-Fome, fome, fome!
-Não tenho nada, tu tens?
-Sim, um pouco.
-Chouriço?
-Não sei, há?
-Sim, queres ou não?
-Sim, mas também para ti
e para o avó
-Há, sim, calma, eu não quero.
-Ah, é verdade.
-Fome, fome...
- Hoje fomos à biblioteca, na escola.
- Como?
- A Biblioteca... Mediateca.
- Quando?
- Hoje de manhã.
- Ah, de manhã?
-Sim.
- E?
- Peguei num livro.
- Para a viagem?
- Sim, talvez, sim, ...
- Muito bem, sim...
- Chama-se "Os avós no campamento de verão"
Os avós no campamento de verão
- A ver, Garikoitz, o teu...
- O avô não come chouriço.
- Não, eu nao quero... eu não quero
- Como é que está, quente?
- Gari, conta-nos
onde e com quem moras?
- Sim, pois... vivo em Biriatu
com a minha avó e o meu avô
-Entre bosques, entre montanhas...
aqui estás à vontade.
- Sim... sim.
-Porque é que moras com os teus avós?
- Porque os meus pais estavam na prisão
e então, com 3 anos
-O meu tio trouxe-me aqui,
a Biriatu
para viver com os meus avós
- Tiveste sempre os pais na prisão?
-Sim
-E como é que se lida com isso?
-Pois... pufff, um pouco triste.
Quando os vejo, muito feliz,
mas no momento da despedida já um bocado triste
-Bom proveito, eh?
-Muito obrigado.
-Depois digo-te onde é que estão as coisas
na mochila, ok?
-Para dizeres à tia
-No teu dia a dia em que é que notas
que os teus pais estão na prisão?
que coisas deves mudar porque
os teus pais estão presos?
-Pois...
-Calma, Gari.
-Ah, e... talvez os trabalhos da
escola para a viagem
-Já o disse antes...
-Sim.
-Para pôr... introduzir... na mochila.
-Sim, agora o pomos
-Eu disse-te para pores os trabalhos
da escola, para os fazeres com a Larraitz
-E, que trabalhos é que tens?
-Matemática
-Matemática? Isso é fácil
-Sim
-Mas, antes disse-te,
para os meteres, não disse?
-Siiiim!
-Desculpa, podes
repetir a pergunta?
-Não me lembro...
-Sim, queremos saber o que é significa para
ti ter o pai e a mãe na prisão.
-Pois, quer dizer que
às vezes se passa mal
outras vezes não, mas sempre lembrar-se
deles e amá-los muito
-Onde é que nasceste tu?
-Em Granada, na prisão
-Pois, normal, depois quando
termine farei-o, e assim, pois...
-Mikel é muito simpático,
e às vezes falamos
ou brincamos com os miúdos, com a Jare
-E com a Jare, é muito fixe!
Sim, essa rapariga,... e pede ao
Mikel, como é que se disse... que ponha o wifi
no teu tablet.
-Sim, isso já... sim, sim.
-Para brincar um pouco com o tablet.
-Sim
-Se ficas chateado, ou...
-Sim, ou ouvir música.
-Isso é! Ou ver videos... não é?
-Benito Lertxundi, ou Huntza ou...
-Sim, isso.
-Ah, sim! E a noite um filme.
-Em quantas cadeias estiveste?
-Sete ou cinco, ou... não sei.
-Quantos anos passaste na prisão?
-Três.
-Três anos.
-Três anos.
-Dei-te a maior!
-Avó, eu já sei cortar, calma.
-Ok, está bom, corta.
-Quando há mudanças de cadeia,
mudanças de prisão dos pais,
como é que se vive isso?
-Mal, porque se os
trouxessem mais perto, mas como
não os trazem, pois...
é mais longe, e mal.
-Todos esses movimentos
foram para ir mais longe?
-Sim.
-Um dia, estava com o Aitzol,
o meu primo mais velho, e
chegamos ao Cepo para o pequeno
almoço, não é? E logo com a tia e tal,
e disseram "que tal a viagem?"
E respondeu o primo Aitzol:
"Nós a tomar o pequeno almoço em Cepo,
e o Gari... a dormir "seco" (profundamente)!
Bem-vindo. Hoje vamos de
autocarro até Cádiz.
2.000 kilometros de viagem, ida e volta.
Ajudaremos a um miúdo que
tem os dois pais na prisão
Gari nesceu na prisão, e viveu na
cadeia os seus primeiros três anos
-Contas que nasceste na prisão?
-Sim.
-E, o que é que te dizem?
-Que é muito estranho.
Agora tem 9; vive em Biriatu, e viaja uma vez por mês para ir ver os pais.
Gari não é a única criança que
conheceremos hoje no "Ur Handitan"
Se querem viajar connosco...
sejam bem-vindos!
-Malen, conheceste ao teu pai na prisão.
-Sim.
-Há quantos anos é que ele está preso?
-20.
-20 anos, e quantos é que tens?
-18.
-Liga ao Aiur duas vezes por semana,
e a mim outras duas, porque tem oito chamadas.
-Nós não lhe podemos ligar.
-Nessas viagens de carro...
-Pois...
-Em que pensas?
-Em quando é que chegaremos,
se ele estará bem...
-Por que é que temos que pagar
nós também o castigo dele
Por que temos que
fazer tantos quilômetros.
-Tratam-te bem na prisão?
-Depende quem, às vezes
sim, outras vezes são muito duros.
-Como descreverias a cadeia?
-Suja e velha.
-Sim?
-Escura, não entra luz natural.
-Fria e escura.
Ur Handitan
OS MENINOS DA MOCHILA
-Gari, espera!
-Diverte-te!
-Calma, ok?
O autocarro sai de Errenteria.
Gari hoje viaja com a sua tia Txipi
-Pois, bem....
-Beijinhos!
-Adeus!
-Adeus!
-Ajuda a Maite, a avô, sim.
-Tia, os trabalhos da escola,
os trabalhos da escola, sim, sim...
-Tens? Mas não trouxeste nada. Faremos os trabalhos no domingo, em casa, não é?
-Não, não, sim os trouxe.
-Trouxeste os trabalhos da escola?
-Sim.
-E onde os faremos? Em Algeciras?
-Não, pois...
-Tens tudo na mochila?
-Sim.
-Isso pois, bem, bem...
-Gari, onde é que nasceste?
-Em Granada, na cadeia.
-E depois, tiveste que te mudar
a uma outra cadeia?
-Acho que sim, a Valencia.
-Contas que nasceste na cadeia?
-Sim.
-E como o contas? Como curiosidade,
como algo especial...
-Como algo especial.
-Contas aos amigos?
-Sim.
-E o que é que te dizem?
-Que é muito estranho.
-Que é muito estranho.
-Sim.
-E perguntam muito?
-Sim, muito.
-Que querem saber?
-Uma e outra vez, como é que estou,
como é que faço as viagens,
quantos quilómetros... coisas do género.
-Disseste que nascer
na cadeia é especial...
-Sim.
-Como de especial?
O que é que achas?
-Triste.
-Triste?
-Sim.
-Sim, tenho trabalhos da escola.
Bom... no autocarro.
Para a segunda-feira.
-Às vezes, liga quando
ninguém espera
e outras vezes, ficamos à espera
da chamada.
-Podes falar ao telefone com o pai?
-Sim, 5 minutos.
Aos fines de semana.
-Aqui também a chover!
Se não, o guardachuvas e o casaco.
-Como te comunicas com o pai?
-Por telefone, carta o visita.
-Quanto duram as chamadas?
-5 minutos.
-5 minutos?
-E o que é que achas, são cumpridas ou curtas?
-Curtas.
-Te parecem curtas.
-Sim.
-Corta-se de repente, não é?
-Sim.
-O pai diz, "vai cortar!",
e clank, corta-se!
-Sim.
-E ficas como?
"Ainda não contei o que é que
me aconteceu ontem",
dizes-me muitas vezes.
-Sim.
-Acaba já? Caraças... quero-te!
-Sim, beijinho, amo-te!
-Já?
-Sim.
-Que é que conta? Também chove lá, em Algeciras?
-Sim.
-Ai é? puxa!
-Sabes como é a vida
deles, na prisão?
-Não.
-Contam-te ou...
não perguntas?
-Às vezes... mas não sei muito.
-O que é que te contaram eles?
-Pois, realmente, contaram-me quase nada.
-Calma... por que é que
achas que não te contam?
-Porque para mim não é...
porque não vou gostar, por isso.
-Sim, obrigado.
Espera, o avô, onde é que ele está?
-Olha, estão aqui, olha!
-Olá!
-Olá!
-Viva!
Depois de parar em Donostia
vem a paragem de Bilbau.
Alí está o outro avô de Gari,
disposto a cumprimentar o neto.
-Agora, nesta entrevista,
é verdade te entristeces e que
saem todas as emoções,
mas, no dia a dia, és um rapaz forte.
-Sim.
-Alegre... como fazes?
-Pensando que voltarão...
e tentando não ficar nervoso.
-O que é que te ajuda a seguir em frente?
-A avó e o avô.
-Olá!
-Olá!
-Diz-lhe.
-Olá, Ixare!
-Olá, tudo bem?
-Tudo bem.
-Ficamos aquí?
-Não, temos que sentar-nos atrás.
-Isso tem que ficar livre,
é por isso que estamos aqui.
-Aos sábados e aos domingos
tenho torneio, não é?
-Sim.
-E às vezes posso jogar,
e outras vezes não,
porque vou ver os meus pais.
Mas, é lógico, prefiro,
já terei mais torneios!
Prefiro ver os meus pais,
do que jogar no torneio
-Sempre perguntava quando é que ele voltaria.
E passei um período muito crítico,
mal... e os pais disseram-me para
que eu me acalmasse, que o pai estaria
no próximo campeonato
de bertsolaris comigo. Fiquei feliz,
mas com o tempo me apercebi que era mentira,
que tinham-mo dito para me acalmar.
-a mãe te disse que o pai
estaria no campeonato de bertsolaris.
-Sim, comigo.
-Mas... ele não esteve no
último campeonato.
-Não.
-O que e que pensas nas viagens de carro?
-Quando chegaremos, se ele estará bem...
-Se o pai estará bem?
Porque é que te preocupa isso?
-Pois... muitas vezes fica doente.
-Ele conta-te as suas dificuldades?
-Às vezes sim, outras vezes não.
-Achas que não te conta tudo,
para não te magoar?
-Não sei... mas tudo não.
-Hize, entrevista.
Em Murcia, na cadeia...
Combinamos por telefone para ver
os desenhos animados na mesma hora
e para olhar a lua à mesma hora.
-Para ver os desenhos animados e olhar
a lua à mesma hora
-Ah! então vêem os mesmos desenhos animados à mesma hora
-Sim!
-É quase como estar juntos!
E olhar para a lua ao mesmo tempo, isso
também é quase como estar juntos!
-Liga para Aiur duas vezes por semana
e duas a mim, porque tem oito chamadas.
Nós não lhe podemos ligar.
-E os teus amigos sabem
onde estão os teus pais, sim.
-Sim. Normal... normal.
-E os professores também?
-Sim.
-E percebem?
-Sim.
-Ok.
-Falas com os professores
sobre isto? Perguntam?
-Não.
-Alguma vez tive problemas
com algum professor, desde o momento em que sabe.
Parece... não sei se é medo ou...
uma preocupação porque
muda a relação com o professor.
O professor sabe uma coisa
muito especial da tua vida...
Agora se o vêem, ficarão a saber!
-Depende de como seja o professor, pode dizer:
"Coitada!" ou coisas do género... e não quero
dar lástima,
não gosto.
-O que é que pensaste
quando a professora Nuria
se propus para viajar contigo?
-Achei bem
e fiquei feliz.
-E quando voltei da primeira visita, lembro-me
que disse logo de manhã
no corro, quando estavamos juntos:
"Não sabem como é gira a mãe da Haizea
tem anéis tão giros,
e colares..."
E ainda lembro do olhar da criança nesse momento.
E a partir desse momento é que ela começou
a falar com mais naturalidade
sobre a sua situação.
-A professora disse-nos que
quando eras mais pequena,
ficavas triste quando os outros
meninos falavam dos seus pais
-Sim.
-Porque?
-Porque os pais deles estão na rua,
e os meus não, então... pois... fico triste
-Quando a Haizea entrou na aula,
pensei, "conheço os outros
pais, posso dar a conhecer
a situação aos outros pais... pois eu com estes pais também
quero estar. Como não vou contar a essa mãe, e ao pai neste caso,
dizer a essa mãe como é que esta a menina, não é?
as asneiras que ela faz...
Como brinca... como se comporta...
-O outros meninos têm pais que se reunem
com os professores
-Sim.
-E assim tu também tens?
-Sim.
-Qual foi a reação
dos pais?
-Eu, se calhar por ser mãe,
quando entrei e vi
os dois juntos, não é? o olhar da mãe,
incrível, sim...
-Nunca esquecerás a primeira visita?
-Jamais, não...
-Tens momentos tristes,
na escola
e ela está aí para te ajudar?
-Sim, sinto-me mal
e vou-me embora,
e às vezes me vê a Nuria
-É uma protecão?
-Sim
-Alguma vez te criticaram por este trato especial que tens com os pais da Haizea?
-Não, nunca, jamais.
-Deve ser difícil manter
uma distancia ética.
-Não é fácil.
-Não é fácil.
-Porque?
-... não sei.
Às vezes pões uma barreira entre
o que pensas e o que dizes
não é? tens que pôr a barreira, não é?
Porque sou a professora e porque
não se podem misturar as coisas
Coisas pessoais, as tuas vivencias,
a relação com a familia
sempre tem que haver certa distancia,
percebes?
-O que é que queres ser de maior?
-Não sei.
-Cocinheiro?
-Talvez, não sei.
-O que?
-Não sei.
-Músico talvez.
-Se calhar sim.
-Gosto muito do grupo Huntza,
para ouvir, sim.
-Sim?
-Sim, gosto muito.
E de Anje Duhalde.
-A sim?
-Sim, sim, e...
-Então com as boas notas os
pais ficaram contentes, não é?
-Sim.
-Fogo!
-Pois, acho.
Amanhã vou-lhes dizer.
-Com certeza!
-Não sabem
(Ouve-se a música "Malen" de Ken Zazpi)
-Podes contar-nos a istoria da
música "Malen" de Ken Zazpi'?
-Quando a minha mãe estava grávida,
escreveram a letra e chamaram-lhe "Malen"
-E que é o que diz?
-Pois, como são as viagens, não é?
As viagens, e depois, 40 minutos.
-Quando era pequena não gostava da música
ficava envergonhada.
Quando, por exemplo,
íamos ver os Ken Zazpi
Quando Ken Zazpi tocava a música, Malen,
eu me escondia
porque sempre diziam, ao microphone:
"Hoje está aqui a menina Malen"
e eu ficava super envergonhada.
Mas agora,
agora cantam-na, e eu
"aqui, aqui!, sim.
-A música diz que o vidro grosso
não te roubará o sorriso
A ti não te robou.
-Não, não sei, sempre
a sorrir, não é?
Malen, 18 anos, não
conheceu o pai fora da prisão
Agora está em Almeria, antes em Jaen.
Agora mais longe.
-Como são as lembranças
da infancia da Malen?
-Tens a sensação que já passaram
os melhores anos com o teu pai?
-Os melhores anos com o pai
foram em Jaen,
e o que eu brinquei com o pai,
e as visitas, e tudo isso...
Esses foram os melhores anos.
Ao fim...
Não são como os dos outros meninos:
"Foi ao parque com o pai
e foi o melhor dia da minha vida!"
Não é? A minha é mais...
aqueles anos em Jaen.
Para ele foram anos muito duros, mas
as minhas lembranças são boas, sim.
-Eu estou bem quando estou com ele,
mas quando saio,
a despedida é um pouco triste,
é um abraço e depois
não o vejo durante um mês.
-De certeza.
-É... até Janeiro, nada!
-Notas alguma evolução nõ teu carácter,
nas perguntas, preocupaçoes?
-Quanto mais velha, sou
mais consciente da situação
e da realidade, e...
e mais perguntas:
por que é que temos que
pagar nós o castigo dele?
por que é que nos obrigam
a fazer tantos quilómetros...
-Achas que com a dispersão querem
que tu também pagues o castigo do teu pai?
-Sim, porque ao fim, ele pode estar
igualmente em Castellón ou em Cordoba
como em Zaballa.
Isso é vingança.
-Saber que os teus familiares passam
8 horas num carro e...
que logo têm que voltar,
com qualquer clima...
E saber que fazem essa viagem por ele...
Isso, isso é uma carga para os pressos.
E querer que sejamos os familiares a passar isso
só cabe se percebe por o
ponto de vista do ódio.
Como um ódio,
que nós não temos porque sentir.
-Estou com sono.
-Sim, estás? um pouco?
-Temos familiar as 10:30,
logo as 13:00 temos vidros,
e tu à tarde tens "convivência" com
o papá e a mamá, 4 horas a tarde.
-E as 8, o autocarro.
-Sim, saímos as 8
volta para o Pais Basco.
Levas duas vidas ao mesmo tempo, não é?
Porque tens por um
lado a tua vida aqui
e logo tens por outro lado a tua vida:
visitas, viagens...
Tudo, o mês enteiro depende das visitas.
É como ter duas vidas.
-O vidro é pior, por...
-Não podes tocar os pais...
-Mas a minha mãe trabalha na biblioteca
cuida da biblioteca,
e por cuidar 3 meses da
biblioteca, dão-lhe pontos,
e dão-lhe uma visita extra.
-Sim? Jesus!
-Nerea...
-Sim, a sua amiga Nerea...
-Foi no outro dia,
16 anos sem abraçar a minha mãe...
porque vinha, mas sempre no vidro!
-Que bem!
-Sim, e 15 anos depois,
por exemplo, o avô Juanjo.
--Sim, sim.
-Quanto? Mesmo muito!
-Sim, com o vidro é muito...
-E o tio Loren.
-Sim, o tio Loren também.
Claro, não pode
-Porque são pessoas, que...
não vêm muitas vezes.
-Claro, claro. E então
ficam só com o vidro.
E todos os amigos, claro.
Só pode estar com eles a familia.
Ao contrario, não.
Visitas o pai uma vez por
mês, em Castellón.
-Onde tens que ir ver o pai?
-A Murcia.
-Murcia! Está muito longe, não é?
-Sim!
-Quantas horas?
-Oito.
-Oito horas, e vamos de carro.
Jogar com o tablet, olhar
ao céu e ouvir música.
E às vezes fico enjoada.
-E às vezes vomito.
As vezes enjoas-te, não é?
-E o Aiur viaja bem?
-Sim.
-Sim, em realidade portam-se bastante bem, não é?
-Sim.
-Isso foi feito pelo pai, e vêm
os pássaros, sabias?
-Sim. Mas não cabem, porque o pai
fez o buraco pequeno de mais.
-Já, buitres não vão caber, Aiur.
-Entram passarinhos,
perdizes e assim.
-Perdizes?
-Não sabes o que é que são as perdizes?
-Sim, o que bebe o avô.
-E... quando vês o pai
depois de atravessar 9 portas,
o que é que fazes quando vês o pai?
-Salto para acima dele.
-Quando e que é
tens a próxima visita?
-No final de Janeiro.
-Ele está no sul de França, em Arles
numa cadeia... de execução.
-Pegar em muita comida, pegar nas malas e embora.
-Temos de preparar...
as coisas que vamos lhe entregar,
Temos que preparar o saco, sempre.
-Mas já com ilusão.
-Agora quais são as
tuas preocupações?
-Dudas...? Não sei.
-Sobre a situação dos teus pais, quero dizer.
-A!, Sim, sim...
tenho preucupação sobre como estão,
o que é que fazem, se...
se vivem bem...
-Perguntas aos avós sobre isso?
-Às vezes sim.
-E o que é que te respodem?
-Dizem sempre a verdade.
-Quais são as preocupaçoes, Hize?
-Exatamente, por qué é
que o pai está na cadeia.
-Sim, pergunta isso
cada vez mais concretamente.
Ao princípio respondemos geralmente,
e ela, pois isso,
quanto mais velha, precisa de
respostas mais concretas
e nós damo-as. Acho que se deve
dizer a verdade às crianças.
O que é que quer dizer que a
mãe de Hize diga a verdade?
Sabem estas crianças
menores da idade o que é que
fizeram os seus pais
antes de entrar na prisão?
E, se o sabem, o que é que
pensam sobre aquilo que fizeram os seus pais?
O objectivo deste programa não é
perguntar às crianças
sobre aquilo que fizeram os seus pais.
O objectivo é analisar o seguinte:
quais são as consecuencias da
política de prisão de excepção
nestas crianças.
Uma das consecuencias da política de excepção é
manter os pressos longe do seu lugar de nascimento:
54 pressos,
entre 100 e 390 quilômetros.
103 pressos,
entre 400 e 690 quilômetros.
211 pressos,
entre 700 e 1.100 quilômetros.
Os protagonistas de hoje fazem
o dobro destes quilômetros
para poder estar um tempo com
os pais e regressar a casa.
Hoje estamos a falar desta política de excepção.
O quanto que estas crianças sabem sobre o
que fizeram os pais e
o que pensam sobre isso...
isso que pertence à intimidade deles...
dava para um outro programa.
-A mãe disse-nos que com 14 anos, já
estás a ficar adulta e que começaste a
procurar em Internet. O que é que encontraste?
Quais são as tuas preocupações?
-Sim, procurei, com 11-12 anos, e,
não era algo que precissava, mas
por curiosidade...
começei a procurar
sem saber o que podia encontrar.
-O que é que procuravas?
Escrevias o nome do pai em Google?
-Sim.
-E alguma sentencia, ou...
algum artículo?
-Sim, mas, ao fim,
num jornal punha uma coisa
e num outro, outra.. No fim de contas
estavam a falar do meu pai, não é? então
não sabia muito bem...
em que acreditar, em que não...
-Qual foi a tua reação?
-Não disse nada, mas depois
comentei com a mãe, e
há diferentes versões...
é diferente em cada sitio
-E a mãe, contou-te tudo?
-Sim.
-Entre as perguntas que fazes à tua mãe,
há alguma se repita?
-Sim, "quando vai voltar?"
-E? Qual é a resposta a essa pergunta?
-Não sei. Em breve. Isso diz ela.
-Quántos anos deve de
passar na prisão o teu pai?
-Pois, 40 anos.
-Buff, é muito!
-Sim.
-E?
-Pois...Não sei.
-Porque tantos anos?
-Os companheiros da escola, as amigas,
perguntam muito sobre o teu pai?
-Quando éramos pequenas sim, perguntavam:
"Porque está o teu pai preso?"
E era-me difícil explicar porque,
porque não sabia muito bem,
elas também não...
Ainda só sabemos o que
nos disseram em casa.
A minha mãe sempre me respondia,
que perguntaram elas na suas casas.
Porque ao fim de contas, em
cada casa explicaram duma maneira
e a minha mãe achava que ela não era ninguém
para explicar nada a outras crianças
para entrar nesses temas,
é mais apropiado para falar em cada casa,
e depois, eu dizia aos meus amigos:
"Eu não sei, a minha mãe disse-me
para perguntares à tua mãe".
A maioria das vezes respondia isso, e ao fim, isso...
Os amigos, a dada altura, deixaram de perguntar
então penso que já falaram em casa...
-Sim, trouxe o tablet, para passar o tempo
os cascos para a música...
-Novos?
-Foi um pressente do avó.
-Ai é? Que bom!
-E os livros para fazer os trabalhos da escola.
-Que bom.
-Sim, farei os trabalhos depois
depois de ver a minha mãe, no autocarro.
-Ai é?
-Sim, sim...
-Bom, tens que levar tudo feito
para a segunda-feira, não é?
-Sim, e não os posso fazer na
segunda de manhã...
-Não, não...
-Qual é o ambiente nessas viagens?
-É bonito, alegre,
e às vezes me rio muito.
-Sim? Com que é que te ris?
-Com o motorista.
-Porque?
-Porque tentam me entreter,
e entretêm-me
-És dos mais novos?
-Sim.
(Estão os dois a cantar)
-Agora estamos a preparar as camas.
Aqui dormirá Garikoitz,
aqui Maitetxu e aqui eu.
E Larraitz. É isso...
Preparam os beliches antes de jantar.
Agora vamos jantar, e bom...
Depois chegamos e... até manhá.
-Jesus!
-E, que tal, Xare, a viagem? Bem?
-Desejando para ver o papá, não é?
-Sim?
-Em Larrabetzu estava já a disser
que queria ver o papá hoje.
-Sim?
-Sim, amanhá de manhã, não falta muito.
-Amanhã de manhã vais ver o papá?
(Diz que não com a cabeça)
-Quando?
-À tarde!
-Aaaa!!!
-Sim, vem comigo, não é?
-Amanhá não, porque temos familiar.
Vocês convivencia, e nós no quarto pequeno.
-E depis "convivencia", e
vidro, de manhã e de tarde.
-Mas o vidro não é...
O vidro não é...
Tão bonito como o familiar.
-Não, de certeza.
Não poder tocar a mamá, nem o papá.
Claro, é por isso, não é?
-Qual preferes tu, Xare?
-Aaa! Para tocar, o papá!
Siiim, e para beijar o papá!
-Sim?
-Abrimos?
Xare, fala como uma criança de 4 anos, eh!?
não como uma menina pequena.
-Quantos anos tens, 4?
(Mostra 4 dedos)
-Que grande!!!
-Sim, mas agora está um bocado alterada...
e parece...
-se calhar estás cansada, não é?
-Xare às vezes fica com raiva, não é?
quanto tem que dizer adeus ao pai.
-Eh?
(A menina diz que sim com a cabeça)
-Não para de fazer de asneiras.
Bom, Gari, adeus querido, até manhâ.
-Boa noite.
Alguns familiares saem na prisão de
El Puerto de Santa Maria.
Ainda faltam 110 quilometros para
chegar a Algeciras. Os últimos.
-Já falta pouco, eh!
-Espero, porque...
... começamos ontem as 5 e
ainda estamos aqui.
-Sim, sim...
-Ainda falta uma hora ou dois...
-Sim. Levamos 14 horas, não é?
-Ter que fazer 1.600 km,
com duas crianças, de carro...
e com tantas probabilidades de
ter acidentes, e dizes uf!
melhor de avião, embora pagues muito...
Os acidentes são, claro,
o maior perigo da dispersão.
Provocou docenas de mortos e
feridos nos últimos anos.
Os familiares também
ponderam a opção do avião,
mas é muito mais caro.
-Também agora os aviões
mudaram os horários e...
muitas vezes não coincide
com as visitas, não é?
-E muitas vezes sai tarde,
e chegávamos tarde à visita.
-Isso é. E que acontece se
chegas tarde a visita?
-Não podes entrar.
-Sim, mas outras vezes chegamos à
horas, e entramos tarde, não é?
-Sim!
-Porque abrem tarde as portas.
-Sim... assim é a prisão, não é?
-É.
-Muitas vezes dissemos isso:
"assim é a prisão!".
-Sabes que uma vez contei as portas
que temos que atravessar desde que
entramos na cadeia até que vemos o papá?
-Atravessamos uma e ficamos parados,
não é? Temos que esperar.
-Sim!
-Abrem-nos outra porta, passamos,
e outra vez a esperar...
E assim nove vezes!
-Passar nove portas,
e esperar muito.
-O qué é que acontece
quando entras na cadeia?
-Temos que estar hora e meia antes,
e aí damos o BI e as marcas digitais.
Depois, quando entramos,
revistam-nos com uma raquete...
quando entramos, esperamos numa
sala, e mais tarde entramos
-Aí estão os trabalhadores da prisão, não é?
Os trabalhadores da prisão.
Cómo é a relação com eles?
-Bom... há muitos e
cada um é uma pessoa,
normalmente é de respeito, mas
com alguns temos problemas...
Mas normalmente respeituosa.
-No verão, estava a olhar aos
teus trabalhos da escola e
encontrei desenhos e testos muito bonitos.
E muitas vezes contavas isso,
"no fim de semana foi ver o meu pai",
"divertei-me muito..."
E havia um desenho que achei
muito especial. Lembras?
-Sim, um oficial zangado,
-Cómo é a relação com eles?
-Não sei... Não ligo, então...
-Dizem "adentro" ou... "espera" ou...
ou "o que é que tens aí?"
-E como desenhaste o oficial zangado?
Assim, com dentes grandes e fechados?
-Sim.
-E por que é que estava zangado?
-Porque sempre estão zangados.
-Os oficiais sempre estão zangados?
Achas?
-Sim.
-Sim? E por que achas isso?
-Não sei.
-Como estão, muito sérios?
-Sim.
-Sim?
-Sentes-te bem
tratada na prisão?
-Segundo com quem... às vezes sim,
outras, duro demais.
-Preparas bem cada visita, cada
hora que passas com o pai?
-Sim, mas cada visita é diferente,
tem coisas diferentes...
-É curioso que cada visita, embora
sejam todas especiais e estejam
tão concentradas... é dificil lembrar-te
duma entre todas outras
todas são especiais, mas é difícil
lembrar-se de uma em especial.
-Como é uma cadeia por dentro?
-Barrotes, muros, o barulho das portas,
e como o pai sempre esteve em isolamento,
nós temos que ir a zona do isolamento.
E é muito pequena, escura,
não entra luz natural.
-Suja e velha.
-Fria e escura.
-Alguma vez viste o quarto do pai?
-Não.
-Ele contou-te como e que é?
-Não.
-Perguntaste alguma vez?
-Também não.
-Porqué?
-Porque... passamos o tempo que
estamos juntos em outras coisas.
-Como é o encontro?
-Bom, eu desde bem pequena...
sempre, quando abrem
a porta, vou a correr e,
apanha-me em braços, sempre.
-Aiur e eu saltamos para acima dele
e brincamos muito.
-A pergunta sempre é como
e que está o pai. E essa é uma
pergunta que respondi tantas vezes...
e é talvez a pergunta mais difícil.
-Para ti, o que é que o mais importante para que digas:
"aproveitamos bem"?
O que lhe tens que transmitir para pensar
"foi uma hora e meia
bem aproveitada"?
-Transmitir amor um ao outro,
ter bons momentos... Bom, e ter maus momentos também se for preciso.
-Sentiste alguma vez a necessidade...
de pôr alguma distancia entre ti e o teu pai e as viagens?
-Não, nunca.
todos queremos ter a melhor
relação possível
com os que estão dentro.
-Logo, no fim, vem um oficial e
te diz: "Acabou".
-Sim, ou, "vayan acabando" ou "vayan
saliendo", e em esse momento
uma raiva ou...
-Um oficial desde um microphone.
-Com ele, como quando era pequena, não é?
Quero ficar com ele.
-Um abraço ao pai,
e começar a pegar em tudo.
-E... esse adeus nunca é fácil.
Embora queiramos sair da prisão,
não queremos que acabe a visita.
-Porque tenho que esperar outro mês
para ver ao pai.
-E com os anos, quando vês que o
aproximação não chega,
não te rendes?
-Não. Sempre tem
que haver esperança.
Não crês em falsas expectativas,
mas sempre tens a ilusão:
será que o trazem mais
perto, ou... algo, não é?
Será que muda tudo de repente,
há uma grande mudança... não sei.
Sempre tens... esperança.
A esperança, acho eu, nunca se deve perder.
Se perdes a esperança...
não tens nada..
-Tens alguma visita com o pai,
que nunca esqueceras?
-No ano passado fomos
no seu aniversario,
Foi entre semana,
perdi a escola,
eu queria ir nesse dia.
Ele escreve-me bersos no meu
aniversário, então eu também
escrevi um para ele e foi muito bonito.
-Lembras o berso?
-Sim.
-Podes cantá-lo?
-Há anos passados,
muito tempo,
todo o amor que há entre nós,
guia do dia a dia.
A distança ofrece,
força a nossa relação,
não nos verão tristes,
nós sempre alegres, a cantar,
mesmo sejam cuarenta anos,
ou sejam cento e dois,
mesmo sejam cuarenta anos,
ou sejam cento e dois.
-Sim, quero tirar a carta, porque
não quero ir sempre de autocarro
e quero ir pela minha conta,
e espero que seja bonito.
E dizer aos meus pais quando chegue:
"fiz a viagem sozinho por primeira vez"
Tenho essa ilusão.
-Para tirar a carta do carro, então.
-Sim.