Manoush Zomorodi: Robin Steinberg, obrigada por ser minha primeira convidada como nova apresentadora de TED Radio Hour. Estou muito empolgada. Robin Steinberg: Fico feliz. (Aplausos) MZ: Quero começar com o Bail Project, como surgiu a ideia. Dizem que dez anos atrás, você e seu marido estavam jantando quando elaboraram o conceito. Você era defensora pública há mais de 30 anos, mas houve um momento em que decidiu que algo tinha que mudar. RS: Nós dois passamos décadas nas trincheiras do sistema jurídico criminal como defensores públicos, lutando por cada cliente da melhor maneira possível, defendendo a humanidade e dignidade das pessoas e lutando pela liberdade delas. E não importa quão bons advogados éramos; gosto de pensar que éramos muito bons; e quanto lutávamos em nome de um cliente, às vezes tudo se resumia a algumas centenas de dólares. Se o cliente podia ou não pagar a fiança e lutar contra o caso dele em liberdade ou se ficaria trancado na prisão em Rikers Island e acabaria se declarando culpado, mesmo que não o fosse. Isso nos enfurecia. Às vezes, as respostas são simples e estão bem na nossa frente. Pensamos: "E se pagássemos a fiança dos clientes?" Daí a ideia de criar um fundo de fiança rotativo; porque ela é devolvida no final do caso; se pudéssemos arrecadar dinheiro e colocá-lo num fundo, fazendo com que fosse rotativo, poderíamos pagar a fiança para nossos clientes. Isso foi em 2005. Não se falava tanto em reforma da justiça criminal como se fala agora, nem se falava muito sobre reforma da fiança, e honestamente, passamos dois anos batendo à porta das pessoas. Ninguém atendia. Até que um dia, Jason Flom e sua família decidiram arriscar e fizeram uma doação em 2007. Começamos a testar o modelo de fundo rotativo de fiança. Para ver o que aconteceria. MZ: Você pode esclarecer por que é tão importante alguém não estar preso enquanto aguarda julgamento? Você explicou no passado e realmente me impressionou, porque eu não tinha ideia do que podia acontecer naqueles dias ou semanas antes de alguém poder defender seu caso. RS: Ficar preso por alguns dias pode mudar a trajetória de uma vida. Não é apenas o lugar onde você pode ser vitimado, sexualmente, ser exposto à violência, ficar traumatizado de vários jeitos enquanto está na prisão, até os primeiros dias ou uma semana quando a maioria das mortes na prisão, sejam suicídios ou homicídios, acontecem. Isso enquanto se está na cadeia, e entendam, pessoas presas antes do julgamento ainda não foram condenadas por um crime. Estão lá porque não têm dinheiro para pagar a fiança. E enquanto isso acontece, a vida delas desmorona lá fora. Perdem o emprego, podem perder a casa, os filhos, o status de imigração delas pode ser comprometido, podem ser expulsas da escola. Isso tudo acontece com as pessoas nas prisões, mas também com as famílias e comunidades da qual foram removidas enquanto aguardam julgamento, o que pode levar dias, semanas e sem exageros, anos. MZ: Você explicou esse tipo de limbo louco que as pessoas ficam no palco do TED em 2018, quero reproduzir um clipe rápido daquela palestra, que foi incrivelmente emocionante. Podemos fazer isso? (Áudio: Robin Steinberg TED2018) É hora de fazer algo grande. Algo ousado. É hora de fazer algo... talvez audacioso? (Risos) Queremos adotar nosso modelo de fundo de fiança rotativo comprovado criado no Bronx, e espalhá-lo por todo o país, enfrentando o sistema jurídico, antes do encarceramento. (Aplausos) MZ: A energia na sala quando você falou era palpável e você acabou recebendo bastante financiamento do Audacious Project, que é a iniciativa do TED para apoiar algumas dessas grandes ideias e fazê-las acontecer. Pode nos contar o que aconteceu desde que deu a sua palestra? RS: Claro. O subsídio do Audacious nos permitiu escalar nosso conceito comprovado. A ideia é escalar o modelo em todo o país. Atualmente, estamos em 18 locais diferentes. E estamos atuando em duas frentes. O Bail Project é destinado a fornecer uma salvação imediata para as pessoas presas nas cadeias simplesmente por causa da pobreza, porque não podem pagar fiança. É uma resposta a essa emergência imediata e à crise de direitos humanos neste país quanto ao encarceramento pré-julgamento. Mas também estamos testando um modelo que chamamos de liberação da comunidade com suporte voluntário, com o qual tentamos provar que não precisamos de fiança em dinheiro, as pessoas voltarão ao tribunal sem ela. Esse mito já foi desmascarado e sabemos disso. Mas também tentamos mostrar que as pessoas podem voltar para a comunidades delas com notificações judiciais eficazes. Garantimos a conexão aos serviços de que precisam e elas voltarão ao tribunal até que o caso delas seja encerrado. É um esforço para avançar com a política e garantir a mudança sistêmica, mas eis nosso receio: é uma corrida contra o tempo, pois, à medida que essa conversa avança e com a reforma da fiança se firmando, alguns sistemas sofrerão mudanças que podem recriar alguns dos mesmos danos que o sistema de fiança inicial criou. Disparidades raciais, desigualdade econômica; e podemos repetir isso se não acertarmos. É uma corrida contra o tempo para provar que podemos fazer um modelo baseado na comunidade, o qual não requer monitoramento eletrônico ou algoritmos de risco, celas de prisão ou fiança em dinheiro; mas podemos simplesmente devolver as pessoas à comunidade delas com ajuda. E vai funcionar. MZ: Quero voltar a isso, mas antes, sou jornalista de tecnologia, e quando você fala em escalar um programa como este, posso presumir que esteja enfrentando desafios completamente diferentes dos de um criador de aplicativos, plataformas ou algo assim. Quais são os desafios? Você vai para estados com leis diversas, cada cidade deve ser totalmente diferente. Como você lida com isso? RS: Escalar o próprio fundo rotativo de fiança tem sido a solução fácil e elegante. É a parte mais fácil, do serviço direto, podemos escalar isso em todo o país. A ação local, as equipes que trabalham como defensores para o Bail Project em diferentes locais do país têm que levar o nosso modelo e adaptá-lo às necessidades exclusivas de cada jurisdição. E é aí que se torna complexo e consome muitos recursos, porque a justiça criminal é incrivelmente local, assim a operação de cada sistema é única. E as necessidades de nossos clientes são incrivelmente diferentes de uma jurisdição para outra. Podemos estar em Oklahoma e sabemos que as comunidades têm sido devastadas pela crise dos opioides lá. Quando conseguimos libertar alguém, precisamos conectá-lo a serviços que resolvam isso. Quando estamos em Spokane, vemos uma epidemia de falta de moradia. Ao pensarmos em fornecer serviços diretos e libertar as pessoas, devemos estar cientes de que nessa jurisdição o maior obstáculo para elas pode ser a falta de abrigo. Portanto, precisamos adaptar o modelo em todas as jurisdições aonde vamos pra atender às necessidades da comunidade. MZ: Imagino que há comunidades que não ficam felizes com vocês por lá. Isso deve ser uma realidade. Vocês têm que conquistar corações e mentes em alguns desses lugares? RS: Acho que depende da definição de comunidade. As que foram alvo do nosso sistema jurídico criminal por gerações, como as de pessoas de cor, de baixa renda, marginalizadas, mulheres em todo o país, ficam mais do que felizes em nos ver, porque somos uma salvação imediata. Fundos de fiança podem libertar pessoas como salvação imediata, não como resposta sistêmica a longo prazo. Mas as pessoas querem sair, voltar para a família, a comunidade delas as querem em casa. Houve alguma oposição? Sim, claro. Quando vamos a um novo local, nós o prospectamos com cuidado, tentamos entender quem são nossos parceiros locais que podem nos ajudar nessa iniciativa, organizadores de base sem fins lucrativos, detentores de sistemas, xerifes. Quem vai nos apoiar e quem pode se opor? MZ: Você também coloca algumas pessoas que liberta como oficiais do programa. Isso faz parte do sistema, criar uma comunidade em torno de seus esforços de alguma forma? RS: Sempre contratamos para jurisdições localmente, Se abrimos um local em Baton Rouge, contratamos pessoas lá e nos conectamos. Tentamos priorizar pessoas com experiência no sistema jurídico criminal ou que foram pessoalmente impactadas por ele. Achamos importante, pois elas entendem melhor o sistema, têm as melhores soluções por estarem mais próximas do problema, são mensageiros credíveis para os clientes que vamos entrevistar e pagar fiança. MZ: Você falou disso, a reforma da justiça criminal tornou-se um assunto polêmico. Deve pensar: "Finalmente estão falando sobre o que venho falando há décadas". Aqui na Califórnia, na verdade, houve uma grande mudança. É complicado, mas ouvi dizer que estão se livrando da fiança em dinheiro. É bom ou ruim, não é fácil de explicar? RS: Tudo sobre reforma da justiça criminal, especialmente reforma da fiança, é mais complexo do que parece. É fácil ter uma "hashtag" que diz "fim da fiança em dinheiro". Totalmente certo. Devemos eliminar a fiança em valor exorbitante de vez. Não é o dinheiro que faz as pessoas voltarem ao tribunal; é um mito, vamos nos livrar dele. Mas a pergunta sobre o que vem a seguir é muito complexa e a Califórnia foi um bom exemplo. O projeto de lei chamado SB 10 avançou no processo político. Começou como sendo uma lei que priorizaria menos encarceramento. Quando saiu do processo político, francamente, era um projeto que quase ninguém da comunidade apoiaria, incluindo o Bail Project. E ele passou por algumas mudanças nesse processo que pôs serviços preventivos nas mãos da polícia, submeteu as pessoas a algoritmos de risco, com muitos sinais reveladores dum sistema que iria recriar a mesma desigualdade racial e econômica que sempre vimos. E assim, essa lei passou pelo processo e nós pensamos que era o fim. Mas o setor de fianças recebeu 400 mil assinaturas para submetê-la a uma votação. Em novembro, os californianos votarão se o SB 10 deve ou não avançar. MZ: Os californianos na plateia votarão nisso. Como devem votar? (Risos) RS: Não sou tão ousada a ponto de dizer, posso ser audaciosa, mas não tanto. Posso sugerir que se informem, entendam no que vocês estão votando. O que significa prender alguém que não foi condenado por um crime, simplesmente por sua pobreza. E perguntem-se: "Queremos ter um sistema jurídico criminal que prende pessoas antes de serem condenadas por um crime? Queremos um sistema jurídico criminal que atinge comunidades de cor e de baixa renda em todo o país, continuar os danos e a devastação que criamos através do encarceramento em massa?" Não digo como votar, mas considerem isso. MZ: Ela me disse nos bastidores: "Não tenho certeza de como vou votar ainda". Vejam como é difícil. RS: É um pouco mais complicado. O formato do SB 10 não é um projeto de lei que a maioria apoiaria. Mas eliminar a fiança em dinheiro é fundamental. MZ: Quero que você preveja o futuro. Como é um sistema ideal? Você disse que os EUA são viciados em encarceramento. Deve haver uma mudança cultural em torno disso, além das alterações que você está falando. RS: Temos que enfrentar o que fizemos. Se não enfrentarmos como usamos do sistema jurídico criminal, quem visamos, como definimos crime e como punimos as pessoas, nunca vamos avançar. Teremos que encarar o mal que causamos. Ao fazer isso, teremos que mudar nosso olhar. E é um verdadeiro desafio para nós. Teremos que mudar nossa visão de sistema baseado em punição, crueldade, isolamento e celas, para uma visão de: "O que você precisa, como podemos te apoiar, no que falhamos, como podemos melhorar, consertar e curar?" E se não estamos dispostos a fazer isso, a reforma da justiça criminal vai parar, ou o que vem a seguir será muito problemático. É uma mudança fundamental na maneira como vemos o sistema de justiça criminal. Não se iludam, a realidade do nosso sistema jurídico criminal é a de que viramos as costas aos problemas sociais, ou seja: à falta de moradia, à pobreza extrema, ao racismo estrutural, aos desafios da saúde mental, ao vício e até para à situação da imigração. Em vez disso, usamos as prisões e o sistema jurídico criminal para resolver esses problemas. E isso tem que mudar. MZ: Não é a solução. RS: Já causamos danos a milhões de pessoas e, ao fazê-lo, prejudicamos famílias e comunidades, e precisamos reconhecer isso. MZ: Quero te perguntar finalmente. (Aplausos) Temos algumas das mulheres mais inteligentes do mundo aqui a sua frente. São cheias de energia e querem saber o que fazer quando voltarem para a comunidade delas. E sei que você levou algumas delas a uma prisão local ontem, certo? RS: Levei. MZ: Pode nos contar sobre isso? RS: Precisamos entender que este problema se resume a todos os nossos problemas. Todos nós estamos envolvidos em como nosso sistema jurídico criminal deve ser. Não há como escapar disso, ele reflete em cada um de nós. Toda vez que um promotor se levanta e diz: "O povo do estado da Califórnia" ou "Nova York" ou "Idaho", ele está falando em nome de todos. Então, temos que nos apropriar disso. E realmente temos que admitir o fato de que isso tem que mudar e que isso envolve cada um de nós. Vocês precisam se informar e se aproximar disso, ou seja, precisam ver como o sistema jurídico criminal opera. Talvez devam ir a um tribunal criminal local, sentar-se lá no fundo, e prometo que nunca mais serão os mesmos; isso fez de mim defensora pública há anos. E ontem, levei algumas pessoas da conferência TED à cadeia local. Tenho entrado e saído das prisões há 38 anos. Sempre me choquei e ontem não foi exceção. Fiquei chocada, horrorizada. As condições eram desumanizantes, degradantes e horríveis; e incompreensíveis se você não vê com seus próprios olhos. Foi chocante. E vi isso no rosto das pessoas com quem estava. Temos que saber o que estamos fazendo em nome da justiça neste país e nos posicionar contra isso. Mas a única maneira de fazer isso é combatendo a narrativa do medo que permite que isso aconteça. Como assim? Toda vez que falamos sobre reforma da fiança ou da justiça criminal, todo mundo começa a falar de um caso assustador. "Mas e o cara que fez tal coisa?" Estou aqui para lhes pedir que parem por um momento e pensem nisso. Apesar de termos usado nosso sistema jurídico criminal e arruinado milhões de pessoas, de as termos prejudicado, expondo-as a trauma e violência, dia após dia, a verdade é que quando essas pessoas voltam para casa, coisas ruins raramente acontecem. É a exceção, não a regra. É o extraordinário, não o normal. Mas se não sabemos e não apoiamos isso, se não podemos corroborar com dados, e nós podemos, somos atraídos para a narrativa do medo que nos levará a justificar os horrores que infligimos em comunidades de cor e de baixa renda, e pessoas que ficam atoladas em nosso sistema jurídico criminal por tempo demais. (Aplausos) Se informem, se aproximem, mantenham-se vigilantes, não sejam arrastados pelas narrativas do medo, que são atribuídas de forma exagerada e brutal a uma raça. Investiguem quando as escutarem, questionem quando alguém lhes contarem, peçam os dados: "Por que você diz isso?" E não se deixem envolver. Se vocês fizerem tudo isso, estou convencida de verdade de que estamos num momento de criar um sistema jurídico criminal melhor. Se vocês se aproximarem dele e começarem a se envolver, não seremos apenas um país melhor, mas seremos pessoas melhores. E esse é um objetivo digno. MZ: É um objetivo muito digno. (Aplausos) Tirei a sorte grande na minha primeira entrevista, não é? Ela é demais. Muito obrigada, Robin Steinberg, do Bail Project. RS: Obrigada. MZ: Sou Manoush Zomorodi, apresentadora de TED Radio Hour, nos vemos na primavera. (Aplausos)