Estávamos em 1993. Enfrentávamos uma possível guerra. Eu era ministro do Trabalho, na Argentina. Recordo longas horas de reunião com o Presidente, com o resto do gabinete, pensando que políticas devia articular para o país seguir em frente. Para mantê-lo em paz. O meu desafio, enquanto ministro do Trabalho, era manter o nível de desemprego o mais baixo possível. Reuni com sindicatos, reuni com empresas, foi muito duro. Foi muito difícil, mas conseguimos. Esta é uma foto da minha passagem pelo governo. Aqui está o ministro do Trabalho. (Risos) Em 1993, eu só tinha 15 anos e esta experiência devo-a a Hernán, o meu professor de Educação Cívica do terceiro ano do secundário. Hernán teve um efeito transformador em mim. Quando ele dava aulas, eu sentia que falava só para mim. Tenho a certeza de que todos sentíamos o mesmo. Recordo-me de Hernán e das suas perguntas, como nos fazia pensar, mas, sobretudo, quando ele falava, quando falava, ficava com os olhos a brilhar. O prémio por ter mantido o país estável, em paz, foi ir comer fora um dia à noite. Eu não podia acreditar. Tive de pedir autorização à minha mãe — o ministro do Trabalho teve de pedir autorização à mãe — para sair até tão tarde. Nunca me hei de esquecer daquelas "pizzas". Falámos do liceu, falámos das matérias, mas também falámos dos desafios que tínhamos pela frente. E como enfrentá-los. Foi a primeira vez que alguém me falou do trabalho, da faculdade. Uma coisa em que, até àquele momento, não tinha pensado, apareceu logo e senti muita vontade de viver aquilo. Certamente todos tivemos um professor que nos deixou uma marca. E, sendo igual a outros, foi diferente. Fechem os olhos por instantes. Lembrem-se desse professor, dessa professora. Como se chamava? O que vos dizia? Como vos fazia sentir? Abram os olhos. Por ter tido Hernán como professor, foi crescendo em mim a necessidade de assumir o controlo da realidade que via, enquanto crescia. Dei-me conta de que uma pessoa não merece as oportunidades, não merece as enormes oportunidades que tem na vida se não for capaz de lutar para que os outros também as tenham. Eu chamo a isso educação. Então, com esta convicção, com esta vontade, há seis anos, com um grupo de amigos, criámos Enseñá por Argentina. É um movimento em que jovens profissionais ensinam, durante dois anos, nas escolas com mais necessidades. São advogados, engenheiros, economistas — este ano, tive um licenciado em biotecnologia — que escolhemos pelas suas excelentes notas na universidade pelo seu desempenho académico, mas também, e sobretudo, pela sua capacidade para motivar, para liderar. Queremos somar muito talento e paixão ao ensino. Nestes anos que levo no meu percurso do ensino, dei-me conta de que há umas características comuns que tornam estas pessoas especiais. Tal como Hernán, como os professores em que vocês pensaram. Mas quais são? O que, de facto, os distingue? Obviamente, o compromisso. Mas o compromisso hoje já não basta. É o piso sobre o qual construir. Distinguem-se pelo seu sentido de possibilidade, de que todas as crianças podem aprender, é indiscutível. Distinguem-se pelo seu sentido de urgência, em que cada minuto conta. Também é indiscutível. Vero ensina numa escola, em San Fernando, no último ano. Tem uma aluna que se chama Alicia. Alicia não vê. Apesar de ter uma mestra auxiliar que a acompanha e a ajuda, não consegue acompanhar o ritmo do resto dos seus colegas. Vero faz um esforço enorme para planificar e adaptar as suas aulas. Mas apercebe-se que não sabe se Alicia aprende ou não, entre outras coisas, o processo de correção demora muito a chegar-lhe. Um dia pensa e diz: "O problema não é de Alicia, o problema é meu. "Sou eu que não sei ler "o que Alicia escreve e produz em Braille". Então, com a ajuda das grandes viagens de ida e volta para a escola, todos os dias e uma aplicação que descarregou no telemóvel, em três semanas aprendeu Braille razoavelmente bem. Vero contou-me que, durante essas três semanas, voltava todos os dias a casa e agarrava nos trabalhos de Alicia, corrigia-os e ia aprendendo. Deu-se conta de que ia poder fazer com Alicia um trabalho melhor se avançasse um pouco mais. Essas três semanas passaram depressa até que chegou um dia em que se sentiu segura e, quando terminou a aula e todos tinham de entregar os trabalhos, olhou para Alicia e disse-lhe: "Hoje sou eu que corrijo o teu trabalho". Fez-se um grande silêncio na sala. Em 12 anos, era a primeira vez que Alicia ouvia aquelas palavras. A emoção que Alicia sentiu nesse momento não se pode descrever por palavras. Vero contou aos outros miúdos que tinha pensado, como tinha aprendido e como estava segura de que Alicia e todo o resto do grupo iam avançar. Então, aconteceu uma coisa que nem Alicia nem Vero esperavam: saber Braille passou a ser uma coisa "cool" no grupo e adivinhem quem é que os ensinava, quem era a mestra, quem se tornou realmente especial? Alicia. Isso teve um grande impacto nela e no resto dos seus colegas. Esta história ensina-me que não há impossíveis no ensino. Há urgências, há que atrever-se a enfrentá-las. Mas há outras características que tornam estas pessoas verdadeiramente especiais. É a capacidade de potenciar. Potenciar é animar, enquanto professores, a dar esse passo em frente, a ser modelo das crianças com tudo o que isso implica. E, ao mesmo tempo, a capacidade de inspirar, ou seja, saber quando sair do centro e dar-lhes todas as ferramentas para elas serem as protagonistas dos seus sonhos. Martin, o Tincho, ensina numa escola noturna na Villa Soldati. Tem um aluno que se chama Brian. Brian tem 16 anos. Não está muito empenhado em estudar. Falta, chega tarde, já repetiu um ano. A certa altura, Tincho diz-lhe: "Brian, já chegámos até aqui, temos de fazer qualquer coisa juntos. "Proponho-te que nos juntemos os dois uma hora e meia antes das aulas. "Vou ensinar-te só a ti "e, em dois meses, vamos preparar um exame extra, um exame bónus. "Vamos avançar nesta matéria, juntos". Brian não percebeu bem do que é que estavam a falar mas, como confiava no professor, disse que sim. Trabalharam muito, durante esses dois meses. Muito mesmo. Chegou o dia do exame e Brian não apareceu. Na aula seguinte, Brian também não apareceu. Só à terceira vez, numa sexta-feira, Brian entra na aula sem dizer nada, aproxima-se de Tincho e diz-lhe: "Prof, estive preso. "O professor sabe que eu, às vezes, ando no gamanço". Andar no gamanço era andar a roubar. "Saí com o meu primo e o meu amigo. "Tínhamos combinado uma farmácia, "fomos apanhados, professor, encheram-nos de pancada. "Estive preso até quarta-feira, por isso não pude vir". Então Tincho diz-lhe: "O que andas a fazer é muito mau. "Porque fazes isso?" "Sustento, professor. Uns trocados para levar para casa". Tincho disse-lhe: "Estou muito dececionado. "Todo o esforço que fizemos. "Mas estou disposto a dar-te outra oportunidade, "se estiveres disposto a aproveitar outra oportunidade". Mas não estavam a falar do exame. Prepararam esse exame mais duas semanas, voltaram a trabalhar no duro, e, no dia do exame, Brian chegou mais cedo do que ninguém. Entrou na sala de aula e Tincho conta-me que reparou que qualquer coisa não estava bem porque Brian entrou pálido, a tremer, e, sem conseguir dizer nada, abraçou-o. Quase a chorar, disse-lhe três palavras: "Professor, obrigado, obrigado. "Porque eu estou aqui. "Na sexta-feira passada, foi o meu aniversário. "O meu primo e o meu amigo foram-me buscar "porque tínhamos de voltar. "No código do bairro, quando saímos para roubar e não roubamos, temos de voltar. "Como era o meu aniversário, tudo o que roubássemos era para mim. "Eu lembrei-me de si, prof. "Lembrei-me do custo-benefício, "lembrei-me do que me disse, que tinha de agarrar numa folha, "dobrá-la ao meio "e pôr de um lado tudo o que obtinha sempre que saía no gamanço "que eram 2000 pesos "e, do outro lado, tinha de pôr quanto valia a minha velha, "tinha de pôr quanto valiam 25 a 30 anos a trabalhar. "Porque, professor, eu tenho amigos que trabalham, "que têm 16, 17 anos e ganham 6000, 7000 pesos. "Lembrei-me do que me disse e perguntei quanto vale a minha vida. "Lembro-me desse exercício que fizemos e anotei esse número. "Então, virei-me para eles e disse-lhes que não, "que ia ficar com a minha velha, a festejar o meu aniversário. "Os rapazes saíram. "E mataram o meu amigo, professor. "E o meu primo está a lutar pela vida e eu estou aqui. "A única coisa que quero é fazer este exame "e que me corra bem, quero passar o ano "e quero ter a vida que me disse que eu podia ter. "Uma vida feliz, uma vida que eu mereça". Esta história diz-me que não é uma palestra, mas sim uma pessoa que pode mudar a nossa vida. Pode deixar uma marca. Admiro a capacidade de Tincho para ter potenciado e inspirado a história de Brian. Não posso esperar para ver Brian, daqui a 5, a 10 ou a 20 anos, e ver a pessoa em que se tornou. Quando estas características existem, estes casos multiplicam-se. Enseñá por Argentina pode ser um canal para muitos miúdos, como Brian, como Alicia, se encontrem com professores que lhes deixem uma marca forte na vida. Pode ser um lugar onde professores e professoras com muita experiência, com muito gosto pelas aulas, com muito conhecimento dos miúdos inspirem e, por sua vez, se sintam inspirados pelos mais jovens. Mas, sobretudo, pode ser um lugar onde criemos líderes que trabalhem em rede e que, a partir destas experiências, se comprometam por toda a vida com as injustiças que afetam os miúdos que mais necessitam. Há uns tempos, Fernando, o diretor duma escola da Bajo Boulogne, onde trabalhamos, disse-me: "Oscar, sabes o que mais me impressiona na Teli?" Teli é uma professora em Enseñá por Argentina. Eu pensei que ele ia falar como Teli planificava as aulas, porque fazia isso muito bem, como levava atividades inovadoras para a aula, como conhecia cada um dos miúdos com quem convivia todos os dias. Mas não. Disse-me uma coisa de que eu não estava à espera, ou talvez sim... Disse-me: "O que mais me impressiona na Teli "é que, quando ela dá aulas, "os olhos dela brilham". Lembrei-me logo de Hernán, o meu professor de Educação Cívica do liceu, e dei-me conta de que o ensino, esse ensino, transforma. Obrigado. (Aplausos)