Boa tarde a todos.
Hoje vamos viajar no tempo,
tentando lançar luz
num episódio interessante
da história do Homem,
a história do passado do nosso país.
Vamos usar uma máquina do tempo biológica:
em especial, vamos usar o ADN dos bovinos.
O ADN, como devem saber,
é o código da vida.
Contém todas as informações necessárias
para o funcionamento correto
dos organismos vivos.
Os geneticistas representam-no
como um alfabeto, como letras.
São as bases químicas
mas representadas por letras.
Essas letras, esse código,
são transmitidas de pai e mãe
para a sua progenitura,
ao longo de gerações.
Mas, durante esta passagem,
a cópia do código não é perfeita.
Algumas letras, ao longo das gerações,
podem mudar, podem sofrer mutações.
Essas mutações têm implicações
importantes,
porque esta variabilidade é a base
sobre a qual age a evolução
para produzir, por exemplo,
novas espécies.
Alguns desses erros de cópia
têm consequências dramáticas
porque podem transmitir
doenças muito graves.
Mas o estudo desses erros
também permite
a reconstrução da genealogia
das diversas espécies,
tanto do homem como dos animais,
reconstruindo assim a história
evolutiva dos organismos.
O ADN está presente nos cromossomas
contidos no núcleo das células.
Mas nem todos sabem que,
dentro das células vivas,
há um segundo ADN,
contido nas mitocôndrias
que são uma espécie
de central energética da célula.
Este ADN tem características especiais.
Entre essas características,
a que nos interessa hoje
é o facto de se transmitir unicamente
da mãe para a sua progenitura.
Assim, analisando este ADN e estas letras,
podemos reconstruir
a "história feminina" da espécie.
Falando dos bovinos — eu disse-vos
que íamos falar do ADN dos bovinos —
não podemos deixar de falar
da domesticação:
Quando é que começou
a história dos bovinos domésticos?
Começou no início da agricultura,
há cerca de 10 000 anos.
A agricultura marcou o início
de uma nova era, o Neolítico,
e representou um passo fundamental
na evolução da sociedade moderna,
transformou em agricultores
os caçadores-recoletores.
Os agricultores criaram
povoações estáveis.
A estabilidade e a disponibilidade
de alimentos
promoveram uma expansão demográfica
e isso levou ao que somos hoje,
uma sociedade complexa
do tipo estratificado
em que há muitas classes sociais
que já não se dedicam
à produção de alimentos,
mas fazem outras coisas.
Os registos arqueológicos
e arqueobiológicos
indicam que os bovinos
foram domesticados,
de certeza, em dois sítios do mundo,
e, provavelmente, em quatro.
O sítio mais antigo
é no Crescente Fértil, em 8500 a.C.
na fronteira entre o Iraque,
o Irão e a Turquia.
Aí foi domesticado
o "Bos primigenius",
um bovino selvagem,
que era um animal muito perigoso,
e extremamente selvagem,
e que é hoje o "Bos taurus",
o bovino do tipo taurino
que são os que vemos nas nossas quintas.
Um outro sítio muito importante
é no Paquistão.
Os primeiros indícios domesticados
aparecem 7000 anos a.C., no Vale do Indo
onde foi domesticado o "Bos Indicus"
— o zebu, o boi de corcova
hoje amplamente espalhado
no continente asiático,
no sul da Ásia e em África.
Dois outros sítios
de possível domesticação
são o Norte de África
e o Extremo Oriente.
Mas digamos que ainda
se encontram em discussão.
O que diz o ADN mitocondrial
dos bovinos sobre a domesticação?
Estas bolas coloridas
que veem aqui representam animais.
Estão agrupados num mapa
por áreas geográficas.
Reparem que é uma representação
de diversas áreas geográficas:
no Médio Oriente, na Anatólia,
na Europa central, em África, etc.
Reparem também nas cores.
As cores representam grupos de bovinos
— porque uma bola não é um bovino,
é um grupo de bovinos —
que têm uma certa sequência
de ADN mitocondrial,
uma certa série de letras.
Cores diferentes indicam
grupos de letras muito diferentes.
São como grandes famílias:
As vermelhas são uma grande família,
uma grande genealogia;
a amarelo, são outra genealogia.
Há ramificações nas bolas da mesma cor,
que indicam a existência
de outras bolas, ramificações.
Quanto maior for a ramificação,
mais elevada é a variabilidade
na sequência do ADN mitocondrial
dentro de uma família.
O que nos diz esta representação?
Diz-nos que a variabilidade genética
que existe no Médio Oriente e na Anatólia
é muito maior do que
a que existe na Europa e em África.
Vemos a presença de muitas cores,
embora muito equilibradas
e uma grande ramificação,
muitas bolas com ramificações.
Na Europa, essa variabilidade
diminui muitíssimo
e quase só temos a representação
da família vermelha,
enquanto em África,
predomina a família amarela.
Porque é que se perdeu
a variabilidade?
Porque a variabilidade captada
na domesticação
perdeu-se durante a colonização
feita pelos agricultores
na agricultura do resto da Europa.
Esta colonização ocorreu
por migrações sucessivas.
Se representarmos
a variabilidade genética original
capturada com a domesticação
por um cesto de bolas de diversas cores,
a cada migração
— os agricultores primitivos
expandiram-se a uma velocidade
de 1 km por ano —
a cada migração,
os agricultores levavam
umas quantas bolas deste cesto,
afastavam-se, criavam uma povoação
e multiplicavam as bolas.
Depois, na migração seguinte,
a progenitura destes agricultores migrava,
levando mais umas quantas bolas
do segundo cesto
afastava-se e multiplicava de novo
essas bolas.
Em cada nova migração, a porção de bolas
não incluía todas as cores existentes
do centro de domesticação,
e isso provocou
uma perda gradual de variabilidade.
O ADN mitocondrial diz-nos que,
de acordo com os dados
arqueológicos e arqueobiológicos,
de qualquer parte
na área do Crescente Fértil
ocorreu a domesticação do gado,
justamente porque é ali
que está a variedade genética.
Usemos agora uma lente de aumentar
no que acontece na Itália.
Repito: a Europa é vermelha;
no Médio Oriente em geral,
há todas as cores.
Na Itália, há um padrão
de diversidade dos bovinos
extremamente peculiar,
porque vemos,
no sul e no norte da Itália,
uma situação muito semelhante
à da Europa central,
enquanto no centro da Itália
há muitas cores e muitas ramificações,
portanto, é mais semelhante
à situação do Médio Oriente.
O que é estranho é que esta explosão
de diversidade do centro da Itália,
está rodeada a norte e a sul
por uma situação do tipo normal,
ou seja, a vermelha, conforme esperado,
porque sabemos, pelos dados arqueológicos
que os bovinos, depois da domesticação,
passavam pelos Balcãs
e dirigiam-se para o norte da Europa,
ao longo do rio Danúbio,
ou para oeste,
ao longo da costa do Mediterrâneo.
É possível calcular
a distância genética entre animais,
comparando as letras do ADN
e contando quantas vezes
dois animais têm a mesma letra
na mesma posição
e quantas vezes têm uma letra diferente.
É possível, comparando-as,
calcular uma distância
que se chama distância genética
e isso pode ser feito entre animais
ou entre grupos de animais.
Confirmando as distâncias genéticas
do ADN materno, do ADN mitocondrial,
confirma-se a situação
que vimos anteriormente:
o norte e o sul da Itália
estão próximos da Europa
enquanto o centro da Itália
está com a Anatólia e o Médio Oriente.
Olhando apenas para as famílias vermelhas,
os bovinos do centro da Itália
estão com o Médio Oriente,
os vermelhos do norte e do sul da Itália
estão com a Europa.
Então, alguma coisa aconteceu
em especial:
estes animais, rodeados
por outros animais "normais",
não chegaram à Toscânia
e ao centro da Itália
pela via terrestre normal,
mas chegaram por via marítima.
Apresento-vos estes animais:
o primeiro é o Maremmana.
Vemos aqui uma fêmea,
com os cornos típicos em forma de lira.
Os machos têm cornos
em forma de crescente.
O Chianina, o maior bovino do mundo:
o famoso touro Donetto
que chegou a pesar 1700 kg,
Os colegas americanos
roem-se de inveja
porque, desta vez, somos nós
que temos a primazia...
O Calvana, que é outra raça bovina
e o Cabannina, uma raça leiteira
de pequeno porte.
O que aconteceu então?
Tínhamos uma grande diversidade
no Médio Oriente e pouca na Europa.
A mesma coisa no norte e no sul
da Itália, igual à da Europa;
No centro da Itália, uma grande variação
e animais parecidos
com os do Médio Oriente.
Chegaram por via marítima,
mas não podiam navegar sozinhos,
portanto, alguém os trouxe.
Para descobrir quem os terão trazido,
era muito importante saber
quando é que eles chegaram.
Os registos históricos
falam-nos dos bovinos
existentes no centro da Itália.
Columella, o agrónomo dos romanos,
descreve-os no século I a.C.
Há outros dados históricos
que dizem que Numa Pompílio
um século antes, usava estes bois brancos
em sacrifícios aos deuses.
Assim, podemos dizer que estes bovinos
já existiam antes dos romanos.
Mas a agricultura também chegou
a Itália muito antes dos romanos.
O período Neolítico na Itália
ocorreu por volta de 6000 anos a.C.
Era importante tentar reduzir a data,
perceber melhor quando é que
estes animais teriam chegado.
O ADN mitocondrial,
a nossa máquina do tempo,
também nos veio ajudar neste caso.
Porquê? Porque é possível,
reconstruindo a genealogia,
saber quando viveram
os progenitores comuns
dos bovinos atuais da Toscânia
e dos bovinos atuais do Médio Oriente.
Esses progenitores não podiam
estar em dois locais diversos;
estavam ainda no Médio Oriente.
São a progenitura destes animais
que depois migraram.
E foi possível com o relógio molecular,
chegar a dizer que estes animais
chegaram ao centro da Itália
por volta de 2000 anos a.C.
Portanto, temos três indícios
— a época, a área geográfica
e a via marítima —
que apontavam para uma ligação
de qualquer tipo
com a civilização etrusca
que terá chegado àquela área geográfica
no primeiro milénio a.C.
Encontrámos uma prova irrefutável disso.
Estou a brincar, nenhuma revista
científica aceitaria isto como prova,
mas encontrámos uma fíbula etrusca,
parte de um conjunto funerário,
que representa um boi
muito semelhante
ao Maremmana macho,
o touro macho.
Reparem, a vaca tem os cornos de lira
e estes são os touros que têm cornos
com a forma de um crescente.
A origem dos etruscos
ainda está em discussão.
Em Itália há uma escola que sustenta
que os etruscos são autóctones,
apesar de se reconhecer
uma forte influência oriental
de tal modo que o período de maior fulgor
é referido como o Período Oriental,
mas são uma civilização autóctone.
Entretanto, a escola europeia
é mais probabilista
e diz: "Não se sabe se são
autóctones, com influências,
"ou se têm uma origem real
no Médio Oriente",
Assim, os arqueólogos
têm opiniões diferentes,
os linguistas também
têm opiniões diferentes,
porque só percebemos
algumas palavras da língua etrusca
e conhecemos o alfabeto etrusco.
Mas nunca se encontrou nada parecido
com a Pedra Rosetta
que nos permitiu
compreender os hieróglifos.
Algumas palavras da língua etrusca
parecem fazer mais sentido
utilizando o semítico
que é uma língua oriental
em vez das línguas indo-europeias.
Heródoto, nas "Histórias"
relata que os etruscos
eram da Lídia, na costa da atual Turquia,
que desembarcaram na Toscânia
e fundaram a civilização etrusca.
A genética humana, durante muito tempo,
não nos deu grandes informações.
Foi feito um estudo do ADN
mitocondrial dos etruscos
que só indicou que os toscanos atuais
são a população mais próxima dos etruscos
e a população da Anatólia,
um pouco mais distante.
Em qualquer caso, com estes dados
devíamos procurar ajuda
dos geneticistas humanos de renome,
porque já não estávamos
a falar de animais,
mas do povo etrusco.
Fomos ter com Cavalli Sforza
e os seus colegas.
Antonio Torroni, na altura,
estava a analisar o ADN humano
de pessoas de pequenas aldeias
pequenos enclaves etruscos.
Isto, porque analisar pessoas
em grandes cidades da Toscânia,
provavelmente era uma população
já misturada com muitas outras populações
com uma diluição de possíveis
traços orientais.
Moral da história:
Juntando os dados dos bovinos
e os dados dos seres humanos
foi possível demonstrar
— vejam à direita Casentino e Murlo —
que estas duas pequenas aldeias,
outrora povoações etruscas,
estão muito mais perto
do Médio Oriente do que da Europa,
enquanto em Volterra
este sinal está totalmente diluído.
Assim, os bovinos e os seres humanos
indicam que a civilização etrusca
e os bovinos toscanos chegaram
juntos vindos do Médio Oriente.
Isso também sublinha como
o ditado italiano que diz:
"A mulher e o boi só os do teu país"
neste caso, se aplica plenamente.
Para terminar, da domesticação em diante,
os animais sempre acompanharam
os seres humanos,
durante as migrações, guerras e conquistas.
Foram testemunhas silenciosas
da história do Homem
mas, até há pouco tempo,
tem sido impossível interrogá-los.
Agora, graças ao ADN, finalmente,
podem contar-nos o seu ponto de vista.
Obrigado pela vossa atenção.
(Aplausos)