O que será que os franceses
fazem melhor do que os outros?
Se fizéssemos pesquisas,
as três melhores respostas seriam:
amor, vinho e choramingar.
(Risos)
Talvez.
Mas vou dar uma quarta sugestão:
matemática.
Vocês sabiam que há
mais matemáticos em Paris
do que em qualquer outra cidade no mundo?
Também há mais ruas
com nomes de matemáticos.
Se analisarmos as estatísticas
da Medalha Fields,
frequentemente chamada
de "prêmio Nobel" da matemática
e sempre dada a matemáticos
com menos de 40 anos de idade,
veremos que a França tem
mais medalhistas por habitante
do que qualquer outro país.
O que será que vemos
de tão atraente na matemática?
Afinal, ela parece ser chata e abstrata,
apenas números, cálculos
e regras a serem seguidas.
A matemática pode ser abstrata,
mas não é chata
e não tem a ver com cálculos.
Tem a ver com raciocínio,
com provar, a nossa atividade principal.
Tem a ver com imaginação,
o talento que a maioria de nós valoriza.
Tem a ver com encontrar a verdade.
Nada se compara à sensação que nos invade
quando, após meses de análise,
finalmente entendemos o raciocínio
certo para resolver um problema.
O grande matemático André Weil
comparou isso, sem brincadeira...
ao prazer sexual,
mas observou que essa sensação
pode durar horas, ou até dias.
A recompensa pode ser grande.
Verdades matemáticas escondidas
permeiam todo nosso mundo físico.
São inacessíveis aos nossos sentidos,
mas podem ser vistas
através de lentes matemáticas.
Fechem os olhos por um instante
e pensem no que está ocorrendo,
neste momento, ao seu redor.
Partículas invisíveis do ar
estão esbarrando em você,
aos bilhões e bilhões, a cada segundo,
tudo num completo caos.
Mesmo assim,
suas estatísticas podem ser precisamente
previstas pela física matemática.
E agora, abram os olhos
para as estatísticas
das velocidades dessas partículas.
A famosa "curva de Gauss",
em forma de sino,
ou "Lei dos Erros",
dos desvios em relação
ao comportamento principal.
Esta curva trata da estatística
de velocidade das partículas,
do mesmo jeito que a curva demográfica
trata da idade dos indivíduos.
É uma das curvas mais
importantes de todos os tempos.
Ela continua ocorrendo de novo e de novo,
em muitas teorias e muitos experimentos
como um grande exemplo da universalidade
que é tão querida para nós matemáticos.
O famoso cientista Francis Galton
afirmou sobre esta curva:
"Teria sido endeusada pelos gregos
se a tivessem conhecido.
É a lei suprema da irracionalidade".
E não há melhor maneira
de materializar essa deusa suprema
do que pelo painel de Galton.
Dentro deste painel
existem túneis estreitos
por onde pequenas bolinhas
cairão aleatoriamente,
indo para a direita ou esquerda,
ou esquerda ou direita, etc.
Tudo num completo e aleatório caos.
Vejamos o que acontece quando observamos
todas essas trajetórias aleatórias juntas.
(Painel sendo sacudido)
Isto é um pouco de exercício,
porque temos que resolver
alguns engarrafamentos aqui dentro.
Ah!
Acho que a aleatoriedade
vai me pregar uma peça no palco.
Aí está.
Nossa deusa suprema da irracionalidade,
a curva de Gauss, presa aqui,
nesta caixa transparente,
como o Sonho nos quadrinhos
do "The Sandman".
Para vocês eu a mostrei,
mas para os meus alunos eu explico
por que não poderia ser outra curva.
E isso está tocando no mistério da deusa,
substituindo uma bela coincidência
por uma bela explicação.
Toda ciência é assim.
E lindas explicações matemáticas
não são só para nosso prazer.
Elas também mudam nossa visão de mundo.
Por exemplo,
Einstein,
Perrin,
Smoluchowski,
eles usavam a análise matemática
de trajetórias aleatórias
e a curva de Gauss
para explicar e provar
que nosso mundo é feito de átomos.
Não foi a primeira vez
que a matemática estava
revolucionando nossa visão do mundo.
Mais de 2 mil anos atrás,
na época dos antigos gregos
isso já ocorrera.
Naqueles dias,
apenas uma pequena fração
do mundo tinha sido explorada,
e a Terra pode ter parecido infinita.
Mas o inteligente Eratóstenes,
usando matemática,
foi capaz de medir a Terra
com uma precisão fantástica de 2%.
Aqui está outro exemplo:
em 1673, Jean Richer percebeu
que um pêndulo balança
levemente mais devagar
em Cayenne do que em Paris.
A partir desta observação isolada
e matemática inteligente,
Newton deduziu, acertadamente,
que a Terra é um pouquinho
mais achatada nos polos,
algo como 0,3%.
Tão pouco que você nem sequer
percebe numa visão real da Terra.
Essas histórias mostram que a matemática
é capaz de deixar nossa intuição
medir a Terra, que parece infinita,
ver átomos que são invisíveis
ou detectar uma variação
de forma imperceptível.
E, se tem algo que você deve levar
para casa a partir desta conversa, é isto:
a matemática nos permite
ir além da intuição
e explorar territórios
que não estão ao nosso alcance.
Aqui está um exemplo moderno
que todos irão entender:
pesquisar na internet.
O World Wide Web,
mais de um bilhão de páginas da internet,
você quer passar por todas elas?
O poder da computação pode ajudar,
mas seria inútil sem um modelo matemático
para encontrar as informações
escondidas nos dados.
Vamos resolver um problema infantil.
Imagine que você é um detetive
trabalhando num caso criminal
há muitas pessoas, e cada uma delas
têm a sua versão dos fatos.
Quem você quer entrevistar primeiro?
Resposta sensata:
as testemunhas principais.
Você vê,
suponha que a pessoa número sete
conte uma história,
mas quando perguntamos
de onde ela a tirou,
ela aponta a pessoa
número três como fonte.
E talvez a pessoa
número três, por sua vez,
aponte para a pessoa número um
como a fonte primária.
Agora a testemunha um é crucial,
então eu definitivamente quero
entrevistá-la, prioritariamente.
E, a partir do gráfico, também vemos
que a pessoa número quatro
é uma testemunha principal.
E talvez eu até queira
entrevistá-la primeiro,
porque mais pessoas se referem a ela.
Certo, isso foi fácil,
mas agora o que dizer se você tem um grupo
grande de pessoas que irão depor?
E esse gráfico,
talvez pense nele como todas as pessoas
que testemunham
num caso criminal complicado,
mas podem muito bem ser páginas
da internet, apontando uma para a outra,
referindo-se umas às outras pelo conteúdo.
Quais são as mais relevantes?
Não é tão claro.
Digite PageRank,
um dos primeiros fundamentos do Google.
Esse algoritmo utiliza as leis
de aleatoriedade matemática
para determinar, automaticamente,
as páginas mais relevantes da internet,
da mesma forma como usamos aleatoriedade
no experimento do painel de Galton.
Então, vamos enviar para este gráfico
um bocado de pequenas bolinhas digitais
e deixá-las andar aleatoriamente
através do diagrama.
Sempre que chegarem
a uma página, elas vão sair,
por um link escolhido aleatoriamente,
para a próxima página.
E de novo, de novo e de novo.
E com pequenos montes crescendo,
vamos manter o registro
de quantas vezes cada página
foi visitada por essas bolinhas digitais.
Aqui vamos nós.
Aleatoriedade, aleatoriedade.
E, de tempos em tempos, também
vamos saltar aleatoriamente,
para aumentar a diversão.
E vejam isso:
do caos surgirá a solução.
Os montes mais altos correspondem
às páginas da internet
que, de alguma forma, estão
melhor conectadas que as outras,
mais apontadas que as outras.
E aqui vemos, claramente,
qual página da internet
queremos tentar primeiro.
Novamente, a solução
emerge da aleatoriedade.
É claro que, desde aquela época,
o Google criou algoritmos
muito mais sofisticados
mas esse já era bonito.
E ainda,
um problema em um milhão.
Com o advento da área digital,
mais e mais problemas
prestam-se à análise matemática,
tornando o trabalho
do matemático cada vez mais útil,
a ponto de, alguns anos atrás,
ter sido classificado como número um
entre centenas de trabalhos,
num estudo sobre os melhores
e os piores trabalhos,
publicado em 2009
pelo The Wall Street Journal.
Matemático...
melhor trabalho do mundo.
Isso por causa das aplicações:
teoria da comunicação,
teoria da informação,
teoria dos jogos,
compressão de sinais,
aprendizagem de máquina,
análise gráfica,
análise harmônica.
E, por que não, processos estocásticos,
programação linear,
ou simulação de fluidos?
Cada um desses campos tem
aplicações industriais monstruosas.
E, através deles, há muito
dinheiro na matemática.
E deixe-me admitir
que, quando se trata de fazer
dinheiro em matemática,
os americanos são, de longe,
os campeões do mundo,
com bilionários inteligentes
e emblemáticos
e surpreendentes empresas gigantes,
todas baseadas, em última análise,
em um bom algoritmo.
Agora, com toda essa beleza,
utilidade e riqueza,
matemática parece mais sexy.
Mas não pensem que a vida
de um pesquisador matemático é fácil.
Ela está cheia de perplexidade,
frustração,
uma luta desesperada pelo entendimento.
Deixe-me evocar para vocês
um dos dias mais marcantes
na minha vida de matemático.
Ou, deveria dizer,
uma das noites mais marcantes.
Naquele tempo, eu estava hospedado
no Instituto de Estudos Avançados,
em Princeton, que por muitos anos
foi a casa de Albert Einstein
e, sem dúvida, é o lugar mais sagrado
para a pesquisa matemática no mundo.
Naquela noite eu estava trabalhando
e trabalhando em uma prova indescritível,
que estava incompleta.
Era tudo sobre compreender
a paradoxal propriedade
de estabilidade dos plasmas,
que são uma multidão de elétrons.
No mundo perfeito do plasma,
não há colisões nem atrito para dar
a estabilidade a que estamos acostumados.
Mesmo assim, se você perturbar
ligeiramente o equilíbrio do plasma,
você vai descobrir que o escudo elétrico
resultante desaparece espontaneamente,
ou amortece, como se por alguma
força de atrito misteriosa.
Esse efeito paradoxal, chamado
de amortecimento de Landau,
é um dos mais importantes
na física de plasmas
e foi descoberto através
de ideias matemáticas.
Mas uma compreensão matemática completa
desse fenômeno ainda estava faltando.
E junto com meu ex-aluno
e principal colaborador, Clément Mouhot,
que estava em Paris, na época, vínhamos
trabalhando há meses e meses em tal prova.
Na verdade, eu já havia anunciado,
por engano, que poderíamos resolvê-lo.
Mas a verdade é que a prova
simplesmente não estava funcionando.
Apesar de mais de 100 páginas
de argumentos matemáticos complicados,
uma porção de descobertas e cálculos
enormes, não estava funcionando.
E, naquela noite em Princeton,
um certo intervalo na cadeia de argumentos
estava me deixando louco.
Eu estava colocando lá toda minha
energia, experiência e truques,
e nada estava funcionando.
Uma hora da manhã, duas, três,
não funcionava.
Por volta das 4h,
vou para a cama desanimado.
Algumas horas depois, acordando:
"Ah! Hora de levar
as crianças pra escola".
O que é isso?
Havia essa voz na minha cabeça, eu juro.
"Passe o segundo termo para o outro lado,
aplique a transformada de Fourier
e inverta em L2."
(Risos)
Droga.
Era o começo da solução!
Entenda,
pensei que tivesse descansado um pouco,
mas na verdade meu cérebro
tinha continuado a trabalhar naquilo.
Nesses momentos você não pensa
em sua carreira ou seus colegas,
é apenas uma batalha completa
entre o problema e você.
Dito isso,
não é nada mau conseguir uma promoção
em recompensa por seu trabalho duro.
E depois de completarmos nossa enorme
análise do amortecimento de Landau,
tive sorte suficiente para receber
a Medalha Fields, a mais cobiçada,
das mãos do presidente da Índia,
em Hyderabad, em 19 de agosto de 2010.
Uma honra que os matemáticos
nunca se atrevem a sonhar,
um dia do qual vou lembrar enquanto viver.
Em que você pensa, em tal ocasião?
Orgulho, sim?
E gratidão ao principal colaborador,
que tornou isso possível.
E como foi uma aventura coletiva,
você precisa dividi-la,
não somente com seus colaboradores.
Eu acredito que todos podem apreciar
a emoção de investigação matemática,
e compartilhar as histórias apaixonadas
de humanos e ideias por trás dela.
Tenho trabalhado com o meu pessoal
no Institut Henri Poincaré,
juntamente com os parceiros e artistas
da comunicação matemática em todo o mundo,
para que possamos fundar o nosso próprio
e especial museu da matemática lá.
Assim, em poucos anos,
quando você vier a Paris,
depois de provar a melhor
e mais crocante baguete e o macaron,
por favor, venha visitar-nos
no Institut Henri Poincaré,
e compartilhar o sonho matemático conosco.
Obrigado.
(Aplausos)