[Um planeta, uma experiência] Nos meses mais quentes, especialmente à noite, durante a lua cheia, os caranguejos-ferradura saem do mar para desovar. À espera deles estão equipas de trabalhadores de laboratórios, que apanham os caranguejos-ferradura às centenas de milhares, levam-nos para os laboratórios, colhem o seu sangue azul e depois devolvem-nos ao mar. Curiosamente, apanhamos os caranguejos-ferradura na praia porque é o único sítio onde os conseguimos encontrar. Um caranguejo-ferradura fêmea põe 20 conjuntos de mais de 4000 ovos na sua visita anual à praia. Quando os ovos eclodem, os jovens caranguejos-ferradura mantêm-se perto da costa, mudando periodicamente de carapaça à medida que crescem. Depois de abandonarem essas águas baixas, não voltam senão depois de atingirem a maturidade sexual, 10 anos depois. Apesar de todos os esforços, não sabemos onde passam esses anos. Embora encontremos ocasionalmente caranguejos-ferradura a 200 metros de profundidade, no oceano, só vemos grandes grupos de adultos quando vêm à praia para desovar. O sangue do caranguejo-ferradura contém células, chamadas amebócitos que os protegem da infeção de vírus, de fungos e de bactérias. Os amebócitos formam mais que um gel em volta desses invasores para impedir que eles espalhem infeções. Isto não é invulgar. Todos os animais têm sistemas imunitários protetores. Mas os amebócitos do caranguejo-ferradura são extremamente sensíveis às endotoxinas bacterianas. As endotoxinas são moléculas das paredes celulares de certas bactérias, incluindo o E.coli. Quando as células bacterianas morrem, libertam-se grandes quantidades delas e podem fazer-nos adoecer, se entrarem na corrente sanguínea. Podem contaminar muitos dos medicamentos e instrumentos médicos em que confiamos por isso, temos que os testar antes de tocarem no nosso sangue. Temos testes, chamados "coloração de Gram" que detetam as bactérias, mas que não reconhecem as endotoxinas que podem lá existir, mesmo quando não há bactérias. Por isso, os cientistas usam um extrato, chamado LAL, produzido a partir do sangue dos caranguejos-ferradura, para detetar as endotoxinas. Adicionam LAL a uma amostra médica e, se se forma um gel, é porque estão presentes endotoxinas bacterianas. Hoje, usa-se tanto o teste LAL que milhões de pessoas que nunca viram um caranguejo-ferradura, foram protegidas pelo sangue deles. Se já apanharam uma injeção, isso provavelmente inclui-vos nesse número. Como é que os caranguejos-ferradura arranjaram este sangue especial? Tal como outros invertebrados, o caranguejo-ferradura tem um sistema circulatório aberto. Ou seja, o sangue não está contido em vasos sanguíneos, como os nossos. Em vez disso, o sangue do caranguejo-ferradura circula livremente pela cavidade corporal e entra em contacto direto com os tecidos. Se as bactérias entram no sangue, podem espalhar-se rapidamente por uma área enorme. Juntem a esta vulnerabilidade a quantidade de bactérias que enchem o oceano e os "habitats" costeiros do caranguejo-ferradura, e é fácil de perceber porque é que eles precisam duma resposta imunitária tão sensível. Os caranguejos-ferradura sobreviveram às extinções maciças que eliminaram cerca de 90% da vida na Terra, incluindo os dinossauros, mas não são invencíveis. E as maiores perturbações que enfrentaram em milhões de anos, são causadas por nós. Os estudos mostraram que 15% dos caranguejos-ferradura morrem no procedimento da colheita do sangue. E recentes investigações sugerem que este número ainda pode ser maior. Os investigadores também observaram que regressam menos fêmeas para desovar nalgumas das áreas de colheita mais intensiva. O nosso impacto nos caranguejos-ferradura também se estende para além da indústria biomédica. O desenvolvimento costeiro destrói os locais da desova e os caranguejos-ferradura também são mortos para servirem de isco. Há amplos indícios de que a sua população está a diminuir. Alguns investigadores começaram a trabalhar para sintetizar em laboratório o sangue dos caranguejos-ferradura. Para já, não é provável que deixemos as viagens às praias mas esperemos que uma alternativa sintética elimine um dia a nossa dependência do sangue destas criaturas tão antigas. TED-Ed não tem fins lucrativos e este vídeo não seria possível sem o apoio da nossa fantástica comunidade em patreon.com/teded Podem aprender mais aqui.