[Esta palestra contém conteúdo para adultos] Há cinco anos, recebi uma chamada que ia alterar a minha vida. Lembro-me desse dia como se fosse hoje. Foi mais ou menos nesta atura do ano. Eu estava no meu escritório. Recordo que o sol brilhava através da janela. O telefone tocou. Atendi e eram dois agentes federais a pedir-me ajuda para identificarem uma rapariguinha encontrada em centenas de imagens de abuso sexual de menores que tinham encontrado na Internet. Tinham começado a trabalhar nesse caso mas só sabiam que o abuso tinha sido transmitido ao mundo, durante anos, em sítios da "darknet" dedicados ao abuso sexual de menores. O agressor era extremamente sofisticado tecnologicamente: novas imagens e novos vídeos quase todas as semanas mas muito poucas pistas para se saber quem ela era ou onde se encontrava. Por isso, contactaram-nos porque sabiam que éramos uma organização sem fins lucrativos, que criávamos tecnologia para combater o abuso sexual de menores. Mas só existíamos há dois anos e só tínhamos trabalhado com tráfico sexual de menores. Tive de lhes dizer que não tínhamos nada. Não tínhamos nada que pudesse ajudá-los a pôr fim àquele abuso. Aqueles agentes demoraram mais um ano até conseguirem encontrar aquela criança. Na altura em que ela foi resgatada, centenas de imagens e de vídeos exibindo a violação dela tinham-se tornado virais, passando da "dark web" para redes de cúmplices, salas de conversa privadas e para "websites" que todos usamos todos os dias. Hoje, enquanto se debate para recuperar, ela vive sabendo que milhares de pessoas, no mundo inteiro, continuam a assistir à sua violação. Vim a saber, nos últimos cinco anos, que este caso está longe de ser único. Como é que a nossa sociedade chegou a este ponto? No final dos anos 80, a pornografia infantil — ou, o que é realmente material de abuso sexual de menores — foi quase eliminada. Novas leis e o aumento de processos tornaram-na demasiado arriscada para ser divulgada por correio. Depois, apareceu a Internet e o mercado explodiu. A quantidade de conteúdos que circulam atualmente é enorme e está a aumentar. É, de facto, um problema mundial mas se olharmos só para os EUA, nos EUA, apenas no ano passado, mais de 45 milhões de imagens e vídeos de materiais de abuso sexual de menores foram denunciados ao Centro Nacional de Crianças Desaparecidas e Exploradas e isso é quase o dobro do número do ano anterior. Os pormenores por detrás destes números são difíceis de contemplar. Mais de 60% das imagens apresentam crianças com menos de 12 anos, a maioria das quais incluindo atos extremos de violência sexual. Os agressores são encorajados nas salas de conversa dedicados ao abuso das crianças, onde ganham estatuto e notoriedade com mais abusos e mais vítimas. Neste mercado, a moeda é o próprio conteúdo. É óbvio que os agressores rapidamente tiraram partido das tecnologias. mas a nossa reação, enquanto sociedade, não fez o mesmo. Estes abusadores não leem os acordos dos utilizadores dos "websites" e os conteúdos não respeitam as fronteiras geográficas. Ficam a ganhar quando observamos uma peça do "puzzle" de cada vez. É exatamente assim que a nossa resposta está hoje concebida. As forças de aplicação da lei trabalham dentro de cada jurisdição. As empresas só olham para a sua plataforma. Quaisquer dados que encontrem pelo caminho raramente são partilhados. É nítido que esta abordagem desligada não funciona. Temos de refazer a nossa resposta a esta epidemia da era digital. É isso que estamos a fazer em Thorn. Estamos a criar a tecnologia para ligar estes pontos, para dotar todos os da primeira linha — forças da lei, ONG e empresas — com as ferramentas de que precisam para conseguirmos eliminar da Internet os materiais de abuso sexual de menores. Vejamos por momentos... (Aplausos) Obrigada. (Aplausos) Falemos, por instantes, do que são esses pontos. Como podem imaginar, estes conteúdos são terríveis. Se não formos obrigados a vê-los, não queremos vê-los. Assim, a maioria das empresas ou as agências de aplicação da lei que têm acesso a estes conteúdos podem traduzir todos os ficheiros numa única fiada de números. Chama-se a isso um "hash". É essencialmente, uma impressão digital para cada ficheiro ou para cada vídeo. Isso permite-lhes utilizar as informações nas investigações ou, no caso duma empresa, retirar o conteúdo da sua plataforma, sem ter de estar sempre a ver as imagens e os vídeos. Mas o problema, atualmente, é que há centenas de milhões desses "hashes" armazenados em bases de dados pelo mundo inteiro. Essas bases de dados podem funcionar para uma agência que tenha controlo sobre elas mas, sem se relacionarem esses dados, não sabemos quantos deles são únicos. Não sabemos quais representam crianças que já foram resgatadas ou quais as que ainda precisam de ser identificadas. Portanto, a nossa premissa de base é que todos esses dados têm de ser interligados. Há duas formas em que estes dados, combinados com um "software" à escala global, podem ter um impacto transformador neste espaço, A primeira é para a polícia, ajudando-os a identificar novas vítimas mais rapidamente, acabando com o abuso e bloqueando os criadores desses conteúdos. A segunda é para as empresas: usando esses dados como pistas para identificar os milhões de ficheiros que estão atualmente em circulação, retirando-os e impedindo o "upload" de novos materiais antes de eles se tornarem virais. Há quatro anos, quando aquele caso terminou, a nossa equipa reuniu-se e sentimos... uma profunda sensação de fracasso — é a única forma de o descrever — porque andámos a ver aquilo durante um ano enquanto andavam à procura dela. Vimos todos os locais na investigação em que, se existisse a tecnologia, eles tê-la-iam encontrado mais depressa. Assim, afastámo-nos daquilo e fizemos a única coisa que sabíamos fazer: começámos a criar um "software". Começámos com as forças da lei Sonhávamos com um alarme nas secretárias dos agentes policiais do mundo inteiro para que, se alguém ousasse publicar na Internet uma nova vítima, alguém começasse imediatamente a procurá-la. Obviamente, não posso falar dos pormenores desse "software" mas já está a funcionar em 38 países e já reduziu o tempo que demora a encontrar uma criança em mais de 65%. (Aplausos) Agora estamos a entrar num segundo horizonte: a criar um "software" para ajudar as empresas a identificar e suprimir esses conteúdos. Falemos por instantes destas empresas. Eu já disse — 45 milhões de imagens e vídeos, só nos EUA, no ano passado. Provêm apenas de 12 empresas. Doze empresas, 45 milhões de ficheiros de materiais de abuso sexual de menores. Provêm de empresas que têm dinheiro para criar as infraestruturas necessárias para acabar com esses conteúdos. Mas também há centenas de outras empresas empresas pequenas e médias pelo mundo inteiro que precisam de fazer esse trabalho, mas ou 1) não imaginam que a sua plataforma é usada para abusos, ou 2) não têm dinheiro para gastar numa coisa que não lhes traz lucros. Assim, tomámos a iniciativa de criar um "software" para elas. Este sistema agora está mais inteligente com mais empresas a participar. Vou dar-vos um exemplo. O nosso primeiro parceiro, Imgur — um dos "websites" mais visitados nos EUA — milhões de conteúdos criados pelos utilizadores, todos os dias, com o intuito de tornar a Internet um sítio mais divertido. Foram os primeiros a fazer parceria connosco. Ao fim de 20 minutos de utilizarem o nosso sistema, alguém tentou publicar uma conhecida peça de material abusivo. Conseguiram detê-lo, suprimiram-no, denunciaram-no ao Centro Nacional de Crianças Desaparecidas e Exploradas. Mas foram mais longe. Inspecionaram a conta da pessoa que o tinha publicado. Centenas de outras peças de materiais de abuso sexual de crianças que nunca tínhamos visto. Foi aí que começámos a ver um impacto exponencial. Retirámos esses materiais. Denunciámos ao Centro Nacional de Crianças Desaparecidas e Exploradas. e depois, esses "hashes" entram no sistema e beneficiam todas as outras empresas. Quando os milhões de "hashes" que temos levem a mais milhões e, em tempo real, as empresas do mundo inteiro identifiquem e retirem esses conteúdos, teremos aumentado drasticamente a rapidez com que estamos a remover materiais de abuso sexual de menores da Internet de todo o mundo. (Aplausos) Mas é por isso que não podemos ficar apenas com "software" e dados, tem de ser uma questão de escala. Temos de ativar milhares de agentes policiais, centenas de empresas por todo o mundo, se a tecnologia nos permitir, para nos adiantarmos aos perpetradores e desmantelarmos as redes que normalizam o abuso sexual de menores, atualmente, no mundo inteiro. A altura para fazer isso é agora. Não podemos continuar a dizer que não sabemos o impacto que isto tem nas crianças. A primeira geração de crianças cujo abuso se tornou viral já é hoje uma geração de jovens adultos. O Centro Canadiano para Proteção de Crianças fez recentemente um estudo desses jovens adultos para perceber o trauma único de que tentam recuperar, sabendo que o abuso deles continua vivo. 80% destes jovens adultos já pensaram em suicídio. Mais de 60% tentaram suicidar-se. E a maioria deles vive com o medo, todos os dias, de que, quando vão pela rua, ou são entrevistados para um emprego ou vão para a escola, ou encontrem alguém na Internet, encontrem uma pessoa que tenha visto esse abuso. Na realidade, isso acontece a mais de 30% deles. São reconhecidos a partir do material de abuso na Internet. Isto não vai ser fácil mas não é impossível. É preciso ter vontade, a vontade da nossa sociedade para olhar para uma coisa que é difícil de ver, para tirar uma coisa das trevas para que estes miúdos tenham uma voz; a vontade das empresas de agir e de assegurar que as suas plataformas não são cúmplices no abuso duma criança; a vontade dos governos de investir nas forças da aplicação da lei para terem as ferramentas de que precisam para investigar o crime digital, mesmo quando as vítimas não podem falar por si mesmas. Este compromisso audacioso faz parte dessa vontade. É uma declaração de guerra contra um dos piores males da humanidade. Mas eu acredito plenamente que é um investimento num futuro em que todas as crianças possam ser apenas uma criança. Obrigada. (Aplausos)