Ciência.
A palavra em si para muitos de vocês
evoca lembranças infelizes de tédio
na aula de biologia ou física
do ensino médio.
Mas deixem-me assegurar a vocês
de que o que fizeram lá
tinha muito pouco a ver com a ciência.
Aquilo era, na verdade,
o "quê" da ciência.
Era a história sobre
o que outros haviam descoberto.
O que mais me interessa como cientista
é o "como" da ciência,
pois ciência é conhecimento em processo.
Fazemos uma observação,
supomos uma explicação para ela,
e depois fazemos uma previsão
a qual poderemos testar
com uma experiência ou outra observação.
Alguns exemplos.
Primeiramente, as pessoas notaram
que a Terra estava abaixo, o céu acima,
e tanto o Sol quanto a Lua
pareciam girar em torno deles.
A suposta explicação
era a de que a Terra devia ser
o centro do Universo.
A previsão: tudo deve girar
em torno da Terra.
Isso foi testado pela primeira vez
quando Galileu teve às mãos
um dos primeiros telescópios,
e, enquanto observava o céu noturno,
ele encontrou um planeta, Júpiter,
com quatro luas que o circundavam.
Ele então usou essas luas
para seguir o caminho de Júpiter
e descobriu que o planeta
não girava ao redor da Terra,
mas ao redor do Sol.
Assim, o teste de previsão fracassou.
E isso levou à rejeição da teoria
de que a Terra era o centro do Universo.
Outro exemplo: Isaac Newton percebeu
que as coisas caem na Terra.
A suposta explicação era a gravidade,
a previsão era a de que tudo
deve cair na Terra.
Mas é claro que nem tudo cai na Terra.
Então, nós rejeitamos a gravidade?
Não!
Revisamos a teoria e dissemos:
a gravidade atrai as coisas para a Terra
a menos que haja uma força
oposta na outra direção.
Isso nos conduziu a um novo aprendizado.
Começamos a prestar mais atenção
no pássaro e em suas asas,
e pensem em todas as descobertas
que voaram dessa linha de raciocínio.
Assim, os fracassos dos testes,
as exceções, e os valores atípicos
nos ensinam o que não sabemos,
e nos conduzem a algo novo.
É assim que a ciência avança e aprende.
Às vezes, na mídia,
e ainda mais raramente,
mas, às vezes, até os cientistas dirão
que uma coisa ou outra foi
cientificamente comprovada.
Mas eu espero que entendam
que a ciência nunca prova nada
definitivamente para sempre.
Espera-se que a ciência permaneça
curiosa o suficiente para buscar
e humilde o suficiente para reconhecer
quando tivermos encontrado
o próximo valor atípico,
a próxima exceção,
que, como as luas de Júpiter,
nos ensinem o que realmente não sabemos.
Vamos mudar um pouco de direção.
O caduceu, ou símbolo da medicina,
tem significados diferentes
para pessoas diferentes,
mas boa parte do nosso
discurso público sobre medicina
a transforma num problema de engenharia.
Temos os corredores do Congresso,
e as salas de reuniões
das companhias de seguros
que tentam descobrir como pagar por isso.
Os eticistas e epidemiologistas
tentam descobrir como distribuir
melhor a medicina,
os hospitais e médicos
são absolutamente obcecados
com seus protocolos e checklists,
tentando descobrir como administrar
o medicamento de forma segura.
Todas são coisas boas.
No entanto, eles também assumem,
em algum nível,
que o livro da medicina está concluído.
Começamos a medir a qualidade
dos nossos serviços à saúde
pela rapidez com que podemos acessá-los.
Não me surpreende que neste clima,
muitas das nossas instituições
de prestação de serviços à saúde
comecem a se parecer
com uma oficina mecânica.
(Risos)
O único problema é que quando
me formei na faculdade de medicina,
não recebi uma daquelas bugigangas
que seu mecânico tem
para conectar ao carro
e descobrir o que está errado com ele,
porque o livro de medicina
não está concluído.
Medicina é ciência.
A medicina é o conhecimento em processo.
Fazemos uma observação,
supomos uma explicação dela,
e então fazemos uma previsão
que podemos testar.
A base de teste da maioria das previsões
em medicina é populações.
E podem se lembrar daqueles
dias tediosos na aula de biologia
que as populações tendem a se distribuir
em torno de uma média,
como uma curva gaussiana ou normal.
Portanto, em medicina,
depois de fazermos uma previsão
de uma suposta explicação,
nós a testamos numa população.
Isso significa
que o que sabemos em medicina,
nosso conhecimento e experiência,
vêm de populações,
mas estende-se apenas
até o próximo valor atípico,
a próxima exceção,
que, como as luas de Júpiter,
nos ensinarão o que realmente não sabemos.
Sou um cirurgião que cuida
de pacientes com sarcoma.
Sarcoma é uma forma muito rara de câncer.
É o câncer do tecido e dos ossos.
E eu diria que cada um
dos meus pacientes é um valor atípico,
é uma exceção.
Não há nenhuma cirurgia que eu tenha
executado num paciente com sarcoma,
que já tenha sido guiada por um
ensaio clínico randomizado controlado,
considerado o melhor tipo de evidência
baseada em população na medicina.
Falam sobre "pensar fora da caixa",
mas nem sequer temos
uma "caixa para o sarcoma".
O que temos ao mergulharmos na incerteza,
desconhecimentos, exceções e valores
atípicos que nos cercam no sarcoma
é o fácil acesso ao que acredito ser
os dois valores mais importantes
para qualquer ciência:
humildade e curiosidade.
Pois se sou humilde e curioso,
quando um paciente me pergunta algo
e não sei a resposta,
vou perguntar a um colega
que pode ter um caso similar
com outro paciente com sarcoma.
Podemos até estabelecer
colaborações internacionais.
Esses pacientes começarão a conversar
entre eles em salas de bate-papo
e grupos de apoio.
É através desse tipo de comunicação
humilde e curiosa
que começamos a tentar
e a aprender coisas novas.
Como exemplo, este é um paciente meu
que teve câncer próximo ao joelho.
Por causa da comunicação humilde e curiosa
em colaborações internacionais,
soubemos que podemos reorientar
o tornozelo para servir como joelho
quando tivermos que remover
o joelho com câncer.
Ele pode usar uma prótese,
correr, pular e jogar.
Esta oportunidade ficou à disposição dele
devido a colaborações internacionais.
Ele desejava isso,
pois havia contatado outros pacientes
que a haviam experimentado.
E assim, exceções
e valores atípicos em medicina
nos ensinam o que não sabemos,
mas também nos levam a um novo raciocínio.
Agora, muito importante:
o novo raciocínio ao qual valores atípicos
e exceções nos conduzem em medicina
não se aplica apenas
a valores atípicos e exceções.
Não significa que, com pacientes
com sarcoma, aprendemos apenas
a tratar pacientes com sarcoma.
Às vezes, valores atípicos e exceções
nos ensinam coisas que importam
muito para a população em geral.
Como uma árvore fora de uma floresta:
os valores atípicos e as exceções
chamam a nossa atenção
e nos conduzem a um sentido muito maior
do que o significado de uma árvore.
É comum falarmos em perder
as florestas para as árvores,
mas também se perde uma árvore
dentro de uma floresta.
Mas a árvore que se destaca por si só
torna essas relações
que definem uma árvore,
as relações entre o tronco,
as raízes e os galhos,
muito mais aparentes.
Mesmo que essa árvore seja torta
ou tenha relacionamentos muito incomuns
entre o tronco, as raízes e os galhos,
ela, todavia, chama a nossa atenção
e nos permite fazer observações
que podemos então testar
na população geral.
Eu disse que os sarcomas são raros.
Eles constituem cerca de 1%
de todos os cânceres.
É provável que saibam que o câncer
é considerado uma doença genética,
o que significa que ele
é causado por oncogenes,
que são ativados no câncer,
e genes supressores de tumores,
que são desligados para causar o câncer.
Podem achar que aprendemos sobre oncogenes
e genes supressores de tumores
de cânceres comuns
como o câncer de mama,
de próstata ou de pulmão,
mas estariam errados.
Aprendemos sobre oncogenes e genes
supressores de tumores pela primeira vez
naquele mínimo de 1%
dos cânceres chamados sarcoma.
Em 1966, Peyton Rous recebeu
o Prêmio Nobel por perceber que galinhas
tinham uma forma transmissível de sarcoma.
Trinta anos depois, Harold Varmus
e Mike Bishop descobriram
qual era o elemento transmissível.
Era um vírus
portando um gene:
o oncogene src.
Eu não diria que o src é
o oncogene mais importante.
Nem diria que é o oncogene mais
frequentemente ativado em todo câncer.
Mas foi o primeiro oncogene.
A exceção, o valor atípico
chamou nossa atenção e nos levou a algo
que nos ensinou coisas muito importantes
sobre o restante da biologia.
TP53 é o mais importante
gene supressor de tumor.
É o gene supressor de tumor
mais frequentemente desligado
em quase todos os tipos de câncer.
Mas não aprendemos
isso com cânceres comuns.
Aprendemos quando os médicos Li e Fraumeni
estavam observando famílias,
e perceberam que elas
tinham muitos sarcomas.
Eu disse que o sarcoma é raro.
Lembrem-se de que um
em um milhão de diagnósticos,
se ele se repetir numa família,
será comum demais nessa família.
O fato de serem raros
chama a nossa atenção
e nos leva a novos tipos de raciocínio.
Muitos de vocês podem dizer, e com razão:
"Sim, Kevin, isso é ótimo,
mas você não está falando
sobre as asas de um pássaro,
nem sobre luas flutuando
ao redor do planeta Júpiter.
Esta é uma pessoa.
Este valor atípico, esta exceção,
pode levar ao avanço da ciência,
mas esta é uma pessoa".
E tudo o que posso dizer
é que sei disso muito bem.
Converso com esses pacientes
portadores de doenças raras e fatais.
Escrevo sobre essas conversas,
que são terrivelmente graves.
Conversas repletas de frases horríveis
como: "Tenho más notícias"
ou "Não há nada mais que possamos fazer".
Às vezes, essas conversas
despertam uma única palavra:
"Terminal".
O silêncio também pode
ser bastante desconfortável.
Os espaços em branco na medicina
podem ser tão importantes
quanto as palavras usadas
nessas conversas.
Quais são as incógnitas?
Que experiências estão sendo feitas?
Façam esse pequeno exercício comigo.
Lá em cima na tela, veem esta frase:
"no where", lugar nenhum.
Observem onde está o espaço em branco.
Se deslocarmos aquele espaço em branco
"lugar nenhum"
torna-se "now here", agora aqui,
o significado oposto exato, apenas
deslocando o espaço em branco.
Eu nunca vou me esquecer da noite
em que entrei no quarto
de um de meus pacientes.
Eu havia operado aquele dia todo,
mas ainda assim queria vê-lo.
Era um garoto que eu havia diagnosticado
com câncer ósseo alguns dias antes.
Ele e a mãe haviam falado com os médicos
da quimioterapia antes, naquele dia,
e ele tinha sido internado
para iniciar a quimioterapia.
Era quase meia-noite
quando cheguei ao quarto dele.
Ele estava dormindo,
mas encontrei a mãe dele
lendo com uma lanterna
ao lado da cama dele.
Ela saiu no corredor para conversar
comigo por alguns minutos.
Ela estava lendo o protocolo
que os médicos da quimioterapia
haviam dado a ela naquele dia.
Ela o havia memorizado.
Ela disse: "Dr. Jones, você me disse
que nem sempre vencemos
este tipo de câncer,
mas tenho estudado este protocolo,
e acho que posso fazer isso.
Acho que posso seguir
estes tratamentos difíceis.
Vou pedir demissão,
morar com os meus pais;
vou manter meu garoto a salvo".
Eu não disse a ela.
Não parei para corrigir o raciocínio dela;
para deslocar aquele espaço em branco
para onde ele deveria estar.
O experimento não tinha a ver
com o fato de ela seguir ou não
este protocolo muito difícil.
Ela estava confiando num protocolo
que, mesmo que fosse seguido,
não necessariamente salvaria o filho dela.
Eu não disse a ela.
Não preenchi o espaço em branco.
Mas um ano e meio depois,
o filho dela morreu de câncer.
Eu deveria ter dito a ela?
Muitos de vocês podem dizer:
"E daí? Eu não tenho sarcoma.
Ninguém na minha família tem sarcoma.
E está tudo bem,
mas, provavelmente,
não importa na minha vida".
E vocês devem estar certos.
O sarcoma pode não importar
muito na sua vida.
Mas a posição dos espaços
em branco na medicina
importa na sua vida.
Não contei um segredinho a vocês.
Eu disse que na medicina
testamos as previsões em populações,
mas eu não disse,
e muitas vezes a medicina nunca diz,
que cada vez que um indivíduo
recorre à medicina,
mesmo que ele esteja firmemente
inserido na população geral,
nem o indivíduo nem o médico sabe
onde aquele indivíduo
se encontra nessa população.
Portanto, cada encontro
com a medicina é um experimento.
Você será um sujeito num experimento.
E o resultado será
melhor ou pior para você.
Contanto que a medicina funcione bem,
estaremos bem com serviço rápido,
e com conversas desafiadoras e confiantes.
Mas quando as coisas não funcionam bem,
às vezes queremos algo diferente.
Um colega meu removeu um tumor
de um dos membros de uma paciente.
Ele estava preocupado com esse tumor.
Em nossas reuniões médicas,
ele falou sobre sua preocupação,
dizendo que era um tipo de tumor
com alto risco de voltar no mesmo membro.
Mas suas conversas com a paciente
eram exatamente o que um paciente
pode querer: repletas de confiança.
Ele disse: "Eu retirei tudo
e você está liberada".
Ela e o marido ficaram felizes.
Eles saíram, comemoraram: jantar chique,
abriram uma garrafa de champanhe.
O único problema foi
que algumas semanas depois,
ela começou a notar
outro nódulo na mesma área.
Ele não havia retirado tudo,
e ela não estava liberada.
Mas o que aconteceu nesta conjuntura
me fascina muito.
Meu colega veio até mim e disse:
"Kevin, se importaria de cuidar
desta paciente pra mim?"
Eu perguntei: "Por quê? Você sabe
o que fazer tanto quanto eu.
Você não fez nada de errado".
Ele disse: "Por favor, apenas
cuide dessa paciente pra mim".
Ele se sentia envergonhado,
não pelo que tinha feito,
mas pela conversa que eles tinham tido,
pelo excesso de confiança.
Então fiz uma cirurgia muito mais invasiva
e depois tive uma conversa
muito diferente com a paciente.
Eu disse: "É bem provável
que eu tenha retirado tudo
e é provável que você esteja liberada,
mas este é o experimento
que estamos fazendo.
Isto é o que você vai observar.
Isto é o que eu vou observar.
E vamos trabalhar juntos
para saber se esta cirurgia vai funcionar
para que se livre do seu câncer".
Posso garantir que ela e o marido
não abriram outra garrafa de champanhe
depois de terem falado comigo.
Mas agora ela era uma cientista,
não apenas um sujeito no experimento dela.
Por isso, encorajo vocês
a buscar humildade e curiosidade
em seus médicos.
Quase 20 bilhões de vezes ao ano,
uma pessoa entra num consultório médico,
e essa pessoa se torna um paciente.
Vocês, ou alguém que vocês amam, serão
esse paciente algum dia muito em breve.
Como vão falar com seus médicos?
O que vão dizer a eles?
O que eles dirão a vocês?
Eles não podem dizer o que não sabem,
mas podem dizer quando não sabem,
se vocês simplesmente perguntarem.
Então, por favor, juntem-se à conversa.
Obrigado.
(Aplausos)