]uma peça de um "puzzle" maior. 0:03:11.818,0:03:15.138 O filósofo contemporâneo Noel Carroll[br]assumiu esta posição, 0:03:15.138,0:03:17.188 argumentando que as intenções[br]de um artista 0:03:17.208,0:03:18.928 são relevantes para o público 0:03:18.958,0:03:20.928 tal como as intenções de um orador 0:03:20.948,0:03:24.108 são relevantes para a pessoa[br]que ele quer envolver na conversa. 0:03:24.158,0:03:27.148 Para perceber como funcionam[br]as intenções na conversa, 0:03:27.198,0:03:31.188 Carroll disse para imaginarmos alguém[br]que tem um cigarro e pede um fósforo. 0:03:31.208,0:03:33.361 Nós reagimos estendendo-lhe um isqueiro, 0:03:33.381,0:03:36.321 percebendo que a motivação da pessoa[br]é acender o cigarro, 0:03:36.341,0:03:39.172 As palavras que ela usou[br]para fazer o pedido são importantes 0:03:39.182,0:03:42.652 mas as intenções por detrás do pedido[br]ditam a nossa compreensão 0:03:42.682,0:03:45.092 e, daí, a nossa reação. 0:03:45.492,0:03:48.328 Para que lado deste espetro[br]se inclinam? 0:03:48.518,0:03:52.258 Estão de acordo com Wimsatt e Beardsley[br]de que, no que respeita à arte, 0:03:52.278,0:03:54.018 gostos não se discutem? 0:03:54.058,0:03:57.748 Ou acham que os planos e as motivações[br]de um artista para a sua obra 0:03:57.768,0:03:59.528 afetam o seu significado? 0:03:59.558,0:04:02.188 A interpretação artística[br]é uma teia complexa 0:04:02.218,0:04:05.428 que provavelmente nunca terá[br]uma resposta definitiva.