Muito obrigada.
Chamo-me Joan Roughgarden e sou bióloga.
Estou aqui para falar da evolução
do sexo e da sexualidade.
A razão por que o faço é que tomei parte
no meu primeiro Desfile Gay Pride
em São Francisco há cerca de 12 anos
e, quando lá estive, reparei
naquela quantidade enorme de pessoas
que a biologia dizia que
tinham um defeito qualquer.
Pensei que provavelmente
não eram as pessoas que eram defeituosas
mas era a biologia que era defeituosa.
Comecei assim a minha investigação,
sobre as variantes
no sexo e na sexualidade,
que apareceu em "Evolution's Rainbow",
o primeiro dos dois livros
que estão ali no ecrã.
Do ponto de vista de um biólogo,
a questão sobre a diversidade
do sexo e da sexualidade
é que leva a questionar
o que ensinamos no currículo habitual.
É uma evolução muito desagradável,
por isso a existência da variação
do sexo e da sexualidade
é problemática para a biologia
e, como vocês sabem,
também é problemática no setor político
e também no setor religioso.
Para a biologia, especificamente,
o problema diz respeito
a uma área da evolução
chamada a Teoria da Seleção Sexual,
de Darwin.
Vou dizer-vos de que é que trata
e depois vou mostrar-vos
que é obviamente incorreta.
A primeira proposição
que Darwin afirma é que
"Os machos, entre todos os animais,
têm paixões mais fortes do que as fêmeas".
Temos assim a expressão "macho arrebatado",
relacionada com Darwin.
Mais ainda, ele diz que a fêmea,
com exceções muito raras,
é menos ansiosa que o macho, é coquete.
Temos assim a expressão 'fêmea coquete'.
No calão atual, o "macho arrebatado"
foi substituído por "macho promíscuo".
e "fêmea coquete" por "fêmea reservada".
A terceira premissa de Darwin
é a mais problemática.
Diz respeito a figuras
como a cauda do pavão
e os galhos de um veado,
e diz que as fêmeas...
Darwin perguntava:
"Porque é que o pavão tem cauda
e o veado tem galhos?"
A resposta é que as fêmeas
escolhem parceiros
que são mais atrativos, vigorosos
e mais bem armados,
tal como os homens podem
dar beleza aos seus machos defeituosos.
Assim, ele imagina
que as fêmeas criam machos
para terem as características
que eles têm.
Podem perguntar:
"Porque é que as fêmeas hão de escolher
machos com ornamentos?"
A ideia é que as fêmeas têm ovos valiosos.
E os machos, por outro lado,
têm esperma barato.
Portanto, os machos, em princípio,
são capazes de abranger uma grande gama,
inseminando tudo
o que lhes apareça pela frente.
As fêmeas são obrigadas
a defender o seu valioso
investimento em ovos.
Assim, a fêmea é forçada
a ser contida e esquisita
e o macho arrebatado ou promíscuo.
É esta a linha
que atualmente é ensinada
nos currículos biológicos no mundo inteiro.
É uma história bonita, em certo sentido,
pelo menos é uma história.
Mas a questão é se será verdadeira.
Vou mostrar-vos alguns exemplos
de diversidade no sexo e na sexualidade
que tornam essas afirmações
praticamente sem valor.
Uma coisa que preciso sublinhar
é que as duas premissas iniciais,
o macho arrebatado e a fêmea reservada,
são proferidas como
generalizações empíricas.
Se sairmos para a rua e apanharmos
um pássaro ou uma borboleta, ao acaso,
ou qualquer organismo, ao acaso,
supostamente o macho será arrebatado
e a fêmea reservada,
com muito raras exceções.
Mas será óbvio que as exceções
estão longe de ser raras.
A primeira questão é que a atribuição
a um sexo, seja macho, seja fêmea,
não é estável nem exclusiva.
Se mergulharmos num recife de coral,
cerca de um terço das espécies
que lá vemos
consiste em indivíduos que têm
ambos os sexos ao mesmo tempo
ou em diferentes épocas da sua vida.
Portanto, no caso destas espécies aqui,
os indivíduos mudam de fêmea para macho
— são um tipo de bodião.
No caso desta espécie aqui,
mudam de macho para fêmea.
E reafirmo, 30% das espécies,
se mergulharmos simplesmente
num recife de coral,
veremos tudo isto à nossa volta.
E não é verdade
que as categorias de machos e fêmeas
sejam estáveis e abrangentes.
Outra questão importante
é o que os biólogos chamam
"Inversão do Papel Sexual".
Diz respeito aos machos que fazem
todo o papel de cuidados paternais
e às fêmeas que têm que se atarefar
para encontrar um macho
que se interesse por elas.
O exemplo mais popular
é o dos cavalos-marinhos.
Nos peixes, os cuidados parentais
são habitualmente fornecidos pelos machos.
Nas aves, é cerca de 50%,
entre machos e fêmeas.
Nos mamíferos, são normalmente
iniciados pelas fêmeas.
Mas nos peixes, o estilo de cuidados
parentais varia conforme as espécies
e, em muitos casos, os machos
colam os ovos à barriga.
É rigorosamente... verdade!
É verdade nesta espécie aqui no meio,
que é um peixe-agulha.
Os cavalos-marinhos são aparentados
com o peixe-agulha
dado que têm uma bolsa de pele na barriga
e as fêmeas depositam os ovos
na barriga dos machos.
Assim, os machos,
em certo sentido, ficam grávidos.
Este é um cavalo-marinho
a receber os ovos da fêmea.
O que acontece nesta situação
é que pode haver mais fêmeas livres
para procurarem machos
que recebam os seus ovos.
Nesta situação são os machos
que estão em posição de decidir
qual a fêmea que eles autorizam
a depositar os ovos na bolsa da sua pele.
Isto é, pois, exatamente
o contrário da história de Darwin,
ou seja, que são as fêmeas
que escolhem os machos.
Aqui são os machos que escolhem as fêmeas.
Isto mostra que a quantidade do esperma
ou do ovo pode não ser importante
ou definitivo na determinação
do papel sexual do animal.
Porque os cavalos-marinhos
produzem pouco esperma
mas, apesar disso, são os únicos que acabam
por fazer todos os cuidados parentais.
Em muitas espécies,
há vários tipos de machos.
Nesta espécie, chamada "combatente",
o da esquerda é um macho
com uma coleira preta em volta,
o de cima tem um colar branco,
e o da direita não tem coleira.
Os machos com coleira preta,
na altura do acasalamento,
vão para uma área, a que chamamos "lek"
que é basicamente uma zona interdita,
reservada a machos.
Quando as fêmeas andam à procura de comida
e querem sexo,
voam por cima do "lek"
onde estão reunidos
todos os machos com coleira preta
e os machos tentam atraí-las
para acasalarem com eles.
Mas a intriga adensa-se
porque o macho de coleira branca,
aqui em cima,
esvoaça com as fêmeas durante algum tempo
e fica a conhecê-las.
Depois abandona essas fêmeas
antes de elas se aproximarem do "lek"
e vai para o "lek", onde estão
os machos de coleira preta.
Os machos de coleira preta cortejam-no
e convidam-no para ele se juntar a eles.
Quando chegam as fêmeas,
encontram alguns territórios
com duas cores, dois tipos de machos,
e as fêmeas preferem acasalar
com o par de machos das duas cores
em vez de acasalar
com os machos só com uma cor.
Eu deduzo que a razão para isso
é que os machos de coleira branca
já conhecem as fêmeas
e podem servir, por assim dizer,
de casamenteiros.
Quando as fêmeas voam
para os machos de coleira preta,
podem fazer apresentações e convidar
fêmeas específicas para se juntarem a eles.
De qualquer modo,
a existência de tipos múltiplos de machos
também contradiz a história de Darwin
em que todos os machos são de um tipo
e todas as fêmeas de outro.
Depois, temos a questão
do homossexualismo.
Há muitos acasalamentos
que ocorrem entre animais do mesmo sexo.
Estes aqui são elefantes.
Estes são carneiros selvagens de Montana.
E estes são primatas,
os nossos parentes mais próximos.
Há mais de 300 espécies,
só nos vertebrados,
em que se tem observado
esta mesma atividade sexual, na Natureza.
Portanto, é muito vulgar.
Tem sido observado e publicado
na literatura científica.
Estes à esquerda são gorilas,
numa interação macho-macho,
e aqui no centro e à direita
temos uma interação
fêmea-fêmea entre bonobos.
Ora bem, as fêmeas bonobos,
acasalam umas com as outras,
várias vezes por dia,
numa espécie de rede social.
O que se passa aqui
é que há muita intimidade física
entre animais,
não só do mesmo sexo,
mas também em grupos múltiplos,
namoros recíprocos, sedução recíproca.
Todas essas formas de comportamento
são formas de trocar prazer físico
uns com os outros.
E eu deduzi que a razão
por que isto acontece é como
um mecanismo para provocar limites
e colaboração entre indivíduos.
Quando os indivíduos se tornam íntimos
fisicamente uns dos outros
podem coordenar as suas atividades
e trabalhar para um objetivo comum
porque experimentam prazer mútuo
em alcançar um objetivo comum.
Portanto, é a realização do objetivo comum
que é gratificante
nessas interações íntimas.
À luz de tudo isto,
a ideia de seleção sexual
parece quase absurda.
É incorreto, mas também é irrelevante,
nem sequer aborda o grau de diversidade
que ocorre na Natureza.
A questão da colaboração
leva-nos à questão seguinte
que é a da família.
Acho que os biólogos também têm
uma ideia incorreta da vida familiar.
Isto é uma citação de Jeff Parker,
no Reino Unido:
"A família hoje é encarada
como um caldeirão de conflito,
"em que cada um dos atores
tem interesses diferentes...
"conflito sexual, conflito pais-filhos,
e conflitos entre irmãos,
simultaneamente".
Isto também é ensinado
nos currículos de biologia.
Se isto fosse verdade, pinta
uma imagem sombria das aspirações
que todos partilhamos
para construir uma vida melhor
fundada na colaboração,
mas pode não ser verdade.
A ideia de família biológica
que tenho vindo a sugerir
de há um ano para cá,
está resumida neste diagrama,
em que a relação pais-pais
é essencialmente colaboradora.
A colaboração realiza-se
através da intimidade física
que produz cooperação
que resolve o conflito genético.
Porque não podemos ignorar o facto
de que há um conflito genético no início.
Mas é preciso resolvê-lo.
Ora bem, no que se refere
à relação pais-filhos,
a minha sugestão é que há um efeito
de leilão dos recursos para a prole
que produz um incentivo
para resolver o conflito genético.
O que eu estou aqui a fazer
é a utilizar a teoria económica
da empresa a partir da economia.
Considerando uma família como uma empresa
cujos produtos são os filhos,
tentar saber se uma organização,
a organização económica duma empresa,
pode ou não servir de guia
para compreender a vida familiar animal.
O que é específico é que
na empresa pais-filhos,
em que os pais estão na posição
de alimentar os filhos,
o que os pais fazem é indicar
aos filhos o preço dos alimentos
e os filhos pagam por isso,
segundo a quantidade
que pedem para lhes trazerem.
Os filhos comunicam o seu pedido aos pais.
E se os pais sabem qual a curva do pedido
podem estabelecer o preço dos alimentos
que levam aos seus filhos,
de modo que os filhos comunicam
honestamente as suas necessidades aos pais.
Quando isso acontece, as funções familiares
são uma unidade muito eficaz
para a produção da prole.
Por isso obtemos a formação
de colaboração de duas formas:
quer através da colaboração,
quer através da intimidade física
que produz uma colaboração.
Ou através do estabelecimento
de incentivos
e das diferentes circunstâncias.
Eu fui abençoada em todo o meu trabalho
pela ajuda destes colaboradores,
Erol Akçay, que é da Turquia,
e Prya Iyer, da Índia.
Portanto, muito obrigada.
(Aplausos)