Vocês já ouviram falar
do sistema CRISPR?
Plateia: Sim!
Eu ficaria chocada
se a resposta fosse não.
É uma tecnologia
para a edição de genoma
tão versátil e controversa
que está gerando discussões
muito interessantes.
Devemos trazer de volta o mamute-lanoso?
Devemos personalizar um embrião humano?
E o meu favorito:
como justificar a extinção de uma espécie
que consideramos perigosa para os humanos,
eliminá-la da Terra,
usando essa tecnologia?
Esse tipo de ciência
avança muito mais rápido
do que os mecanismos
legais que a regulam.
E assim, nos últimos seis anos,
assumi como missão pessoal
garantir que o maior número
possível de pessoas
entenda esses tipos de tecnologia
e suas implicações.
O sistema CRISPR tem aparecido
massivamente na mídia,
e as palavras mais usadas
são "fácil" e "barato".
Mas eu quero me aprofundar um pouco nisso
e analisar alguns mitos e verdades
a respeito do sistema CRISPR.
Se você está tentando
usar o CRISPR no genoma,
a primeira coisa a fazer
é danificar o DNA.
O dano consiste
na quebra da dupla vertente
ao longo da dupla hélice.
Em seguida, inicia-se o processo
de reparo da célula,
e nós convencemos
esses processos de reparo
a fazer a edição que quisermos,
e não a natural.
É assim que funciona.
É um sistema de duas partes.
Você tem a proteína Cas9
e algo chamado de RNA guia.
Penso nisso como se fosse
um míssil teleguiado.
A Cas9, eu adoro antropomorfizar,
a Cas9 é tipo aquele Pac-Man,
e quer engolir o DNA,
e o RNA guia é a corrente
que o mantém longe do genoma
até que ele ache o momento
exato para se encaixar.
A combinação dos dois é chamada de CRISPR.
É um sistema que roubamos
de um antiquíssimo
sistema imunológico bacteriano.
O mais incrível de tudo isso
é que o RNA guia,
apenas 20 letras dele,
bastam para que o evento aconteça.
Isso é muito fácil de projetar,
e muito fácil de comprar.
Essa é a única parte modular do sistema,
o restante continua igual.
Esse é um sistema notavelmente fácil
e poderoso de se usar.
O RNA guia e a proteína Cas9
formam um complexo
que vai saltando pelo genoma,
e quando eles encontram um ponto
em que o RNA pode se combinar,
ele se insere entre as duas vertentes
da dupla hélice, rompe a ligação,
e isso estimula a proteína Cas9
a se cortar,
e, de uma hora pra outra,
você tem uma célula em pânico
por estar com um fragmento
do seu DNA quebrado.
O que ela faz?
Recorre aos seus socorristas.
Existem dois grandes mecanismos de reparo.
O primeiro junta os dois
fragmentos do DNA novamente.
Esse não é um sistema muito eficiente,
porque pode acontecer de uma base
se soltar ou ser adicionada.
É uma boa forma de, talvez,
eliminar um gene,
mas não é a forma que realmente
queremos usar na edição do genoma.
O segundo mecanismo de reparo
é bem mais interessante.
Esse mecanismo de reparo
pega um fragmento homólogo de DNA.
E percebam que, em organismos
diploides como os humanos,
temos uma cópia do genoma
da nossa mãe e outra do nosso pai;
se uma for danificada, pode usar
o outro cromossomo para reparar o dano.
É daí que vem todo o processo.
O reparo é feito, e o genoma
está protegido novamente.
A maneira de burlar isso é inserir
um fragmento falso de DNA,
que seja homólogo nas duas extremidades,
mas diferente no meio.
Agora você pode colocar o que quiser
no meio e a célula será enganada.
Você pode mudar uma letra,
ou subtrair letras,
mas o mais importante:
você pode inserir DNA novo ali,
como se fosse um cavalo de Troia.
A CRISPR será algo fantástico
pelo número de diferentes
avanços científicos que irá catalisar.
O mais especial disso
é o sistema de alvo modular.
Quero dizer, estamos empurrando
DNA nos organismos há anos, certo?
Mas graças a esse sistema de alvo modular,
podemos colocá-lo
exatamente onde queremos.
Há muita discussão sobre isso ser barato
e ser fácil.
Eu coordeno um laboratório comunitário.
E estou começando a receber e-mails
de pessoas que dizem coisas do tipo:
"Ei, posso ir aí no meio da noite
e, talvez, usar o CRISPR
para trabalhar no meu genoma?"
(Risos)
É sério.
Eu digo: "Não, você não pode".
(Risos)
"Mas eu ouvi dizer
que é barato, que é fácil".
Vamos falar um pouco sobre isso.
Bom, quão barato é?
Sim, é barato se formos comparar.
Faz com que o custo médio
de material para o experimento
passe de milhares de dólares
para centenas de dólares,
e diminui o tempo de trabalho também.
Pode passar de semanas para dias.
Isso é ótimo.
Ainda é preciso um laboratório
profissional para trabalhar nisso.
Você não fará nada muito significativo
fora de um laboratório profissional.
Não levem a sério alguém que diz
que é possível fazer isso
na mesa da cozinha.
Não é nada fácil fazer
esse tipo de trabalho.
E há uma batalha de patentes acontecendo,
então mesmo se você inventar algo,
o Instituto Broad e a Universidade
de Berkeley estão na briga pela patente.
É fascinante ver isso acontecer,
porque um está acusando o outro
de alegações fraudulentas,
e eles têm pessoas que dizem:
"Bem, eu assinei o meu
caderno de notas aqui e ali".
Isso ficará se arrastando por anos.
E quando for resolvido,
garanto que você irá pagar uma robusta
taxa de licença para usar isso.
Então, é realmente barato?
Bem, é barato se você fizer
pesquisa básica e tiver um laboratório.
E sobre ser fácil?
Vamos ver essa alegação.
O diabo está sempre nos detalhes.
Nós não sabemos muito sobre células.
Elas ainda são caixas-pretas.
Por exemplo, não sabemos porque
alguns RNAs guias funcionam muito bem
e outros RNAs guias não.
Não sabemos porque algumas células
fazem reparos de um jeito
e algumas células fazem de outro.
Além disso,
há todo o problema em colocar
o sistema dentro da célula
antes de qualquer coisa.
Em uma placa de Petri não é difícil,
mas se você tentar fazer isso
no organismo, fica mais complicado.
Não tem problema usar algo
como sangue ou medula óssea,
esse é o foco de muita
pesquisa feita atualmente.
Há uma história muito legal
de uma garotinha
que foi salva da leucemia ao tirarem
seu sangue, editá-lo, e colocá-lo de volta
com um precursor do CRISPR.
E essa é uma linha de pesquisa
que pessoas irão seguir.
Mas hoje, se você quiser
entrar no corpo todo,
provavelmente será preciso usar um vírus.
Você pega o vírus, coloca o CRISPR nele,
e deixa o vírus infectar a célula.
Mas agora você tem esse vírus lá dentro,
e não sabemos quais os efeitos
disso a longo prazo.
Além disso, o CRISPR possui
"efeitos fora do alvo",
uma porcentagem
bem pequena, mas estão lá.
O que irá acontecer
ao longo do tempo com isso?
Essas não são perguntas triviais,
e há cientistas que estão
tentando respondê-las,
e eles irão, um dia, respondê-las.
Mas isso não é nada simples, nem de longe.
Então, é fácil mesmo?
Bem, se você passa alguns anos
trabalhando no seu próprio sistema,
sim, é fácil.
Mas a questão é:
não sabemos muito sobre como fazer
algo particular acontecer
ao mudarmos pontos específicos do genoma.
Estamos muito longe de descobrir
como dar asas a porcos, por exemplo.
Uma perna a mais
e eu já ficaria satisfeita.
Isso seria legal, certo?
Mas o que está acontecendo
é que o CRISPR está sendo usado
por milhares e milhares de cientistas
para realizar um trabalho
muito importante,
por exemplo, fazer melhores
modelos de doenças em animais,
ou escolher caminhos que levaram
à produção de produtos químicos valiosos,
produzidos industrialmente
em tanques de fermentação,
e até mesmo a pesquisa básica,
que estuda o funcionamento dos genes.
É essa a história do CRISPR
que deveríamos estar contando,
e eu não gosto de saber que aspectos
chamativos do processo
estejam comprometendo tudo isso.
Muitos cientistas trabalharam intensamente
para fazer o CRISPR acontecer,
e o que acho interessante nisso
é que esses cientistas estão sendo
apoiados pela nossa sociedade.
Pensem nisso.
Temos uma infraestrutura que permite
que uma certa parcela da população
use todo seu tempo em pesquisa.
Isso faz com que todos sejam
inventores do CRISPR,
e eu diria que faz todos
serem os pastores do CRISPR.
Todos temos responsabilidade.
Por isso eu peço que vocês aprendam
sobre esses tipos de tecnologias
porque, de verdade, é apenas assim
que poderemos encaminhar
o desenvolvimento dessas tecnologias,
o uso dessas tecnlogias
e garantir que, no final,
tenhamos um resultado positivo
tanto para o planeta quanto para nós.
Obrigada.
(Aplausos)