-Fome, fome, fome! -Não tenho nada, tu tens? -Sim, um pouco. -Chouriço? -Não sei, há? -Sim, queres ou não? -Sim, mas também para ti e para o avó -Há, sim, calma, eu não quero. -Ah, é verdade. -Fome, fome... - Hoje fomos à biblioteca, na escola. - Como? - A Biblioteca... Mediateca. - Quando? - Hoje de manhã. - Ah, de manhã? -Sim. - E? - Peguei num livro. - Para a viagem? - Sim, talvez, sim, ... - Muito bem, sim... - Chama-se "Os avós no campamento de verão" Os avós no campamento de verão - A ver, Garikoitz, o teu... - O avô não come chouriço. - Não, eu nao quero... eu não quero - Como é que está, quente? - Gari, conta-nos onde e com quem moras? - Sim, pois... vivo em Biriatu com a minha avó e o meu avô -Entre bosques, entre montanhas... aqui estás à vontade. - Sim... sim. -Porque é que moras com os teus avós? - Porque os meus pais estavam na prisão e então, com 3 anos -O meu tio trouxe-me aqui, a Biriatu para viver com os meus avós - Tiveste sempre os pais na prisão? -Sim -E como é que se lida com isso? -Pois... pufff, um pouco triste. Quando os vejo, muito feliz, mas no momento da despedida já um bocado triste -Bom proveito, eh? -Muito obrigado. -Depois digo-te onde é que estão as coisas na mochila, ok? -Para dizeres à tia -No teu dia a dia em que é que notas que os teus pais estão na prisão? que coisas deves mudar porque os teus pais estão presos? -Pois... -Calma, Gari. -Ah, e... talvez os trabalhos da escola para a viagem -Já o disse antes... -Sim. -Para pôr... introduzir... na mochila. -Sim, agora o pomos -Eu disse-te para pores os trabalhos da escola, para os fazeres com a Larraitz -E, que trabalhos é que tens? -Matemática -Matemática? Isso é fácil -Sim -Mas, antes disse-te, para os meteres, não disse? -Siiiim! -Desculpa, podes repetir a pergunta? -Não me lembro... -Sim, queremos saber o que é significa para ti ter o pai e a mãe na prisão. -Pois, quer dizer que às vezes se passa mal outras vezes não, mas sempre lembrar-se deles e amá-los muito -Onde é que nasceste tu? -Em Granada, na prisão -Pois, normal, depois quando termine farei-o, e assim, pois... -Mikel é muito simpático, e às vezes falamos ou brincamos com os miúdos, com a Jare -E com a Jare, é muito fixe! Sim, essa rapariga,... e pede ao Mikel, como é que se disse... que ponha o wifi no teu tablet. -Sim, isso já... sim, sim. -Para brincar um pouco com o tablet. -Sim -Se ficas chateado, ou... -Sim, ou ouvir música. -Isso é! Ou ver videos... não é? -Benito Lertxundi, ou Huntza ou... -Sim, isso. -Ah, sim! E a noite um filme. -Em quantas cadeias estiveste? -Sete ou cinco, ou... não sei. -Quantos anos passaste na prisão? -Três. -Três anos. -Três anos. -Dei-te a maior! -Avó, eu já sei cortar, calma. -Ok, está bom, corta. -Quando há mudanças de cadeia, mudanças de prisão dos pais, como é que se vive isso? -Mal, porque se os trouxessem mais perto, mas como não os trazem, pois... é mais longe, e mal. -Todos esses movimentos foram para ir mais longe? -Sim. -Um dia, estava com o Aitzol, o meu primo mais velho, e chegamos ao Cepo para o pequeno almoço, não é? E logo com a tia e tal, e disseram "que tal a viagem?" E respondeu o primo Aitzol: "Nós a tomar o pequeno almoço em Cepo, e o Gari... a dormir "seco" (profundamente)! Bem-vindo. Hoje vamos de autocarro até Cádiz. 2.000 kilometros de viagem, ida e volta. Ajudaremos a um miúdo que tem os dois pais na prisão Gari nesceu na prisão, e viveu na cadeia os seus primeiros três anos -Contas que nasceste na prisão? -Sim. -E, o que é que te dizem? -Que é muito estranho. Agora tem 9; vive em Biriatu, e viaja uma vez por mês para ir ver os pais. Gari não é a única criança que conheceremos hoje no "Ur Handitan" Se querem viajar connosco... sejam bem-vindos! -Malen, conheceste ao teu pai na prisão. -Sim. -Há quantos anos é que ele está preso? -20. -20 anos, e quantos é que tens? -18. -Liga ao Aiur duas vezes por semana, e a mim outras duas, porque tem oito chamadas. -Nós não lhe podemos ligar. -Nessas viagens de carro... -Pois... -Em que pensas? -Em quando é que chegaremos, se ele estará bem... -Por que é que temos que pagar nós também o castigo dele Por que temos que fazer tantos quilômetros. -Tratam-te bem na prisão? -Depende quem, às vezes sim, outras vezes são muito duros. -Como descreverias a cadeia? -Suja e velha. -Sim? -Escura, não entra luz natural. -Fria e escura. Ur Handitan OS MENINOS DA MOCHILA -Gari, espera! -Diverte-te! -Calma, ok? O autocarro sai de Errenteria. Gari hoje viaja com a sua tia Txipi -Pois, bem.... -Beijinhos! -Adeus! -Adeus! -Ajuda a Maite, a avô, sim. -Tia, os trabalhos da escola, os trabalhos da escola, sim, sim... -Tens? Mas não trouxeste nada. Faremos os trabalhos no domingo, em casa, não é? -Não, não, sim os trouxe. -Trouxeste os trabalhos da escola? -Sim. -E onde os faremos? Em Algeciras? -Não, pois... -Tens tudo na mochila? -Sim. -Isso pois, bem, bem... -Gari, onde é que nasceste? -Em Granada, na cadeia. -E depois, tiveste que te mudar a uma outra cadeia? -Acho que sim, a Valencia. -Contas que nasceste na cadeia? -Sim. -E como o contas? Como curiosidade, como algo especial... -Como algo especial. -Contas aos amigos? -Sim. -E o que é que te dizem? -Que é muito estranho. -Que é muito estranho. -Sim. -E perguntam muito? -Sim, muito. -Que querem saber? -Uma e outra vez, como é que estou, como é que faço as viagens, quantos quilómetros... coisas do género. -Disseste que nascer na cadeia é especial... -Sim. -Como de especial? O que é que achas? -Triste. -Triste? -Sim. -Sim, tenho trabalhos da escola. Bom... no autocarro. Para a segunda-feira. -Às vezes, liga quando ninguém espera e outras vezes, ficamos à espera da chamada. -Podes falar ao telefone com o pai? -Sim, 5 minutos. Aos fines de semana. -Aqui também a chover! Se não, o guardachuvas e o casaco. -Como te comunicas com o pai? -Por telefone, carta o visita. -Quanto duram as chamadas? -5 minutos. -5 minutos? -E o que é que achas, são cumpridas ou curtas? -Curtas. -Te parecem curtas. -Sim. -Corta-se de repente, não é? -Sim. -O pai diz, "vai cortar!", e clank, corta-se! -Sim. -E ficas como? "Ainda não contei o que é que me aconteceu ontem", dizes-me muitas vezes. -Sim. -Acaba já? Caraças... quero-te! -Sim, beijinho, amo-te! -Já? -Sim. -Que é que conta? Também chove lá, em Algeciras? -Sim. -Ai é? puxa! -Sabes como é a vida deles, na prisão? -Não. -Contam-te ou... não perguntas? -Às vezes... mas não sei muito. -O que é que te contaram eles? -Pois, realmente, contaram-me quase nada. -Calma... por que é que achas que não te contam? -Porque para mim não é... porque não vou gostar, por isso. -Sim, obrigado. Espera, o avô, onde é que ele está? -Olha, estão aqui, olha! -Olá! -Olá! -Viva! Depois de parar em Donostia vem a paragem de Bilbau. Alí está o outro avô de Gari, disposto a cumprimentar o neto. -Agora, nesta entrevista, é verdade te entristeces e que saem todas as emoções, mas, no dia a dia, és um rapaz forte. -Sim. -Alegre... como fazes? -Pensando que voltarão... e tentando não ficar nervoso. -O que é que te ajuda a seguir em frente? -A avó e o avô. -Olá! -Olá! -Diz-lhe. -Olá, Ixare! -Olá, tudo bem? -Tudo bem. -Ficamos aquí? -Não, temos que sentar-nos atrás. -Isso tem que ficar livre, é por isso que estamos aqui. -Aos sábados e aos domingos tenho torneio, não é? -Sim. -E às vezes posso jogar, e outras vezes não, porque vou ver os meus pais. Mas, é lógico, prefiro, já terei mais torneios! Prefiro ver os meus pais, do que jogar no torneio -Sempre perguntava quando é que ele voltaria. E passei um período muito crítico, mal... e os pais disseram-me para que eu me acalmasse, que o pai estaria no próximo campeonato de bertsolaris comigo. Fiquei feliz, mas com o tempo me apercebi que era mentira, que tinham-mo dito para me acalmar. -a mãe te disse que o pai estaria no campeonato de bertsolaris. -Sim, comigo. -Mas... ele não esteve no último campeonato. -Não. -O que e que pensas nas viagens de carro? -Quando chegaremos, se ele estará bem... -Se o pai estará bem? Porque é que te preocupa isso? -Pois... muitas vezes fica doente. -Ele conta-te as suas dificuldades? -Às vezes sim, outras vezes não. -Achas que não te conta tudo, para não te magoar? -Não sei... mas tudo não. -Hize, entrevista. Em Murcia, na cadeia... Combinamos por telefone para ver os desenhos animados na mesma hora e para olhar a lua à mesma hora. -Para ver os desenhos animados e olhar a lua à mesma hora -Ah! então vêem os mesmos desenhos animados à mesma hora -Sim! -É quase como estar juntos! E olhar para a lua ao mesmo tempo, isso também é quase como estar juntos! -Liga para Aiur duas vezes por semana e duas a mim, porque tem oito chamadas. Nós não lhe podemos ligar. -E os teus amigos sabem onde estão os teus pais, sim. -Sim. Normal... normal. -E os professores também? -Sim. -E percebem? -Sim. -Ok. -Falas com os professores sobre isto? Perguntam? -Não. -Alguma vez tive problemas com algum professor, desde o momento em que sabe. Parece... não sei se é medo ou... uma preocupação porque muda a relação com o professor. O professor sabe uma coisa muito especial da tua vida... Agora se o vêem, ficarão a saber! -Depende de como seja o professor, pode dizer: "Coitada!" ou coisas do género... e não quero dar lástima, não gosto. -O que é que pensaste quando a professora Nuria se propus para viajar contigo? -Achei bem e fiquei feliz. -E quando voltei da primeira visita, lembro-me que disse logo de manhã no corro, quando estavamos juntos: "Não sabem como é gira a mãe da Haizea tem anéis tão giros, e colares..." E ainda lembro do olhar da criança nesse momento. E a partir desse momento é que ela começou a falar com mais naturalidade sobre a sua situação. -A professora disse-nos que quando eras mais pequena, ficavas triste quando os outros meninos falavam dos seus pais -Sim. -Porque? -Porque os pais deles estão na rua, e os meus não, então... pois... fico triste -Quando a Haizea entrou na aula, pensei, "conheço os outros pais, posso dar a conhecer a situação aos outros pais... pois eu com estes pais também quero estar. Como não vou contar a essa mãe, e ao pai neste caso, dizer a essa mãe como é que esta a menina, não é? as asneiras que ela faz... Como brinca... como se comporta... -O outros meninos têm pais que se reunem com os professores -Sim. -E assim tu também tens? -Sim. -Qual foi a reação dos pais? -Eu, se calhar por ser mãe, quando entrei e vi os dois juntos, não é? o olhar da mãe, incrível, sim... -Nunca esquecerás a primeira visita? -Jamais, não... -Tens momentos tristes, na escola e ela está aí para te ajudar? -Sim, sinto-me mal e vou-me embora, e às vezes me vê a Nuria -É uma protecão? -Sim -Alguma vez te criticaram por este trato especial que tens com os pais da Haizea? -Não, nunca, jamais. -Deve ser difícil manter uma distancia ética. -Não é fácil. -Não é fácil. -Porque? -... não sei. Às vezes pões uma barreira entre o que pensas e o que dizes não é? tens que pôr a barreira, não é? Porque sou a professora e porque não se podem misturar as coisas Coisas pessoais, as tuas vivencias, a relação com a familia sempre tem que haver certa distancia, percebes? -O que é que queres ser de maior? -Não sei. -Cocinheiro? -Talvez, não sei. -O que? -Não sei. -Músico talvez. -Se calhar sim. -Gosto muito do grupo Huntza, para ouvir, sim. -Sim? -Sim, gosto muito. E de Anje Duhalde. -A sim? -Sim, sim, e... -Então com as boas notas os pais ficaram contentes, não é? -Sim. -Fogo! -Pois, acho. Amanhã vou-lhes dizer. -Com certeza! -Não sabem (Ouve-se a música "Malen" de Ken Zazpi) -Podes contar-nos a istoria da música "Malen" de Ken Zazpi'? -Quando a minha mãe estava grávida, escreveram a letra e chamaram-lhe "Malen" -E que é o que diz? -Pois, como são as viagens, não é? As viagens, e depois, 40 minutos. -Quando era pequena não gostava da música ficava envergonhada. Quando, por exemplo, íamos ver os Ken Zazpi Quando Ken Zazpi tocava a música, Malen, eu me escondia porque sempre diziam, ao microphone: "Hoje está aqui a menina Malen" e eu ficava super envergonhada. Mas agora, agora cantam-na, e eu "aqui, aqui!, sim. -A música diz que o vidro grosso não te roubará o sorriso A ti não te robou. -Não, não sei, sempre a sorrir, não é? Malen, 18 anos, não conheceu o pai fora da prisão Agora está em Almeria, antes em Jaen. Agora mais longe. -Como são as lembranças da infancia da Malen? -Tens a sensação que já passaram os melhores anos com o teu pai? -Os melhores anos com o pai foram em Jaen, e o que eu brinquei com o pai, e as visitas, e tudo isso... Esses foram os melhores anos. Ao fim... Não são como os dos outros meninos: "Foi ao parque com o pai e foi o melhor dia da minha vida!" Não é? A minha é mais... aqueles anos em Jaen. Para ele foram anos muito duros, mas as minhas lembranças são boas, sim. -Eu estou bem quando estou com ele, mas quando saio, a despedida é um pouco triste, é um abraço e depois não o vejo durante um mês. -De certeza. -É... até Janeiro, nada! -Notas alguma evolução nõ teu carácter, nas perguntas, preocupaçoes? -Quanto mais velha, sou mais consciente da situação e da realidade, e... e mais perguntas: por que é que temos que pagar nós o castigo dele? por que é que nos obrigam a fazer tantos quilómetros... -Achas que com a dispersão querem que tu também pagues o castigo do teu pai? -Sim, porque ao fim, ele pode estar igualmente em Castellón ou em Cordoba como em Zaballa. Isso é vingança. -Saber que os teus familiares passam 8 horas num carro e... que logo têm que voltar, com qualquer clima... E saber que fazem essa viagem por ele... Isso, isso é uma carga para os pressos. E querer que sejamos os familiares a passar isso só cabe se percebe por o ponto de vista do ódio. Como um ódio, que nós não temos porque sentir. -Estou com sono. -Sim, estás? um pouco? -Temos familiar as 10:30, logo as 13:00 temos vidros, e tu à tarde tens "convivência" com o papá e a mamá, 4 horas a tarde. -E as 8, o autocarro. -Sim, saímos as 8 volta para o Pais Basco. Levas duas vidas ao mesmo tempo, não é? Porque tens por um lado a tua vida aqui e logo tens por outro lado a tua vida: visitas, viagens... Tudo, o mês enteiro depende das visitas. É como ter duas vidas. -O vidro é pior, por... -Não podes tocar os pais... -Mas a minha mãe trabalha na biblioteca cuida da biblioteca, e por cuidar 3 meses da biblioteca, dão-lhe pontos, e dão-lhe uma visita extra. -Sim? Jesus! -Nerea... -Sim, a sua amiga Nerea... -Foi no outro dia, 16 anos sem abraçar a minha mãe... porque vinha, mas sempre no vidro! -Que bem! -Sim, e 15 anos depois, por exemplo, o avô Juanjo. --Sim, sim. -Quanto? Mesmo muito! -Sim, com o vidro é muito... -E o tio Loren. -Sim, o tio Loren também. Claro, não pode -Porque são pessoas, que... não vêm muitas vezes. -Claro, claro. E então ficam só com o vidro. E todos os amigos, claro. Só pode estar com eles a familia. Ao contrario, não. Visitas o pai uma vez por mês, em Castellón. -Onde tens que ir ver o pai? -A Murcia. -Murcia! Está muito longe, não é? -Sim! -Quantas horas? -Oito. -Oito horas, e vamos de carro. Jogar com o tablet, olhar ao céu e ouvir música. E às vezes fico enjoada. -E às vezes vomito. As vezes enjoas-te, não é? -E o Aiur viaja bem? -Sim. -Sim, em realidade portam-se bastante bem, não é? -Sim. -Isso foi feito pelo pai, e vêm os pássaros, sabias? -Sim. Mas não cabem, porque o pai fez o buraco pequeno de mais. -Já, buitres não vão caber, Aiur. -Entram passarinhos, perdizes e assim. -Perdizes? -Não sabes o que é que são as perdizes? -Sim, o que bebe o avô. -E... quando vês o pai depois de atravessar 9 portas, o que é que fazes quando vês o pai? -Salto para acima dele. -Quando e que é tens a próxima visita? -No final de Janeiro. -Ele está no sul de França, em Arles numa cadeia... de execução. -Pegar em muita comida, pegar nas malas e embora. -Temos de preparar... as coisas que vamos lhe entregar, Temos que preparar o saco, sempre. -Mas já com ilusão. -Agora quais são as tuas preocupações? -Dudas...? Não sei. -Sobre a situação dos teus pais, quero dizer. -A!, Sim, sim... tenho preucupação sobre como estão, o que é que fazem, se... se vivem bem... -Perguntas aos avós sobre isso? -Às vezes sim. -E o que é que te respodem? -Dizem sempre a verdade. -Quais são as preocupaçoes, Hize? -Exatamente, por qué é que o pai está na cadeia. -Sim, pergunta isso cada vez mais concretamente. Ao princípio respondemos geralmente, e ela, pois isso, quanto mais velha, precisa de respostas mais concretas e nós damo-as. Acho que se deve dizer a verdade às crianças. O que é que quer dizer que a mãe de Hize diga a verdade? Sabem estas crianças menores da idade o que é que fizeram os seus pais antes de entrar na prisão? E, se o sabem, o que é que pensam sobre aquilo que fizeram os seus pais? O objectivo deste programa não é perguntar às crianças sobre aquilo que fizeram os seus pais. O objectivo é analisar o seguinte: quais são as consecuencias da política de prisão de excepção nestas crianças. Uma das consecuencias da política de excepção é manter os pressos longe do seu lugar de nascimento: 54 pressos, entre 100 e 390 quilômetros. 103 pressos, entre 400 e 690 quilômetros. 211 pressos, entre 700 e 1.100 quilômetros. Os protagonistas de hoje fazem o dobro destes quilômetros para poder estar um tempo com os pais e regressar a casa. Hoje estamos a falar desta política de excepção. O quanto que estas crianças sabem sobre o que fizeram os pais e o que pensam sobre isso... isso que pertence à intimidade deles... dava para um outro programa. -A mãe disse-nos que com 14 anos, já estás a ficar adulta e que começaste a procurar em Internet. O que é que encontraste? Quais são as tuas preocupações? -Sim, procurei, com 11-12 anos, e, não era algo que precissava, mas por curiosidade... começei a procurar sem saber o que podia encontrar. -O que é que procuravas? Escrevias o nome do pai em Google? -Sim. -E alguma sentencia, ou... algum artículo? -Sim, mas, ao fim, num jornal punha uma coisa e num outro, outra.. No fim de contas estavam a falar do meu pai, não é? então não sabia muito bem... em que acreditar, em que não... -Qual foi a tua reação? -Não disse nada, mas depois comentei com a mãe, e há diferentes versões... é diferente em cada sitio -E a mãe, contou-te tudo? -Sim. -Entre as perguntas que fazes à tua mãe, há alguma se repita? -Sim, "quando vai voltar?" -E? Qual é a resposta a essa pergunta? -Não sei. Em breve. Isso diz ela. -Quántos anos deve de passar na prisão o teu pai? -Pois, 40 anos. -Buff, é muito! -Sim. -E? -Pois...Não sei. -Porque tantos anos? -Os companheiros da escola, as amigas, perguntam muito sobre o teu pai? -Quando éramos pequenas sim, perguntavam: "Porque está o teu pai preso?" E era-me difícil explicar porque, porque não sabia muito bem, elas também não... Ainda só sabemos o que nos disseram em casa. A minha mãe sempre me respondia, que perguntaram elas na suas casas. Porque ao fim de contas, em cada casa explicaram duma maneira e a minha mãe achava que ela não era ninguém para explicar nada a outras crianças para entrar nesses temas, é mais apropiado para falar em cada casa, e depois, eu dizia aos meus amigos: "Eu não sei, a minha mãe disse-me para perguntares à tua mãe". A maioria das vezes respondia isso, e ao fim, isso... Os amigos, a dada altura, deixaram de perguntar então penso que já falaram em casa... -Sim, trouxe o tablet, para passar o tempo os cascos para a música... -Novos? -Foi um pressente do avó. -Ai é? Que bom! -E os livros para fazer os trabalhos da escola. -Que bom. -Sim, farei os trabalhos depois depois de ver a minha mãe, no autocarro. -Ai é? -Sim, sim... -Bom, tens que levar tudo feito para a segunda-feira, não é? -Sim, e não os posso fazer na segunda de manhã... -Não, não... -Qual é o ambiente nessas viagens? -É bonito, alegre, e às vezes me rio muito. -Sim? Com que é que te ris? -Com o motorista. -Porque? -Porque tentam me entreter, e entretêm-me -És dos mais novos? -Sim. (Estão os dois a cantar) -Agora estamos a preparar as camas. Aqui dormirá Garikoitz, aqui Maitetxu e aqui eu. E Larraitz. É isso... Preparam os beliches antes de jantar. Agora vamos jantar, e bom... Depois chegamos e... até manhá. -Jesus! -E, que tal, Xare, a viagem? Bem? -Desejando para ver o papá, não é? -Sim? -Em Larrabetzu estava já a disser que queria ver o papá hoje. -Sim? -Sim, amanhá de manhã, não falta muito. -Amanhã de manhã vais ver o papá? (Diz que não com a cabeça) -Quando? -À tarde! -Aaaa!!! -Sim, vem comigo, não é? -Amanhá não, porque temos familiar. Vocês convivencia, e nós no quarto pequeno. -E depis "convivencia", e vidro, de manhã e de tarde. -Mas o vidro não é... O vidro não é... Tão bonito como o familiar. -Não, de certeza. Não poder tocar a mamá, nem o papá. Claro, é por isso, não é? -Qual preferes tu, Xare? -Aaa! Para tocar, o papá! Siiim, e para beijar o papá! -Sim? -Abrimos? Xare, fala como uma criança de 4 anos, eh!? não como uma menina pequena. -Quantos anos tens, 4? (Mostra 4 dedos) -Que grande!!! -Sim, mas agora está um bocado alterada... e parece... -se calhar estás cansada, não é? -Xare às vezes fica com raiva, não é? quanto tem que dizer adeus ao pai. -Eh? (A menina diz que sim com a cabeça) -Não para de fazer de asneiras. Bom, Gari, adeus querido, até manhâ. -Boa noite. Alguns familiares saem na prisão de El Puerto de Santa Maria. Ainda faltam 110 quilometros para chegar a Algeciras. Os últimos. -Já falta pouco, eh! -Espero, porque... ... começamos ontem as 5 e ainda estamos aqui. -Sim, sim... -Ainda falta uma hora ou dois... -Sim. Levamos 14 horas, não é? -Ter que fazer 1.600 km, com duas crianças, de carro... e com tantas probabilidades de ter acidentes, e dizes uf! melhor de avião, embora pagues muito... Os acidentes são, claro, o maior perigo da dispersão. Provocou docenas de mortos e feridos nos últimos anos. Os familiares também ponderam a opção do avião, mas é muito mais caro. -Também agora os aviões mudaram os horários e... muitas vezes não coincide com as visitas, não é? -E muitas vezes sai tarde, e chegávamos tarde à visita. -Isso é. E que acontece se chegas tarde a visita? -Não podes entrar. -Sim, mas outras vezes chegamos à horas, e entramos tarde, não é? -Sim! -Porque abrem tarde as portas. -Sim... assim é a prisão, não é? -É. -Muitas vezes dissemos isso: "assim é a prisão!". -Sabes que uma vez contei as portas que temos que atravessar desde que entramos na cadeia até que vemos o papá? -Atravessamos uma e ficamos parados, não é? Temos que esperar. -Sim! -Abrem-nos outra porta, passamos, e outra vez a esperar... E assim nove vezes! -Passar nove portas, e esperar muito. -O qué é que acontece quando entras na cadeia? -Temos que estar hora e meia antes, e aí damos o BI e as marcas digitais. Depois, quando entramos, revistam-nos com uma raquete... quando entramos, esperamos numa sala, e mais tarde entramos -Aí estão os trabalhadores da prisão, não é? Os trabalhadores da prisão. Cómo é a relação com eles? -Bom... há muitos e cada um é uma pessoa, normalmente é de respeito, mas com alguns temos problemas... Mas normalmente respeituosa. -No verão, estava a olhar aos teus trabalhos da escola e encontrei desenhos e testos muito bonitos. E muitas vezes contavas isso, "no fim de semana foi ver o meu pai", "divertei-me muito..." E havia um desenho que achei muito especial. Lembras? -Sim, um oficial zangado, -Cómo é a relação com eles? -Não sei... Não ligo, então... -Dizem "adentro" ou... "espera" ou... ou "o que é que tens aí?" -E como desenhaste o oficial zangado? Assim, com dentes grandes e fechados? -Sim. -E por que é que estava zangado? -Porque sempre estão zangados. -Os oficiais sempre estão zangados? Achas? -Sim. -Sim? E por que achas isso? -Não sei. -Como estão, muito sérios? -Sim. -Sim? -Sentes-te bem tratada na prisão? -Segundo com quem... às vezes sim, outras, duro demais. -Preparas bem cada visita, cada hora que passas com o pai? -Sim, mas cada visita é diferente, tem coisas diferentes... -É curioso que cada visita, embora sejam todas especiais e estejam tão concentradas... é dificil lembrar-te duma entre todas outras todas são especiais, mas é difícil lembrar-se de uma em especial. -Como é uma cadeia por dentro? -Barrotes, muros, o barulho das portas, e como o pai sempre esteve em isolamento, nós temos que ir a zona do isolamento. E é muito pequena, escura, não entra luz natural. -Suja e velha. -Fria e escura. -Alguma vez viste o quarto do pai? -Não. -Ele contou-te como e que é? -Não. -Perguntaste alguma vez? -Também não. -Porqué? -Porque... passamos o tempo que estamos juntos em outras coisas. -Como é o encontro? -Bom, eu desde bem pequena... sempre, quando abrem a porta, vou a correr e, apanha-me em braços, sempre. -Aiur e eu saltamos para acima dele e brincamos muito. -A pergunta sempre é como e que está o pai. E essa é uma pergunta que respondi tantas vezes... e é talvez a pergunta mais difícil. -Para ti, o que é que o mais importante para que digas: "aproveitamos bem"? O que lhe tens que transmitir para pensar "foi uma hora e meia bem aproveitada"? -Transmitir amor um ao outro, ter bons momentos... Bom, e ter maus momentos também se for preciso. -Sentiste alguma vez a necessidade... de pôr alguma distancia entre ti e o teu pai e as viagens? -Não, nunca. todos queremos ter a melhor relação possível com os que estão dentro. -Logo, no fim, vem um oficial e te diz: "Acabou". -Sim, ou, "vayan acabando" ou "vayan saliendo", e em esse momento uma raiva ou... -Um oficial desde um microphone. -Com ele, como quando era pequena, não é? Quero ficar com ele. -Um abraço ao pai, e começar a pegar em tudo. -E... esse adeus nunca é fácil. Embora queiramos sair da prisão, não queremos que acabe a visita. -Porque tenho que esperar outro mês para ver ao pai. -E com os anos, quando vês que o aproximação não chega, não te rendes? -Não. Sempre tem que haver esperança. Não crês em falsas expectativas, mas sempre tens a ilusão: será que o trazem mais perto, ou... algo, não é? Será que muda tudo de repente, há uma grande mudança... não sei. Sempre tens... esperança. A esperança, acho eu, nunca se deve perder. Se perdes a esperança... não tens nada.. -Tens alguma visita com o pai, que nunca esqueceras? -No ano passado fomos no seu aniversario, Foi entre semana, perdi a escola, eu queria ir nesse dia. Ele escreve-me bersos no meu aniversário, então eu também escrevi um para ele e foi muito bonito. -Lembras o berso? -Sim. -Podes cantá-lo? -Há anos passados, muito tempo, todo o amor que há entre nós, guia do dia a dia. A distança ofrece, força a nossa relação, não nos verão tristes, nós sempre alegres, a cantar, mesmo sejam cuarenta anos, ou sejam cento e dois, mesmo sejam cuarenta anos, ou sejam cento e dois. -Sim, quero tirar a carta, porque não quero ir sempre de autocarro e quero ir pela minha conta, e espero que seja bonito. E dizer aos meus pais quando chegue: "fiz a viagem sozinho por primeira vez" Tenho essa ilusão. -Para tirar a carta do carro, então. -Sim.