Eu conheci BKS Iyengar, um professor de yoga já bastante reconhecido,
talvez o professor de yoga mais reconhecido em 1981.
Era no começo do ano, talvez fevereiro de 1981
eu era um monge budista naquela época,
já há alguns anos,
era a segunda vez que viajava para a Índia em 1980
na verdade, convidado pelo Dalai Lama para meditar sob sua orientação
então entrei em retiro de 5 meses nos Himalaias, acima de Dharamsala, India
e estava meditando em retiro formal sob a orientação do Dalai Lama
e meu visto expirou!
e eu não consegui prorrogá-lo
então fui para o Sri Lanka para praticar
com um mestre extraordinário - Ananda Maitreya -
Balangoda Ananda Maitreya -
um monge Theravada extraordinário
ele se tornou meu professor
mas durante as meditações, algum tipo de desequilíbrio fisiologico
desequilíbrio do prana, um tipo de sistema de energia do corpo
ficou aparente, não criado mas revelado,
pela prática profunda de meditação que eu estava fazendo
fiz acupuntura em Colombo, Sri Lanka, não ajudou muito
e então consultei meu professor, procurei ao meu redor
para encontrar alguem realmente conheça o corpo muito bem
e que também possa me ajudar talvez terapeuticamente
a restabelecer esses desequilíbrios no meu corpo
E eu já sabia algo a respeito de Iyengar,
sabia que ele tinha um centro de yoga
no centro cultural de Pune no sul da India
e pensei: - bem, este é um problema corporal
um problema fisiológico
e o Budismo não tem muito a oferecer em termos de asanas
para realmente lidarmos com desequilíbrios fisiológicos
em termos do budismo em si
e eu pensei: - bom, vamos lá checar!
então no inverno de 1991, fevereiro talvez,
fui do Sri Lanka até Pune
e eu, monge budista, me alojei num ashram cristão,
e passei esses dias no centro de yoga hindu
definitivamente muito eclético
e tive a boa sorte de ele ser bastante reconhecido naquela época
mas não tão conhecido quanto seria 10, 20 ou 30 anos mais tarde
não era ainda assim
e ele era ainda acessível
então me mudei para Pune, arranjei uma bicicleta
e a única razão para estar lá era para aprender yoga
comecei a frequentar seu curso
um curso após o outro
me apresentei a ele
recebi instrução individual para tentar
reequilibrar esse problema no meu corpo
praticava 5 horas por dia, com aulas de 1 hora e meia
seus dois filhos, não me lembro... uma mulher (Geeta e Prashant)
ambos estavam lá nessa época, estavam nas aulas
estava impressionado pela sua extraordinária precisão, seu insight,
seu conhecimento, sua absoluta autoconfiança,ele era um mestre, era um Yehudi Menuhin da yoga
quero dizer, ele conhecia sua disciplina tão bem
na verdade parece que até houve um encontro dos dois
ele era um mestre dessa disciplina
então o ouvi com muito cuidado
pratiquei assiduamente, 5 horas por dia,
continuei praticando e ainda pratico yoga até hoje
mas entre os maiores presentes que ele me ofereceu durante esse tempo
além de toda a variedade de asanas que ele me ensinou
eu praticava até 3 horas por dia ainda por um longo tempo
entre outras coisas, ele deixou bem marcado
a importância de "shavasana"
a postura do cadáver
depois de fazer vários asanas, alguns que exigem bastante
que realmente desafiam seus limites
e lá estava ele, como todos sabem, como um professor bem estrito, bem forte,
mas ao final, você se deitava em shavasana
era bem fácil para um ocidental ou qualquer um pensar: - que bom!
acabamos o trabalho, vamos deitar e descansar!
como um tempo de descanso
mas ele ensinou shavasana com toda a precisão,
toda a seriedade com a qual ele ensinou até mesmo
os asanas mais avançados e mais difíceis
e ele não ensinou shavasana como uma postura fácil
alguém pode dier: - o quê pode ser mais fácil do que deitar
com os braços ao lado do corpo?
a postura fisica grosseira, é verdade
essa não é dificil
você se deita, numa linha reta, com os braços a 30o do tronco
palmas das mãos para cima, cabeça sobre um cobertor
então a postura fisica em si é claro que é fácil
mas shavasana não é apenas um descanso para o corpo
é também um disciplina meditativa
bem na fronteira entre a prática de asanas
e a prática da meditação
e ele ensinava, naquela posição, o que fazer com a mente
você deve trazer sua mente diretamente para o momento presente
e você coloca a mente em shavasana
você estabelece a mente no corpo
quieta, sem reagir, sem cogitar, sem esperança, sem medo
sem lembrar, sem planejar, tudo isso, talvez, mais tarde
mas agora, essa é sua prática "full time"
não há mais nada a fazer
exceto agora estar em shavasana
e ele disse, eu me lembro claramente até hoje,
ele disse: - se você quer meditar, sentar ereto em padmasana,
ou em alguma outra postura de meditação formal,
sentado com as pernas cruzadas,
está tudo muito bem
mas primeiro domine shavasana
porque se você não domina shavasana
você não está pronto para meditar de pernas cruzadas
ele foi bem estrito mas fez uma colocação muito boa:
meditação, e é uma forma de meditação,
é uma forma de cultivar a qualidade de atenção plena,
consciência, calma e imobilidade e não é cair no sono
não é hora de tirar uma soneca
é definitivamente um processo de cultivar a mente
numa postura em que você pode estabelecer o corpo
profundamente à vontade
sem desconforto, sem lutar, para sentar na posição correta
porque você está profundamente solto,
imitando um cadáver afinal de contas.
mas essa é uma boa base para a meditação
e os grandes mestres da tradição da yoga
descobriram isso há seculos na India rural
quando a população era um décimo,
um vigésimo do que é hoje
e o ritmo de vida tão mais lento
mesmo naquela época, shavasana era considerado
um asana muito muito importante
como uma transição entre os asanas para o pranayama
para o pratyahara, para as fases de dhyana
e ao final para o samadhi
então mesmo na India rural, com um ritmo bem mais lento
shavasana era considerado muito importante
e Iyengar realmente reconhecia isso
se isso era verdade na India rural há 1.000 anos atrás
2.000 anos atrás
muito mais agora
quando você vive em Mumbay, ou Delhi, ou em Calcuta
Nova Iorque, ou Berlim, ou Paris
onde o ritmo de vida é sensorialmente bombardeado
o ritmo de vida é tão rápido
a ansiedade, a compulsão,
o deficit de atenção e hiperatividade
que praticamente caracteriza a civilização como um todo
o desespero, a ansiedade que se espalha tanto pela vida moderna
em meio a esse modo de vida e à essa qualidade de mente
você diz: ok! Agora vamos sentar e meditar!
Naturalmente, muitas pessoas meditam e se contraem,
se enrijecem - ok! Agora vou tentar!
as sombrancelhas franzem
- ok! Vou tentar!
Metaforicamente ou de verdade
nos contraímos e - Ok! Vou tentar meditar!
e nós podemos simplesmente nos tornar mais neuróticos!
mais tensos, mais orientados a metas,
mais frustrados, pensando: - Ai! Que meditante horrível eu sou!
Shavasana nos acomoda
primeiramente apenas solte!
solte todas as suas esperanças, seus medos, seus objetivos,
sua compulsão, seu modo multi-tarefas,
seu deficit de atenção e hiperatividade,
solte tudo!
sossegue!
esteja apenas presente
com seu corpo profundamente relaxado
sua mente profundamente tranquila
e dessa plataforma
aí você pode avançar
e começar a meditar
mas sem essa plataforma
você trará para a prática todo esse lixo
da modernidade
e isso só estraga e atravanca sua prática de meditação
então, eu sou um dos poucos professores de meditação
que enfatiza fortemente isso
e na verdade, você encontra nos ensinamentos do Buda
que ele falou sobre meditar sentado, deitado,
em pé e caminhando como posturas legítimas para meditação
e a meditação caminhando é comum na tradição Theravada e no Zen
sentado é comum em todas as tradições
dificilmente na tradição budista alguém ensina meditação em supino
mas o próprio Buda indicou que é completamente legítimo
fortemente enfatizado com toda a precisão na tradição do yoga
e eu achei especialmente apropriado e importante
para pessoas no mundo moderno
em Pequim ou Rio de Janeiro
muito importante nesta fase da história
mas também não apenas importante enquanto estamos plenos de vida
ou relativamente saudáveis
mas se considerarmos que muitos de nós
ficarão doentes, algumas vezes por algum tempo,
e, se tivermos sorte, ficaremos velhos
após nascermos, enfrentaremos o envelhecimento,
enfrentaremos a doença e enfrentaremos a morte
nós deveríamos para a nossa prática de meditação
assim que ficarmos doentes,
assim que ficarmos bem idosos,
ou ao enfrentarmos a morte?
Isso reduziria imensa e tragicamente
o verdadeiro sentido da meditação em si
ao envelhecermos, pode ser que não tenhamos mais a habilidade
de sentarmos numa postura apropriada para meditar por longos periodos
e então paramos de meditar?
isso seria ridículo!
então já agora, na plenitude da vida,
aprender a meditar corretamente na posição de supino
já estaremos nos preparando
de forma a podermos meditar bem eficazmente
mesmo em ocasiões em que estivermos doentes,
ou acamados,
ou velhos ou até mesmo ao enfrentarmos a morte
- ok! Vou morrer deitado mas vou morrer em meditação!
então eu posso morrer bem
como, eu espero, tenha vivido bem!