(David Goldblatt): A câmera é
um instrumento muito estranho.
Demanda, primeiramente,
que você veja coerentemente,
ela te permite entrar em mundos,
lugares, e associações,
que de outra forma seria muito difícil.
Ser fotógrafo é realmente maravilhoso.
Não estou preso a lugar nenhum.
Posso ir e voltar como quiser.
É maravilhoso.
Meus anos de infância em Johannesburg
foram muito felizes.
Aproveitamos uma enorme liberdade.
Andávamos de bicicleta pelo
Randfontein Estates,
que era a mina de ouro
que rodeava a cidade,
e podíamos explorar bastante as minas.
É uma paisagem brutal, bem vazia, sombria,
não temos um mar, não temos um grande rio.
Só tínhamos esses espaços
tediosos e desinteressantes.
Acho que tinha uma espécie de osmose
acontecendo dentro de mim.
Eu me tornei organicamente
relacionado ao lugar.
Por um lado,
eu quero fotografar a paisagem.
"Paisagem", num sentido bem amplo.
De outro lado, sou fascinado por nossas
estruturas como declarações de valor.
Cheguei tarde demais para essa foto,
as árvores já estão cheias.
Mas vou tentar, vamos dar uma olhada.
Me parece que o tipo de arquitetura
emergente no norte de Johannesburg,
é um tipo de materialismo agressivo.
- Bom dia, senhores!
- Olá!
Como estão?
Neste país, quase que por causa da nudez,
das lutas entre o preto e o branco,
as estruturas que surgiram foram
incrivelmente claras
demonstrações de sistemas de valor.
Igrejas Africanas Protestantes brancas
são das quais eu penso em particular.
Suas igrejas tinham enormes janelas,
e uma estrutura megafônica,
com a chegada dos anos 1970, as forças
de liberação chegam à África do Sul,
colidindo mais e mais com os africanos.
Logo, suas novas igrejas viram defensivas.
Pouquíssimas delas foram construídas com
detalhes afiados nas paredes externas.
Estruturas públicas viram
claras manifestações da imagem própria.
Olha ali, olha, esse prédio enorme,
mas, ao menos, tem uma certa
quantidade de movimento.
Esta é uma Hasselblad.
Uma caixa famosa, muito cara,
maravilhosamente construída.
Meu irmão Dan voltava sempre de viagem
e me trazia pequenas câmeras de miniatura.
Ele trouxe de uma de suas viagens,
uma câmera Contax.
A Contax era equivalente a Leica da Zeiss.
Era uma ótima câmera, mas esta particular
havia sido severamente danificada.
Não sei sua história durante a guerra, mas
quando eventualmente chegou a Randfontein,
já era uma câmera bem doente, mas
tentei fazer fotografias com ela.
Quando me matriculei em 1948,
eu certamente tinha
um grande desejo
de ser fotógrafo de revista.
“Life” e “Look" dos Estados Unidos,
"Picture Post” da Inglaterra,
eram a janela do mundo para milhares.
Em 1952, o governo do apartheid
começava a pressionar sua ideologia
e uma das primeiras etapas era separar
as raças em comodidades públicas.
Eu fiz uma curta tira de filme de um
homem negro subindo uma escada,
depois sendo rejeitado,
por um policial negro.
Ele tinha costume de fazer essa rota
pela estação ferroviária de Johannesburg,
e de repente ele não era mais permitido.
Então enviei essas fotos
para o "Picture Post", para o editor.
Fui educadamente rejeitado.
Tentei fazer uma história sobre
os homens que trabalhavam
acima dos depósitos das minas
da nossa cidade.
Esses homens trabalhavam o ano todo,
todos os dias e noites,
não importava a condição, lidando com
os restos da operação de fresagem.
Estávamos sujeitando esses homens
à uma existência terrível.
Fazia frio de congelar durante o inverno
acima dos depósitos.
Ali tem um velho depósito.
Foi coberto de grama para
manter a poeira baixa.
Mineradores negros não podiam
subir além do nível
do que chamavam de "garotos chefes",
ou líderes de equipe.
É claro que eram homens, não garotos.
Para subir além desse nível, precisavam
de um certificado de detonação,
e isso era um método usado
pelas uniões brancas de troca,
para garantir que apenas brancos estariam
nos escalões superiores da hierarquia.
Ao olhar para essa sociedade,
você tinha que entender a natureza
da ideologia e vida do africânder branco.
Os africânderes descenderam
dos Huguenotes holandeses e franceses,
e dos primeiros colonos alemães
e escoceses que o país teve.
Mesmo pequeno, esse grupo determinou
muito do que ocorreu aqui.
Para eles, a conquista das tribos que
encontraram foi guiada por Deus, inefável.
Isso virou algo que tive de lidar, uma vez
que eu via tudo isso de uma forma inédita.
Nos anos 1930, o movimento de direita
africâner conhecido como "Ossewabrandwag",
era anti-judeu.
Assim como muitos dos meus amigos judeus,
eu tinha medo dos africâneres
desde a infância.
e ainda sim, senti a necessidade
de explorar isso.
Esse povo realmente me absorveu.
Me assustaram em seu profundo medo
das pessoas negras,
e ao mesmo tempo,
sua tranquilidade com elas.
Eu estava fotografando um casal de idosos,
e uma garotinha negra entrou na sala,
chupando seu dedo,
e apenas ficou ali em pé,
me vendo trabalhar.
E não disseram uma palavra à ela, não
fizeram objeção, nem a mandaram embora.
Simplesmente aceitaram que ela veio
e estava ali.
Uma resposta comum dos editores
em potencial era "onde está o Apartheid?"
Para mim, está enraizado, bem fundo,
na granulação dessas fotos.
Pessoas de outros lugares não entendiam
essas extremas contradições na nossa vida.
E eu não estava interessado
em tentar explicar essas coisas à elas.
Estamos indo para o centro de Boksburg.
Fotografei aqui no inverno de 1979,
e novamente em 1980.
Ao invés de viajar o país e fotografar
os brancos em geral,
queria concentrar em uma comunidade
e considerá-la um microcosmo
da vida de classe média branca
na Africa do Sul, e foi o que fiz.
Essa cidade inteira era reservada
aos brancos.
Negros só viriam aqui se tivessem um
certo documento, um passe.
Comecei a observar o povo esperando
pelo semáforo para atravessar.
E percebi o quanto eles nos expõem.
Na esquina da Comissioner com a Eloff,
temos que subir mais um quarteirão.
Essa foto foi tirada de onde estou agora,
daquela loja ali.
E provavelmente eu estava aqui,
quando tirei esta foto.
Estava animado com essa luz de inverno,
bem afiada, com pouco ângulo.
Esses prédios baixos eram a quintessência
do mundo que conheci e cresci.
Não há nada distinto sobre eles.
Eu acho que não há uma foto
sequer nessa coleção,
em que os sujeitos olham
para a câmera ou para mim.
Eu queria desaparecer da equação.
Em Soweto e Hillbrow, as fotos
eram encontros entre eu e os sujeitos,
Ao invés de tentar fotografar a vida
como um processo contínuo,
escolhi fotografar as pessoas como eram,
de maneira formal.
E sempre insisti que o sujeito olhasse
para mim, e não para a câmera.
Fotografando esses retratos,
passei a reparar
nos corpos das pessoas
de uma forma bem enfática.
Braços e membros, peitorais, quadris,
pescoços, detalhes.
Aqui tem uma gaveta só de fotos 4x5.
Com minha morte, meus negativos,
impressões de contato,
e impressões de trabalho,
iriam para a Universidade
da Cidade do Cabo, onde,
haviam estabelecido uma instalação
de arquivos com esse propósito.
Mas após os estudantes queimarem pinturas
e algumas das fotos da galeria de arte,
a Universidade criou um comitê de
acadêmicos e de estudantes
para examinar cada peça de arte,
com intuito de decidir de cobrir ou
retirar qualquer peça artística
que considerassem potencialmente ofensivas
aos estudantes negros.
Bem, não posso aceitar
esse tipo de avaliação
e interferência na liberdade de expressão.
Se há peças da coleção que, de repente,
causam desconforto nas pessoas,
então vamos as exibir. Criar debates.
Eu vejo meu trabalho como uma coisa
que não permito que se comprometa,
e o comprometo todos os dias,
apenas por respirar neste país.
Mas hoje, sob uma democracia,
me recuso a ser cúmplice.
Eu cancelei meu contrato.
E minhas coisas não irão para
a Universidade da Cidade do Cabo.
Acho que nunca estive
entediado com a fotografia.
Às vezes estive extremamente frustrado,
- Aah, [bipe].
enojado,
- Olha isso, olha isso.
mas é um processo que absorve a vida.
E me absorve completamente.
Já mudei de ideia sobre fotos depois de
25 ou 30 anos de ter as tirado.
O meu problema é que já não tenho
25 nem 30 anos pra me decidir mais.
Tenho que me decidir muito antes.
Eu estava fotografando as minas de ouro,
e eu vi um reflexo de mim mesmo.
E então eu tirei.
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