Como em todas as grandes histórias da nossa espécie, desde há milhares de anos, começa sempre tudo por um fogo. Vou tentar fazê-lo como o faziam os pré-históricos, com tutano, sílex, magnésio, pirite e um candeeiro Pierre. Vamos lá! Já está! (Aplausos) E assim começa a nossa história. O fogo foi um fator importantíssimo quando se tratou de socializarmos com outras pessoas do nosso grupo ou da nossa tribo. Imaginam a diferença entre ter de ir para a cama ou para a gruta às cinco da tarde ou poder prolongar essas horas, várias horas, até às 10, 11 ou 12 da noite? Poder partilhar com os outros membros da tribo, do grupo, e poder transmitir os conhecimentos, as técnicas novas como, por exemplo, caçar um veado, cortar melhor pedras como estas, como estes bifaces que tenho aqui, esta tarde. Já imaginaram como o grupo ganhou em sociabilidade, ao poder reunir-se em volta de um mesmo ponto, de uma mesma fogueira? Sem dúvida, é uma coisa incrível. Então, se sabemos que os nossos antepassados mais próximos, os primeiros Homo sapiens foram primatas, uns animais muito cooperantes e muito solidários entre si, como é que passámos dessa realidade para uma interpretação da Natureza baseada na agressividade e na violência? Certamente todos se recordam dos documentários na TV em que uma gazela escapa sempre de um tigre, ou de um pequeno elefante ferido ou que lhe aconteceu qualquer coisa e ele não pode continuar o caminho e a manada tem de seguir em frente — como diz o documentário — para sobreviver e, por isso, tem de o deixar abandonado. Começamos a descobrir que todas estas ideias, todos estes modelos mentais baseados em que foi a agressividade que nos tornou humanos, que a violência foi um motor da história, estão errados. Afirmações como "a lei do mais forte" ou "só sobrevivem os mais fortes" ou "todos contra todos". Não é verdade que conhecem estas frases tão recorrentes na nossa sociedade? Tudo isso existe, é verdade. Não se trata de negar o conflito e a violência, mas são apenas uma pequena parte da história. Jane Goodall, com quem tive a ocasião de conversar várias vezes, recordou-me isso, em muitas ocasiões e dizia-me: "Pablo, não penses na guerra e na violência, "como a característica fundamental dos primatas e dos seres humanos". Claro que existe, mas esquecemo-nos duma grande quantidade de comportamentos sociais como o altruísmo, a cooperação, a generosidade, o auxílio, que fazem parte do mais profundo do nosso ADN. Para poder pôr isto à prova, uma maneira, um método é compararmo-nos com outros animais e ver se os chimpanzés, os bonobos, com quem partilhamos 98% do ADN, também apresentam estas características. Eduard Punset, quando eu passava tardes com ele, na sua casa de Gerona, dizia-me: "Pablo, nunca te esqueças que tudo começou como uma história de amor e cooperação". A cooperação está documentada a todos os níveis, desde as moléculas até aos países, passando por todos os organismos ou seres intermédios — pessoas, grupos, tribos, comunidades. Quer dizer, a cooperação inundou, colonizou, até ao último rincão o nosso planeta Terra. Então, vamos dar uma olhadela à cooperação e ao altruísmo noutros animais e assim poder tirar algumas conclusões sobre o que somos ou do que somos capazes. Nesta experiência, colocam-se umas lajes de cimento de modo que um chimpanzé sozinho não consegue chegar à recompensa que está por baixo e necessita da ajuda de outra pessoa. Vamos ver o que se passa. (Risos) Como veem, coopera com grande facilidade, pede que o ajudem, pede auxílio e indica ao investigador humano onde é o local adequado para puxarem juntos, para que esse esforço se transforme numa cooperação, numa atividade conjunta. Agora, vou mostrar outro vídeo mais antigo, que põe à prova essa capacidade de coordenarmos e nos sincronizarmos com outros membros para obter recompensas que, por si só, ou por nós mesmos, não conseguiríamos. Temos aqui dois chimpanzés e fazemos o mesmo. Pomos uma tábua de modo que seja necessária a cooperação de dois indivíduos. Reparem no chimpanzé, a cooperação nem sempre foi fácil na evolução. (Risos) Como vemos, puxam, sincronizam-se e finalmente conseguem a recompensa maior. Mas agora devem estar a perguntar: "Que se passa com os homens?" Claro que os animais são uns seres maravilhosos, mas que se passa connosco? Somos altruístas? Somos cooperantes? Para pôr isso à prova, pusemos umas crianças em situações em que um adulto precisava de ajuda. Não podíamos dar à criança nenhum tipo de ordem nem de conselho. Nem podíamos olhar para ela. A criança ajudaria de modo espontâneo? Como vemos, a criança, rapidamente, não demora nem dois segundos, a reagir e a ajudar o investigador. (Aplausos) Nesta outra prova, é o mesmo. O investigador deixa cair uma colher na caixa e não sabe como apanhá-la. A criança repara nisso. (Risos) Como, para os cientistas, as provas nunca são suficientes, no programa Redes, repetimos estas experiências com idênticos resultados positivos. Vão ver-me a mim, a deixar cair uma mola no chão, enquanto estou a estender a roupa e vamos ver o que se passa com estas crianças. Não me conhecem, nunca me viram. Parece que, de modo altruísta, estão dispostos a cooperar comigo. Não lhes damos nenhuma recompensa. De facto, quando recompensámos estas crianças por nos ajudar, elas deixavam de nos ajudar. A motivação deles diminuía. Porque, para eles, era muito interessante. Os chimpanzés também mostram estes comportamentos de ajuda. Vemos uma investigadora desconhecida que deixa cair uns potes ou tampas e o chimpanzé também a ajuda. Mas vamos mais longe. Vamos dar a um bonobo a oportunidade de comer a comida sozinho ou de poder partilhá-la com um companheiro desconhecido ou seja, outro bonobo que está numa gaiola adjacente e ele pode abrir o compartimento para partilhar com ele. Fá-lo-á ou não? Recordo que eles nunca se viram. Pois aí os temos. Podia ter ficado com a comida só para ele, mas preferiu partilhá-la, mesmo com um estranho. Muita gente não o sabe, mas estamos programados para cooperar, não só no cérebro, mas também no corpo. Há adaptações anatómicas no ser humano que nos permitem cooperar, ou que nos facilitam muito a cooperação, como, por exemplo, a esclerótica humana. A esclerótica é a parte branca dos olhos e, graças a ela, podemos saber para onde estão a olhar outras pessoas. Podem assinalar-nos um objetivo comum ou talvez um perigo. Imaginam o valioso que é este tipo de comunicação, na ausência da linguagem? Quando os primeiros seres humanos ainda não sabiam falar, poder indicar com o olhar um perigo ou um alimento, podia ser fundamental. Mas também assinalamos com um dedo. Nenhum outro primata entende quando apontamos com o dedo. Os que o entendem, graças a uma história de amor com mais de 20 000 anos de antiguidade, são os nossos cães. Precisamente, por toda essa evolução, por todo esse historial de evolução partilhada, eles entendem o olhar e para onde apontamos com o dedo. Devo confessar que estou na reserva militar como pastor, porque decidi não fazer o serviço militar e, enquanto objetor de consciência, fui para pastor de cabras. Nunca me agradou mais ver a ligação que existe entre os homens e estes cães que nos acompanham desde há 20 000 anos. Eu apontava com o dedo para um local, assinalava uma cabra, com o meu olhar, e lá ia o cão a correr para reuni-la e recuperá-la, para manter a unidade e a coesão do rebanho. Mas que se passa com os valores? Viemos ao mundo, sabendo o que está bem e o que está mal, ou com alguma ideia protomoral arcaica? Para pôr isso à prova, Frans de Waal e Sara Brosnan realizaram esta experiência em que vão dando fichas para ração a dois capuchinhos. Mas, de repente, premeiam um e, como vemos, dão-lhe um alimento melhor. Este é premiado ou favorecido com uma uva, e este é o prejudicado com a ração. (Risos) Reparem que até esse momento, tinha-a aceitado mas, ao ver o companheiro receber uma recompensa maior, pelo mesmo esforço, recusa-a. Pensa: "Olha, meu, estás a passar das marcas, para!" Voltemos a fazer a experiência. (Risos) Temos de novo a ficha na mão. "Não, não! Não é isto que eu quero". Vamos ver como se zanga e atira a ração à cara. Segundo esta perspetiva, parece-me muito provável sermos parecidos com estes animais. Vejamos a diferença que a Igreja sempre fez entre os seres humanos e o resto dos animais por não terem alma. Uma coisa que nem sequer sabemos o que é, pelo menos, do ponto de vista científico. Por isso, parece-me que é muito importante conhecer o comportamento de outros primatas porque, quando encontramos uma mesma característica nos seres humanos e noutros primatas próximos de nós, há muitas probabilidades de que o nosso antepassado comum, que viveu há quatro milhões de anos, já possuísse essa característica. Ou seja, somos os descendentes de hominídeos especialmente cooperantes que encontraram o êxito na colaboração, na criatividade e na imaginação. Ou seja, a forma de colonizar as latitudes do planeta que até esse momento não tinha sido possível. Convivemos nalguns locais com homens do Neandertal e com homens como o Homo erectus, na China. Porque é que eles desapareceram e nós não? A hipótese mais aceitável é que nós colaborávamos de forma muito estreita. Temos provas, temos jazidas em que se comprova que os seres humanos cuidavam das crias, cuidavam dos doentes, dos anciãos. Havia uma "lei" da dependência. Também cuidávamos de gente que não se podia valer por si mesma. Ou seja, não os deixávamos abandonados como muitos documentários na TV tratam de nos transmitir. Há bondade, há generosidade, também fazem parte do nosso ADN. Não podemos esquecer — e gostaria de vos lembrar para que o levem para casa — que descendemos de uns hominídeos especialmente cooperantes. Todos os que estamos aqui somos fósseis vivos, somos a prova de que descendemos de uns homens especialmente generosos, especialmente altruístas e que encontraram na colaboração a chave do seu êxito. Portanto, afirmações como "a lei do mais forte", "a lei da selva", não são nada aceitáveis nos dias de hoje. Por isso, convido-vos a tirar de dentro de vocês esse primata, esse mono. Porque, afinal, vocês, nós, toda a gente, somos monos. Muito obrigado. (Aplausos)