Além da Imaginação: A imagem no espelho Você está viajando por outra dimensão, não apenas visual e sonora, mas mental, para um lugar extraordinário, cujos limites são os da imaginação. Aí está a placa. Sua próxima parada: Além da Imaginação. Rodoviária Com licença. -O ônibus para Cortland... O que tem? Devia ter chegado há 30 minutos. Sim, há 30 minutos. -Quando vai chegar? -Difícil dizer. Está chovendo muito, a pista está escorregadia e talvez algumas pontes fechadas. Isso vai atrasar o cronograma. Quando o senhor acha que vai chegar? Vai chegar quando chegar. É isso. Disse isso quando me perguntou. Quando perguntei? Eu perguntei agora. Eu só quero uma resposta educada. E está recebendo uma resposta educada. O problema é que quer uma a cada 10 minutos. As coisas não mudam assim tão rápido. Quer saber do ônibus para Cortland? Está atrasado. Estava atrasado quando perguntou há meia hora, quando voltou 15 minutos depois e está atrasado agora. Nenhuma pergunta do mundo vai mudar isso. Mas é a primeira vez que venho aqui... A primeira. Ou o senhor precisa de óculos... Qual é o problema agora? Nenhum. Problema nenhum. Millicent Barnes, 25 anos. Uma jovem esperando um ônibus em uma noite chuvosa de novembro. Não é do tipo imaginativa a srta. Barnes, sem contar a preocupação inadequada dos medos ou dos vôos temporais de fantasia. Como muitas mulheres ocupadas, é classificada de forma genérica como uma "moça com a cabeça no lugar", como dizem. Tudo isso foi dito agora porque, em breve, a cabeça da srta. Barnes será testada. Acontecimentos perturbarão seu senso da realidade e uma série de pesadelos porá sua sanidade em risco. Millicent Barnes, que, em um minuto, pensará se está enlouquecendo. Devemos passar por aquilo de novo? Ah, não. Obrigada, mas... Estava apenas reparando... Não é nada demais, mas aquela mala... O que tem? Bem, é igual a minha. É idêntica, até a alça quebrada. -O que é isso? Algum jogo? -O quê? É a sua mala. A senhorita a registrou. Não é a minha mala. Parece, mas a minha... Mas como? Pode ir para lá e se sentar? A senhorita é sonâmbula, está de ressaca ou algo assim. Volte para lá, se sente, respire pelo nariz e me deixe ler minha revista. Quando o ônibus para Cortland chegar haverá um som alto de motor, de porta abrindo e as pessoas entrarão aqui, então saberá que o ônibus chegou. Mas não registrei minha mala. De qualquer jeito, quando vi essa mala, a minha... A senhorita está bem? É claro que estou bem. Estou perfeitamente bem. Por quê? Não pareço bem? Parece bem. Muito bem. É que quando estava aqui antes... Antes? O que quer dizer com isso? Nunca estive aqui antes. Querida, você estava aqui há alguns minutos. Eu? Nunca estive aqui antes. Qual é o problema desse lugar? Ficam pegando a minha mala, falando que pergunto sobre o ônibus e a senhora me diz que eu estive aqui antes. Acalme-se, senhorita. Tudo ficará bem. Claro que tudo ficará bem! Não há nada de errado, para começar. O único problema de vocês é que precisam dormir ou algo parecido. Deixe-me pegar um pano úmido, querida. Não acho que a senhorita esteja bem. Não preciso disso. Eu vou ficar bem. Devo estar muito cansada, mas ficarei bem. -Com licença. -Sim? Quero saber se viu alguém no meu lugar há um minuto. Acho que não, senhorita. Não prestei atenção. -Qual é o problema? -Problema nenhum. Apenas pensei ter visto alguém que conheço. Aqui? Obrigada. Desculpe incomodar. Qual é o meu problema? Mas qual é o meu problema? O que está acontecendo? Ilusões. É isso. São ilusões. Devo estar doente. Devo estar com febre. Nem estou quente. Não estou com febre. Não estou com febre nenhuma. -Com licença, senhorita. -Sim. Sim. O que é? Sua bolsa. Acho que deixou cair. Ah, obrigada. O ônibus está atrasado, não é? Parece que sim. Mais de 30 minutos atrasado. Está falando do ônibus para Cortland, não é? Esse mesmo. Eu devia estar em Syracuse hoje às 22h. Os aviões não podiam decolar, então peguei um táxi de Binghamton. Ele bateu em uma árvore a alguns quilômetros daqui. Tive que andar até a cidade para chegar aqui. Perdoe-me, senhorita. Não está doente, está? Não sei o que eu tenho de errado. Não sei mesmo. Posso fazer algo? Bem, não sei. É que todos os tipos de coisas estranhas estão acontecendo comigo. Estou vendo coisas. Vendo coisas? De que tipo? Não sei se devo contar. É provável que queira ir para outro canto da sala, chamar a polícia ou a ambulância. Por que não me conta? Talvez eu possa ajudar. Por acaso, meu nome é Grinstead. Paul Grinstead. Sou de Binghampton. Como vai? Sou Millicent Barnes. Pelo menos era Millicent Barnes. Sou secretária particular. Me demiti na quinta-feira e tenho outro emprego em Buffalo. É para onde estou indo hoje, para Buffalo. Todos ficam dizendo que já estive aqui antes. O homem que checa as passagens diz que fico perguntando sobre o ônibus e a mulher do toalete diz que estive aqui antes e não estive. E a minha mala... Minha mala! Está ali. Graças a Deus. Por um minuto, pensei que estivesse começando de novo. Aquele homem disse que a registrei, mas não o fiz. Mas havia uma mala quase igual a minha no depósito de bagagens. E quando saí do toalete, ela não estava lá. Continue. Parece muito estranho, mas... quando saí do toalete, olhei no espelho e pude ver toda a sala de espera e eu... Bem, o que viu, srta. Barnes? Vi a mim mesma sentada bem aqui neste banco. -São ilusões. -Sim. Sim, é o que deve ser. Ilusão. Algum tipo de ilusão. Mas não estou doente. Não estou quente. Não estou com febre. Mas não estou apenas vendo o que não existe. Por que disseram que haviam me visto antes? Não sei. É difícil descobrir essa. O que está acontecendo comigo? O que há de errado? Não sou nenhuma maluca. Nunca tive nenhum problema assim antes. Digo, problema com a minha mente. Claro que não. Há uma explicação em algum lugar. Há uma lógica. Talvez... O quê? Talvez haja alguém parecida com a senhorita. Pode ser isso. Talvez alguém esteja fazendo alguma piada. Será possível? Isso é muito estranho. E não explica a mala. De qualquer modo, se há essa pessoa, onde está? Onde está essa pessoa? Ônibus para Cortland, Syracuse, Buffalo chegando agora. Deixe-me levar isso. Parece pesada. Obrigada. O senhor é muito gentil. É fácil ser gentil com a senhorita. Não, digo, mais que gentil. É melhor entrarmos no ônibus. -Eu pego a mala. -Certo. Srta. Barnes! Millicent! O que foi? Espere um minuto. Estamos partindo. Estão vindo ou não? Não. Vamos esperar o próximo. O próximo só sai às 7h. -É uma longa espera. -Tudo bem. Certo. Vou desligar algumas luzes. "Quando não estiver usando, vá já desligando". É o que sempre digo. Tenho que ir para casa. Espero que ela melhore. Obrigado. A senhora foi muito gentil. Tudo bem, mas... Cá entre nós, ela precisa de cuidados. Sabe o que quero dizer. Está se sentindo melhor? -O ônibus... -Teve que partir. Haverá outro logo. Você não embarcou. Não tem problema. Já estava atrasado. Algumas horas não farão diferença. Estou pensando em uma coisa. É muito estranha, mas... Estou me lembrando. Lembrando do quê? De algo que li ou ouvi há muito tempo sobre diferentes planos de existência, sobre dois mundos paralelos que existem lado a lado e cada um de nós tem uma cópia nesse mundo e, às vezes, por uma loucura, por algo inexplicável, essa cópia, depois de os dois mundos convergirem, vem para o nosso mundo e, para sobreviver, tem que assumir. Assumir? Nos substituir. Nos tirar do caminho para que possa viver. É um pouco metafísico para mim. Lembro de ler isso em algum lugar. Cada um de nós tem um gêmeo nesse outro mundo, um gêmeo idêntico. Talvez a mulher que vi... Millicent, existe outra explicação. Tem que existir. Uma que faça mais sentido. Não sei explicar, mas sei que foi isso que aconteceu. Essa outra mulher, a minha cópia... Esqueça isso, por favor. Não pense nisso. Tive uma ideia. Tenho um bom amigo que mora em Tully. Vou ligar para ele. Talvez venha nos buscar de carro e possa até nos levar para Syracuse. Vou ligar para ele. Tudo bem, Millicent? Devo ligar para meu amigo? Vou me intrometer e dizer o que penso. Acho que ela está com problema na cachola. Planos paralelos, cópias de outra vida... O senhor gosta de gente doente? É isso? Pobre moça. Não sei o que acontecerá. Ligue para seu amigo. O seu amigo de Tully que tem carro. Não tenho nenhum amigo em Tully. Ela precisa de ajuda médica. Pensei que seria mais fácil assim. Pensei que ela acreditaria. Coitada. Posso usar? À vontade. Para quem vai ligar? Acho que para a polícia. Acho que são eles que poderiam nos ajudar. Para dizer a verdade, ela me dá calafrios. Queria que ela fosse embora de algum jeito. Onde você está? Para onde foi? O que quer? -Onde está? -Millicent? Você está bem? Estou. Estou bem. Que tal um pouco de ar fresco? Tudo bem. Conseguiu mandá-la embora? Sim. Vão levá-la para o hospital para observação. Sobre o que ela estava falando? A coisa da outra vida? Não sei. Acho que faz parte da doença. Disse que o próximo ônibus sai às 7h? Você tem umas quatro horas e meia, amigão. Pode tirar um cochilo naquele banco. Vai ficar sozinho, sem nenhum barulho. Esse lugar é como um túmulo entre a noite e o dia. Talvez eu durma um pouco. Ei! Ei! Ei! Ei! Ei! Onde está? Explicação obscura e metafísica para cobrir um fenômeno. Razões retiradas das sombras para explicar o inexplicável. Chame de planos paralelos ou apenas insanidade. Seja o que for, você encontra em "Além da Imaginação". Tradução: Fernanda Cruz