[ Marina Abramović ]
A relação de um artista com a solidão.
Um artista precisa dedicar tempo
a um longo período de solidão.
Solidão é extremamente importante.
Longe de casa, longe do estúdio.
Longe da família, longe dos amigos.
Um artista tem que entender o silêncio.
Um artista tem que criar espaços
para o silêncio entrar em seu trabalho.
O silêncio é como uma ilha.
em meio a um oceano turbulento.
Minha resistência física
e extrema força de vontade
acho que eu herdei
da minha mãe e do meu pai.
porque minha mãe e meu pai,
eles acreditam muito no comunismo
e eles acreditam no sacrifício pela causa.
Sua vida pessoal não é nada.
O que importa é pelo o que você vive.
É muito, muito estóico e muito dedicado.
Foi assim que eu fui educada.
Minha mãe, quando a bolsa dela estourou
quando ela estava dando luz a mim
ela estava tendo
uma reunião do partido comunista,
e ela não queria parar até ter terminado.
E depois ela foi ao hospital
e deu luz à mim.
Eu achava que isso era normal.
Eu achava que tinha que ser assim.
Eu não achava que tudo
poderia ser diferente.
Ter vindo da antiga Iugoslávia,
de um histórico familiar tão interessante,
em que minha mãe e meu pai não
acreditavam em nenhum tipo de religião
e tendo sido criada pela minha avó,
que era uma completa fanática religiosa,
tendo, meu avô
que era um santo da igreja ortodoxa,
era uma combinação quase imbatível
para crescer como uma artista.
Cheia de contradições.
Performance é uma ferramenta
para me expressar.
E eu acho que, na vida de um artista,
é muito importante
achar a ferramenta certa.
E eu tenho que dizer que tive muita sorte
de ter vindo tão cedo a mim,
tão claramente.
Desde que eu me lembro,
eu sempre desenhei em todos os lugares.
Eu comecei com pequenos papéis
e depois fui para paredes
e aí meus pais realmente entenderam
que eles deviam me dar mais papéis
depois eu comecei com telas
e em pouco tempo, estava pintando.
E com 12 anos,
tive minha primeira exposição.
Eu lembro que no primeiro período
em que eu estava pintando
era algo que já era dado para mim;
eram meus sonhos.
Eu tinha sonhos muito vívidos.
As vezes o sonho era mais do que a realidade,
e eu acordava,
e a realidade parecia um sonho,
e o sonho parecia a realidade.
Então os sonhos
estavam sempre sendo pintados
em azuis e verdes.
Eram as únicas cores que eu tinha.
E depois, eu lembro de me interessar muito
por acidentes de caminhão.
Eu era louca pelos grandes e verdes
caminhões comunistas
e sobre como eles estavam colidindo.
Então eu ia pros locais dos acidentes,
tirava fotos, voltava, e os pintava.
E eu pensava,
"Ok, mas e se o grande caminhão fosse
atingido por um carrinho,
como um carro de criança?"
Então eu ia comprar brinquedos
e os colocava nas rodovias
e esperava os caminhões esmagarem eles.
E o que acontecia?
Os brinquedos permaneciam intocados
pelos caminhões.
Então eu comecei a pintar esses
grandes caminhões
sendo esmagados por esses
maravilhosos e inocentes
brinquedos de criança.
Depois dos caminhões,
eu entrei em um novo período,
comecei a pintar o céu.
E eu era louca pelas nuvens.
A nuvens vinham,
e as sombras e as nuvens,
e virava quase algo como uma
dimensão quimicamente mística.
E eu lembro desse momento tão bem,
Eu acho que eu estava
no início dos meus 20 anos,
deitada na grama
e olhando para o céu.
Só para o céu azul.
E nesse céu azul,
Eu vi os 12 aviões ultrassônicos passarem
e deixarem uma linha reta.
Eu vi em frente aos meus olhos,
primeiro, o céu azul,
depois as linhas
criadas pelos aviões ultrassônicos
dissolverem no ar pelo céu azul.
E eu acho que isso foi, para mim,
uma revelação espiritual.
Eu me lembro de levantar
e querer imediatamente
ir ao quartel militar
e perguntar ao general
se eles poderiam me emprestar
12 aviões ultrassônicos
para desenhar no céu.
Meu pai era o general.
Porque eles conheciam meu pai,
imediatamente ligaram para ele
e disseram,
"Sua filha é completamente louca.
tire ela daqui."
"Você sabe quanto custa pra voar
os aviões ultrassônicos
para ela desenhar no céu?"
Então eu aprendi bem cedo que
tem certas coisas que eu não posso fazer.
Mas ao mesmo tempo, eu tive uma revelação
nesse momento olhando para o céu azul
que na verdade,
eu posso usar tudo o que eu quero.
Eu posso usar a água, as ilhas,
o fogo, a terra, o ar, e eu mesma.
E foi nesse momento que eu decidi
que é completamente ridículo ir ao estúdio
e fazer algo que é bi-dimensional
quando eu posso ter o mundo inteiro ali.
E foi aí que eu parei de pintar.
Depois dessa grande revelação,
na verdade o que foi
muito interessante para mim
foi começar a trabalhar com som.
O era interessante para mim sobre o som
era criar sons ambientes onde
você tem uma impressão ao escutar o som
mas visualmente
tem algo completamente diferente.
Então a primeira ideia que eu tive,
foi pegar as caixas de som
na ponte, na ponte principal em Belgrade,
com o som da ponte colapsando.
Então quando vocês estivesse na ponte,
a cada três minutos, a ponte está caindo
mas, visualmente, não está.
E é claro, para fazer algo assim,
você precisa de permissão
do prefeito da cidade.
Então eu fui até a casa dele.
E aconteceu a mesma coisa,
eles me proibiram de fazer isso,
porque, eles me falaram que,
por conta das vibrações
com esse tipo de som,
a ponte poderia realmente cair.
Então eu não podia fazer isso.
Então eu fiz no prédio em que eu morava.
Mas foi apenas por 10 minutos,
porque as pessoas estavam correndo
achando que tudo estava sendo bombardeado.
Então foi uma grande confusão.
De alguma forma, lidando com o som,
eu cheguei ao ponto
em que eu tive minha primeira performance
"Rhythm 10",
que usava facas.
E "Rhythm 10" é, novamente, uma peça sonora.
Eu tenho as gravações
e eu estava fazendo o mesmo.
Quando o meu corpo era envolvido.
E no momento que
eu envolvi meu corpo na performance
esse incrível diálogo de energia
se estabeleceu com o público.
Foi tão emocionante
que eu não poderia voltar
a nenhuma outra forma de arte.
No início, nos meus primeiros
trabalhos de performance,
eu realmente abraçava a repetição.
Era repetir uma mesma ação diversas
e diversas vezes
chegar em um estado mental
quase que carismático.
E as performances no começo,
eram bem violentas e duras.
Tipo correr em direção a uma parede
ou quebrar as paredes,
cortando as estrelas no estômago,
deitar no gelo, se bater
ver o quão longe, fisicamente,
você consegue ir
e transcender, na verdade,
a experiência dolorosa
em outra coisa.
Depois, quanto mais e mais
performances eu desenvolvia,
Eu me tornava mais e mais interessada
no estado mental da peça
e extendia o tempo.
Quanto mais longa é a performance,
mais transcendental ela pode ser
e transformativa para quem
a está performando,
mas também para a plateia participando.
Então isso foi, a porta
para algo completamente diferente.
Como você pode elevar o espírito humano.
Como você pode ver,
nossas vidas são tão curtas e rápidas.
A minha, eu não tenho tempo para nada.
Então quanto mais longa
é a performance, melhor é.
Eu acho que a arte deveria ser
mais e mais longa
enquanto a vida fica
mais e mais curta.
Quando você morre, não dá
pra levar seus bens materiais com você,
mas uma boa ideia pode ficar.
Eu me preocupo muito com meu legado agora.
É muito importante para mim,
preservação, performance, arte
e como elas vão se desenvolver
e qual é o futuro das artes performáticas.
Três anos atrás, para o meu aniversário,
eu comprei um prédio em Hudson.
é um lugar bem grande.
Dá pra acomodar umas 1.500 pessoas.
Eu quero criar o espaço
que vai ser o centro da preservação
das artes performáticas,
mas também para chamar jovens artistas
e artistas conhecidos para fazer durar
as artes performáticas.
Mas não só a performance que eu faço,
o teatro, a música, o vídeo
a dança e a ópera também.
Só de longa duração.
Eu estou desenvolvendo um sistema
para você não ter que deixar o espaço.
Eu queria criar uma situação
em que você tem os assentos,
e depois de três horas, você está cansado,
e o assento reclina pra virar uma cama.
Você tem um cobertor.
Você se cobre.
Você dorme.
Você acorda,
apresentações estão acontecendo.
No lado esquerdo tem uma bebida gelada
dentro da poltrona.
e do outro lado uma refeição quente.
Uma lâmpada,
caso você queira fazer anotações.
Para você ficar dentro
das apresentações por um tempo bem longo.
Eu tenho pensado bastante,
qual o papel de um artista?
qual é a minha função na Terra?
Eu acho que ser um artista
é uma grande responsabilidade.
No meu caso, eu criei
três grupos de atitudes,
o que eu quero fazer como artista.
Eu chamo o primeiro grupo de
corpo do artista.
E é bem simples;
sou eu performando
na frente de uma plateia.
Segundo é o corpo público,
é criar objetos
eu os chamo de transitórios
porque eles não são esculturas
e circunstâncias em que
o público pode realmente
performar para si memsmo
e ter a experiência.
E o terceiro é o corpo estudantil.
E essa é minha função como professora,
porque tem um ponto na sua vida
em que você tem que incondicionalmente
transferir seu conhecimento
para a geração mais jovem de artistas.
E não apenas transferi-lo
mas também ajudá-los a desenvolver.
É de certa forma,
um diálogo justo,
Porque eles te dão noção
do tempo que você vive
porque eles são jovens
e entendem o mundo de forma diferente,
e você os dá experiência.
Você não decide quando vai morrer,
mas pode ensaiar seu funeral.
Eu fiz meu testamento com um advogado
meu verdadeiro desejo sobre o meu funeral
e que tenham três caixões,
um com a verdadeira Marina
e dois com falsas Marinas.
E eles vão ser enterrados
em três locais diferentes do mundo,
nos quais eu vivi por mais tempo.
Belgrade, na ex-Iugoslávia, agora Sérvia;
Amsterdam, na Holanda;
e Nova York, onde eu vivo agora.
Eles vão ser enterrados simultaneamente.
Em todos esse funerais,
ninguém vai usar preto.
mas roupas muito coloridas,
como verde ou vermelho e rosa
e amarelo ácido e por aí vai.
E vai ser algo bem festivo.
Porque a ideia é: você vive bem;
deve morrer bem também.
Um artista deve olhar para dentro de si
para inspiração.
Quanto mais eles olharem para si,
mais universais eles se tornam.
O artista é o universo.
O artista é o universo.
O artista é o universo.
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