Imagine se você tivesse um superpoder.
Falamos sobre isso hoje.
Se pudesse escolher o seu,
qual você iria querer?
Força?
Velocidade?
Visão de raio-x?
O poder de voar?
De viajar no tempo?
Mover objetos com a mente?
Talvez só saber onde estão
as chaves do carro?
Suponha que seu poder
seja o da invisibilidade.
Talvez você o tenha escolhido,
ou tenha nascido com ele.
Seja como for, ele poder ser útil.
Assediadores e valentões não veem você.
Você pode ir aonde quiser,
fazer praticamente tudo que quiser.
Desde que tome algumas precauções,
ninguém nem sequer vai te notar.
Se alguém vir você,
não perceberá quem você realmente é.
Vai enxergar apenas o seu alter ego comum.
Sua verdadeira identidade
continuará em segredo.
Parece bem legal, né?
E se eu dissesse
que existe um certo tipo de invisibilidade
que é menos rara do que se imagina?
Na verdade,
eu tenho essa invisibilidade,
e estou usando-a neste momento.
Alguns de vocês estão cutucando
a pessoa ao lado e pensando:
"Mas como assim?
Estou olhando pra ela".
Verdade, sim.
Mas o que você está vendo?
Neste momento,
a imagem que estou projetando
é a de uma mulher baixa e branca,
próxima da meia-idade.
(Risos)
É verdade.
Ela tem cabelo ondulado e usa óculos.
Esse cabelo ondulado está ficando
cada vez mais grisalho.
Ela mora numa casa antiga
com uma cerca de madeira,
numa cidade pequena
do meio oeste dos EUA.
Ela tem três filhos e um cachorro,
e dirige uma perua.
Atualmente as pessoas
a chamam de "senhora"
e, pra ela, tudo bem a chamarem assim.
Ela não bebe vinho,
mas veste calças de ioga,
e algumas das suas
paixões de fã - acreditem -
por algumas celebridades britânicas
podem ser vistas do espaço.
"Netflix and chill" -
procurem o significado -
às vezes significa exatamente isso,
porque ela acaba caindo no sono
vendo TV por volta das 9 da noite.
Vocês conhecem o tipo,
ou ao menos acham que conhecem.
Existem muitas pessoas
com o meu tipo de invisibilidade.
Talvez haja algumas nesta sala.
Algumas de nós temos
uns anéis bacanas de poder
que amplificam ainda mais
a nossa invisibilidade.
Quando os tiramos,
as pessoas ao nosso redor ainda só verão
a versão de nós que quiserem,
a que combina com as suas
expectativas e perspectiva.
Tudo que falei sobre meu alter ego
é verdadeiro a meu respeito,
só que não sou só isso.
Meu poder de invisibilidade
vem do fato de eu ser bissexual
e é reforçado pelo fato de eu ser
comprometida com um homem.
Meu anel de poder -
e Deus me livre de deixá-lo cair -
é a minha aliança de casamento.
A suposição que as pessoas fazem
sobre gente que tem
companheiros do sexo oposto
ou que simplesmente não falam
abertamente sobre sua orientação
é a de que somos "certinhos",
ou heterossexuais.
Alguns talvez digam
que isso é uma vantagem,
ou até um tipo de privilégio.
Ao passarmos como hétero,
conseguimos evitar
muitas das coisas negativas
que casais homoafetivos ou pessoas
abertamente gays ou lésbicas vivenciam.
Por exemplo,
podemos segurar a mão do nosso parceiro
do sexo oposto em público
sem que ninguém ao redor
aja de forma crítica ou hostil.
Podemos pôr fotos de família
em nosso local de trabalho
sem nos preocuparmos com a possível reação
de colegas ou de clientes.
Nossos aniversários de casamento
ou outras datas marcantes
são parabenizadas e comemoradas.
Quando temos filhos, ninguém pergunta:
"Qual de vocês duas é a mãe?"
Somos poupados de comentários
curiosos e ofensivos
sobre como expressamos
nossa intimidade física.
Numa emergência médica,
temos acesso imediato e sem ressalvas
ao paradeiro do nosso filho ou companheiro
ou ao seu estado de saúde.
Nossas certidões de casamento
são emitidas sem objeção,
e ninguém fica nervoso
com qual banheiro vamos usar.
Porém,
existe um detalhe.
Todo poder tem um preço,
e a invisibilidade traz um peso.
Manter esse segredo pode parecer
como se vivêssemos uma mentira.
Esse tipo de invisibilidade
é um pouco instável
e não gosta de nos obedecer.
Pode ser muito, muito difícil
desligar os seus poderes,
mesmo quando você quer muito,
porque muito do que sustenta
a sua invisibilidade
são as suposições que as outras pessoas
fazem a seu respeito.
Quando o poder dessas suposições
se combina com o poder do medo,
os resultados são tão fortes
que a pessoa afetada pode se tornar
invisível até para si mesma.
Nós ocultamos uma parte
da nossa identidade
para nos encaixarmos melhor
naquilo que alguns consideram normal,
ou aceitável.
Mentimos por omissão
e nos escondemos em plena vista.
Permitimos que nosso silêncio
nos torne cúmplices
da nossa própria invisibilidade.
Nem todos nós.
Alguns bissexuais escolhem
rejeitar ativamente a invisibilidade.
São insistentemente abertos e francos
sobre como sua orientação contribui
com a totalidade de suas identidades.
Bem,
já expliquei tudo.
Quem me dera.
Não é tão simples.
A invisibilidade tem
um amiguinho desagradável
chamado "apagamento".
O apagamento diz que os bissexuais
só estão confusos,
indecisos,
passando por uma fase,
ou que só queremos atenção.
Ele nos descreve como gananciosos,
não confiáveis
e incapazes de viver em relacionamentos
monogâmicos e de longo prazo.
O apagamento rouba nosso poder de agir
e permite que os outros
definam a nossa orientação por nós
com base no sexo ou gênero
do nosso companheiro.
O apagamento só vê um dos dois lados,
e diz aos bissexuais:
"Você é hétero demais
para espaços alternativos,
e não é alternativo o suficiente
para espaços gays".
O apagamento diz aos homens bissexuais:
"Ah, você na verdade é gay
e só não quer admitir".
O apagamento espera que as mulheres
bissexuais provem que o são,
geralmente de formas performáticas.
Enfrentar o apagamento significa
sair do armário constantemente,
respondendo a perguntas
que outras pessoas não recebem,
tentando não parecer tão na defensiva
e fazendo o máximo para não desaparecer.
O apagamento é frustrante e exaustivo.
Então, por que enfrentá-lo?
Sabemos quem somos, não?
"Hétero" e "gay" não são insultos,
só que não são
os rótulos corretos pra nós.
Por que não deixar que as pessoas
suponham o que quiserem
e evitarmos aborrecimento?
Porque forçar-se a se encaixar
num falso binário
significa fingir ser algo que você não é
e esconder tudo o que você de fato é.
É outra forma de armário.
Isso faz mal
e está lentamente matando muitos de nós.
Os bissexuais são pessoas
que vivenciam algum grau
de atração romântica ou sexual
por pessoas do mesmo sexo ou gênero
e por pessoas de sexo ou gênero diferente.
Representamos 52% dos LGBT,
mas somos uma maioria
geralmente silenciosa.
Somos cinco vezes mais propensos
do que gays e lésbicas
a esconder nossa orientação
até de amigos e familiares mais próximos.
Somente 44% dos jovens bissexuais
relatam conseguirem se abrir
com um adulto de confiança.
Jovens e adultos bissexuais relatam
índices maiores de abuso de álcool,
fumo
e sustâncias químicas.
Mais de um terço dos bissexuais adultos
não revelam sua orientação
a profissionais de saúde.
Isso acarreta diversas
disparidades físicas e mentais
entre nós e adultos hétero.
Entre elas, estão maiores índices
de doenças cardíacas,
alguns tipos de câncer,
obesidade, ansiedade e depressão.
Muitos programas de educação
em saúde sexual
são apresentados sob
uma perspectiva heterossexual
ou focam a abstinência.
Consequentemente,
as mulheres bissexuais talvez não conheçam
certas práticas de segurança
necessárias na prevenção à transmissão
de DSTs entre parceiras mulheres.
Homens bissexuais têm menos chance
de saberem que são soropositivos
do que homens gays,
e alguns relatam usarem camisinha menos
consistentemente com parceiros homens
do que com mulheres.
Mulheres bissexuais vivenciam
violência íntima e sexual
30% mais frequentemente
do que lésbicas e mulheres hétero.
Quarenta por cento dos adultos bissexuais
já pensaram em suicídio ou tentaram.
Agora,
uma notícia chata:
ninguém quer ser reduzido
a uma estatística negativa
ou a um clichê trágico.
Às vezes, surge uma vozinha
em nossa mente, que diz:
"Vou ficar na minha,
porque não é melhor ser invisível
do que ser demonizado?
Não me importo com rótulos errados,
desde que eu não seja visto
como defeituoso ou inferior.
Essa voz pode ficar muito, muito alta.
Por favor, não dê ouvidos a ela.
Assim começa a autoaversão,
e ela vai engolir você vivo.
Não é verdade,
não é justo
e ninguém merece isso.
O problema não é ser bissexual.
O problema é o fato
de as pessoas entenderem mal
e reagirem mal a isso.
Saí do armário publicamente
há menos de dois anos.
Pois é.
Não fiz isso porque estava entendiada
ou infeliz com meu casamento,
nem porque quisesse atenção
ou estivesse numa crise de meia-idade.
Não.
Saí do armário porque comecei
a pensar sobre a diferença
entre privado e sigiloso
e sobre como essa diferença
afetava a mim e aos outros.
Privacidade traz a ideia de valor.
Coisas privadas são voltadas
a um público limitado
por serem especiais.
Sigilo traz a ideia de medo ou vergonha.
Avaliei relacionamentos anteriores
em que eu havia escolhido manter
minha orientação em sigilo
ou tinha escondido
o fato de estar numa relação,
e me lembrei de como o medo e a vergonha
influenciaram essas decisões:
medo de a pessoa com quem eu estava
questionar minha lealdade para com ela,
medo de que me tratasse como meio
para realizar certas fantasias,
medo de que me abandonasse;
vergonha por saber que não estava sendo
totalmente verdeira sobre mim mesma,
vergonha de que minha preocupação
sobre a possível reação das pessoas
às minhas relações
com alguém do mesmo sexo
fizesse com que eu só falasse sobre
as relações com pessoas do sexo oposto,
vergonha da dor que essas decisões
causavam aos outros.
Eu me calava, se é que dá pra acreditar,
e mostrava o que eu achava
que era menos complicado.
Dizia a mim mesma que era melhor assim,
mesmo quando obviamente não era.
Me lembrei de como eu tinha
finalmente me livrado desse ciclo,
não continuando a esconder
coisas a meu respeito,
mas finalmente assumindo o risco
de ser franca e verdadeira
com alguém em quem eu confiava.
Meu cônjuge sabe da minha orientação
desde o início do nosso relacionamento.
Já faz 18 anos.
Na época, ele era a única pessoa
próxima a mim que sabia.
Tivemos muitos desafios,
como outros casais de longa data.
Nenhum deles foi causado
por um de nós esperar
que outro esconda, minta ou finja.
Nosso casamento é um casamento
entre pessoas de sexo oposto.
Não é um casamento hétero.
Usei o termo "cônjuge" porque significa
"parceiro escolhido para a vida".
Daria no mesmo pra mim
se eu tivesse me casado com um Stephen
ou com uma Stephanie.
Escolhi um companheiro,
não um lado.
Sou casada monogamicamente
com um homem cisgênero heterossexual.
Sou mãe de três filhos.
Ainda assim, sou bissexual.
Já me perguntaram se meus filhos
sabem da minha orientação,
ou se pretendo contar a eles.
Eles sabem, da forma que achamos ser mais
adequada para suas respectivas idades,
e o motivo é que eu queria
que eles entendessem
que não há nada de vergonhoso
em orientação sexual
e que identidade não é um tabu.
Pessoas fora do padrão heteronormativo
são mais que caricaturas ou esteriótipos.
Nossos relacionamentos são baseados
em ligação emocional,
afeto,
paciência
e compromisso.
Somos todos, cada um de nós,
mais do que a soma das nossas partes
e do que possamos fazer com elas.
Se um de nossos filhos um dia disser
num jantar em família:
"Mãe, pai, eu sou..."
isso ou aquilo...
"Por favor, me passe as ervilhas",
quero que ele saiba
que a parte chocante dessa frase
é fato de estar disposto
a comer uma leguminosa.
(Risos)
Quando a invisibilidade se torna tóxica,
quando ela não é mais
uma questão de privacidade,
mas uma questão de sigilo e meia-verdade,
é hora de abandoná-la.
Fazer isso nunca é fácil.
Mas vou contar uma coisa: é empoderador.
Ao escolhermos nos revelar,
podemos estabelecer as condições.
Podemos insistir
em nossa própria legitimidade.
Quando deixamos de lado
esse poder não tão super assim,
compreendemos o quanto era pesado
o fardo da invisibilidade
e o quanto somos mais livres sem ele.
Paramos de nos preocupar
se somos gays ou hétero o suficiente,
e conseguimos simplesmente
ser suficientes.
Esse pode ser o primeiro passo
em direção a sermos vistos
e conhecidos por inteiro,
em direção a relacionamentos
baseados em absoluta verdade
e compartilhados com o mundo
da forma que escolhermos.
Ao vivermos abertamente,
podemos ajudar aqueles que precisam
de exemplos acessíveis e reais,
porque agora podemos
ser vistos sob essa ótica.
Chegar a esse nível pode levar tempo,
coragem, pequenos passos.
Nem todos esses passos serão lineares
ou parecerão estar indo adiante.
As coisas podem ficar estranhas,
desconfortáveis,
ou até assustadoras.
Talvez você descubra, da pior forma,
quem são seus
verdadeiros amigos e aliados.
Leve o tempo que for preciso pra você.
Não há prazo nem data de validade
para a sua verdade.
Se, neste momento,
você só se sente confortável ou seguro
sussurrando sua verdade para si mesmo,
faça assim mesmo.
Antes de mais nada,
seja visível a si mesmo.
Não troque sua invisibilidade
por um complexo de herói.
Você não deve isso a ninguém.
A única pessoa que você tem
a obrigação de salvar
é você mesmo.
(Aplausos)