Um ancião vinha pelo interior de Misiones, um povoado muito pequeno, de mais ou menos 700 ou 800 habitantes; um ancião muito sábio, um ancião com seu discípulo. Avaliavam o povoado para ver o que podiam melhorar, em que podiam ajudar essa comunidade. Até que chegam ao final de uma estrada e encontram uma casa de madeira, muito pequena e precária, muito humilde, de uns 12 metros quadrados. Antes de bater na porta, veem que há uma vaca amarrada do lado de fora. Batem na porta, o dono sai e eles dizem: "Olá, sou fulano de tal, estamos avaliando para ver como vocês vivem nesta comunidade". E o senhor responde: "Olhe, a verdade é que estamos bem, embora com poucos recursos, temos muitos filhos, e a única coisa que nos dá subsistência é essa vaca que vocês veem ali. Essa vaca nos dá leite, nos dá queijo, podemos vender o que sobra e sobrevivemos". "Então estão bem?" "Sim, estamos perfeitos". Então o ancião se despede e sai. Quando saem, o ancião diz ao discípulo: "Sacrifique a vaca". "Como vamos fazer isso, é sua única subsistência!" "Sacrifique a vaca!" O discípulo sacrifica a vaca, e se vão. Durante o ano, o discípulo, muito preocupado, dizia: "O que aquelas pessoas terão feito sem sua única subsistência?" No ano seguinte volta à mesma comunidade, procura a mesma casa, e, em seu lugar, encontra uma linda casa toda de alvenaria, com um jardim à frente, um jardim atrás. Bate na porta e sai o mesmo senhor. "Como fizeram para crescer tanto? Pensei que tinham vendido a propriedade." "O que acontece é que ano passado, quando vocês se foram, alguém sacrificou nossa vaca. Então não nos restou outra coisa que começar a semear, e o que semeamos, vendemos, e com as vendas, começamos a crescer. No final, descobrimos que tínhamos muitos conhecimentos e habilidades que desconhecíamos e aqui estamos, bem melhores que no ano passado". O discípulo se foi, pensando no que o ancião fez. O ancião tirou essa família de sua zona de conforto. E o que é a zona de conforto? A zona de conforto não é mais que um lugar onde nos sentimos seguros e tranquilos porque o conhecemos. Seja essa zona boa ou ruim. O caso clássico daquele que sai para trabalhar todos os dias, três horas por dia dentro do carro. Imaginem: três horas por dia. Em dez dias são 30 horas; é um dia a cada 10 dias. São 10% de sua vida sacrificados dentro do carro. E não muda de trabalho nem de casa. Está acomodado; está cômodo em seu trabalho, em sua casa, está cômodo três horas por dia. E não muda, não muda sua situação; sobretudo o ser humano, que tem uma tremenda capacidade de adaptação. O ser humano pode viver no Polo Norte ou no deserto que, mais cedo ou mais tarde, se acostuma. Nos acostumamos a estar três horas dentro do carro, nos acostumamos a caminhar 40 km por dia; nos acostumamos. O ser humano se acostuma. E isso é zona de conforto. Então, podemos fazer duas coisas: ou decidimos sair da zona de conforto, ou um agente externo nos tira de lá. Como quando você chega ao seu trabalho e seu chefe vem e diz: "Vem Lucas, quero falar com você". "A verdade é que não está cumprindo com a média da indústria, precisamos que cumpra certos objetivos, e como não os cumpriu, teremos que despedi-lo". Você sai amargo, irritado, mas quando está fora diz: "Ótimo! Esse cara tomou a decisão por mim, há seis meses quero sair daqui e não sabia como fazê-lo, não me animava, não sabia como enfrentá-lo, e o cara tomou a decisão por mim". Um agente externo me tirou da zona de conforto. Então, até que ponto as desvantagens de um golpe que se recebe, na verdade, não são desvantagens desejáveis? Malcolm Gladwell escreveu um livro muito bom chamado "Davi e Golias". Nele, ele dá três exemplos fulminantes. Um dos exemplos é um exercício feito em um colégio, onde dois grupos de alunos foram reunidos e receberam a mesma instrução, exatamente a mesma. A um grupo a instrução foi dada em perfeitas condições: letras grandes, bem pretas, com um fundo branco, podia ser lida perfeitamente. Ao outro grupo, deram a mesma instrução, mas com letras muito pequenas, cinzentas e muito difíceis de ler. Qual grupo vocês acreditam que obteve melhores resultados? O da instrução mais difícil de ler. Porque, justamente, a dificuldade em ler fez as pessoas terem mais foco e concentração. Então, até que ponto essa desvantagem de dar uma instrução difícil de ler, acabou beneficiando os alunos? Outro exemplo, que também é muito claro, é o caso dos disléxicos. Sabem o que é a dislexia? A dislexia é uma disfunção cerebral na qual o cérebro é normal, mas, ao ler, utiliza zonas que não são as que se usa normalmente, então para eles é muito difícil ler. Embora vocês não acreditem, quase um terço dos empreendedores mais bem sucedidos no mundo, como políticos e intelectuais, são disléxicos. Um terço, muito mais que a média da sociedade. E, justamente, porque a dislexia não lhes permite ler, aprofundaram sua capacidade de escutar. Para poderem memorizar o que ouvem, para serem mais influentes e melhores negociadores. E isso acabou melhorando-os de outras formas. É claro que perguntaram aos disléxicos: "Gostariam que seu filho fosse disléxico?" "Mas nem pensar! Ser disléxico é uma incapacidade terrível. Muita gente que não está neste terço, que também são disléxicos e não passaram bons momentos". Até que ponto as pessoas não fizeram uma vantagem dessa desvantagem? Inclusive, há um caso muito mais extremo: um estudo feito em 700 pessoas que têm duas ou três páginas em um livro de história. Políticos, primeiros-ministros; de Homero a Kennedy. Descobriu-se que 45% dessas pessoas perderam um dos seus pais quando tinham menos de 20 anos. E mais: quase 70% dos primeiros-ministros da Grã-Bretanha perderam um dos pais quando tinham menos de 16 anos. Uma taxa semelhante é o caso dos presidentes norte-americanos. É muito maior que a média da sociedade. Claro que também tem o outro lado: as pessoas presas em uma penitenciária têm duas ou três vezes mais probabilidades de terem perdido um dos pais quando tinham menos de 16 anos. Temos os dois casos; mas observem como em um dos casos essa desvantagem acabou fortalecendo-os, acabou potencializando-os, e, no outro caso, acabou afundando-os. Claro que não podemos dizer que perder um dos pais quando menor... sempre é terrível, mas sendo menor é mais traumático... que não seja o mais horrível que pode acontecer a alguém. Apenas dou um exemplo de como um caso tão traumático pode ser convertido em algo que nos fortalece tanto. Inclusive, na psicologia há o que é chamado "crescimento pós-traumático", que é crescer diante de um trauma. Ou também a resiliência, que é diferente da resistência, que é poder resistir a um trauma ou a um golpe, enquanto que a resiliência é resistir e crescer no processo. Por outro lado, temos as vantagens indesejáveis. Enquanto, por um lado temos os golpes externos que normalmente chamamos desvantagens, ainda que, na realidade, algumas desvantagens são desejáveis, por outro lado, temos vantagens indesejáveis, como estar na zona de conforto, por exemplo. Quem aqui não gostaria de ser megamilionário, ter muito dinheiro? A maioria, certo? Bom, na verdade, estudos mostram que a relação entre felicidade e riqueza têm uma relação direta até os US$ 80 mil a US$ 90 mil por ano. Assim que supera esse nível, a curva de crescimento da felicidade começa a cair, até o ponto onde sua inclinação torna-se negativa. Ou seja: mais riqueza acaba prejudicando a felicidade. Vocês dirão: "Como isso pode acontecer?" Sim, acontece. Mesmo que não acreditem, a grande maioria dos milionários do mundo são milionários pela primeira vez. Ou seja, eles não herdaram sua fortuna, mas a fizeram. Essas pessoas vêm de um lar onde tinham que cuidar da luz, dos recursos, onde tinham necessidades, tinham que quebrar a alma para avançar. Isso acabou os transformando nas pessoas que são hoje. Agora, como essas pessoas são com seus filhos? Eles já são milionários, como pedir aos filhos para que cuidem das coisas, que as ganhem? Como pedir ao filho que vá ao colégio caminhando, se você tem uma Maserati e dois Porsches na garagem? É muito difícil. São essas coisas que acabam tornando-se em desvantagens. Quando se pensa que certas vantagens que se tem, como, por exemplo, estar em um trabalho seguro, tranquilo, sem incertezas e volatilidade, até que ponto isso não prejudica você? Nassim Taleb, escritor de "O Cisne Negro", um livro muito conhecido, usa um termo que eu adoro, que é "antifragilidade". Na verdade os seres humanos são antifrágeis. O antifrágil não é o oposto do frágil. O oposto de frágil é resistente. O antifrágil é o que se beneficia da volatilidade. Os seres humanos são antifrágeis. Imaginem, se ficássemos em um quarto em perfeito estado, muito confortável, deitados na cama, durante um mês. Nossos músculos e organismo se atrofiariam, acabaríamos prejudicados. Então, tanto nosso sistema como nossa psique, precisam de volatilidade e de incertezas para se fortalecerem e crescerem. Pelo menos eu não vi ninguém crescer em sua zona de conforto. É extremamente difícil crescer na zona de conforto. Quando temos uma desvantagem, como ser demitido, até que ponto essa situação não é uma oportunidade para começar algo novo, para aprofundar seu currículo, para aprender mais? Até que ponto ser deixado por sua mulher ou marido não é uma oportunidade para conhecer pessoas novas ou para estar mais seguro de si mesmo? Até que ponto fraturar uma perna não é uma vantagem para estar mais com sua família, desfrutando de seus entes queridos? Ou até que ponto quebrar o celular ou ficar sem bateria não é uma oportunidade para começar a ouvir mais a pessoa que está à sua frente? Por outro lado, até que ponto ter um trabalho seguro, estar em uma zona de conforto e de comodidade não prejudica você? É muito difícil crescer dentro da zona de conforto. Se olharmos as pessoas que normalmente chegaram muito alto, são pessoas que não só não estão na zona de conforto, mas a evitam. É o clássico: "Mas olha aquele fulano, se já se fez, como pode continuar nesse projeto ou começar este outro?" Na verdade, essa pessoa chegou lá porque está acostumada a não estar na zona de conforto; e agora ela também não quer cair. Por mais que tenham alcançado o topo, ou o que vemos como sendo o topo, ter todas as comodidades, também procuram não entrar na zona de conforto. E, seguramente, os que vão dizer: "Não saia da zona de conforto porque vai perder isso e aquilo..." Listam tudo que você pode perder, mas nada do que pode ganhar. São pessoas que estão na zona de conforto, e não querem que você saia. Vocês podem encontrar 10 mil motivos para não saírem da zona de conforto, 10 mil motivos para não empreenderem, para não começarem um projeto: a família, os recursos, a falta de tempo... Mas, na verdade, o que vai levá-los a sair da zona de conforto é a emoção ou a motivação que os levam a fazê-lo. É a emoção e a motivação que se transforma em ação. Você pode ter mil ideias, mas escolherá uma, e é nessa que você aplicará a emoção e a motivação. Nos meus 29 anos de vida, aos 17 tive um dos mais desconfortáveis, porque tive que escolher uma carreira para a vida toda, sem nunca ter trabalhado. Depois de me formar, comecei a trabalhar um ano; estava em relação de dependência, e dizia: "Estou muito acomodado, tenho que sair daqui". Procurei uma motivação, uma emoção para sair dali. Por isso, no TEDx anterior falei sobre ir "nos ombros de gigantes" para ver melhor e mais longe. Justamente porque procurei essa motivação, essa emoção que me permitiu sair. Me motivei, tratei de me emocionar e me vincular com a história de meus pais, de Gandhi, de Steve Jobs, ou de qualquer um que pudesse idolatrar, para gerar em mim essa motivação e emoção necessárias. E então, comecei muitos projetos. Até o momento criei três empresas; as empresas anteriores, algumas foram mais ou menos, outras foram mal, em alguns projetos fracassei, em outros fui mais ou menos. Até que a Gi Bike foi o projeto que decolou, ficou conhecido globalmente e começa a caminhar bem. Agora, chegaria à Gi Bike se antes não tivesse fracassado, se não tivesse saído da zona de conforto quatro ou cinco anos antes? Tenho certeza que não. Cito a Gi Bike e o trabalho, porque o trabalho é uma das coisas que mais tempo nos consome. Das 24 horas do dia, dormimos 8, nos sobram 16; dessas 16, usamos 4 para comer e fazer a higiene, e das 12 restantes, usamos 2 para entretenimento ou para locomoção. Nos restam 10 horas, que usamos para trabalhar. Ou seja: mais da metade do tempo que estamos acordados, trabalhamos. Não é pouco; e o tempo é nosso recurso mais escasso. É a única coisa com que toda humanidade concorda. Independente da religião, ideias, nacionalidade, todos temos certeza de que ninguém vive infinitamente; todos temos um tempo muito curto e devemos aproveitá-lo. E, ainda mais, se a maioria desse tempo usamos para trabalhar, até que ponto esse trabalho não leva você à zona de conforto? Não utilizemos nosso recurso mais escasso com o que outros querem, com o que outros nos impõem, o que outros nos recomendam; tratemos de encontrá-lo por nós mesmos. Ninguém quer chegar aos 70 anos, lamentando-se por ter ficado 3 horas por dia em um carro. Ninguém quer queixar-se, aos 70 anos, de ter ficado 20 anos ao lado de uma pessoa que não ama ou cuida de você. Então, o que excita você? O que você faz com seu tempo? Talvez responder a essas perguntas não vá mudar o mundo, mas, com certeza, vai mudar o seu mundo; e esse é o primeiro passo, e, muitas vezes, o mais importante. Obrigado. (Aplausos)