Como advogado, comentarista político e, devo confessar, ex-servidor da Casa Branca, eu costumava pensar que sabia muito sobre como os EUA escolhem um presidente. Eu estava errado, pois não sabia. E este ano tenho pesquisado aquelas letrinhas miúdas e outros aspectos na nossa Constituição sobre as quais nunca falamos, e descobri algumas lacunas legais que me chocaram, e garanto que vão te chocar, que podem determinar o rumo que a eleição presidencial de 2020 pode tomar. Por exemplo, você sabia que, segundo a nossa Constituição, um candidato à presidência pode, na verdade, perder o voto popular, não obter a maioria no colégio eleitoral, se recusar a admitir a derrota, manipular mecanismos ocultos em nosso governo e ainda assim tomar posse como presidente dos EUA? É a mais pura verdade. Sei que parece um episódio maluco de "House of Cards", e quem dera que fosse, pois aí bastaria trocar de canal, mas acabei de descrever para você uma possibilidade real no mundo real que pode ocorrer este ano, o ano em que estou falando, 2020, ou em algum outro, se não consertarmos algumas dessas falhas em nosso sistema. Bem, se você concorda que a escolha do povo norte-americano numa eleição presidencial dos EUA deveria terminar na posse do presidente dos Estados Unidos, preste atenção no que vou falar. Vou te ensinar como deter um golpe. Mas por onde começar? Que tal pelo seguinte: uma das principais salvaguardas da democracia dos EUA não está em nenhum lugar da Constituição. Não está em nenhuma lei. Na verdade, é só uma tradição, um costume. E, ainda assim, esse único gesto voluntário é uma das principais razões de nunca haver tumultos, derramamento de sangue e brigas após uma eleição nos EUA. Estou falando do discurso de admissão da derrota. É irônico, pois é o único discurso que nenhum candidato quer fazer e, ainda assim, esse discurso público é a coisa mais importante para a saúde e o bem-estar da nossa nação. Um candidato à presidência só faz esse discurso depois que os assessores e a mídia dizem a ele: "Olha, você não vai conseguir votos suficientes para atingir o número mágico de 270 votos do colégio eleitoral. Simplesmente não vai dar". Nesse momento, não pensamos nisso, mas o destino de toda a república está nas mãos de um único político e sua disposição de sair, ficar na frente da família, das câmeras e de toda a nação e dizer: "Estou admitindo a derrota espontaneamente. Agradeço a todos meus apoiadores. O outro candidato ganhou. Parabéns a ele! Vamos apoiá-lo, seguir em frente e ser um só país. Deus abençoe os Estados Unidos". Já vimos isso milhares de vezes. Mas não se engane: essa é uma tradição notável do nosso país, porque, naquele momento, aquele candidato ainda tem sob seu comando, por todos os EUA, um exército de ativistas de campanha, de partidários obstinados, dezenas de milhares de pessoas. Elas poderiam facilmente pegar em armas, sair para as ruas e fazer o que bem entendessem. Mas o discurso de admissão de derrota imediatamente desmobiliza tudo isso. Ele fala: "Relaxa, pessoal. Gente, acabou". Além disso, esse discurso ajuda dezenas de milhões de pessoas que votaram naquela pessoa a aceitar o resultado: reconhecer o vencedor, embora a contragosto, e aí levantar na manhã seguinte, ir para o trabalho, ir pra escola, talvez desapontadas, mas não desleais ao governo dos EUA. E, mais importante ainda, esse discurso tem uma função técnica de permitir que todas as outras coisas que nossa Constituição exige depois da votação, e há várias etapas, como a reunião do colégio eleitoral, a ratificação do Congresso, a posse, que tudo isso possa simplesmente seguir no piloto automático, porque, depois daquele discurso, cada etapa subsequente, seja reempossar o presidente ou investir no cargo um novo presidente, simplesmente segue seu curso. A Constituição exige, mas é um endosso automático. E às vezes esquecemos que os candidatos não são obrigados a admitir a derrota. Não há nada que os obrigue. É apenas uma "norma" de conduta num ano em que nada está "normal". Mas e se um candidato perdedor simplesmente se recusar a admitir? E se não houver discurso de admissão da derrota? Bem, o que pode acontecer pode assustar, e acho que deveria. Primeiro, para te dar o contexto e falarmos a mesma língua, vou fazer uma analogia. Pense na eleição presidencial como um jogo de beisebol. Ao final da nona entrada, quem está na frente vence, quem está atrás perde. É assim no beisebol. Mas seria possível imaginar um mundo diferente em que, no beisebol, na verdade, há 13 entradas, ou 14 entradas, não apenas 9. Mas temos uma tradição estranha. Quem estiver atrás na nona entrada simplesmente desiste e admite a derrota. Certo? Portanto, nenhuma das outras entradas importa. É assim que as eleições presidenciais funcionam nos Estados Unidos. Porque a Constituição na verdade fala de duas séries diferentes de entradas. Há o processo de eleição popular, em que todos prestam atenção. E há também o processo de seleção de elite, que todo mundo basicamente ignora. Porém, numa eleição acirrada, se ninguém admitir a derrota, o segundo processo invisível, essas entradas extras, digamos, têm muita importância. Deixe-me explicar. Quando pensamos na eleição presidencial, só consideramos essa primeira série de entradas, a eleição popular: são as primárias, as prévias, os debates, as convenções, a noite da apuração, essa coisa toda. O perdedor, na maioria das vezes, na noite da apuração simplesmente admite a derrota. Por quê? "Porque o povo dos EUA escolheu" e tal. Mas, segundo a Constituição, tecnicamente o jogo não acabou. Depois que as câmeras vão embora, depois que o confete é varrido, a Constituição exige toda uma série de entradas, esse processo de seleção de elite, e tudo isso a portas fechadas, entre funcionários do governo. E esse processo se estende do final da contagem dos votos, em novembro, por todo o mês dezembro até janeiro. Nunca pensamos nisso, porque, ao longo de tantas gerações, essas entradas extras não importaram muito, porque após a apuração o perdedor simplesmente admite a derrota, pois o resto é mera formalidade. Mesmo em 2000, o vice-presidente Al Gore admitiu a derrota assim que o Supremo Tribunal ordenou o fim da contagem de votos. Gore não continuou a luta nos legislativos estaduais, no colégio eleitoral, no Congresso, e não tentou desacreditar os resultados na imprensa. E ele não enviou seus apoiadores às ruas com cartazes de protesto ou forquilhas ou fuzis. Assim que o tribunal disse que a contagem tinha acabado, ele simplesmente admitiu a derrota para George W. Bush, porque é isso o que fazemos, é assim que funciona por aqui. Não lutamos nas entradas extras... até talvez 2020, quando um candidato principal já está dizendo que talvez não aceite os resultados da contagem dos votos. Maldito seja 2020. Então, o que pode acontecer? Em vez de admitir a derrota, um candidato derrotado pode iniciar uma luta feroz para manter o poder de qualquer jeito. Ou se agarrar de qualquer modo ao poder, nos tribunais, é claro, mas também nas assembleias estaduais, no colégio eleitoral, até no Congresso. Por exemplo, ele pode iniciar dezenas de processos judiciais tentando bloquear a contagem de milhões de cédulas enviadas pelo correio, dizendo que todas deviam ser descartadas por serem fraudulentas. Então, ele pode exigir que os estados se recusem a ratificar a eleição por causa de toda essa suposta fraude, ou interferência de uma potência estrangeira. Ou o partido do perdedor pode enviar uma outra lista rival de eleitores para o colégio eleitoral ou o Congresso e dizer: "Somos os verdadeiros eleitores", e criar toda uma situação com isso. Qualquer uma dessas situações pode criar tanta bagunça no colégio eleitoral e no Congresso que a questão pode acabar parando na Câmara dos Deputados pela primeira vez desde os 1800. E é aqui que as coisas ficam malucas. Se a eleição presidencial acabar na Câmara dos Deputados, eles não precisam dar a mínima para os votos populares, ou o voto do colégio eleitoral. É como se a eleição nunca tivesse acontecido. E aí tudo fica mais louco ainda. O cálculo final na Câmara não é feito por delegados mas por delegação. Em outras palavras, os congressistas não votam individualmente. A votação é feita por estados. Agora, pense bem nisso. Atualmente, a maioria dos norte-americanos vivem nos estados democratas, mas existem mais estados republicanos. Então há uma possibilidade de que os republicanos na Câmara de Deputados possam simplesmente sagrar seu candidato a presidente, mesmo sem o voto popular, ou a maioria do colégio eleitoral. Isso pode acontecer. Bem, algumas pessoas chamariam esse resultado de perfeitamente legal, um golpe perfeitamente constitucional contra a própria ideia da regra da maioria nos EUA. Isso é possível segundo a Constituição, e pode acontecer este ano. Então, o que podemos fazer? Bem, tenha em mente que, se a margem da vitória for muito grande, realmente enorme, o partido político do candidato perdedor vai se afastar e simplesmente deixar seu líder cair. Ninguém vai arriscar uma crise constitucional para salvar alguém que é superimpopular. No entanto, se a corrida estiver apertada, a sorte está lançada. E a luta pode continuar para muito além da apuração. Vamos ter de lidar com o impacto de todo esse outro processo de que nunca ouvimos falar, vamos ter de fazer lobby, protestar, reclamar, contatar legisladores, todo um processo que nunca fizemos antes. Então, nos deparando com esse cenário totalmente desconhecido, o que podemos fazer? Como devemos agir? O que devemos fazer numa situação dessas? Basicamente há três coisas que importam. Primeiro, informe-se. Uma série de organizações progressistas já estão trabalhando duro para alertar os norte-americanos sobre essa ameaça à nossa democracia. Algumas organizações que você mesmo pode pesquisar: choosedemocracy.us, electiontaskforce.org, protectdemocracy.org, mobilize.us, allamericans.org, civicalliance.com e o painel Fight Back em demos.org. Todos eles estão trabalhando nisso. Agora, se a sua praia for a direita, você também pode checar The Heritage Foundation ou o Government Accountability Institute. Eles estão focados na fraude eleitoral. Mas você tem de se informar, não importa de que lado esteja. Além disso, segunda coisa, faça muito barulho. Em situações como esta, hoje em dia todo mundo é um canal de mídia. Você é a mídia. Portanto, use sua própria voz. E, quando o fizer, meu conselho: fale de valores norte-americanos universais, não de visões partidárias, tá? Fale de valores norte-americanos com que todo norte-americano concorde, não importa de que partido seja. A ideia de que cada eleitor conta e de que cada voto deve ser contado é um valor norte-americano, ponto-final. A noção de que a maioria deve governar nos EUA é um valor norte-americano. A ideia de que um presidente no cargo deve admitir a derrota honrada e elegantemente e garantir uma transmissão pacífica de poder, em vez de tentar usar todos os truques para mantê-lo, esse é um valor norte-americano também. Se você falar desses valores, vai ser ouvido por muito mais pessoas e ajudar a unir o país. E, por último, sinto dizer, mas só votar não basta. Você vai ter de agir, de se envolver. Pode apoiar com dinheiro organizações existentes, grupos poderosos como: a Leadership Conference on Civil Rights, a ACLU, NAACP, Legal Defense Fund, Indivisible, ColorOfChange.org, e esses grupos vão lutar nos tribunais, no Congresso, para tentar garantir que tenhamos um resultado justo. Esses grupos precisam da sua ajuda e suas doações. Mas, se chegar ao ponto, em que você sentir que tem que de levar isso pras ruas, que vai ter de se manifestar, fazer passeata e protestar, por favor, faça isso pacificamente. Isso não é apenas filosofia ou moralismo. Muitos estudos mostram que os protestos pacíficos são os que mais funcionam em desafiar esses aspirantes a ditador e reverter tentativas de golpe. Por que os pacíficos? Porque, quando os protestos se tornam violentos, todo aquele caos e carnificina na verdade afastam apoiadores. Então, em vez de as demonstrações e os protestos ficarem maiores, eles começam a encolher. Então o governo parece razoável quando os reprime severamente. Então é muito melhor seguir a orientação do falecido grande Gene Sharp. Ele escreveu muito bem sobre como podemos reverter estrategicamente um golpe usando apenas protesto inteligente, disciplinado e não violento. E muitas de suas melhores ideias, que influenciaram muitas pessoas, estão disponíveis em um novo guia que você pode pesquisar chamado "Hold the line: a guide to defending democracy". O guia pode ser obtido em holdthelineguide.com. E ele pode te dar uma base muito boa sobre como avançar inteligente e pacificamente se você sente que tem de ir às ruas. Mas veja, sei que tudo isso é opressivo e admito que algumas dessas etapas podem não ser suficientes. Um presidente verdadeiramente desonesto poderia convocar milícias armadas privadas para tentar intimidar legisladores a mantê-lo no poder. Ou ele pode simplesmente abusar de determinados poderes e tentar permanecer no cargo indefinidamente. Então, temos problemas sérios em nosso sistema. A melhor maneira de impedir um golpe é atualizar e fortalecer nosso sistema democrático assim que esta eleição terminar. Talvez precisemos repensar, reimaginar ou simplesmente nos livrar de todo esse colégio eleitoral e essa coisa de entrada extra. Sei com certeza que temos de melhorar os direitos do eleitor, de acabar com a intimidação de eleitores e também garantir a tecnologia para que ninguém precise temer a fraude eleitoral. Esses são os passos a serem seguidos para garantir que temos uma democracia e que ela perdure. Porque nunca se esqueça disso: no longo percurso da história humana, uma república democrática é a forma mais rara de governo do planeta. As democracias são frágeis. As democracias podem fracassar. E o que os cidadãos fazem ou deixam de fazer em um momento de crise pode determinar o destino final do governo "de, por e para o povo". Então, vamos dar o nosso melhor, votar, mas desta vez, temos de ficar vigilantes e ativos, mesmo após a apuração dos votos. Temos de nos manter ativos ao longo de todo o caminho até o dia da posse. Mas vou dizer uma coisa: eu vou apoiar o vencedor de uma eleição livre e justa não importa qual candidato vença, e vou me opor a qualquer suposto vencedor que continue distorcendo o processo para além da apuração. Pois todo norte-americano deve estar disposto a admitir uma derrota eleitoral, mas nenhum norte-americano deve admitir a derrota dos princípios fundamentais da própria democracia. Obrigado.