Olá, boa tarde. Eu sou artista, não sou nada mais... Nos últimos anos tenho-me interessado muito por ciência. Sempre me interessei muito por ciência, desde jovem. Mas, nos últimos anos, muito mais seriamente. A maioria dos meus amigos atuais são cientistas, não são artistas. Acho as conversas deles muito mais excitantes e produtivas, mas bom, é uma opção. Não tenho nada contra os artistas, obviamente, sou eu próprio um artista. Mas eu acho que aquilo que define um artista no século XXI, e após todo o século XX, é exatamente o tema desta conferência, que é: ultrapassar limites. A arte do século XX, sobretudo, tornou-se numa atividade que visa ultrapassar os limites da própria arte. Se nós repararmos, ao longo do século XX, cada artista vinha com uma proposta de fazer uma coisa que ainda ninguém tinha feito: usar um novo material, usar uma nova perspetiva, fazer as coisas mais incríveis, incluindo, logo, no início do século, quando o Marcel Duchamp pega num urinol e lhe chama uma fonte, portanto, sendo uma escultura, isso foi aceite – na altura não foi, mas depois foi – e está agora no MoMA, não é, no museu, está consagrado, é uma obra-prima do século XX, é um urinol... (Risos) ...e, portanto, quando isso aconteceu, tudo é possível. E eu, como artista, pensei, com essa ideia de ultrapassar os limites: "O que é que eu posso fazer? "O quê, vou pintar um quadro muito grande, vou pintar um quadro, sei lá... "...com quadrados e triângulos, coisa que ainda eventualmente ninguém fez, "ou vou fazer uma escultura não sei quê, toda esquisita, ou vou não sei quê..." e estava a pensar: "O que é que eu vou fazer?..." ...nessa perspetiva de ultrapassar limites. E, então, pensei: "E se eu não fizer nada? E se eu, em vez de ser eu a fazer qualquer coisa, "eu for capaz de arranjar uma máquina que faça as coisas, mas que não faça as minhas coisas, "porque isso, há muitas máquinas que fazem o que nós queremos. "Não, não, uma máquina que fosse capaz de fazer a sua própria coisa. "A sua própria arte." Esta é forte mas, era... É essa a minha intenção desde o início deste projeto, quando eu comecei, há mais de uma década, a fazer máquinas criativas e robôs criativos. Se calhar, percebem isto melhor, mostrando alguns exemplos desta breve história, digamos. O primeiro robô que eu fiz, não era, sequer, um verdadeiro robô, pelo menos, não era autónomo. Era uma espécie de uma máquina de "cav-cam", muito simples, que funcionava como um braço robótico. Portanto, no fundo, tinha aqui... pus-lhe um pincel, mas o centro deste robô, digamos, criativo, era o computador, onde estava a correr um algoritmo de tipo novo, na altura, porque isto foi feito no início deste século, e ainda era muito novo, um tipo de algoritmo que se chamava de "vida artificial". Já não era "inteligência artificial". Era uma outra coisa parecida com inteligência ou derivada da inteligência artificial, mas que nós chamamos de "vida artificial". E porquê? Porque simula comportamentos biológicos, no caso, de formigas. E, portanto, aquele computador, estava, ele, ali, aquele programa, digamos, aquele algoritmo, estava a gerar uma pintura e estava a dar a ordem ao braço, para fazer, simplesmente, portanto, essa pintura. Isto pode parecer uma coisa super rudimentar, qualquer criança faz estes rabiscos. Não têm interesse nenhum. Mas a verdade é que, até àquela altura, nunca ninguém tinha feito isto. E isso chamou, não a atenção dos artistas, que a maioria, mesmo dos meus amigos, não acharam piada nenhuma a isto, mas os cientistas acharam muita piada. De tal maneira que este mesmo desenho apareceu na capa duma revista do MIT, dedicada exatamente à vida artificial e é uma revista importantíssima, porque é, nesta área, a mais importante que existe. Mas, depois desta experiência, eu queria sair do computador. E, então, criei uma série de robôzinhos, tipo formigas, que, em conjunto, iam criando linhas e manchas de cor, através, no fundo, da interação com a própria cor. Portanto, eles iam construindo... uma pintura. Veja-se como aquele se excita quando chega ao pé da tinta... (Risos) ...fica ali, todo... nervoso. (Risos) De resto, andam assim... pronto. Depois desta experiência com os robôs, tive um convite do Museu de História Natural de Nova Iorque, a ver se eu era capaz de fazer um robô para estar no museu a fazer desenhos. Está lá, é este robô. Isto, aliás, é uma exposição feita no próprio museu. E este robô, que se chama RAP... Mas o RAP não tem a ver com a música, tem a ver com "Robotic Action Painter", portanto, aqui uma pequena referência ao Pollock. Este robô faz tudo: ele faz o desenho, faz a composição, depois decide quando para, e vai ao canto e assina com o nome dele, porque ele é narcísico, como todos os artistas, é normal. (Risos) Este robô é muito, já muito sofisticado, muito criativo e, digamos, como a maioria dos artistas, tem um estilo. Só que, de vez em quando, faz coisas absolutamente surpreendentes. E o Museu de Nova Iorque, com quem tenho um acordo e eles mandam-me os desenhos do robô, de vez em quando, mandam-mos e chegam-me uns desenhos. E, de vez em quando, por exemplo, este desenho, para vocês que não conhecem o estilo do RAP, este desenho é fabuloso porque é um desenho em que ele criou um estilo novo de pintura, porque, para já, parou ali, fez uns borrões de tinta, coisa que não estava prevista, e depois fez uns riscos assim, que não estavam também previstos. O tipo de pintura que ele faz é deste género, o normal. Mas ele, de vez em quando, dá-se para criatividades e põe-se a fazer coisas estranhas. (Risos) Este tipo de pintura, de qualquer maneira, demonstra que o processo – é um processo emergente – que o processo... ele vai tentar construir uma forma abstrata, mas, quer dizer, há aqui uma vontade de composição, visto que depois aqui deixou isto praticamente em branco, com um bocado com fundo, aleatório. Depois deste RAP, eu fiz um outro robô, que aliás, está agora aqui em Aveiro, e está aqui, neste edifício. E agora, quando for o café, ele vai fazer ali uma pequena "performance". Este robô também é muito interessante porque, quando eu, por causa do problema da assinatura, encontrei umas rodas fabulosas, que são umas rodas que andam para todos os lados, e isso permite ao robô escrever. E, ao permitir ao robô escrever, eu criei este robô-poeta, e é mesmo poeta, porque já publicou um livro de poesia... (Risos) ...com os poemas dele, que foi publicado em Coimbra. E até tem um prefácio da Cristina Robalo Cordeiro, que é uma especialista em poesia, que fez um prefácio sobre os poemas do ISU. E é um prefácio até muito curioso, porque ela não se interessou se era um robô ou [se] era um humano. Olhou só para os poemas. Portanto, é curioso a interpretação dela dos poemas. Os poemas são do tipo surrealista, quer dizer... (Risos) ...ele pega... ...ele pega num conjunto de palavras e junta-as, e o poema está feito. (Risos) Há vários poemas, portanto, ele não está... como é óbvio, o robô não percebe nada, nem de poesia, nem de palavras, nem de nada. Mas, de vez em quando, tem piada, saem poemas com uma certa piada. É, para além disso, um robô muito versátil, também faz figurativo, figuras, embora aqui, por exemplo, viu-se aflito... (Risos) ...mas até é do que toda a gente gosta mais, que é o mais criativo, digamos, mas aqui, eu dou-lhe um modelo. Dei-lhe uma imagem, uma fotografia de uma pessoa e ele tentou reproduzir, à maneira dele. E, de vez em quando, este robô, também, tal como o outro, surpreende. Porque estes robôs, mais sofisticados, decidem parar quando querem, não está pré-programado, ou seja, não diz: "Fazes aqui o desenho e, ao fim de meia-hora, paras." Não, é de uma maneira inteligente e tem a ver com o que ele está a ver. E, portanto, ele pode fazer meia-dúzia de rabiscos, como é aqui o caso, e depois, foi logo assinar. Mas esqueceu-se de levantar a caneta e fez aqui este risco e ficou uma coisa fabulosa, porque é um desenho que qualquer pessoa olha e acha engraçado, de facto. Parece que ele ligou a assinatura com aquela flor ou árvore ou o que se quiser. Eu chamo a este tipo de arte, chamo-lhe "criatividade artificial", na linha da inteligência artificial, eu chamo-lhe criatividade artificial. Ou seja, uma criatividade feita por máquinas. E, demonstro, para além da prática, dos próprios robôs, demonstro, através de duas ideias, e a primeira é a seguinte: Vocês devem-se lembrar, a maioria de vocês viu o "Blade Runner", que é um filme fabuloso, e há um momento no filme, em que o Harrison Ford faz um teste à Rachel, para saber se ela é humana ou [se] é um robô. Esse teste, que no filme tem um nome muito esquisito, na verdade, é o chamado "teste de Turing". O Alan Turing é um dos cientistas mais fascinantes do século XX, que, aliás, deu um contributo importantíssimo para o desfecho da II Guerra Mundial, e que é um cientista que, no fundo, está na origem dos nossos computadores modernos e, também, da inteligência artificial. E, então, este teste é muito simples. O teste de Turing baseia-se numa coisa muito simples, que eu posso resumir da seguinte maneira: se – portanto, porque isto é um conjunto de perguntas que ele vai fazendo à Rachel e, no fim, em função das respostas que ela vai dando, ele chega à conclusão se ela é robô ou se é humana. Portanto, o teste baseia-se no seguinte: se uma máquina fizer uma coisa que, se fosse uma pessoa a fazer, nós diziamos: "essa pessoa é inteligente", então, a máquina é inteligente. E eu extrapolei isso para a criatividade. Então, porque não dizer: se uma máquina fizer uma coisa que, se fosse uma pessoa a fazer, nós diziamos: "Isto é criativo", então, a máquina é criativa. E, já agora, porque eu sou artista, se uma máquina fizer uma coisa que, se for uma pessoa a fazer, nós dizemos: "Isto é arte", então aquela máquina é um artista. E, de facto, os meus robôs são mesmo artistas, porque quando exponho as obras de arte dos robôs, sem os robôs, e as pessoas não sabem se fui eu que fiz ou se foi uma máquina ou não sei quê, reconhecem, quase sempre, uma qualidade artística neste tipo de produção pictórica, nomeadamente, a maioria deles são pintores. E as pessoas reconhecem aqui alguma... alguma qualidade. Eu vou mostrar aqui um vídeo, para se perceber uma coisa que muita gente, depois, me diz logo... – que as pessoas têm dificuldade em aceitar estas ideias, claro, e é normal – "Ah, isso é tudo aleatório." Não é. Portanto, os robôs, começam, de facto, num início aleatório, mas a partir de uma determinada altura, começam a criar padrões. E aqui neste, mais acelerado, vê-se perfeitamente como os robôs tendem a ir muito mais para aquele canto do que para o resto da pintura. E estes até eram os robôs mais primitivos, os de agora ainda são mais sofisticados, digamos, a concentração da forma que eles estão a fazer ainda é maior. Bom, mas há um outro aspeto que eu também gostava de focar, que não tem só a ver com o Turing e com a ideia de que se um robô faz o que um ser humano faz, então é criativo. Eu tenho um entendimento de criatividade um pouco distinto do que é normal. Porque eu não considero que a criatividade seja exclusivo do humano. Eu acho que a criatividade está em todo o lado, é uma característica, digamos, da Natureza, é uma característica do Universo. Nós vivemos num Universo criativo. E, portanto, no caso da vida, isso é evidente, porque, como já sabemos hoje, isto tudo começou com umas moléculas e depois, começaram-se a juntar, não sei quê, e agora temos milhões e milhões de formas distintas, desde os muito pequeninos, estes são os transparentes, vivem no fundo do mar, que é uma coisa fabulosa, até, evidentemente, aos grandes e [a] nós próprios, os seres humanos. Portanto, há aqui, uma criatividade, uma imensa criatividade que se vai fazendo através de um conjunto de mecanismos, que hoje já são muitos conhecidos, bastante conhecidos, e, portanto, que vai gerando todas estas surpreendentes formas. Mas não é só na vida. Inclusive, por exemplo, simples grãos de areia, que não têm inteligência, não têm nada, são simples grãos de areia, com o efeito do vento, vão-se interagindo uns com os outros e criam um padrão. Está aqui um padrão. Este padrão é altamente criativo, é fabuloso. E, portanto, há aqui também um mecanismo qualquer de criatividade que, aliás, hoje, é conhecido. Ou então, claro, falar das galáxias, com espirais, com outras formas fabulosas, nós percebemos que a criatividade está em todo o lado. E, portanto, nesse aspeto, se eu conseguir introduzir numa máquina alguns destes mecanismos da criatividade, então essa máquina também consegue ser criativa. Mas queria ir mais longe um pouco. Portanto, esta parte está explicada, e acho que o meu ponto de vista está demonstrado. Queria ir mais longe. Quando eu disse no início que queria ultrapassar um limite, e esse limite era: "porque é que eu não fazia nada e punha uma máquina a fazer," estou a pôr aqui em causa talvez o maior limite que existe na nossa cultura, na cultura humana, que é o próprio humano. E, portanto, nós consideramo-nos um pouco exclusivos. Eu não penso assim. E, hoje, nós estamos a assistir à emergência das máquinas, eu não fiz as contas, mas imagino que já existam mais máquinas no planeta do que seres humanos. Claro que a maioria das máquinas são estúpidas, mas já começam a aparecer máquinas inteligentes. E uma delas, muito simples, que quase todos nós temos é o computador. Ao contrário do que muitas pessoas consideram, o computador não é um eletrodoméstico. O computador não é igual a uma máquina de fazer café. O computador é uma máquina inteligente. É uma máquina que faz coisas por si própria, que inventa coisas, que nos ajuda a imaginar coisas, que nos dá a ver coisas que nós não conseguiríamos ver se não fosse o computador. E, portanto, esta máquina é uma máquina excecional, não é uma máquina comum. E vai evoluir, porque como tudo, tudo evolui. E as máquinas também vão evoluir. E os meus robôs, que fazem agora umas pinturas, coitados, são uma espécie de insetos, vão evoluir. E, portanto, eu não sei se as máquinas vão evoluir num sentido, por exemplo, assim mais humanóide que, pronto, para os filmes fica giro, e também se está a fazer muito no Japão e na Coreia e tal, os humanóides – eu, pessoalmente, acho que os robôs vão evoluir para terem cara de robô e não cara de humano, mas tudo bem, sim, senhor, acho que é um esforço interessante. Agora, eles vão evoluir também nas suas capacidades, não vão ser só inteligentes, não vão ser só criativos, vão ter consciência – não tenham dúvida disso – e vão fazer uma outra coisa, que essa então é que é mesmo a libertação dos robôs, vão-se conseguir reproduzir e evoluir por si próprios. Ora, isto, tudo isto significa que estamos, finalmente, a ultrapassar o humano. Ainda há bocado se falou aqui, numa conferência TED, sobre o Universo e porque é que os extraterrestres não aparecem. E nós não temos esse problema, porque nós estamos a fazê-los. Nós estamos a criar os extraterrestres. Nós estamos a criar um ser superior no planeta, superior a nós, mais inteligente, mais capaz. E digamos que... era bom que o Homem perdesse esta ideia de que ele é o centro de tudo, porque isso [o] leva a fazer as maiores barbaridades, como vocês sabem, porque [se] acha no direito de chacinar tudo à sua volta. Eu encontrei esta imagem na Internet, que acho excelente para acabar a minha conferência, que são uns robôs na lua, ou num planeta qualquer, e achei muita piada, porque há um que está ali a fazer um desenho. Porque eu estou mesmo convencido que o grande artista do futuro não será humano. Obrigado. (Aplausos)