Meu nome é Juliana, a Cris, eu vou falar um pouco dela, ela não está aqui comigo, mas é quem faz comigo o projeto. Bom, o que eu vou falar aqui hoje, assim, faz algum tempo que eu tenho o privilégio de contar histórias de buscas profissionais de algumas pessoas que eu nunca nem vi na vida, através desse projeto que se chama Continue Curioso. Eu sempre fui meio fascinada, assim, por essa história de como o trabalho nos define, né? É uma boa continuidade do que a Andrea estava falando aqui. Claro que eu percebi que sou fascinada, agora, um pouco mais velha, mas eu sempre reparei naquela pergunta, quando alguém te faz: "Pô, quem é você? Conta aí sua história". E a gente sempre começa falando assim: ''Ah, eu sou a Juliana, sou publicitária". Ou: "Ah, eu sou o Pedro, sou professor". Ou: "Eu sou o João, eu sou engenheiro". É fato assim, sempre a segunda coisa que você fala sobre você é sua profissão. Como isso tem um grande peso na nossa vida, sempre me gerou uma fascinação e por isso o projeto nasceu. Hoje, o que eu vim falar pra vocês não são verdades absolutas nem filosofias, o que eu queria contar é o projeto através das histórias que a gente recebeu. Vocês vão ver, são histórias superprofundas de pessoas que abriram seu coração e que fascinaram a gente. Então vou começar falando como tudo começou. Tudo começou exatamente com este e-mail aqui, que eu enviei pra Cris no dia 06 de março de 2012, e no e-mail eu me apresento, a gente tinha se visto umas duas vezes na vida só, eu me apresento e convido ela pra participar do projeto. E aí se vocês lerem aí, vocês vão reparar que eu falo que é um projeto bem cru, que não está estruturado, que é um projeto sem data, sem verba, sem cliente. E aí eu fico me perguntando: "Meu, se eu recebo um e-mail desse, falo: 'Que louca! Claro que eu não vou fazer isso'." Mas a Cris, pelo contrário, ela falou: "Irado! vamos fazer isso agora!" E foi assim que tudo começou. Em janeiro de 2013, o site entrou no ar com essa descrição aqui, que eu vou ler para vocês. "Continue Curioso é uma web série documental sobre buscas e questionamentos. Conversamos com pessoas que se desprenderam de um jeito convencional de levar a vida pra caminhar em direção ao desconhecido. Sem saber muito bem o porquê, entendemos que quando é o próprio destino que está em jogo, ninguém entra pra perder. Ao avesso das coisas é que descobertas são feitas no trabalho, nas pessoas próximas e principalmente em si mesmo. Não sabemos qual jeito é o melhor ou se existe um jeito certo. Durante o caminho pra achar respostas, o que a gente encontrou foram perguntas. E não importa quais foram, o que importa é que a gente ainda segue perguntando." Toda vez que eu leio esse texto, eu fico pensando que o que eu acho mais difícil na criação de um texto é fazer com que ele reflita uma verdade, sem tirar ou aumentar ou distorcer o fato, fazer com que ele seja genuíno. E, ao longo do tempo, fui percebendo que esse texto não refletia só a minha verdade, ele refletia a verdade de muita gente, de muitas pessoas. E a primeira delas, a primeira pessoa que a gente encontrou pelo caminho, foi a Marília Pedroso. A Marília foi personagem do nosso primeiro episódio da web série. Então a gente seguiu a Marília num dia de trabalho, e num papo durante a entrevista pra fazer o episódio, a gente tentou entender por que ela resolveu trocar um trabalho no escritório pelo trabalho de fotógrafa freelancer. E numa das falas, eu lembro que ela dizia: "Bom, eu saía de casa às 7 da manhã, eu voltava pra casa às 9 da noite, e eu não tinha tempo pra nada. E eu acho que isso é uma sensação de desperdício". Em dois dias, a divulgação desse vídeo saiu do nosso controle. O que começou naquele e-mail virou um negócio gigante, que a gente não esperava, realmente, saiu do nosso controle. Vários meios de comunicação nos procuraram querendo respostas, querendo saber mais sobre o projeto. E aí, a partir disso, histórias bem parecidas com a da Marília, de pessoas que se identificaram, começaram a chegar de vários lugares. Então a gente recebeu histórias do Rio, de São Paulo, do Rio Grande do Sul, do Paraná, do Ceará, de Portugal, da Argentina, da Espanha... Foram milhares de histórias. A gente reparou que essas histórias eram muito mais uma vontade das pessoas abrirem seus corações. Então são textos aqui, que eu tirei de algumas delas: "Desculpe estar incomodando, mas eu preciso conversar com alguém. Eu nem sei pra quem eu estou escrevendo e nem sei onde isso vai parar, mas o projeto de vocês é lindo e me deu vontade de compartilhar a minha história". E aí, procurando achar algum elo entre todas essas histórias, a gente percebeu que muitas delas, se não todas, começaram porque as pessoas resolveram perguntar, se perguntar, se questionar. "Se não é pra fazer isso, o que eu vou fazer? O que me motiva? O que eu estou fazendo com a minha vida? Qual o meu papel? E o que eu preciso fazer pra estar satisfeita com esses respostas?" Nenhuma dessas histórias estava cheia de respostas, pelo contrário, muitas estavam cheias de perguntas. E aí era uma coisa engraçada, era o sujo perguntando pra mal lavada, porque também não vou saber responder, também troquei meu trabalho no escritório por uma vida não convencional, de freelancer. E nenhuma delas, também é legal falar, estava cheia de finais felizes. A gente sabe que a gente gostaria de pensar que é: "Saí da escola, fiz faculdade, me encontrei, estou trabalhando, estou feliz". Não é assim que a felicidade funciona, infelizmente. São histórias longas e textos superdensos, e umas intimidades que a gente jamais imaginou que teria com pessoas que a gente nunca nem viu na vida. E a proposta agora é que eu quero dividir algumas dessas histórias com vocês. "Eu tenho um filho de três meses e moro com a minha mulher. Estou em risco de perder o único emprego que tenho. Mas, com o passar do tempo, e pressão da situação, estou enlouquecendo, e perdi o amor-próprio. Estou querendo sair, mas não posso; pois, se sair, não quero mais nada parecido. Estou pirando por não ser algo que gosto, e, por parte dos meus pais, isso é normal. É preciso viver de forma infeliz pra ter apenas dinheiro." É interessante que histórias como essa, essa é só um exemplo, a gente recebe muitas histórias como essa, nos mostram como a escolha de uma profissão, vai muito além das nossas próprias escolhas. As expectativas de terceiros contam muito, às vezes até demais. "Levava uma vida banal, sempre tentando me encaixar quanto às exigências sociais. Um vazio que nunca era preenchido me levou a uma depressão grave. Foram nove, com tentativa de suicídio. Com a ajuda de medicações, fui saindo daquele estado depressivo devagar. Distante de tudo, eu encontrei, sem querer, a vida de novo. Comecei a observar as coisas, o mundo. Tinha uma mediadora nesse caso, era uma câmera. Mediadora entre mim e o mundo. Só queria deixar registrado o amor que eu tenho pela fotografia." Pra mim, com histórias como essa, fica claro que o problema não está em trabalhar, mas sim em perder a sua essência no trabalho. Se a gente parar pra reparar e realmente olhar no olho da outra pessoa, a gente vai ver que dores silenciosas estão por aí o tempo todo. A gente, às vezes, só escolhe não ver. O interessante é quando a gente resolve abrir nossos olhos. "Hoje estou terminando o curso técnico do SENAI e voltei a ser estagiária. Meu primeiro passo na nova carreira. Estou trabalhando numa oficina mecânica; comprei um Maverick todo fodido e estou mais feliz do que nunca, aprendendo a arrumar carros todos os dias". Essa moça também nos disse que, junto com uma carreira de TI, foi-se um casamento de seis anos. E essa é a nossa impressão dela com o novo amor que ela encontrou. A gente faz algumas interpretações em desenhos das histórias que as pessoas nos mandam e essa foi uma delas. Bom... Eu imaginei que hoje, aqui, iam estar pessoas, chefes, enfim, donos, empresários que têm como função orientar pessoas. Então as próximas histórias realmente foram escolhidas pra vocês aqui; pra mostrar o seu poder de realmente ganhar ou perder um talento. "Me dei conta que todos meus desgostos não eram com o momento em que eu estava trabalhando; essa era a melhor parte. O meu desgosto era com a forma que a advocacia se apresentava e o que exigiam de mim: roupas caras, carros pra desfilar, postura artificial, conversas pedantes... Isso era o sistema, isso era o que eu vivia todos os dias. Um escritório assim é uma sociedade em versão micro. A atmosfera está impregnada dos valores da corporação e todos vivem suas vidas absolutamente voltadas pra este mundo." O que eu acho interessante nesta história é que ela representa que ninguém sobrevive sem mudanças. Nem as pessoas e também nem as empresas. "No ano de 2011, fiz prova para o mestrado. Quando soube da aprovação, comuniquei aos meus chefes que pediria demissão, já que seria muito difícil me manter na empresa durante o período de aulas. Eles disseram que me liberariam e que eu não precisava pedir demissão. Pois então, quando chegou em abril de 2012, me comunicaram que, por causas dos estudos, eu teria que ser mandada embora. Estava sem bolsa do mestrado porque trabalhava e ainda ficaria sem meu salário." Como é importante que as empresas percebam que o real valor delas são pessoas. E não só percebam, mas que ajam de tal forma, que pessoas simplesmente sejam tratadas como pessoas e não máquinas. "Decidi confessar que o que faço hoje não me deixa feliz. Ambiente interessante, possibilidade de crescimento de carreira, chefe que gosta de mim, salário bom... enfim, tudo, como dizem, de mão beijada. Interessante a cara das pessoas quando você fala que isso não te faz feliz. Começou aí uma aventura interessante. Hoje, estou trabalhando meio período; segunda, terça e quarta visto calça social, coloco o computador na bolsa e vou ser executiva. Quinta, sexta, sábado e domingo passo por dias de autodescoberta." Essa pra mim é uma história que exemplifica muito aquela frase mágica que é: precisamos conversar. Que é tão simples, mas, às vezes, é tão difícil de dizer. Antes de ir para aquela moça bonita que vou apresentar, a gente tentou entender mais essas questões durante o projeto, não só lendo as histórias e fazendo episódios, a gente sempre busca entender mais sobre isso. E aí em São Paulo, a gente resolveu fazer um vídeo e compartilhar com vocês aqui hoje, especialmente. E nesse vídeo, a gente fez só duas perguntas pra desconhecidos na rua, e o resultado foi este aqui. (Vídeo) (Música) [Tem algo no seu trabalho que você não gosta?] Tem. Tem. Tem várias coisas. O que eu não gosto no meu trabalho? Essa você me pegou hein? O que eu não gosto? Você quer que eu responda mesmo? Talvez o tema mais tenso seja realmente a relação com pessoas. É, tipo primeiro lugar assim. A dificuldade de obtenção de informação e a falta de comunicação entre áreas. Então, cada setor tem um chefe, aí tem sub-chefe, aí tem gerente, aí tem não sei o quê e todos têm que estar com o mesmo foco pras coisas fluírem. Você procura conversar né, não, vamos nos entender aqui. Conversar. Comunicação é a melhor coisa que tem. (Música) Eu acho que sempre há pontos a melhorar. Acho que se tivesse mais flexibilidade do horário pra sair pro almoço, pra entrar, às vezes tem algumas coisas pra gente fazer e resolver, seria melhor e não ter aquela coisa fixa: tem que entrar às 8h e sair às 17h. Você abre mão um pouco da sua vida pessoal para o trabalho. Tem que acatar, mas não gosto. Enfim, eu acho que o sistema todo no geral está errado. [E você faria algo para mudar?] Não sei. (Risos) Não faço a mínima ideia. Pra mudar lá no meu trabalho? Olha, só se eu fosse a chefe mesmo. No mundo ideal acho que seria mais aberto, mais transparente. Conversando, acho que é a melhor solução que tem sempre. Claro tem vezes que a conversa não adianta e um dos dois lados acaba se desligando, mas nunca tive um caso assim extremo de problema. Já mudei de emprego algumas vezes. (Risos) Se eu tivesse possibilidade, mandar a pessoa embora. Tá, a gente tenta né, a gente fala, mas não adianta. Pra mudar a situação? Acho que ter um negócio próprio, né? Eu gostaria até de um trabalho assim que pudesse fazer de home office, mas tem que ter esse preparo, tanto do lado da pessoa que quer trabalhar em casa, quanto da empresa conseguir ter confiança no funcionário, de que o cara não vai ficar desperdiçando. Entrevistadora: Você acha fácil conseguir essa confiança? Não. Não. Porque as empresas são muito engessadas, na realidade, elas não têm participação do funcionário. Ah, vamos decidir como melhor trabalhar. Não é uma cooperativa, é uma empresa. Tu prestas serviço e tem que cumprir as normas pré-estabelecidas pela empresa, pelo grupo, no caso, né. Sei lá, às vezes, as empresas têm costume de deixar enterrado também alguns talentos das pessoas, mas aí cabe a cada um desenvolver e mostrar que está ali pra fazer a coisa acontecer né. Eu estou superfeliz lá. Não tem nada hoje que eu fale: "Ah eu não gosto disso". Pra trabalhar tem que ser com que eu amo, senão eu não ia trabalhar, ia ficar em casa. Porque senão esses pequenos problemas que acontecem, sim, no dia a dia vão tornar a sua vida um inferno. Se eu gostar, se eu não gostar não é bom, né? Todo trabalho, se você gostar, é bom. Já pensou? A gente ia ser mais feliz. Bom, depois de fazer, ver e rever esse vídeo, eu cheguei a uma conclusão um pouco óbvia, mas que talvez estivesse guardada em alguma gaveta mental assim cheia de pó. A conclusão é que os problemas com o trabalho estão bem longe de ser um problema causado pelo trabalho. O problema não está no que você exerce. O problema está em como você se sente quando você exerce. Então, como o senhor disse brilhantemente no vídeo: todo trabalho, se você gostar, é bom. E eu penso que o trabalho deveria ser um facilitador, algo que ajude você a se encontrar e não a se perder. É loucura pensar que existe separação entre vida profissional e vida pessoal, é loucura pensar quem falou isso um dia. Loucura! Não existe isso. Sua vida profissional é também a sua vida pessoal. Dentro de todas essas histórias que a gente recebeu, eu me surpreendi com a frase de um garoto, de um menino de 20 anos, que decidiu empreender em vez de seguir por um caminho de estágio. E ele disse: "Um conselho que recebi uma vez e mudou minha forma de ver as coisas, foi: 'Olhe para o mundo a sua volta e pense que tudo que você admira não foi criado por pessoas melhores do que você ou com algum dom diferente. Elas apenas seguiram em frente'." Eu penso que o fim do trabalho como é hoje, ele existe, a gente sempre vai falar de trabalho, mas não vai ser mais trabalho, isso vai acontecer sem nenhuma mudança de nome. Eu penso, e a gente não pode carregar mais sentimento e coração, quando a gente fala de trabalho, já que é uma parcela tão grande da nossa vida. Pra finalizar, eu queria deixar uma reflexão aqui em forma de pergunta pra vocês. A mesma pergunta que eu fiz pra todas essas pessoas que já participaram da nossa web série. A pergunta é: será que a gente consegue carregar mais verdade nos nossos gestos mais cotidianos, como as nossas relações com as pessoas, com os nossos amigos e com o nosso trabalho? A gente acredita que se questionar é o único começo e o melhor de todos. E as respostas vão vir, se vocês continuarem perguntando. É isso, obrigada! (Aplausos)