Olá, boa tarde. Eu venho-vos falar de felicidade. Mas da felicidade em momentos de crise. Uma felicidade que tem de ser reinventada porque o futuro não vai ser o que nós pensamos. O meu presente é muito diferente do que eu pensava que iria ser o meu futuro. Ops. Em agosto de 1994, a fazer uma carreirinha, a apanhar boleia com uma onda, bati com a cabeça no fundo. Era um fundo de areia e eu era um nadador experimentado. Fiquei tetraplégico, mais ou menos como estou hoje. Essa onda levou-me a minha mobilidade mas levou-me também o que eram os meus sonhos, na altura. Os meus sonhos na altura — estava a acabar o curso de Engenharia Alimentar — era ir fazer vinho para a Austrália e andar a conhecer o mundo a fazer vinho. Portanto ia para a Austrália, depois para os EUA, Chile e por aí fora. Essa onda levou-me esses sonhos. Se tivesse como sonho casar-me — que não era um grande sonho na altura — também mo teria levado. Portanto, estive internado no hospital durante seis meses. Depois de seis meses no hospital, tive duas grandes preocupações. A minha integração social. O que é que isto quer dizer? Estava numa nova situação física, estava numa cadeira de rodas. Como devem imaginar, ninguém gosta de se ver numa cadeira de rodas. E tive de aprender a viver, a vir para cá para fora e a aceitar os olhares das outras pessoas para mim. E a saber conviver com isso. E compreender que, se houvesse algum problema, era no olhar das pessoas e não em mim. Depois... ops. Estava eu a dizer que também outra preocupação minha... ... foi com a minha integração profissional. Não se falava de "geração à rasca", eu não sabia sequer que estava à rasca, mas tive que me desenrascar. Durante dois anos, pouco fiz, apesar de vontade ter. Fazia umas provas de vinhos — que era o que eu queria — com amigos. E umas pequenas provas na faculdade. O meu primeiro emprego, curiosamente, foi a trabalhar para a Microsoft, através de uma empresa que se chama Telemanutenção, com computadores. Uma área completamente diferente da minha, mas onde me realizei. Era um grupo só de pessoas deficientes, e com elas aprendi bastante. Também, por exemplo, a escrever como escrevo hoje em dia. Mais tarde, isto em 1999 — cinco anos depois do acidente — finalmente sim, aí apareceram até mais do que um, dois empregos dos meus sonhos. Sou provador de vinhos. Para mim, isto é uma realização. Eu digo sempre que sou provador, não sou bebedor. Também bebo, naturalmente, mas tenho de deitar fora, num dia de trabalho. (Risos) Não posso levar nada para casa. (Risos). Bem, mas estava a dizer, sou provador de vinhos no Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto. Tenho uma equipa, provo à volta de 8000 vinhos do Porto e do Douro e depois, de vez em quando, ainda tenho o privilégio de provar outros vinhos e para mim é uma grande paixão. Além disso, também dou aulas, pós-graduações de Enologia e Marketing de Vinhos. Também da parte de prova de vinhos. Para mim isto tudo é mais, até, prazer do que trabalho. Tenho a sorte de me pagarem, porque não sabiam que faria isto de borla. (Risos) Não digam isto a ninguém. (Risos) Na altura em que tive o acidente, era um desportista, tinha 25 anos. E tinha vindo de Bordéus, dum Erasmus, há quatro ou cinco meses, onde tinha começado a fazer esqui na neve. E lembro-me bem dos meus primeiros pensamentos que tive, foi que nunca mais vou conseguir fazer esqui na neve, e pensar: “Tenho pena, é uma coisa que nunca mais vou fazer." Curiosamente, foi o primeiro desporto que fiz, depois de ter tido o acidente. Como é que se faz esqui numa cadeira? Portanto, a cadeira em vez de ter rodas, tem dois esquis no centro. Funciona como quando se vai a descer uma encosta íngreme de bicicleta. Inclinamo-nos para um lado, a cadeira vira para esse lado. Inclinamo-nos para o outro, a cadeira vira para o outro. Se nos inclinamos demais, caímos. (Risos) Nada de grave. Aconteceu que num ano, em 2000, fui fazer esqui para La Plaine, nos Alpes. Dois anos antes, tinha havido lá os Jogos Olímpicos. E havia uma pista onde se media a velocidade. Depois de o meu instrutor insistir, 3 ou 4 dias seguidos, para irmos fazer essa pista e medir a velocidade, e eu dizer que não, acabei por ir praticamente arrastado para o cimo dessa pista. Descemos a pista, e batemos o recorde do mundo de velocidade para deficientes, para esqui adaptado, 120 km/hora. (Aplausos) É um recorde oficioso. Para mim é uma memória, é uma história para contar aqui, mais do que propriamente uma coisa de que me orgulhe por aí além. (Risos) Mas o meu desporto de eleição, e tinha feito durante 14 anos, era a vela. Com toda a parafernália que a vela tem e exige, pensei que nunca seria possível fazer. Curiosamente, num fim de semana que acabou por trazer muita emoção, — o meu irmão casava-se no sábado — a importância da minha família e dos meus amigos foi fundamental para a minha reabilitação e para a minha motivação. Portanto, esse dia foi emocionante, o casamento do meu irmão. No dia a seguir, tinha cá, no Porto, um casal de australianos com um barco comandado com um "joystick" para comandar as velas e o leme. Foi uma sensação de liberdade e de autonomia que sinto na água que não consigo sentir em terra. Porque na água acabo por conseguir velejar como qualquer outra pessoa. Esta fotografia é de um barco diferente. Em 2004, depois de alguns anos a treinar, surgiu a oportunidade de ir... fazer um campeonato do mundo à Austrália. Vejam o humor irónico da minha vida. A minha ideia era ir fazer vinho para a Austrália, e acabo por ir à Austrália porque sou deficiente, a fazer vela. Portanto, acabei por conseguir esses meus objetivos. Vou à Austrália e vou com uma gastroenterite, bastante debilitado. Na altura, em meio ano perdi 30 quilos, que não me fez mal nenhum. Entretanto, já ganhei 10. (Risos). Espero não precisar de outra gastroenterite para ir ao sítio. (Risos) Mas, estava eu a dizer, nesse campeonato do mundo, estava um bocado apreensivo sobre como ia correr e só não queria era ficar em último porque pensava, isto é uma vergonha, ficar em último, eu que já fiz vela. As coisas correram bem e fui vice-campeão do mundo. No ano a seguir... (Aplausos) No ano a seguir ganhei o campeonato do mundo. Depois... não batam palmas senão cortam-me no tempo. (Risos) No ano a seguir, fui campeão do mundo e depois quis ir aos Jogos Paraolímpicos. Para isso, tive de ir aos EUA, a Singapura e, finalmente, a Pequim. As coisas não correram tão bem como o que queríamos, mas de qualquer das maneiras, todas as recordações que tenho da vela, acima de tudo foi mais das culturas que conheci, as experiências que troquei, mais do que propriamente dos títulos. Eu acho que isso é que me enriqueceu e é isso que faz parte de mim. E agora, a este capítulo chamo Carmo. Carmo é a minha mulher. Mas também deveriam estar aqui os amigos, a família, os irmãos, todas as pessoas que me acompanharam e que me apoiaram e que me motivaram para eu ser e conseguir ser quem eu sou hoje em dia. Falo da Carmo em especial pelo seguinte: porque os meus amigos e a minha família, de uma maneira geral, se depararam com uma situação, e ajudaram-me, o que já foi ótimo, porque me podiam ter posto de lado. A Carmo entrou numa situação delicada e difícil, por amor e por vontade própria. Fica aqui a minha admiração para a minha mulher, para a minha família, e para todos os meus amigos. (Aplausos) Isto começa a ficar quente. (Risos) Falo da Carmo, baixam as luzes e aparece a primeira noite... (Risos) ... mas não é essa. (Risos) A primeira noite de que vos vou falar nem é a primeira noite, é a seguir ao acidente. A primeira noite passei-a provavelmente drogado, anestesiado, não me lembro. O primeiro dia, passei entretido a olhar para os outros doentes, passei entretido a olhar para os médicos, para os enfermeiros a trabalhar. Na noite a seguir é que foi complicado. Foi a noite... foi o tempo em que tive consciência da situação em que estava, e que perguntei a mim: O que é que vai ser de mim? E agora? O que é que eu vou fazer? Durante esse tempo, passaram-me umas imagens que vos vou passar agora. Não vou pôr exatamente estas, com direitos de autor — e que me fizeram pensar. Se eu nunca pus em causa o equilíbrio do mundo, a justiça ou a falta dela, quando sei que há tanta gente a sofrer e sofreu, porque é que há de ser diferente agora que o sofrimento é meu? Eu sou diferente de qualquer outra pessoa? Eu não mereço sofrer? Ou... estarei isento do sofrimento? Não me parece, é a minha opinião. Ainda nessa noite pensei: "Vou tentar reagir e fazer o melhor com a minha vida." E foi isso que tentei. E então passei para a felicidade. A felicidade tem sempre um aspeto dourado. Pode ser mesmo da riqueza, ou do poder, ou da beleza; provavelmente para a semana, para muita gente, na forma do iPad 2. (Risos) Para mim a felicidade... aprendi um pouco mais o que poderia ser a felicidade através de um episódio que vos vou contar. Num dia em que estava a fazer fisioterapia — eu deveria até continuar a fazer fisioterapia mas não tenho feito — Num dia em que estava a fazer fisioterapia estava ao meu lado, deitado, um amigo meu, que a fazia com alguma regularidade. Estávamos a falar daquelas coisas que fazemos no dia-a-dia: "Então como é que vais? Onde foste ontem à noite?" e por aí fora. Bem, este meu amigo tem mais mobilidade do que o que eu tenho. Consegue mexer bem os braços, e com isso consegue passar da cadeira para o carro, consegue até guiar, com a ajuda duns equipamentos, consegue tomar banho sozinho, que eu não consigo, vira-se durante a noite sozinho, eu não consigo — é a minha mulher que me vira duas vezes por noite — e por aí fora. Portanto. tinha o que eu queria ter. A dada altura aparece uma terceira pessoa com uma lesão ainda mais baixa, e que consegue dar uns passos com a ajuda de um equipamento, uns aparelhos. Esta pessoa, que estava sentada ao meu lado, vira-se para mim e diz: "Quem me dera estar como ele." E eu pensei: "Que grande lata, que falta de sensibilidade." (Risos) Então vem-me dizer isto a mim? (Risos) E eu que queria era ficar como ele está. (Risos) E eu fiquei a pensar naquilo durante muito tempo. Hoje em dia vejo as coisas de maneira diferente. Eu penso, eu se estivesse na cabeça dele diria exatamente a mesma coisa. E se estivesse na cabeça do que estava a dar uns passos com os aparelhos, estava a pensar: "Quem me dera era estar como o futebolista com o joelho lesionado "que estava ali a fazer fisioterapia." E o futebolista com o joelho lesionado, a fazer fisioterapia, estava a pensar: "Estou tramado, estou com a época lixada." Mas portanto, na realidade, a conclusão a que eu chego é que estamos a pôr a felicidade sempre em coisas que não temos. Estamos a adiar a nossa felicidade. Quando o que me parece é que devemos saber ser felizes agora e como estamos. Eu acabo por pedir só mais 30 segundos extra aqui à organização, com este último "slide" que é, se pudesse voltar ao dia do acidente, o que faria? Esta é uma pergunta que me fazem com regularidade. E eu só dou graças a Deus por não poder voltar ao dia do acidente. Porque provavelmente poderia tomar a decisão errada. Compreendem que... a minha vida tem sido bastante rica, depois do acidente, que aprendi muito, que me sinto uma pessoa diferente e mais ligada às outras pessoas. Que provavelmente se pudesse estalar os dedos agora e ficar bom, que não gostaria de apagar a experiência que tinha tido para trás. Então, porque é que eu acho que daqui para a frente a minha experiência numa cadeira de rodas não será melhor do que andar, se nos últimos 16 anos me parece que isso aconteceu? É uma reflexão, é uma pergunta que eu não sei responder. Só sei responder que o sofrimento faz parte da vida. Que muitas vezes confundimos o sofrimento e achamos que podemos evitar o sofrimento mas não é possível. O sofrimento existe na vida de toda a gente. Temos é que aprender a viver com o sofrimento. E pronto, termino por aqui e a minha mensagem final é: aprendam a ser felizes com o que têm ao vosso alcance. Muito obrigado. (Aplausos)