Nos meses depois da eleição presidencial de 2009 no Irão, surgiram protestos por todo o país. O governo iraniano suprimiu violentamente o que veio a ser conhecido como o Movimento Verde Iraniano, chegando a bloquear os sinais de telemóvel para cortar a comunicação entre os manifestantes. Os meus pais, que emigraram para os EUA no fim dos anos 60, passaram lá um tempo substancial, onde vive toda a minha grande família. Quando eu ligava à minha família em Teerão durante algumas das repressões mais violentas dos protestos, nenhum deles ousava falar comigo sobre o que estava a acontecer. Eles ou eu sabíamos rapidamente desviar a conversa para outros tópicos. Todos nós percebíamos quais poderiam ser as consequências de uma ação dissidente percetível. Mas eu ainda desejo poder ter sabido o que eles pensavam ou o que estavam a sentir. E se eu pudesse ter sabido? Ou mais assustador, e se o governo iraniano pudesse? Tê-los-iam prendido com base no que os cérebros deles revelavam? Esse dia pode estar mais próximo do que pensam. Com as nossas capacidades crescentes em neurociência, em inteligência artificial e em aprendizagem de máquinas, podemos em breve saber muito mais sobre o que acontece no cérebro humano. Como especialista em bioética, advogada, filósofa e iraniana-americana, estou profundamente preocupada com o que isso significa para a nossa liberdade e que tipo de proteções precisamos. Acredito que precisamos de um direito de liberdade cognitiva, como um direito humano que precisa de ser protegido. Se assim não for, a liberdade de pensamento, do acesso e controlo do nosso cérebro e a nossa privacidade mental será ameaçada. Considerem isto: uma pessoa comum tem milhares de pensamentos todos os dias. Assim que um pensamento ganha forma, como um cálculo matemático ou um número, uma palavra, os neurónios estão a interagir no cérebro, a criar uma descarga elétrica minúscula. Quando temos um estado mental dominante, como o relaxamento, centenas e milhares de neurónios estão a disparar no cérebro, criando descargas elétricas simultâneas em padrões característicos que podem ser medidos com um eletroencefalograma, ou EEG. Na verdade, é isso que estão a ver agora. Estão a ver a minha atividade cerebral que foi registada em tempo real com um aparelho simples que usei na minha cabeça. O que estão a ver é a minha atividade cerebral quando estava relaxada e curiosa. Para partilhar esta informação com vocês, usei um dos primeiros aparelhos de EEG baseados no consumidor como este, que registou a atividade elétrica no meu cérebro em tempo real. Não é diferente dos aparelhos de "fitness" que alguns de vocês podem estar a usar para medir a vossa frequência cardíaca ou os passos que deram, ou até mesmo o vosso sono. Não é a técnica de neuroimagem mais sofisticada no mercado, mas já é a mais portátil e a mais provável de criar impacto no nosso dia a dia. Isto é extraordinário. Através de um simples aparelho fácil de usar, podemos literalmente ver dentro do cérebro humano e conhecer aspetos da nossa paisagem mental sem sequer dizer uma palavra. Embora não possamos decifrar pensamentos complexos, por enquanto, já podemos avaliar o humor de uma pessoa, e com a ajuda da inteligência artificial, podemos descodificar alguns números de um só algarismo ou formas ou palavras simples em que uma pessoa está a pensar a ouvir ou a ver. Apesar de algumas limitações inerentes no EEG, acho que é seguro dizer que, com os avanços na tecnologia, cada vez mais coisas que estão a acontecer no cérebro humano vão ser descodificadas, com o tempo. Usando um destes aparelhos, um epilético já consegue saber que vai ter um ataque epilético antes de ele acontecer. Um paraplégico consegue escrever num computador só com o pensamento. Uma companhia baseada nos EUA desenvolveu uma tecnologia para embutir estes sensores no encosto de cabeça dos automóveis para poderem monitorizar a atenção do condutor, a sua distração e carga cognitiva enquanto ele conduz. A Nissan, as companhias de seguro e a Associação Automobilística Americana já tomaram notas. Podemos ver este filme "escolhe-a-tua-aventura" "The Moment", que, com um aparelho de EEG, muda o filme com base nas nossas reações cerebrais, dando-nos um final diferente cada vez que a nossa atenção diminui. Isto pode parecer fantástico, e como especialista em bioética, sou uma grande fã de dar poder às pessoas para assumirem o controlo da sua saúde e bem-estar dando-lhes acesso a informações sobre elas mesmas, incluindo estas novas tecnologias incríveis de descodificação cerebral. Mas eu temo, temo que, voluntária ou involuntariamente, vamos desistir do nosso último bastião de liberdade, a nossa privacidade mental. Que troquemos a nossa atividade cerebral por reduções ou descontos em seguros ou acesso livre a contas de redes sociais... ou até para manter o nosso emprego. De facto, na China, os maquinistas do comboio de alta velocidade Pequim-Xangai, o mais movimentado deste género, no mundo, são obrigados a usar aparelhos de EEG para monitorizar a sua atividade cerebral enquanto conduzem. Segundo algumas fontes de notícias, em fábricas do governo na China, os trabalhadores são obrigados a usar sensores de EGG para monitorizar a sua produtividade e o estado emocional no trabalho. Os trabalhadores até podem ser mandados para casa se o cérebro deles demonstrar uma concentração imperfeita no trabalho ou uma agitação emocional. Não vai acontecer amanhã, mas estamos a caminhar para um mundo de transparência cerebral. Eu acho que as pessoas não percebem que isso pode mudar tudo. Tudo desde as nossas definições de privacidade de dados às nossas leis, até às nossas ideias sobre liberdade. De facto, no meu laboratório na Universidade de Duke, recentemente realizámos um estudo a nível nacional nos EUA para ver se as pessoas reconhecem a vulnerabilidade das suas informações cerebrais Pedimos às pessoas para avaliarem a sua vulnerabilidade percetível de 33 diferentes tipos de informações, desde os seus números da segurança social até ao conteúdo das conversas telefónicas, o seu histórico de relacionamentos, as suas emoções, a sua ansiedade, as imagens mentais na sua mente e os pensamentos na sua mente. Surpreendentemente, as pessoas avaliaram o seu número de segurança social como mais vulnerável do que qualquer outro tipo de informações incluindo os seus dados cerebrais. Acho que isto é porque as pessoas ainda não percebem ou não acreditam nas implicações desta nova tecnologia de descodificação cerebral. Afinal, se podemos saber o funcionamento interno do cérebro humano, o nosso número de segurança social é a menor das nossas preocupações. Pensem nisso. Num mundo de total transparência cerebral, quem se atreveria a ter um pensamento político dissidente? Ou um pensamento criativo? Preocupa-me que as pessoas se vão autocensurar com medo de serem ostracizadas pela sociedade, ou que as pessoas percam o seu emprego por causa do seu défice de atenção ou instabilidade emocional, ou porque estão a contemplar ações coletivas contra os seus empregadores. Se isso acontecer, já não será uma opção, porque o cérebro duma pessoa há muito teria revelado a sua orientação sexual ou ideologia política ou preferência religiosa, muito antes de ela estar pronta para partilhar essas informações com outras pessoas. Preocupa-me a capacidade de as nossas leis se manterem a par da revolução tecnológica Pensem na Primeira Emenda da Constituição dos EUA, que protege a liberdade de expressão. Também protege a liberdade de pensamento? Se sim, isso significa que estamos livres para alterar os nossos pensamentos como quisermos? Ou pode o governo ou a sociedade dizer-nos o que podemos ou não fazer com o nosso cérebro? Pode a NSA espiar o nosso cérebro usando estes novos aparelhos? Podem as empresas que recolhem dados cerebrais através de aplicações vender essas informações a terceiros? Agora mesmo, nenhuma lei as impede de o fazerem. Pode ser ainda mais problemático em países que não partilham as mesmas liberdades desfrutadas pelas pessoas que vivem nos EUA. O que teria acontecido durante o Movimento Verde Iraniano se o governo tivesse estado a monitorizar a atividade cerebral da minha família, e tivesse achado que eles simpatizavam com os protestantes? Será rebuscado imaginar uma sociedade na qual as pessoas são presas por causa dos seus pensamentos de praticarem um crime, como na sociedade distópica de ficção científica em "Minority Report"? Já, nos EUA, em Indiana, um jovem de 18 anos foi acusado da tentativa de intimidar a sua escola ao publicar um vídeo em que ele disparava sobre pessoas nos corredores... exceto que as pessoas eram "zombies" e o vídeo era ele a jogar um videojogo de realidade aumentada, tudo interpretado como projeção mental da sua intenção subjetiva. Isto é exatamente o porquê de o nosso cérebro precisar de proteção especial. Se o nosso cérebro está sujeito a processadores e agregação de dados como os nossos registos financeiros e transações, se o nosso cérebro pode ser pirateado e rastreado como a nossa atividade "online", os nossos telemóveis e aplicações, então estamos no limite de uma ameaça perigosa à nossa humanidade coletiva. Antes que entrem em pânico, acredito que existem soluções para estas preocupações, mas temos de começar por nos focarmos nas coisas certas. No que diz respeito a proteções de privacidade em geral, acho que estamos a lutar uma batalha já perdida ao tentar restringir o circuito livre de informações. Ao invés, devíamos focar-nos em garantir direitos e soluções contra o mau uso das nossas informações. Se as pessoas têm o direito de decidir como partilham as suas informações, e, mais importante, têm direito a indemnização se as suas informações forem mal usadas contra elas, por exemplo para as discriminar no local de trabalho ou na saúde ou na educação, isso levaria muito tempo a construir a confiança. Na verdade, em algumas situações, queremos partilhar mais das nossas informações pessoais. Estudar informação agregada pode dizer-nos muito sobre a nossa saúde e bem-estar, mas para partilharmos de forma segura as nossas informações, precisamos de proteções especiais para a privacidade mental. É por isso que precisamos de um direito à liberdade cognitiva. Este direito protegeria a nossa liberdade de pensamento e reflexão, a nossa liberdade de autodeterminação, e garantiria que temos o direito de consentir ou recusar o acesso e a alteração do nosso cérebro por outros. Este direito poderia ser reconhecido como parte da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que tem mecanismos estabelecidos para impor este tipo de direitos sociais. Durante o Movimento Verde Iraniano, os protestantes usaram a Internet e a velha moda da palavra boca-a-boca para coordenar as marchas. E algumas das restrições mais opressivas no Irão foram levantadas em resultado disso. Mas e se o governo iraniano tivesse usado vigilância cerebral para detetar e impedir os protestos? Teria o mundo ouvido os gritos dos protestantes? Chegou a altura de começarmos uma revolução de liberdade cognitiva. Para garantir que desenvolvemos responsavelmente a tecnologia que nos pode permitir receber o futuro enquanto nos protegemos intensamente de qualquer pessoa, empresa ou governo que tente aceder ilegalmente ou alterar a nossa vida interior. Obrigada. (Aplausos)