Há anos, venho trabalhando em uma ideia simples: para que a humanidade dê o próximo salto, precisamos trabalhar juntos além das fronteiras para resolver problemas globais. No mundo moderno, nenhum muro ou fronteira pode nos proteger de crises. Não temos outra escolha a não ser nos unirmos e precisamos fazer isso rápido. Em 2016, fiquei arrasada com a decisão do Reino Unido de deixar a União Europeia. Sou francesa e, pra mim, a UE é um símbolo de uma sociedade mais aberta e global. Mas, de repente, minhas crenças foram abaladas, e isso não ocorreu apenas comigo. Meu parceiro, Andrea, italiano, e Damian, um amigo alemão, também sentiram o choque de verem o mundo se fechando. Percebemos que, apesar de sermos de três países diferentes, tínhamos os mesmos desafios: fluxos migratórios tratados de forma desumana, mudanças climáticas ou alto desemprego entre os jovens. Também tínhamos as mesmas esperanças e os mesmos sonhos em nosso dia a dia. Percebemos que, para resolver problemas europeus, o modelo ultrapassado de sempre colocar interesses nacionais em primeiro lugar tinha que acabar. Então decidimos agir. Por alguns meses, trabalhamos na ideia de lançar o Volt, o primeiro movimento político pan-europeu. Depois, naturalmente, contamos aos nossos amigos do Facebook, e muitos deles responderam que estavam prontos para o desafio e queriam ajudar. As pessoas começaram a realizar pequenos encontros comunitários em parques, universidades e pubs, para discutirem seu futuro comum e compartilharem suas soluções para os maiores problemas do continente. Mobilizamos dezenas de milhares de pessoas em 28 países europeus Dois anos depois, Damian foi eleito para o parlamento europeu na campanha promovida por voluntários além das fronteiras sobre a ideia de que juntos somos mais fortes. Mostramos que, ao colaborar além das fronteiras, ao nos unirmos e agirmos todos juntos, podemos começar a mudar o modo de pensar das pessoas. Fomos os primeiros a tentar algo nessas proporções e ter sucesso. Apesar disso, depois das eleições europeias de maio de 2019, Andrea e eu olhamos um para o outro e fizemos aquela pergunta direta que nunca queremos fazer, quando trabalhamos por dois anos em algo que realmente deu certo: "Será que foi suficiente?" Não, não foi. Sabíamos que os desafios urgentes de hoje não são apenas europeus, mas globais. Também sabíamos que não poderíamos nem tentar resolvê-los nos concentrando apenas na Europa, um continente que representa menos de 10% da população mundial. A questão fundamental é que nosso modo de ver o mundo e o modo como ele funciona estão basicamente errados. No período de duas gerações, o mundo mudou mais do que nos 20 mil anos anteriores. Conseguimos pousar na Lua, podemos acordar em Xangai e ir dormir em Nova York. Temos acesso a uma grande quantidade de informações o tempo todo, em qualquer lugar. Mas ainda vemos o mundo como nossa vizinhança imediata. Mas questões como COVID-19, mudança climática, migração, justiça fiscal ou direitos humanos significam que precisamos pensar e nos unir além das fronteiras nacionais. É preciso uma abordagem global para resolvê-las. Os países precisam colaborar, compartilhar recursos, informações e soluções. Não é apenas a coisa certa a fazer, mas também a mais inteligente. Nas semanas seguintes à eleição de Damian, Andrea e eu decidimos que criaríamos um movimento global para unir pessoas além das fronteiras e resolver as questões que preocupam todos nós. Chamamos de NOW! porque não somos muito criativos e porque isso precisa acontecer agora. Sei que ir além das fronteiras nacionais não é a coisa mais fácil de fazer. Então eis a estrutura que tem guiado nosso trabalho. Chamo-a de "pensar, unir-se e avançar". Primeiro, temos que mudar nosso modo de pensar sobre o mundo. Gostemos ou não, já vivemos em um mundo globalizado. Temos que parar de pensar em estruturas nacionais e começar a pensar globalmente. Veja, por exemplo, a forma como consideramos a tributação. Empresas multinacionais como o Facebook ou a Amazon já operam além das fronteiras, mas pagam muito poucos impostos em muito poucos países porque pensamos nelas dentro de estruturas nacionais. Como resultado, não temos um sistema tributário global. Devido a isso, os países são privados de, pelo menos, US$ 500 bilhões anuais. Quinhentos bilhões de dólares. Para por em perspectiva: com metade dessa quantia, poderíamos acabar com a fome global por um ano. Mas não acabamos, por causa de nosso modo de pensar sobre o mundo. No NOW!, queremos mudar isso. Conectamos pessoas de todo o mundo, que discutem, trabalham juntas e entendem que o global é o novo normal e que têm mais em comum do que aquilo que os separa. Realizamos eventos semanais nos quais discutimos temas como direitos LGBT, pandemias, justiça fiscal ou saúde mental. Analisamos esses desafios globais para ver como eles impactam as pessoas em várias partes do mundo. E nossos membros já mostraram um pensamento global, mobilizando ativamente seus governos para resolver essas questões, como garantir uma distribuição justa de vacinas em todo o mundo. Segundo, após mudar nosso modo de pensar, precisamos nos unir além das fronteiras. Dessa forma, podemos fazer os governos agirem em questões globais. Veja o exemplo do declínio da democracia em Hong Kong. A China reprimiu sistematicamente os direitos, a democracia e a liberdade, mas os países mal responderam para proteger os habitantes de Hong Kong. Não quero dizer declarações fracas de condenação que não levarão a nenhuma mudança real, mas respostas adequadas, como sanções. É por isso que, no NOW!, há algumas semanas, lançamos uma campanha para exigir que democracias se unissem para poder enfrentar a China de modo significativo. Para chamar a atenção delas, começamos a fazer protestos semanais em frente a embaixadas chinesas. Em algumas semanas, envolvemos mais de 1 milhão de pessoas on-line. Nossa esperança é que, ao unir e mobilizar as pessoas além das fronteiras, possamos, com êxito, pressionar nações para que imponham sanções coordenadas à China. Finalmente, devemos ter a coragem de avançar para criar o mundo de amanhã. Precisamos de um sistema de governança que funcione para nós em todo o mundo. Embora existam algumas instituições supranacionais como a ONU, seus mecanismos de sanção são extremamente limitados. Os cidadãos não podem participar, e os interesses nacionais geralmente prevalecem. No nível nacional, os partidos políticos estão limitados por calendários eleitorais e fronteiras, o que significa que eles não podem agir de forma global coordenada. Formulação de políticas, governança e política precisam se expandir ainda mais. Considere o exemplo da resposta à pandemia de COVID-19. Os países têm mostrado uma abordagem com incrível falta de visão da pandemia. Não há colaboração quando se trata de equipamentos de proteção, vacinas ou medicamentos. No NOW!, lançamos uma campanha exigindo à Organização Mundial da Saúde a garantia de que profissionais de saúde do mundo todo, não importa a nacionalidade, tenham acesso prioritário a vacinas futuras contra a COVID-19. Aproveitamos uma rede de médicos nas redes sociais para aumentar a conscientização e iniciamos uma petição direcionada à OMS. Por duas semanas, nossos membros divulgaram informações de modo digital e nas ruas, e então recebemos uma resposta do diretor-geral da OMS saudando nossa campanha, reenfatizando que o poder de realizá-la está dentro dos Estados membros, mas se comprometendo a trabalhar com eles nessa direção. Vejam: era uma carta muito bonita, mas totalmente inútil. A OMS não pode agir de forma significativa nesse assunto. Mas a questão é que uma agência da ONU deve poder agir de maneira significativa, criar políticas vinculativas e implementá-las quando confrontada com uma ameaça global. No momento, o máximo que podemos esperar é que alguns líderes mundiais ouçam nosso grito e decidam fazer a coisa certa. Isso não pode continuar. No mundo globalizado, precisamos de um real sistema global de governança democrático e responsável. Também trabalhamos para isso. Mas sei que governança global não acontecerá da noite para o dia. Precisamos que as pessoas pressionem seus governos a agirem de forma global, para mostrar que a colaboração leva a resultados melhores. Precisamos convencer antes de mudarmos a maneira como o mundo funciona. Portanto, esta é a minha estrutura: pensar além das fronteiras nacionais, unir-se em todo o mundo e avançar para garantir que o mundo realmente funcione como um todo. Sei que é mais fácil falar do que fazer, mas é factível. Considere nosso caso como exemplo. O NOW! foi lançado apenas em primeiro de janeiro de 2020, mas já conta com milhares de membros em mais de 100 países. Começamos a ver que é possível nos unirmos além das fronteiras, que está ao nosso alcance. Não somos especiais, nem eu, de forma alguma. Não tenho habilidades legais, e fiquei apavorada com a ideia de dar esta palestra. Mas estou testando maneiras diferentes de efetuar mudanças em uma escala global porque sei que as mentalidades e as estruturas nacionais precisam deixar espaço para algo maior, para algo melhor. Minha esperança é que, em minha existência, eu veja o que realmente significa viver como um só mundo, que, ao nos unirmos, conseguiremos proteger a democracia, proteger o meio ambiente, salvar vidas compartilhando vacinas, criar rotas mais seguras para a migração, entre muitas outras conquistas. Não sei se tenho a solução. Ninguém sabe. Não sei se o NOW! alcançará esses objetivos com sucesso. Mas essa não é a questão. A questão é que você deve agir para efetuar mudanças em escala global. Espero que muitos de vocês comecem a trabalhar juntos além das fronteiras, que criem maneiras novas de o mundo ser verdadeiramente um só. Porque, sim, juntos somos mais fortes. Então, o que estamos esperando? Obrigada.