Chris Anderson: Vou apresentar-vos uma das mulheres mais poderosas do mundo. Se queremos sair das dificuldades em que estamos hoje, ela vai desempenhar um papel importante para nos ajudar a fazer isso. É a diretora-geral do Fundo Monetário Internacional. É um prazer recebê-la aqui, Kristalina Georgieva Kristalina, bem-vinda. Kristalina Georgieva: É um prazer, Chris. Obrigada por me ter convidado. CA: Assumiu este cargo no ano passado e, quatro meses depois, chegou a COVID. Foi um início dos diabos no seu novo cargo. Como é que se tem dado? KG: Bem, tenho encontrado força na ação. No FMI, desde o primeiro dia desta crise, temo-nos concentrado em tudo o que temos para proporcionar linhas financeiras de segurança aos países, ou seja, a povos e a empresas. Já recebemos mais de 90 pedidos e oferecemos a 56 países pacotes financeiros importantes. CA: Descreveu esta pandemia como uma crise sem precedentes. Em que aspeto é que esta crise é diferente de qualquer outra? KG: Na verdade, é diferente de qualquer outra. Primeiro, nunca até hoje prejudicámos tanto a economia, deliberadamente, para combater um vírus e salvar vidas. Estamos a pedir às empresas que não produzam e aos consumidores que não saiam e não consumam. No FMI, chamámos-lhe o "Grande Confinamento". Em segundo lugar, nunca anteriormente houve uma mudança tão rápida no destino, praticamente para toda a gente pelo mundo inteiro. Em janeiro, estive em Davos a falar do "crescimento anémico" um crescimento de 3%. Em abril, nas sessões da primavera, já era de 3% negativos, Em janeiro, prevíamos o aumento de receitas "per capita" para 160 países. Agora, são 170 países com diminuição de receitas "per capita". Chamamos a isto a "Grande Inversão". Muito doloroso. E em terceiro lugar, a incerteza. Sempre lidámos com a incerteza, Chris, mas desta vez é a incerteza de um novo coronavírus que os políticos têm de integrar. Nós, no FMI, combinamos as projeções epidemiológicas com os nossos modelos macroeconómicos tradicionais para ver as coisas para além dessa incerteza. Devo acrescentar que tenho a esperança de que, quando passarmos para a recuperação, possamos usar um novo termo e chamar-lhe a "Grande Transformação". Tornar o mundo um sítio melhor. CA: Estou interessado em voltar a esse tema daqui a pouco. Mas, neste momento de resposta à crise, a principal ferramenta que parece ter sido utilizada, pelo menos pelos países ricos, tem sido um enorme estímulo económico, ao nível de biliões de dólares. Será uma resposta inteligente? KG: É uma necessidade. Não é todos os dias que ouvimos o FMI dizer aos países: "Por favor, gastem, "Gastem o mais que puderem." É o que estamos a dizer hoje. E ainda acrescentamos: "E guardem os recibos. "Não apresentem as contas aos cidadãos, aos contribuintes." É necessária uma injeção financeira, estas medidas fiscais de quase nove biliões de dólares são necessárias porque, quando a economia fica paralisada, se não houver ajuda, se não houver um estímulo de política monetária, as empresas vão todas à falência, as pessoas perdem todas os seus empregos, a economia entra em colapso. Se passarmos para esse lado, esse colapso torna a recuperação muito mais difícil. Portanto, é uma coisa inteligente a fazer. Além disso, os bancos centrais das economias mais importantes têm agido de modo sincronizado e esse estímulo fiscal apareceu muito rapidamente. É assim que vemos as pessoas a conseguirem ultrapassar este período muito difícil. CA: Mas até que ponto se poderá ir? Tem-se falado, de certo modo, de "imprimir dinheiro" — os governos estão a emitir cada vez mais obrigações que terão de ser reembolsadas mais tarde ou mais cedo. Em economia, há o conceito do "momento Minsky", em que as coisas podem correr muito bem durante uns tempos enquanto todos acreditarem que o comboio continua a andar o ciclo continua a rodar, que os governos têm esse dinheiro todo. Mas a certa altura, não se atingirá o ponto de rotura? Não receia que possamos estar perto de um momento Minsky, como no filme "Mary Poppins", quando Michael reclama os seus tostões e cria o pânico no banco? Não há tensão no sistema financeiro internacional que a preocupe, que lhe dê a sensação de que a sua margem de manobra está a reduzir-se? KG: Claro que isto não pode continuar indefinidamente. Para já, tenho confiança nos nossos cientistas. Penso que vamos assistir a inovações e também vamos ver pessoas nas empresas a habituarem-se ao distanciamento social, às micromedidas que impedem a doença de se espalhar. Já assistimos a injeções maciças nos sistemas de saúde, por isso os hospitais podem tratar as pessoas que procuram ajuda. Obviamente, se isto continuar por muito tempo, ficaremos preocupados. Para já, o que estamos a prever é que vai haver uma reabertura gradual — vemos que isso já está a acontecer numa série de países. Prevemos para o próximo ano, 2021, uma recuperação parcial. Infelizmente, não será uma recuperação total, mas o regresso a uma situação melhor. O que nos ajuda é uma coisa que não me agrada especialmente, mas que vejo como um facto positivo — taxas de juro muito baixas, nalguns casos, mesmo negativas — que permite que esta injeção de medidas fiscais e liquidez se mantenham durante uma série de anos. Para já, não se perfila no horizonte qualquer retorno a um aumento das taxas de juro. Portanto, manter-se-ão baixas ainda muito tempo, e neste cenário, é um aspeto positivo. CA: A crise financeira de 2008 aproximou-se perigosamente do colapso de todo o sistema financeiro — podemos dizê-lo. Segundo os cálculos de muita gente, esta crise terá um impacto muito pior na economia em geral. O mundo aprendeu alguma coisa com a crise de 2008 que nos tenha ajudado a sermos mais resilientes desta vez? KG: O que o mundo aprendeu é que o sistema financeiro tem de ser testado e depois reforçado para aguentar com os choques. E isso está a ajudar-nos imensamente hoje. O sistema bancário é resiliente e mesmo nas instituições financeiras, não bancárias, presta-se mais atenção até onde se pode ir sem se meterem em sarilhos. Eu diria que, se olharmos para o mundo, a lição mais importante era "criar resiliência aos choques". Os que fizeram isso têm agora menos dificuldades. E os que não o fizeram estão numa situação muito mais difícil. Na verdade, para o FMI, o que desejamos é que possamos sair desta crise com esta lição sobre resiliência disseminada para além do sistema bancário, para adquirirmos esta mentalidade de gestão de crises num mundo que, inevitavelmente, está mais propenso a choques por causa do clima e também por causa da forte densidade da vida económica e social no planeta. CA: No seu cargo, está a prestar especial atenção à situação nos países em desenvolvimento. Parece que eles estão a enfrentar uma situação terrível, neste momento. Muitos deles têm uma dívida significativa em dólares. Na atual crise, as divisas deles depreciam-se em relação ao dólar, o que os impossibilita de executar esse tipo de injeções, de injeções de estímulo, que os países ricos estão a fazer e parece ser a única forma de saída. Isto parece um ciclo realmente perigoso. Haverá alguma forma de quebrar este ciclo? KG: Primeiro, temos de separar os países que construíram alicerces sólidos. Nesta crise, à medida que vamos recebendo informações ainda aparecem algumas surpresas positivas, embora poucas. Provêm de países que criaram almofadas mais sólidas, alicerces mais sólidos, foram mais disciplinados durante os bons tempos. Mas, na verdade, vemos uma série de mercados emergentes, de países em desenvolvimento, que enfrentam múltiplas pressões. Foram atingidos pelo coronavírus. muitos deles têm sistemas de saúdes muito frágeis. Depois, têm um alto nível de endividamento, anterior a esta crise, o que cria um ambiente muito mais difícil para eles. Depois, muitos deles são exportadores de matérias-primas. Os preços das matérias-primas, o preço do petróleo, baixaram drasticamente. Isso atinge-os de novo. Muitos dependem de remessas do exterior. As remessas do exterior diminuíram em 20 a 30%. Depois, temos uma série de países muito dependentes do turismo. O turismo é o setor mais fortemente atingido, ou um dos piores. É muito difícil para esses países mas é por isso que foram criadas as instituições como o FMI. O FMI, o Banco Mundial, os bancos de desenvolvimento regional todos trabalhamos estreitamente em contacto, nesta crise. Felizmente, o FMI — foi uma das lições da crise de 2008-2009 — garante que, no centro da rede de segurança financeira, está um FMI com força financeira. Temos hoje quatro vezes mais dinheiro para emprestar do que tínhamos nessa altura. Passámos de 250 mil milhões para um bilião de dólares. Claro que estamos a afetar estes fundos para os países que mais precisam. Fizemos mais uma coisa. Com David Malpass, o presidente do Banco Mundial, pedimos uma moratória de dívida para os países mais pobres aos seus credores oficiais bilaterais. As pessoas costumam dizer: "Oh, não trabalhamos em conjunto. Não é lá muito bom." Mas esta é uma área em que lançámos um apelo no final de março e, em meados de abril o G20 concordou com esta moratória. Foi espantoso, tínhamos o Paris Club, a China, os países do Golfo, todos de acordo em que não devíamos sufocar os países mais pobres pedindo-lhes para pagarem as suas dívidas quando tinham as economias paralisadas. CA: Será possível que alguns países em desenvolvimento estejam a exagerar a política do confinamento? Se grande quantidade de cidadãos já estão a lutar para sobreviverem não será uma sentença de morte obrigá-los a não saírem de casa? KG: Chris, uma das conversas mais pungentes que já tenho tido é com os líderes dos países que têm de enfrentar a escolha entre as pessoas a morrerem do vírus ou a morrerem de fome. Para eles, é uma situação dramática. Quando uma grande parte da economia que temos é informal, em que as pessoas vivem todos os dias de chapa ganha, chapa gasta, não é possível de aplicar o confinamento que temos nas economias avançadas, Mas, mesmo aí os países estão a comportar-se muito bem, no distanciamento social na medida do possível. Muitos países em África apressaram-se a instituir medidas preventivas. Porquê? Aprenderam com o Ébola, aprenderam com crises anteriores, que, em matéria de higiene, a tomada de medidas pode ajudar realmente. Mais uma vez, não me canso de sublinhar a importância da solidariedade para com estes países, a importância para a minha instituição de apoiá-los atempadamente. E é isso que fazemos. CA: Whitney. Whitney Pennington Rogers: Olá. Obrigada. Esta conversa é excelente e começamos a ver algumas perguntas da comunidade. A primeira é de Bill Elkus. É na sequência duma coisa que referiu há bocado, relacionada com o estímulo, Kristalina. Quais são os riscos de inflação após um estímulo tão grande? KG: Neste momento, não estamos preocupados com a inflação nas economias avançadas e na maioria dos países emergentes de economia de mercado. Preocupa-nos a inflação nos países que têm alicerces fracos, com acesso difícil a câmbios estrangeiros, onde a única forma de fazer face à crise é a nossa ajuda ou porem os seus bancos centrais a imprimir mais dinheiro. Por vezes, é uma combinação destas duas coisas. Porque é que eu não me preocupo com a inflação nas economias avançadas? Porque os países que têm uma divisa forte estão a implementar a liquidez mas, em simultâneo, não assistem a uma grande expansão da procura e os preços não sobem demasiado. Para estes países, pelo menos num futuro observável, não prevemos uma inflação galopante como depois da II Guerra Mundial. Os consumidores não estão a consumir tão agressivamente, a procura não é tão grande. São sociedades onde há muita maturidade na forma como exercem as suas opções políticas. Mas, se for um país pobre, que, em desespero por não ter acesso aos mercados, por não ter acesso a uma divisa forte, se vê forçado a aumentar o fornecimento da moeda, aí a inflação vai ser grande. Um caso extremo é o Zimbabué e penso que possa haver outros países. É por isso que estamos tão determinados a intervir rapidamente nesses países. Também olhamos para alguns dos países fortemente endividados. Será necessário, país a país, restruturar dívidas para impedir uma evolução numa direção desesperada. WPR: Obrigada. Temos outra pergunta da nossa comunidade. É de Keith Yamashita. Pretende saber como podemos contribuir para essa mudança. "A senhora tem a seu cargo o esforço financeiro e macroeconómico. "O que é que os cidadãos podem fazer, para ajudar à renovação e à recuperação?" KG: Bom, é extremamente importante para todos nós, cidadãos — e, para além de ser diretora do FMI, também sou cidadã do mundo — transmitir esta noção de solidariedade num momento de crise. Adorei a forma como este segmento teve como música de fundo "Lean on Me". É muito importante que criemos este sentimento: "Estamos todos no mesmo barco, ultrapassaremos isto em conjunto." Por favor, sejam porta-vozes disto. Durante muitos anos fui comissária de gestão de crises. Uma das coisas que aprendi é que a maioria das pessoas são positivas, são boa gente. Podemos apoiar-nos nelas. E há uma minoria que é odiosa e temível e também muito ruidosa. Portanto, pessoas boas, sejam porta-vozes! Espalhem este sentimento de "estamos todos no mesmo barco, "ultrapassaremos isto em conjunto." WPR: Obrigada. Eu depois volto com mais perguntas. CA: Kristalina, gostava de aprofundar um tema e perguntar mais coisas sobre liderança, Quando as pessoas pensam nas nações que se saíram melhor, normalmente referem-se — quando digo melhor, é em relação à atual pandemia — referem-se habitualmente à Alemanha, à Nova Zelândia, à Coreia do Sul, a Taiwan, à Dinamarca e à Noruega. Quando pensam naqueles que se saíram pior, pensam habitualmente na Espanha, na Itália, no Reino Unido, na Bélgica, na Suécia, no Irão, no Brasil, na Rússia e nos EUA. Todos os países do segundo grupo são governados por homens. Todos os países do primeiro grupo, com exceção de um, são governados por mulheres. Será uma coincidência? KG: Bom, falando um pouco subjetivamente, enquanto mulher, creio que as mulheres são ótimas para liderar uma crise. São mais suscetíveis de mostrar empatia, preocupam-se mais com as pessoas vulneráveis e conseguem falar nisso. São decisivas. Posso dizê-lo por mim mesma. Obtemos energia a partir da ação. E não temos tendência a choramingar e a queixar-nos em demasia. Talvez seja altura de falar do valor da igualdade de sexos para o futuro. Trazer mais mulheres para este mundo de mais crises que se avizinham. CA: É obviamente difícil fazer generalizações sobre géneros mas haverá também alguma coisa quanto à aceitação da diferença de que as mulheres possam ser melhores do que os homens? Os homens são muitas vezes: "havemos de ganhar, de conquistar" numa situação como esta em que só há probabilidades. é como se houvesse tantos manípulos complexos a acionar nesta perigosa máquina pandémica que estamos a tentar dominar. Serão as mulheres melhores? KG: Vou dizer-lhe uma coisa, Chris. Precisamos de toda a gente, precisamos desta mistura de experiências, de conhecimentos e de predisposições. Homens e mulheres, em conjunto. Penso que é estupendo ter diferentes perspetivas quando tomamos decisões. Assim, as hipóteses de tomar uma boa decisão são mais altas. Precisamos uns dos outros mas também precisamos de reconhecer que há determinadas coisas — estou farta de ver isso — em que as mulheres estão mais dispostas a encontrar uma via de compromisso, estão mais dispostas a serem corrigidas se estiverem erradas e a dizerem: "OK, é uma boa questão. "Vou integrar isso na forma como penso sobre essa questão." Quando estamos numa incerteza, isso é uma vantagem enorme para a tomada de decisões. CA: Talvez então falar mais um pouco da sua liderança neste momento. Eu referi que só assumiu este cargo há pouco tempo. Antes disso, era Comissária Europeia, lidou com crises humanitárias em várias partes do mundo. E no seu país, na Bulgária, assistiu à total transformação do país, tanto política como economicamente. Que lições pode contar-nos dessa experiência passada até este momento? KG: Aprendi muitas coisas. Tive muita sorte por ter tido essas experiências múltiplas. para o cargo que tenho agora. Mas vou destacar três delas. A primeira, até que ponto é importante prepararmo-nos para uma crise. Pensar no impensável e depois agir com alguma clarividência quando somos atingidos por qualquer choque. Temos um nome para esta série chamada "Voltar a reconstruir". Gostava de o modificar, se é que posso. e chamar-lhe "Reconstruir melhor do que antes". A preparação e a prevenção fazem poupar muito tempo. A segunda coisa — não necessariamente por ordem de importância, é igualmente importante — é a ação coletiva, o trabalho em conjunto. Procurar ajuda, oferecer ajuda. Isso faz uma grande diferença numa emergência. E a terceira é uma coisa que aprendi vezes sem conta. Só conhecemos a nossa força interior quando somos atingidos. Somos tão resilientes, temos tanta capacidade para aguentar com choques, especialmente quando juntamos forças, que isso dá-me sempre esta sensação de otimismo que, por mais difícil que seja, conseguimos superá-los. Desde a época em que o meu país entrou em colapso, a economia caiu, em que me levantava às quatro da manhã, para ir buscar o leite para a minha filha, até aos dias em que via refugiados sírios em situações terríveis a ajudarem-se uns aos outros, até hoje, quando sou a diretora do FMI, que a força interior, o nosso poder de resiliência, quanto mais nos juntarmos mais se ampliam. CA: Pode falar-nos mais um pouco sobre o papel do FMI especialmente quando pensamos na recuperação desta crise? O que é que, especificamente, a sua organização pode fazer para nos ajudar a seguir em frente? KG: Há três coisas que são únicas para o FMI e são muito importantes numa época de crise. A primeira é fazer um bom diagnóstico do que está a acontecer e qual é o caminho a seguir. Nas primeiras semanas desta crise, pusemos em prática um rastreador da ação política para 193 países Que ações é que os países estão a tomar? Como podem aprender uns com os outros, para podermos ser mais eficazes, em conjunto. Neste momento, estamos a adicionar ações para uma reabertura responsável das economias, exatamente com esse objetivo. Aquilo em que somos melhores, somos os primeiros na área financeira. Intervimos neste choque incrível com um poder de fogo financeiro muito significativo. O que as pessoas não sabem é que o FMI tem instrumentos múltiplos. Duplicámos o financiamento de emergência para esta crise. E não há condições. Só pedimos uma coisa, Chris. Paguem aos médicos, aos enfermeiros, aos hospitais, protejam as pessoas mais vulneráveis e as áreas económicas. Ou seja, estas são as condições. A terceira coisa que fazemos, no FMI, é ajudar os países a terem capacidade para boas políticas. Depois da crise financeira, ajudámos muitos países a terem uma boa gestão da dívida, uma boa gestão fiscal, transparência e prestação de contas para melhorar o desempenho das finanças públicas. O FMI não é uma organização muito grande seja em que padrão for. Somos umas 3000 pessoas, altamente profissionais, extremamente empenhadas. Quando usamos a expressão "arregaçar as mangas", somos nós. Hoje são mangas digitais. CA: Isto é uma crise mundial. Muitas pessoas receiam que, ao contrário de 2008, em que parece ter havido muita cooperação global, desta vez, haja menos cooperação. Sente-se preocupada com isso, uma coisa tão importante para nos fazer ultrapassar esta crise? KG: A minha maior preocupação, no nosso mandato, na minha área de responsabilidade, é unir todos os países membros. Temos quase o mundo inteiro, há 189 países que são nossos membros. Até aqui, sinto-me impressionada por os nossos membros serem tão recetivos. Na primavera, coloquei à frente deles um pacote muito forte de medidas para expandir o papel do FMI na crise. Tudo aquilo que pedimos — pedimos o dobro do financiamento de emergência — conseguimos obtê-lo. Muito interessante. Pedimos o triplo da concessão de financiamento. Porque, tal como o vírus ataca com mais força as pessoas com um sistema mais frágil, a crise também ataca com mais força as economias mais frágeis. Assim, queríamos triplicar a concessão de financiamentos. Ao fim de um mês, já o tínhamos. Pedimos subsídios para alívio da dívida, já obtivemos. O que quero dizer é que precisamos de nos concentrar nas formas de conseguir unir o mundo. E depois agir com isso. Em vez de nos lamentarmos, de que talvez nem tudo esteja a correr como devia ser, fazermos o nosso dever para com a comunidade global. CA: Sim, certamente. O FMI está dependente do financiamento dos seus membros, dos seus membros principais. KG: Sim, claro. CA: Falou há pouco de biliões de dólares necessários para disponibilizar aos países que necessitem. Segundo li, isso provém desses instrumentos conhecidos por Direitos Especiais de Saque. Basicamente, criam uma moeda dos membros, a fundo perdido, proveniente dos EUA. para bloquear esse esforço de angariar todo esse dinheiro? KG: O bilião de dólares provém das nossas quotas e também da nossa capacidade de movimentar dinheiro, de países membros abastados das economias avançadas e de o emprestar a juros muito baixos ou inexistentes para desenvolvimento de mercados emergentes. Tínhamos esse bilião e o que foi interessante — nem toda a gente se apercebeu disso — os EUA, no seu pacote de estímulo de dois biliões de dólares incluiu o apoio ao FMI. Os Direitos Especiais de Saque são uma coisa que ainda não recebeu o consenso de todos os países membros. Foi uma coisa feita na crise de 2009, a emissão de liquidez, e dirige-se a toda a gente Há muitas vozes, incluindo a minha — falei no G20 sobre isso — que dizem que pode ser uma boa coisa a fazer agora. Não é apoiado por determinadas razões. Não é por capricho. O problema com os Direitos Especiais de Saque é que, quando os emitimos, vão para todos os membros e as economias avançadas obtêm 62% da nova distribuição e há quem diga: "Podemos pensar nalguma coisa mais dirigida "ou exclusivamente dirigida para os que mais precisam dela?" Mas, Chris, está tudo em cima da mesa. À medida que a crise se desenrola, precisamos de fazer mais, de levar os países membros a fazer mais. CA: Whitney. WPR: Temos uma pergunta da comunidade que se prende com aquilo que disse há pouco. Yavnika Khanna pergunta: "Que países se irão mostrar resilientes na Grande Transformação: "os que têm líderes populares "ou os que têm sistemas financeiros sólidos?" KG: Bom, as duas coisas são importantes. Os países com alicerces fortes vão claramente passar por esta crise com menos traumas do que os que têm alicerces fracos. E claro que a liderança é importante para a mobilização de um país para a ação. Na minha opinião, por outro lado, os vencedores serão aqueles que pensem nesta crise também como uma oportunidade. Claramente, uma transformação digital é uma enorme oportunidade. A mudança para a aprendizagem e a governação eletrónicas. os pagamentos e o comércio eletrónicos, a ligação de empresas pequenas e médias aos consumidores, através da informática, grande vencedor. Em segundo lugar, tenho muita esperança de que, por outro lado, obtenhamos uma pegada de carbono mais baixa e uma economia com um clima mais resiliente. Os que se movimentam nesta direção, reduzirão o risco para si mesmos e para o mundo. A partir desta outra crise, de que não falamos tanto nestes dias mas que não levou a parte alguma. E, claro, se não gostamos de pandemias, também não vamos gostar da crise climática. Os países que estão a pensar em como tornar a economia do futuro mais justa. Por outras palavras, temos vindo a assistir ao aumento da desigualdade antes desta crise. Os meus colegas que investigaram a pandemia dão-nos uma lição mais amarga. Depois da pandemia, depois da gripe do H1N1, depois da SARS, depois do Zika, a desigualdade aumentou. Vamos permitir que a desigualdade continue a aumentar depois desta crise? Se o fizermos, estamos a danificar o tecido das nossas sociedades e eu sinto que centenas de milhões de pessoas, nesta crise, prefeririam ter um mundo mais simples, mais justo, mais igualitário onde viver e certamente um mundo mais sustentável. KG: Serão esses os vencedores. WPR: Sem dúvida alguma. Mais uma pergunta da nossa comunidade, antes de voltar ao Chris, para as perguntas finais. Esta é de Sarah Rugheimer. A pergunta é: "O que vê como as principais mudanças com potencial positivo "neste mundo, "depois desta pandemia, dentro de dois a dez anos?" KG: Já dei uma pequena ideia. Primeiro, espero ver uma política fiscal que nos ajude a recuperar e que seja dirigida para uma recuperação verde e para uma recuperação mais igualitária. Isso é uma coisa que está nas mãos dos políticos. Pode ser feito. Em segundo lugar, tenho muita esperança em ver que integramos o que tivermos aprendido com a crise em termos do trabalho virtual. Na minha organização, o FMI, podemos reduzir a nossa pegada de carbono, substancialmente, apenas mantendo as práticas que estamos a implementar hoje e é o que faremos. Claro que espero ver, no futuro, muito mais atenção a duas coisas que vimos serem essenciais nesta crise. O acesso universal à saúde, de uma ou de outra forma sistemas de saúde fortes assim como redes de segurança social fortes, criadas como estabilizadores automáticos numa época de choque. A propósito, é mais barato se o fizermos deste modo. A fatura para todos vai ser mais pequena. Também tenho esperança de que esta noção de investir nas pessoas, reconhecendo que agora que assistimos a esta tragédia terrível, a perda de vidas, que investir nas pessoas é o melhor investimento que podemos fazer. WPR: Isso é ótimo. CA: Até já, Whitney. Kristalina, É muito animador ouvir falar da energia e de coisas dessas, a energia que mete nisto. Penso que muita gente que está a ouvir isto não estava à espera de ouvir a diretora do FMI a sublinhar: "Vamos resolver a crise do clima, "vamos abordar a desigualdade e a injustiça." Acredita mesmo que este momento, esta crise pode ajudar-nos a uma transformação importante? As pessoas sentem que o seu papel é positivo, tem de fazer isso. Vê mesmo o caminho à nossa frente que podemos superar? De que período de tempo estamos a falar, Kristalina? KG: Uma coisa que aprendi com a transição que estamos a viver a transição do planeamento central para os mercados, é que é difícil, é demorado, é doloroso e é uma estrada que tem desvios. Não estou à espera de milagres mas acredito que estamos numa encruzilhada da História em que as pessoas exigem aos líderes segurança e uma sociedade que não esteja dividida por conflitos. Isso é uma coisa que não estamos habituados a ver. Por isso, daria uma volta a essa pergunta, Chris. Depois duma guerra, vemos que o mundo se reúne e constrói um mundo melhor. Porque não fazer o mesmo depois de uma pandemia? Sim, podemos errar e não escolher a estrada certa para avançar. Mas certamente temos a obrigação de tentar escolher essa estrada. CA: Se pudesse injetar... KG: Toda a gente é importante. CA: Se pudesse injetar uma ideia na cabeça de toda a gente, ou nos líderes mundiais que a escutam, que ideia seria essa, neste momento? KG: O otimismo. Criar um mundo melhor. Possível, desejável, temos de fazer isso. CA: Isso parece uma posição de otimismo não apenas uma crença ingénua de que vai acontecer mas a determinação de o fazer. É aquilo que pretende. Usar isso como motivação para nos pôr a avançar todos juntos. KG: Chris, ainda tenho um minuto ou já acabámos? CA: Se quiser dizer uma última coisa num minuto, ok, tudo bem. KG: Quero dizer uma coisa. Recomendar à audiência que vejam o filme "A Ponte dos Espiões". Há uma parte no filme em que os dois atores principais, o advogado e o espião russo falam um com o outro. O advogado diz: "As coisas estão más. parece que podes ir parar à forca." O espião está muito calmo. O advogado diz: "Não estás preocupado?" O espião responde: "Isso adianta?" A minha mensagem é: Isto está difícil, mas não adianta preocuparmo-nos. O que ajuda é uma ação positiva. Positivos, mantenham-se positivos, é essa a minha mensagem. CA: Bom, tenho de lhe agradecer. É extremamente inspirador ver a sua energia e o seu otimismo inabalável, chamemos-lhe assim. Acho que lhe desejamos tudo o que há de melhor enquanto utilizar a sua posição para nos ajudar a sair deste problema. Muito obrigado, Kristalina, por tirar tempo para estar aqui na TED. Obrigada. WPR: Obrigada, Kristalina.