Chris Anderson: Olá. Bem-vindos a estes Diálogos TED. Este é o primeiro de uma série que vai ser feita em resposta à actual agitação política. Não sei quanto a vocês; mas eu fiquei preocupado com a crescente divisão política no nosso país. e no mundo. Ninguém se ouve uns aos outros. Certo? Não se ouvem. Parece que precisamos de uma conversa diferente, uma que seja baseada na razão, em ouvir, em compreender, num contexto mais amplo. Pelo menos, é o que vamos tentar fazer com estes Diálogos TED, que começam hoje. Não poderíamos ter mais ninguém connosco com quem eu estivesse mais animado para começar. Esta é uma mente que pensa como ninguém no planeta, diria eu. Estou a falar a sério. Ele sintetiza a História com ideias subjacentes de uma maneira que nos tira o fôlego. Talvez alguns de vocês conheçam este livro, "Sapiens". Alguém aqui leu "Sapiens"? (Aplausos) Eu não consegui parar de o ler. A maneira como ele conta a história da humanidade através de grandes ideias que nos fazem pensar de outro modo é algo de extraordinário. E este é o seu seguimento, que vai ser publicado nos EUA na próxima semana. Yuval Noah Harari: Sim, na próxima semana. CA: "Homo Deus". Esta é a história dos próximos cem anos. Tive a oportunidade de lê-la. É extremamente dramática, e atrevo-me a dizer, para algumas pessoas, é muito alarmante. É uma leitura obrigatória. Honestamente, não podíamos ter ninguém melhor para nos ajudar a perceber o que está a acontecer hoje no mundo. Por favor, dêem as boas vindas a Yuval Noah Harari. (Aplausos) É óptimo termos aqui os nossos amigos do Facebook e de todo o mundo. Olá, Facebook. Todos vocês, enquanto começo a fazer perguntas ao Yuval, podem apresentar as vossas perguntas, não necessariamente sobre o escândalo político do dia, mas sobre a compreensão mais ampla de: Para onde estamos a caminhar? Estão preparados? Ok, vamos lá. Cá estamos, Yuval: Cidade de Nova Iorque, 2017, um novo presidente no poder, e ondas de choque em todo o mundo. O que está a acontecer no planeta? YNH: Basicamente, acho que o que aconteceu foi que perdemos a nossa história. Os seres humanos pensam em histórias, e tentamos perceber o mundo contando histórias. Nas últimas décadas, tivemos uma história muito simples e muito atractiva sobre o que está a acontecer no mundo. Essa história dizia que, o que está a acontecer é que a economia está a ser globalizada, a política está a ser liberalizada, e a combinação das duas criará o paraíso na Terra. Temos de continuar a globalizar a economia e a liberalizar o sistema político, e tudo será fantástico. Este ano de 2016 é o momento em que um grande segmento, mesmo do mundo Ocidental, deixou de acreditar nesta história. Por boas ou más razões, — não interessa — as pessoas deixaram de acreditar na história, e, quando não temos uma história, não compreendemos o que está a acontecer. CA: Você acredita que essa história foi realmente muito eficaz. Resultou. YNH: De certo modo, sim. De acordo com algumas medidas, estamos agora no melhor tempo de sempre para a humanidade. Hoje, pela primeira vez na História, há mais pessoas a morrer por comerem demais do que por comerem pouco, o que é um feito fantástico. (Risos) Também pela primeira vez na História, há mais pessoas que morrem de velhice do que com doenças infecciosas, e a violência também diminuiu. Pela primeira vez na História, mais pessoas cometem suicídio do que são mortas por homicídio, por terrorismo pela guerra, tudo junto. Estatisticamente, somos o nosso pior inimigo. Pelo menos, entre todas as pessoas no mundo, é mais provável sermos mortos por nós mesmos... (Risos) ... o que são boas notícias... (Risos) ... em comparação com o nível de violência que vimos em tempos anteriores. CA: Mas este processo de interligar o mundo levou um grande grupo de pessoas a sentirem-se postas de parte, e elas reagiram. Também temos esta bomba que está a rasgar todo o sistema. O que acha do que aconteceu? Parece que a antiga forma de pensar na política, na divisão esquerda-direita, explodiu e foi substituída. O que devemos pensar disto? YNH: Sim, o velho modelo político do século XX de esquerda "versus" direita é agora muito irrelevante. A real divisão hoje é entre global e nacional, global ou local. Vemos isto em todo o mundo e esta é agora a maior luta. Provavelmente, precisamos de modelos políticos completamente novos e maneiras de pensar na política completamente novas. Basicamente, o que se pode dizer é que agora temos uma ecologia global, temos uma economia global, mas temos uma política nacional, e isso não funciona em conjunto. Isto faz com que o sistema político seja ineficaz, porque não há controlo sobre as forças que modelam a nossa vida. Temos, basicamente, duas soluções para este desequilíbrio: ou deixar de globalizar a economia e torná-la, de novo, numa economia nacional, ou globalizar o sistema político. CA: Penso que há muitos liberais por aí que vêem Trump e o seu governo como irremediavelmente mau, péssimo em todos os aspectos. Vê alguma narrativa subjectiva ou alguma filosofia política nela que valha a pena compreender? Como articularia essa filosofia? É apenas a filosofia do nacionalismo? YNH: Acho que o sentimento ou a ideia subjacente é que há qualquer coisa que está avariada. Já não delega nas pessoas normais. Já não se preocupa tanto com as pessoas normais, e acho que este diagnóstico da doença política está correcto. Em relação às respostas, estou menos certo. Acho que o que estamos a ver é uma reacção humana imediata: se algo não está bem, vamos voltar atrás. Vemos isto em todo o mundo. Quase ninguém, no sistema político atual, tem uma visão futura de onde a humanidade vai parar. Em quase todos os sítios, vemos uma visão retrógrada: "Vamos fazer a América grande outra vez", como se tivesse sido grande — não sei — nos anos 50 ou 80, algures, vamos voltar para aí. Vamos à Rússia cem anos depois de Lenine, e a visão de Putin para o futuro é basicamente, "vamos voltar ao império czarista". Em Israel, de onde venho, a melhor visão política do presente é: "Vamos construir o templo outra vez". Vamos recuar dois mil anos. Algumas pessoas estão a pensar que nos perdemos algures no passado, e algures no passado, é como se nos tivéssemos perdido na cidade, e dizem: "Ok, vamos regressar ao ponto em que me sentia seguro "e começar de novo". Acho que isto não funciona, mas para muitas pessoas, este é o seu instinto. CA: Mas porque é que não pode funcionar? "A América primeiro" é um lema muito apelativo em muitos aspectos. O patriotismo é, em muitos aspectos, algo muito nobre. Promove a cooperação entre um vasto número de pessoas. Porque não podemos ter um mundo organizado em países, em que cada um se põe a si próprio em primeiro lugar? YNH: Durante muitos séculos, milhares de anos mesmo, o patriotismo funcionou muito bem. Claro que levou a guerras e outras coisas mas não nos devemos focar no mau. Também há muitas coisas positivas no patriotismo: a capacidade de haver um grande número de pessoas que se preocupam umas com as outras, que simpatizam umas com as outras, que se juntam para acções colectivas. Se voltarmos às primeiras nações, milhares de anos atrás, as pessoas que viviam ao longo do Rio Amarelo na China eram muitas tribos diferentes e todas dependiam do rio para sobreviverem e prosperarem, mas todas sofriam de cheias periódicas e secas periódicas. Nenhuma tribo podia fazer nada sobre isso, porque cada uma controlava apenas uma pequena parte do rio. Depois, num longo e complicado processo, as tribos juntaram-se para formar a nação chinesa, que controlava todo o Rio Amarelo e puderam juntar centenas de milhares de pessoas para construir barragens e canais para controlar o rio, impedir as piores cheias e secas e elevar o nível de prosperidade para todos. Isso resultou em muitos sítios no mundo. Mas no século XXI, a tecnologia está a mudar tudo de maneira fundamental. Estamos agora a viver — todas as pessoas do mundo — estamos a viver ao longo de um mesmo rio virtual, e nenhuma nação por si só, consegue controlar esse rio. Estamos todos a viver juntos no mesmo planeta, que é ameaçado pelas nossas próprias acções. Se não tivermos qualquer espécie de cooperação global, o nacionalismo não está no nível certo para atacar os problemas, quer seja a alteração climática ou a disrupção tecnológica. CA: Então, era uma boa ideia num mundo onde a maior parte das acções, a maior parte dos problemas, tinham lugar à escala nacional, mas o seu raciocínio é que os problemas mais importantes hoje já não têm lugar à escala nacional, mas à escala global. YNH: Exactamente. Todos os maiores problemas de hoje do mundo são essencialmente globais, e não podem ser resolvidos a não ser através da cooperação global. Não é só a alteração climática, que, claro, é o exemplo mais óbvio que as pessoas dão. Penso mais em termos de disrupção tecnológica. Se pensarmos, por exemplo, na inteligência artificial, nos próximos 20, 30 anos empurrando centenas de milhões de pessoas para fora do mercado de trabalho, isto é um problema a nível global. Vai provocar a rotura da economia de todos os países. Do mesmo modo, se pensarmos, digamos, na bioengenharia e nas pessoas com medo de realizar a investigação da engenharia genética em seres humanos, não ajuda nada, se um país — vamos dizer os EUA — proibir todas as experiências genéticas em seres humanos, mas a China ou a Coreia do Norte continuarem a fazê-las. Os EUA não podem resolver o problema sozinhos. Muito rapidamente, a pressão sobre os EUA para fazer o mesmo vai ser imensa porque estamos a falar de tecnologias de alto risco e alto custo. Se mais alguém o está a fazer, eu não me posso permitir ficar para trás. A única maneira de haver regras, regras eficazes, em coisas como a engenharia genética, é haver regras globais. Se só houver regras nacionais, ninguém vai querer ficar para trás. CA: Isso é muito interessante. Parece-me que isso é um ponto fundamental para que, pelo menos, haja uma conversão construtiva entre os diferentes lados. Acho que todos concordam que o ponto de partida para muita revolta que nos trouxe aonde estamos agora são as preocupações com o desemprego. O trabalho acabou, um modo de vida tradicional acabou, e não há dúvida que as pessoas estão furiosas por causa disso. No geral, têm culpado o globalismo, a elite global, por ter feito isso sem lhes pedir autorização, é uma reclamação legítima. Mas pelo que está a dizer, acho que uma questão-chave é: Qual é a razão para o desemprego, agora e daqui para a frente? Se isso se deve ao globalismo, então a resposta certa é fechar as fronteiras, manter as pessoas fora e alterar os acordos comerciais. Mas acho que está a dizer que a maior causa do desemprego não será essa. Vai ser causado por questões tecnológicas, e não há hipótese de resolver isso, a não ser que operemos como um mundo interligado. YNH: Sim, penso que... não sei quanto ao presente mas, olhando para o futuro, não são os mexicanos ou os chineses que vão roubar o trabalho às pessoas da Pensilvânia, são os robôs e os algoritmos. A menos que seja construído um muro na fronteira da Califórnia... (Risos) o muro na fronteira com o México não vai ser muito eficaz. Fiquei impressionado quando vi os debates antes das eleições, fiquei impressionado porque Trump nem sequer tentou assustar as pessoas dizendo que os robôs vão tirar-lhes o emprego. Mesmo que não seja verdade, não interessa. Teria sido um meio muito eficaz de assustar as pessoas... (Risos) de chocar as pessoas: "Os robôs vão tirar-vos os empregos!" Ninguém usou esta frase. Isso assustou-me, porque quer dizer que, aconteça o que acontecer nas universidades e laboratórios — e já há um grande debate sobre isto — mas no sistema político convencional e entre o público em geral, as pessoas não estão cientes que pode haver uma imensa rotura tecnológica — não dentro de 200 anos, mas dentro de 10, 20, 30 anos — e temos de fazer alguma coisa sobre isso agora, porque a maior parte do que se ensina às crianças hoje na escola ou na faculdade vai ser completamente irrelevante para o mercado de trabalho de 2040, 2050. Então, não é algo em que tenhamos de pensar em 2040. Temos de pensar hoje no que ensinar aos mais novos. CA: Sim, absolutamente. Já escreveu muitas vezes sobre a força motriz na história em que a humanidade entrou numa nova era, sem intenção. Tomaram-se decisões, desenvolveram-se tecnologias. e, de repente, o mundo mudou, possivelmente, foi pior para todos. Um dos exemplos que dá em "Sapiens" é a revolução na agricultura, que, para uma pessoa que lavra os campos, impôs um trabalho desgastante de 12 horas em vez de 6 horas na selva e um estilo de vida muito mais interessante. Estaremos noutra possível fase de mudança em que vamos, meio sonâmbulos, para um futuro que não queremos? YNH: Sim, é mesmo isso. Durante a revolução da agricultura, o que aconteceu foi que a imensa revolução tecnológica e económica capacitou os humanos, colectivamente, mas quando olhamos para as vidas individualmente, a vida de uma pequena elite tornou-se muito melhor, e a vida da maioria das pessoas tornou-se muito pior. Isto pode acontecer outra vez, no século XXI. Sem dúvida que as novas tecnologias capacitam os humanos, colectivamente. Mas podemos acabar com uma pequena elite a ficar com todos os benefícios, colhendo todos os frutos, e as massas populacionais encontrarem-se pior do que estavam antes, certamente muito pior que esta pequena elite. CA: E essas pequenas elites até podem não ser humanas. Podem ser "ciborgues" ou... YNH: Sim, podem ser super-homens melhorados. Podem ser "ciborgues". Podem ser elites completamente não orgânicas. Podem até ser algoritmos sem consciência. O que vemos agora no mundo é a autoridade a afastar-se dos seres humanos para os algoritmos. Há cada vez mais decisões — sobre as vidas pessoais, sobre assuntos económicos, sobre assuntos políticos — que estão a ser substituídas por algoritmos. Se pedirmos um empréstimo ao banco, o nosso destino poderá ser decidido por um algoritmo, não por um ser humano. O sentimento geral é que talvez se tenha perdido o Homo sapiens. O mundo é tão complicado, há tanta informação, as coisas mudam tão depressa, que esta coisa que evoluiu na savana africana há dezenas de milhares de anos, para lidar com um ambiente particular, com um volume particular e informação e dados, não consegue lidar com as realidades do século XXI. A única coisa que é capaz de lidar com isso são os algoritmos. Então, a autoridade está a afastar-se cada vez mais de nós para os algoritmos. CA: Estamos em Nova Iorque para a primeira série de diálogos TED com o Yuval Harari, e há uma audiência em directo do Facebook. Estamos contentes por vos ter connosco. Vamos responder a algumas das vossas perguntas e perguntas de pessoas na sala, dentro de minutos. Portanto, continuem a enviá-las. Yuval, se vai argumentar que precisamos de ultrapassar o nacionalismo devido ao perigo tecnológico, representado por muito do que está a acontecer temos de ter uma conversa global sobre isto. O problema é que é difícil fazer com que as pessoas acreditem que a inteligência artificial é uma ameaça iminente. Uma das coisas que as pessoas — algumas pelo menos — mais se preocupam, de imediato, é talvez a alteração climática, talvez outros assuntos como os refugiados ou as armas nucleares. Diria que onde estamos agora, esses problemas deviam ser falados? Falou da alteração climática, mas Trump disse que não acredita nisso. Então, de certo modo, neste caso, não pode usar o seu argumento mais poderoso. YNH: Sim, penso que com a alteração climática, à primeira vista, é surpreendente o facto de haver uma correlação muito próxima entre o nacionalismo e a alteração climática. Quase sempre, as pessoas que rejeitam a alteração climática são nacionalistas. À primeira vista, pensamos: Porquê? Qual é a ligação? Porque é que não há socialistas a rejeitar a alteração climática? Mas depois, quando pensamos nisso, é óbvio, porque o nacionalismo não tem solução para a alteração climática. Se quisermos ser nacionalistas no século XXI, temos de negar esse problema. Se aceitarmos a realidade do problema, então temos de aceitar que ainda há espaço no mundo para o patriotismo, ainda há espaço no mundo para lealdades especiais e obrigações para com as pessoas, para o próprio país. Não acho que alguém esteja a pensar em abolir isso. Mas para confrontar a alteração climática, precisamos de lealdades e compromissos adicionais a um nível para além da nação. Isso não devia ser impossível, porque as pessoas podem ter vários níveis de lealdade. Podemos ser leais à nossa família, à nossa comunidade e à nossa nação. Então porque não podemos ser leais à humanidade como um todo? Claro que há ocasiões em que se torna difícil o que pôr em primeiro lugar, mas a vida é difícil. Lidem com isso. (Risos) CA: Gostaria de ouvir algumas perguntas da audiência. Temos aqui um microfone. Falem para ele, e continuem a enviar através do Facebook. Howard Morgan: Uma das coisas que fez claramente, uma grande diferença, neste e noutros países é a desigualdade na distribuição dos salários, a mudança drástica na distribuição dos salários em relação ao que era há 50 anos, nos EUA e em todo o mundo. Há alguma coisa que possamos fazer? Porque isso tem muito a ver com as causas subjacentes. YNH: Até agora, ainda não ouvi uma boa ideia sobre o que fazer em relação a isso, em parte porque a maior parte das ideias são a nível nacional, e o problema é global. Quero dizer, uma ideia que ouvimos muito agora é o salário básico universal. Mas isso é um problema. Acho que é um bom começo, mas é uma ideia problemática, porque não é claro o que é "universal" e não é claro o que é "básico". A maior parte das pessoas, quando falam em salário básico universal, o que querem dizer é salário básico nacional. Mas o problema é global. Digamos que há a inteligência artificial e as impressoras 3D a tirar milhões de empregos no Bangladeche, às pessoas que fazem as minhas blusas e os meus sapatos. O que vai acontecer? O governo dos EUA irá cobrar impostos na Google e na Apple na Califórnia, e usar isso para pagar o salário básico aos desempregados do Bangladeche? Se acreditarem nisso, podem muito bem acreditar que o Pai Natal aparece e resolve o problema. A não ser que tenhamos um salário básico universal e não nacional, os problemas mais profundos não vão acabar. E ainda não é claro o que é "básico", porque quais são as necessidades básicas dos seres humanos? Há mil anos, eram apenas comida e abrigo. Mas hoje, as pessoas dizem que a educação é uma necessidade básica, deve fazer parte do pacote. Mas quanto? Seis anos? Doze anos? Doutoramento? O mesmo se passa com a saúde, Digamos que, dentro de 20, 30, 40 anos, poderá haver tratamentos caros que prolongam a vida humana até aos 120 anos, não sei. Isso fará parte do salário básico ou não? É um problema muito difícil, porque num mundo onde as pessoas perdem a possibilidade de arranjar emprego, a única coisa que vão ter é um salário básico. Então, saber o que fará parte dele é uma questão ética muito complicada. CA: Há também muitas perguntas sobre como o mundo paga isso, quem paga. Há uma pergunta no Facebook da Lisa Larson: "Como é que o nacionalismo nos EUA agora "se compara com o que houve entre a I e a II Guerras Mundiais "nos últimos cem anos?" YNH: Bem, felizmente, considerando os perigos do nacionalismo, estamos numa posição muito melhor do que há cem anos. Há cem anos, em 1917, os europeus estavam a matar-se uns aos outros aos milhões. Em 2016, com o "Brexit", que me lembre, só uma pessoa perdeu a vida, um membro do parlamento foi morto por um extremista. Só uma pessoa. Se o "Brexit" fosse sobre a independência britânica, esta é a guerra da independência mais pacífica da história humana. Digamos que a Escócia escolhe sair do Reino Unido depois do "Brexit". No século XVIII, se a Escócia quisesse sair do controlo de Londres, — e os escoceses quiseram várias vezes — a reacção do governo em Londres seria enviar um exército para norte para deitar abaixo Edimburgo e massacrar as tribos das montanhas. O meu palpite é que, se em 2018, os escoceses votarem pela independência, o governo de Londres não vai enviar um exército para norte para deitar abaixo Edimburgo. Muito poucas pessoas estão agora dispostas a matar ou morrer pela independência escocesa ou britânica. Todas as conversas sobre a ascensão do nacionalismo e voltar aos anos 30, para o século XIX, no Ocidente, pelo menos, o poder dos sentimentos nacionais hoje é muito mais pequeno do que era há um século. CA: Apesar de algumas pessoas agora, há uma preocupação pública sobre se isso deverá estar a mudar, que pode haver surtos de violência nos EUA dependendo de como as coisas correm. Devemos estar preocupados com isso, ou achamos mesmo que as coisas mudaram? YNH: Devemos estar preocupados. Devemos estar cientes de duas coisas. Primeiro, não fiquem histéricos. Ainda não estamos a voltar à I Guerra Mundial. Mas, por outro lado, não sejam complacentes. Chegámos de 1917 a 2017, não por milagre divino, mas simplesmente por decisões humanas, e se começarmos agora a tomar as decisões erradas, podemos voltar a uma situação análoga à de 1917 daqui a uns anos. Uma das coisas que sei como historiador é que nunca devemos subestimar a estupidez humana. (Risos) É uma das forças mais poderosas da história, a estupidez e a violência humanas. Os seres humanos fazem loucuras sem nenhuma razão óbvia, mas, ao mesmo tempo, outra força poderosa da história humana é a sabedoria humana. Temos as duas coisas. CA: Temos aqui connosco o psicólogo moral Jonathan Haidt, que, penso, tem uma pergunta. Jonathan Haidt: Obrigado, Yuval. Parece que é um fã da governação global, mas quando olhamos para o mapa do mundo da Transparência Internacional, que avalia o nível de corrupção de instituições políticas, é um vasto mar de vermelho com pequenos bocados de amarelo aqui e ali para aqueles com boas instituições. Se tivéssemos algum tipo de governação global, o que o faz pensar que acabaria por ser mais como a Dinamarca do que como a Rússia ou as Honduras. E não há alternativas, como fizemos com os CFC? Há maneiras de resolver problemas globais com governos nacionais. Como seria o governo mundial, e porque acha que funcionaria? YNH: Bem, não sei como seria. Ainda ninguém tem um modelo para isso. A principal razão de precisarmos disso é porque muitos destes problemas são situações em que os dois lados perdem. Quando temos uma situação em que os dois ganham, como no comércio, ambos os lados podem beneficiar com um acordo de troca, então isso é algo que pode ser trabalhado. Sem um tipo qualquer de governo global, cada governo nacional tem interesse em fazê-lo. Mas quando há uma situação em que ambos perdem, como é a alteração climática, é muito mais difícil sem uma autoridade abrangente, uma autoridade real. Agora, como chegar lá e como seria, não sei. Certamente, não há uma razão óbvia para pensar que seria como a Dinamarca, ou que seria uma democracia. Muito provavelmente, não seria. Não temos modelos democráticos que resultem para um governo global. Talvez parecesse mais como uma China antiga do que com uma Dinamarca moderna. Mesmo assim, dados os perigos que enfrentamos, acho que haver alguma capacidade a sério para atravessar decisões difíceis a nível global é mais importante do que qualquer outra coisa. CA: Temos aqui uma pergunta no Facebook, e depois damos o microfone ao Andrew. Kat Hebron no Facebook está a ligar de Vail: "Como é que as nações desenvolvidas "vão gerir os milhões de migrantes climáticos?" YNH: Não sei. CA: Esta é a sua resposta, Kat. YNH: E acho que eles também não sabem. Talvez neguem simplesmente o problema. CA: Mas a imigração é outro exemplo de um problema muito difícil de resolver numa base nação-a-nação. Uma nação pode fechar as portas, mas talvez isso acumule problemas para o futuro. YNH: Sim, é outro caso muito bom, especialmente porque é muito mais fácil migrar hoje em dia do que era na Idade Média ou na Antiguidade. CA: Yuval, há uma crença entre muitos tecnólogos que os problemas políticos são exagerados, que os líderes políticos não têm assim muita influência no mundo, que a única solução da humanidade neste ponto é através da ciência, através da invenção, das empresas através de muitas coisas mas não de líderes políticos, e é muito difícil que os líderes façam alguma coisa. Portanto, estamos aqui preocupados para nada. YNH: Bem, primeiro, deve ser realçado que é verdade que a capacidade dos líderes políticos para fazer o bem é limitado, mas a sua capacidade para fazer o mal é ilimitada. Há aqui um desequilíbrio. Podemos carregar num botão e estourar com toda a gente. Temos essa capacidade. Mas se quisermos, por exemplo, reduzir a desigualdade, isso é muito, muito difícil. Mas para começar uma guerra, podemos fazê-lo muito facilmente. Há um desequilíbrio inculcado no sistema político hoje em dia que é muito frustrante, em que não podemos fazer muito o bem, mas podemos fazer muito o mal. Isto faz com que o sistema político seja uma grande preocupação. CA: Então, enquanto vê o que está a acontecer hoje e põe o chapéu de historiador, costuma recuar na história para momentos em que as coisas corriam bem e um líder individual fez recuar o mundo ou o país? YNH: Há alguns exemplos, mas devo sublinhar que nunca é um líder individual. alguém o pôs lá, e alguém permitiu que ele continuasse lá. Então, a culpa nunca é de um indivíduo apenas. Há muitas pessoas por detrás de cada um desses indivíduos. CA: Podemos trazer o microfone para aqui, para o Andrew? Andrew Solomon: Falou muito de global "versus" nacional, mas cada vez mais me parece que a situação do mundo está nas mãos de grupos de identidade. Vemos pessoas nos EUA que foram recrutadas pelo Estado Islâmico. Vemos outros grupos que se formaram que saem das fronteiras nacionais mas que representam autoridades significativas. Como é que podem ser integrados no sistema, e como é que identidades tão diversas podem ser coerentes sob uma liderança nacional ou global? YNH: Bem, o problema dessas identidades diversas é, também, um problema do nacionalismo. O nacionalismo acredita numa identidade única e monolítica. Pelo menos, as versões mais extremas do nacionalismo acreditam numa lealdade exclusiva a uma única identidade. Desde modo, o nacionalismo tem tido muitos problemas com pessoas que querem dividir as suas identidades entre vários grupos. Então, não é só um problema de visão global. Penso que a História mostra que não devemos pensar em termos tão exclusivos. Se pensarmos que só há uma identidade para uma pessoa, "eu sou X e pronto, não posso ser várias coisas, sou apenas isto" é o início do problema. Temos várias religiões, temos nações que, por vezes, exigem uma lealdade exclusiva, mas não é a única opção. Há muitas religiões e muitas nações que nos permitem ter várias identidades ao mesmo tempo. CA: É uma explicação para o que aconteceu no ano passado, em que um grupo de pessoas se chateou com as elites liberais, por quererem melhores condições, obcecadas com muitas identidades diferentes e sentindo: "E a minha identidade? Estou a ser totalmente ignorado. "E, já agora, eu pensava que eu era a maioria." Isso levou realmente a muita revolta. YNH: Sim. A identidade é sempre problemática, porque é sempre baseada em histórias fictícias que, mais cedo ou mais tarde, colidem com a realidade. Quase todas as identidades, para além do nível da comunidade mais básica de algumas dezenas de pessoas, baseiam-se numa história fictícia. Não são a verdade. Não são a realidade. É só uma história que as pessoas inventam para contarem aos outros e começarem a acreditar. Assim sendo, todas as identidades são extremamente instáveis. Não são uma realidade biológica. Por exemplo, às vezes, os nacionalistas acham que a nação é uma entidade biológica. É feita da combinação de solo e sangue, que cria a nação. Mas isto é só uma história fictícia. CA: O solo e o sangue fazem uma espécie de lama pegajosa. (Risos) YNH: Pois faz, e também mexe com a nossa mente quando pensamos demasiado que somos uma combinação de solo e sangue. Se virmos de uma perspectiva biológica, obviamente, nenhuma das nações que existem hoje, existiam há 5000 anos. O "Homo sapiens" é um animal social, disso não há dúvidas. Mas durante milhões de anos, o "Homo sapiens" e os nossos antepassados hominídeos viveram em comunidades pequenas de algumas dezenas de indivíduos. Todos se conheciam uns aos outros. Enquanto que as nações modernas são comunidades imaginadas, no sentido de que não conhecemos todas as pessoas. Eu venho de uma nação relativamente pequena, Israel, e, dos oito milhões de israelitas, não conheço a maior parte. Nunca vou conhecer a maior parte deles. Basicamente, eles existem aqui. CA: Mas em termos desta identidade, este grupo que se sente excluído e provavelmente ficou sem trabalho, — em "Homo Deus", fala deste grupo num sentido alargado de tantas pessoas que podem perder os seus empregos para a tecnologia, de modo que podemos acabar com uma grande classe — acho que lhe chama "classe inútil" — uma classe que, normalmente, aos olhos da economia, não tem utilidade. YNH: Sim. CA: Quão provável é essa possibilidade? É algo que nos deve amedrontar? Há alguma maneira de podermos resolver isso? YNH: Devemos pensar nisso com muito cuidado. Ninguém sabe como vai ser o mercado de trabalho em 2040, 2050. Há uma hipótese de aparecerem muitos novos empregos, mas não é certo. E mesmo que apareçam novos empregos, não será necessariamente fácil para um condutor de camiões com 50 anos, desempregado, que ficou desempregado por causa dos veículos que se conduzem sozinhos, não será fácil para um condutor de camiões desempregado reinventar-se como um "designer" de mundos virtuais. Anteriormente, se virmos a trajectória na revolução industrial, quando as máquinas substituíram os seres humanos num tipo de trabalho, a solução veio de trabalho com poucas habilitações em novas linhas de negócio. Quando já não precisávamos de trabalhadores rurais, as pessoas mudaram para trabalhos industriais não especializados. Quando esses trabalhos foram sendo substituídos pelas máquinas, as pessoas mudaram para trabalhos de serviços não especializados. Quando as pessoas dizem que, no futuro, vai haver novos trabalhos que as pessoas podem fazer melhor que a inteligência artificial, que as pessoas podem fazer melhor que os robôs, pensam em trabalhos muito especializados, como engenheiros de "software" que constroem mundos virtuais. Mas eu não vejo como um trabalhador de caixa do Wal-Mart se reinventa aos 50 anos como "designer" de mundos virtuais, e certamente não vejo como os milhões de desempregados do Bangladeche no sector têxtil vão poder fazer isso. Para o poderem fazer, é preciso começar a ensinar aos bengaleses hoje a serem "designers" de "software", e não o estamos a fazer. Então, o que vão eles fazer daqui a 20 anos? CA: Então, parece que está a destacar uma questão que me tem incomodado cada vez mais nos últimos meses. É uma questão difícil de perguntar publicamente, mas se alguém tem sabedoria para nos esclarecer, talvez seja você, por isso, vou perguntar-lhe: Para que servem os seres humanos? YNH: Até onde sabemos, para nada. (Risos) Não há um grande drama cósmico, nenhum grande plano cósmico, no qual tenhamos de ter um papel. Só temos de descobrir qual é o nosso papel e depois fazê-lo o melhor que conseguimos. Esta tem sido a história de todas as religiões e ideologias, mas como cientista, o melhor que posso dizer é que isso não é verdade. Não há um drama universal com um papel para o "Homo sapiens". CA: Vou interrompê-lo só por um minuto. No seu livro, o "Homo Deus", dá uma das definições mais coerentes e compreensíveis da sensibilidade, da consciência, dessas capacidades humanas únicas. Assinala que é diferente da inteligência, a inteligência que estamos a construir em máquinas, e há realmente um grande mistério à volta disto. Como pode ter a certeza que não há uma intenção quando nem sequer compreendemos o que é a sensibilidade? No seu pensamento, não há uma hipótese de que os seres humanos servem para ser as coisas sensíveis do universo, para serem o centro da alegria e do amor, da felicidade e da esperança? Será possível construir máquinas que ajudem a aumentar isso, mesmo que não se tornem sensíveis? Isto é loucura? Dei por mim a ter esperança que isso aconteça, ao ler o seu livro. YNH: Certamente que penso que a questão mais interessante hoje na ciência é a questão da consciência e da mente. Estamos a melhorar cada vez mais na compreensão do cérebro e da inteligência, mas não estamos a melhorar tanto na compreensão da mente e da consciência. As pessoas confundem a inteligência e a consciência, especialmente em sítios como Sillicon Valley, o que é compreensível, porque, nos seres humanos, andam juntas. A inteligência basicamente é a capacidade para resolver problemas. A consciência é a capacidade para sentir as coisas, para sentir alegria e a tristeza, o aborrecimento e a dor. No "Homo sapiens" e em todos os outros mamíferos — não é só nos seres humanos — em todos os outros mamíferos, nas aves e nalguns outros animais, a inteligência e a consciência andam juntas. Muitas vezes, resolvemos as coisas sentindo as coisas. Então, tendemos a confundi-las. Mas são coisas diferentes. O que acontece hoje, em sítios como em Sillicon Valley, é que estamos a criar inteligência artificial mas não consciência artificial. Houve um desenvolvimento incrível na inteligência de computadores, nos últimos 50 anos, e nenhum desenvolvimento na consciência de computadores, e não há nenhum indicador que os computadores venham a ser conscientes num futuro próximo. Primeiro que tudo, se há algum papel cósmico para a consciência, esse papel não é exclusivo do "Homo sapiens". As vacas são conscientes, os porcos são conscientes, os chimpanzés são conscientes, as galinhas são conscientes. Se queremos ir por aí, primeiro que tudo, temos de alargar os horizontes e lembrarmo-nos que não somos os únicos seres sensíveis na Terra, e quando falamos de sensibilidade... Quando falamos de inteligência, não há nenhuma razão para pensar que somos os mais inteligentes de todos. Mas quando falamos de sensibilidade, dizer que os seres humanos são mais sensíveis que as baleias, ou mais sensíveis que os babuínos, ou mais sensíveis que os gatos, não vejo provas disso. Então, o primeiro passo é, ir nessa direcção e expandir. E a segunda questão de para que serve, eu invertê-la-ia e diria que não acho que a sensibilidade seja para alguma coisa. Acho que não precisamos de encontrar o nosso papel no universo. A coisa mais importante é libertarmo-nos do sofrimento. O que caracteriza os seres sensíveis em contraste com os robôs, com as pedras, com o que quer que seja, é que os seres sensíveis sofrem, podem sofrer, e deviam-se concentrar não em encontrar o seu lugar num drama cósmico misterioso, deviam focar-se em compreender o que é o sofrimento, o que o causa e como se podem libertar disso. CA: Sei que esta é uma grande questão para si, e isso foi muito eloquente. Vamos ter muitas perguntas da audiência e talvez também do Facebook, e talvez alguns comentários também. Então, vamos rapidamente. Temos uma aqui. Mantenham as mãos no ar aí atrás se quiserem o microfone, e chegaremos a vocês. No seu trabalho, fala muito sobre histórias fictícias que aceitamos como verdadeiras e vivemos a vida em função disso. Como indivíduo, sabendo disso, como é que isso tem impacto nas histórias que escolhe para viver a sua vida? Confunde-as com a verdade, como todos nós? YNH: Tento não confundir. Para mim, talvez a questão mais importante, como cientista e pessoa, seja como diferenciar a ficção da realidade, porque a realidade está lá. Não estou a dizer que tudo é ficção. É muito difícil os seres humanos diferenciarem entre a ficção e a realidade. E isso tornou-se cada vez mais difícil à medida que a história avançou, porque as ficções que criámos — nações, deuses, dinheiro, empresas— controlam agora o mundo. Então, é muito difícil pensar: "Isto são só entidades fictícias que criámos", Mas a realidade está lá. Para mim, o melhor... Há muitos testes para dizer a diferença entre a ficção e a realidade. O mais simples, o melhor que posso contar resumidamente, é o teste do sofrimento. Se pode sofrer, é real. Se não pode sofrer, não é real. Uma nação não pode sofrer. Isso é muito, muito claro. Quando uma nação perde uma guerra e dizemos: "A Alemanha foi derrotada na I Guerra Mundial", isso é uma metáfora. A Alemanha não pode sofrer. A Alemanha não tem mente. A Alemanha não tem consciência. Os alemães podem sofrer, mas a Alemanha não. Do mesmo modo, quando um banco vai à falência, o banco não pode sofrer. Quando o dólar perde o seu valor, não sofre. As pessoas sofrem. Os animais sofrem. Isto é real. Então, se quisermos mesmo ver a realidade, eu começaria pela porta do sofrimento. Se conseguirmos entender o que é o sofrimento, isto dar-nos-á a chave para entender o que é a realidade. CA: Há uma pergunta no Facebook relacionada com isto, de alguém cuja língua não consigo ler. - É hebraico. - Hebraico. Lá está. (Risos) Pode ler o nome? YNH: Or Lauterbach Goren. CA: Bem, obrigado por nos ter escrito. A pergunta é: "A era pós-verdade é mesmo uma nova era? "Ou apenas outro clímax ou momento numa tendência que nunca acaba?" YNH: Pessoalmente, não me identifico com esta ideia da pós-verdade. A minha reacção básica como historiador é: Se esta é a era da pós-verdade, quando foi a era da verdade? CA: Certo. (Risos) YNH: Foi nos anos 80, nos anos 50, na Idade Média? Vivemos sempre numa era, de certo modo, de pós-verdade. CA: Mas eu voltaria atrás, porque acho que o que as pessoas estão a dizer é que havia um mundo onde havia menos meios jornalísticos, onde havia a tradição de que as coisas eram verificadas de facto. Estava incorporado no contrato dessas organizações que a verdade é importante. Se acreditarmos na realidade, o que escrevemos é informação. Há a crença de que a informação devia estar ligada à realidade num modo real, e se escrevêssemos um título, seria uma tentativa séria para reflectir algo que realmente aconteceu. E as pessoas nem sempre entendem. Mas acho que a preocupação agora é que temos um sistema tecnológico incrivelmente poderoso que, durante uns tempos, ampliou tudo em massa sem prestar atenção se se relacionou com a realidade, ou se apenas se relacionou com os cliques e a atenção, e que isso foi indiscutivelmente tóxico. É uma preocupação razoável, não é? YNH: Sim, é. A tecnologia muda e agora é mais fácil disseminar a verdade, a ficção e a falsidade. Dá para ambos os lados. Também é mais fácil espalhar a verdade do que era antes. Mas não acho que haja nada de novo sobre esta disseminação de ficções e erros. Não há nada que Joseph Goebbels não soubesse sobre toda esta ideia de notícias falsas e pós-verdade. Ele disse que, se repetirmos uma mentira, muitas vezes, as pessoas pensam que é verdade, e quanto maior for a mentira, melhor, porque as pessoas nem sequer pensam que algo tão grande possa ser uma mentira. Acho que as notícias falsas têm estado connosco durante milhares de anos. Pensem na Bíblia. (Risos) CA: Mas há a preocupação que as notícias falsas estão associadas aos regimes tirânicos, e quando vemos um aumento de notícias falsas isso é um sinal de que podem estar a vir tempos difíceis. YNH: Sim. o uso intencional de notícias falsas é um sinal perturbador. Mas não estou a dizer que não é mau, só estou a dizer que não é novo. CA: Há muito interesse no Facebook nesta questão sobre o governo global "versus" o nacionalismo. Pergunta aqui do Phil Dennis: "Como é que fazemos com que as pessoas, os governos abandonem o poder?" Bem, o texto é tão grande que não posso ler a pergunta toda. Mas isso é mesmo necessário? Vai ser necessária uma guerra para chegarmos lá? Desculpe, Phil, cortei a sua pergunta, mas a culpa é do texto. YNH: Uma opção em que as pessoas falam é que apenas uma catástrofe pode acordar a humanidade e abrir o caminho para um sistema real de governação global, e dizem que não podemos fazê-lo antes dessa catástrofe, mas temos de começar a estabelecer as fundações para que, quando o desastre acontecer, possamos reagir rapidamente. Mas as pessoas não terão a motivação necessária para o fazer antes do desastre acontecer. Outra coisa que quero realçar é que todos os que estejam interessados na governação global deviam deixar sempre muito claro que isso não deve substituir ou abolir as comunidades e identidades locais, que deviam fazer parte do mesmo pacote. CA: Quero ouvir mais sobre isto, porque as palavras "governação global" são quase o resumo de todo o mal na mentalidade de muitas pessoas da direita alternativa. Parece assustador, remoto, distante, e deixou-as mal, então: "Globalistas e governação global? Não, vão-se embora!" Muita gente vê as eleições como o último toque no olho para toda a gente que acredita nisso. Como mudamos a narrativa para que não pareça tão assustadora e distante? Desenvolva mais esta ideia de ser compatível com as comunidades e identidades locais. YNH: Bem, acho que deveríamos começar com as realidades biológicas do "Homo sapiens". A biologia diz-nos duas coisas sobre o "Homo sapiens" que são muito relevantes para este assunto. Primeiro, que somos todos completamente dependentes do sistema ecológico à nossa volta, e que hoje estamos a falar sobre um sistema global. Não podemos fugir a isso. Ao mesmo tempo, a biologia diz-nos que o "Homo sapiens", que nós somos animais sociais, mas somos sociais a um nível muito local. É um facto simples da humanidade que não podemos ter intimidade familiar com mais de 150 indivíduos. O tamanho do grupo natural, da comunidade natural do "Homo sapiens", não é maior do que 150 indivíduos. Tudo o que for além disso, baseia-se em todos os tipos de histórias imaginárias e instituições numa larga escala, e acho que podemos encontrar uma maneira, com base na compreensão biológica da nossa espécie, de entrelaçar as duas coisas e perceber que hoje, no século XXI, precisamos tanto do nível global como da comunidade local. Eu iria até mais longe e diria que começa com o nosso corpo. Os sentimentos que as pessoas hoje têm de alienação e solidão e de não encontrarem o seu lugar no mundo, acho que o maior problema não é o capitalismo global. O maior problema é que, ao longo das últimas centenas de anos, as pessoas têm vindo a separar-se, têm vindo a distanciar-se do seu corpo. Como caçador ou recolector ou até como camponês, para sobreviver, é preciso estar constantemente em contacto como o nosso corpo e os nossos sentidos, a todo o momento. Se formos para a floresta à procura de cogumelos e não dermos atenção ao que ouvimos, ao que cheiramos, ao que provamos, morremos. Então, temos de estar muito ligados. Nas últimas centenas de anos, as pessoas estão a perder a capacidade de estar em contacto com o seu corpo e com os seus sentidos, de ouvir, de cheirar, de sentir. Cada vez mais a atenção vai para ecrãs, para o que está a acontecer noutro lado, a outra hora. Acho que isto é a profunda razão dos sentimentos de alienação e de solidão e, por isso, parte da solução não é recuperar o nacionalismo em massa, mas voltar a estar em contacto com o nosso próprio corpo. Se voltarmos a estar em contacto com o nosso corpo, também vamos sentir-nos muito mais em casa no mundo. CA: Consoante vão as coisas, podemos voltar à floresta dentro em breve. Vamos ter mais uma pergunta na sala e mais uma no Facebook. Ama Adi-Dako: Olá. Sou do Gana, África Ocidental, e a minha pergunta é: Como apresenta e justifica a ideia da governação global a países que têm sido historicamente privados de direitos pelos efeitos da globalização? Se estamos a falar de uma governação global, parece-me que virá de uma ideia muito ocidentalizada sobre o que supostamente deve ser o "global". Então, como apresentamos e justificamos a ideia de global "versus" totalmente nacionalista a pessoas de países como o Gana, a Nigéria e o Togo e outros países desses? YNH: Eu começaria por dizer que a história é muito injusta, e que deveríamos ter a noção disso. Muitos dos países que mais sofreram com os últimos 200 anos de globalização de imperialismo e de industrialização, são exactamente os países que, provavelmente, também vão sofrer mais com a próxima onda. Devemos ser muito claros sobre isso. Se não tivermos uma governação global, e sofrermos uma alteração climática, disrupções tecnológicas, o pior sofrimento não será nos EUA. O pior sofrimento irá ser no Gana, no Sudão, na Síria, no Bangladeche, será nesses países. Acho que esses países têm um incentivo ainda maior para fazer alguma coisa sobre a próxima onda de disrupção, quer seja ecológica ou tecnológica. Se pensarmos numa disrupção tecnológica, se a inteligência artificial, as impressoras 3D e os robôs roubarem os empregos de milhares de milhões de pessoas, eu preocupo-me muito menos com os suecos do que com as pessoas do Gana ou do Bangladeche. Assim sendo, como a história é injusta e os resultados de uma calamidade não vão ser iguais para todos, como sempre, os ricos vão poder fugir das piores consequências da alteração climática de uma maneira que os pobres não poderão. CA: E aqui está uma boa pergunta de Cameron Taylor no Facebook: "No final de 'Sapiens', "diz que devemos perguntar-nos, " 'o que queremos querer?' "O que acha que devemos querer?" YNH: Acho que o que devemos querer é querer saber a verdade, e entender a realidade. Basicamente, o que queremos é mudar a realidade, para se encaixar nas nossas vontades, nos nossos desejos, e penso que, primeiro, devemos querer compreendê-la. Se olharmos para a trajectória da história a longo prazo, o que vemos é que, durante milhares de anos nós, seres humanos, temos vindo a ganhar o controlo do mundo fora de nós e a tentar modelá-lo para que se encaixe nos nossos desejos. Ganhámos controlo sobre os outros animais, sobre os rios, as florestas, e modelámo-los completamente, causando uma destruição ecológica sem ficarmos satisfeitos. Então, o próximo passo é olharmos para dentro, e dizermos: "Ok, o controlo do mundo exterior "não nos deixou satisfeitos. "Vamos tentar ganhar controlo do nosso mundo interior." Este é realmente o grande projecto da ciência e da tecnologia e da indústria, no século XXI — tentar ganhar controlo do nosso mundo interior, aprender a construir e produzir corpos e cérebros e mentes. Estes devem ser os principais produtos da economia do século XXI. Quando as pessoas pensam no futuro, muitas vezes pensam em termos de "quero ganhar controlo do meu corpo e do meu cérebro." Acho que isso é muito perigoso. Se aprendi alguma coisa da nossa história anterior, é que ganhamos o poder de manipular, mas como não compreendemos a complexidade do sistema ecológico, estamos agora a enfrentar um colapso ecológico. Se tentarmos reconstruir o nosso mundo interior, sem realmente compreendê-lo, especialmente sem compreender a complexidade do nosso sistema mental, podemos causar um desastre ecológico interno, e podemos enfrentar uma espécie de colapso mental dentro de nós. CA: Resumindo e concluindo, — a política actual, a tecnologia que está para vir, preocupações como as que acabou de falar — parece que você próprio está num lugar sombrio quando pensa no futuro. Está muito preocupado com isso. Isso é correcto? E se houvesse uma esperança, como expressaria isso? YNH: Foco-me nas possibilidades mais perigosas em parte porque é o meu trabalho ou responsabilidade como historiador ou crítico social. A indústria foca-se basicamente nos lados positivos, então é trabalho dos historiadores, filósofos e sociólogos realçar o potencial mais perigoso de todas estas novas tecnologias. Não acho que nada disso seja inevitável. A tecnologia nunca é determinística. Podemos usar a mesma tecnologia para criar diferentes tipos de sociedades. Se olharmos para o século XX, as tecnologias da Revolução Industrial, os comboios, a electricidade e tudo isso puderam ser usadas para criar uma ditadura comunista ou um regime fascista ou uma democracia liberal. Os comboios não nos disseram o que fazer com eles. Do mesmo modo, a inteligência artificial e a bioengenharia, tudo isso, não pré-determinam um único resultado. A humanidade pode superar o desafio, e o melhor exemplo que temos de a humanidade superar o desafio de uma nova tecnologia são as armas nucleares. Nos anos 40 e 50, muitas pessoas estavam convencidas que, mais cedo ou mais tarde, a guerra-fria iria acabar numa catástrofe nuclear, destruindo a civilização humana. E isso não aconteceu. De facto, as armas nucleares encorajaram pessoas de todo o mundo a mudar o modo como geriam a política internacional para reduzir a violência. E muitos países retiraram a guerra das suas ferramentas políticas. Deixaram de perseguir os seus interesses com a guerra. Nem todos os países o fizeram, mas muitos fizeram-no. Talvez esta seja a razão mais importante para a violência internacional ter baixado drasticamente desde 1945, e, como já disse, há mais pessoas a suicidar-se do que a morrer na guerra. Acho que isto dá-nos um bom exemplo de que, mesmo com a tecnologia mais assustadora, os humanos podem superar o desafio e algo bom pode realmente sair daí. O problema é que temos pouca margem para erro. Se não acertamos, talvez não tenhamos uma segunda tentativa. CA: É uma nota muito poderosa, com a qual acho que devemos concluir. Antes de terminar, apenas quero dizer algo para as pessoas aqui e para toda a comunidade TED a ver-nos "online": Ajudem-nos com estes diálogos. Se acreditam, como nós acreditamos, que precisamos de encontrar um tipo diferente de conversa, agora mais que nunca, ajudem-nos. Cheguem-se a outras pessoas, conversem com pessoas com as quais não concordam, compreendam-nas, juntem as peças, e ajudem-nos a entender como podemos levar estas conversas para a frente para que possamos contribuir para o que está a acontecer no mundo agora. Acho que todos nos sentimos mais vivos, mais preocupados, mais empenhados com a política neste momento. A fasquia parece bastante alta, por isso, ajudem-nos a responder de modo sensato. Yuval Harari! Obrigado. (Aplausos)