Quando menina, à mesa de jantar,
me deleitava com as histórias do meu pai
sobre o movimento dos direitos civis.
Com minha imaginação fértil,
ficava imaginando meu pai
em todos aqueles lugares estratégicos:
atravessando aquela ponte em Selma,
sentado naqueles balcões de lanchonete,
ou de pé nos degraus do Lincoln Memorial.
Chegava a imaginá-lo queimando
sutiãs no movimento feminista.
Não tenho ideia
a quem pertenciam os sutiãs,
mas era emocionante
vê-lo lutar o bom combate.
Mas, ao ficar um pouco mais velha,
e meu pai um pouco mais bem-sucedido,
de repente a única igualdade
com que ele parecia se deleitar
era sua pontuação no golfe.
Lembro que fomos morar
num condomínio fechado,
e meu pai passou a dirigir
uma Mercedes conversível.
Então decidi que, se quisesse lutar
o bom combate e ir pra faculdade,
a melhor maneira de fazer isso
talvez fosse na frente de um juiz.
Fui pra faculdade e, enquanto
cursava direito, houve um momento,
o momento em que olhei para a TV,
como tantas pessoas,
e vi um jovem na frente de um tanque
na Praça da Paz Celestial.
E nunca vou esquecer aquele momento:
ele de pé ali, tão resoluto e passional.
E era algo muito maior do que ele,
fosse sobre democracia,
liberdade ou educação.
Obcecada por aquele momento,
percebi que queria lutar por uma causa.
Quando pensava em minhas
chuteiras, ou meus pompons,
ou naquela tiara,
até mesmo naquelas letras gregas,
percebi que nunca tinha
defendido causa alguma.
Naquele instante, então,
decidi que queria ser professora.
E me lembro de ligar pro meu pai,
mas ele não recebeu a notícia muito bem.
Rapidinho ele me lembrou
de como professores ganham mal,
o que é verdade,
e que eu nunca conseguiria comprar
uma casa em Newport Beach,
o que é verdade ainda hoje.
Independente de quão cínico meu pai
tenha sido sobre "minha nova profissão",
pensei: "É algo maior do que ganhar
dinheiro, ou meu contracheque".
Foi uma revelação.
Pouco tempo depois de tomar a decisão,
liguei a TV novamente e dei
com os protestos de Los Angeles.
E me lembro de ver o rosto
de jovens tão raivosos,
e com toda razão,
jovens contra a parede,
jovens que não tinham voz,
jovens que erguiam seus pulsos,
uma lata de spray ou, pior ainda,
um coquetel molotov e destruíam algo.
Então, tive outra epifania.
Naquele momento, percebi
não só que queria ser professora,
mas que queria ensinar àqueles jovens.
Mais uma vez, peguei o telefone,
liguei pro meu pai no campo de golfe,
e ele fez todo tipo de piada cínica,
mas a mais forte foi:
"Seja lá o que você fizer,
por favor, não coma as maçãs",
porque ele estava convencido de que elas
viriam recheadas de estricnina ou gilete.
Então, gostaria de contar
sobre meu primeiro dia de trabalho:
usei exatamente a mesma roupa
que Julia Roberts em "Uma Linda Mulher":
um vestido de bolinhas, e pérolas.
E, prestes a sair de casa
e dirigir 45 minutos
pela Pacific Coast Highway
no meu fusquinha branco,
comecei a pensar nas histórias
incríveis que tinha lido
no cânone literário,
histórias de Homero,
histórias de Shakespeare.
E, enquanto dirigia,
me perguntava que tipo de histórias
eu ia ler com meus alunos.
Mas só que eles tinham
sua própria história.
Porque logo descobri
que, na cidade deles,
logo após os protestos de Los Angeles,
houve 126 assassinatos...
126!
Quando entrei na sala de aula,
não havia livros didáticos,
não havia tecnologia,
e os alunos estavam num estado lastimável.
Alunos de 14 anos de idade
a quem foi dito que iriam fracassar
e abandonar a escola até o final
do 9º ano do ensino fundamental.
Alunos que tinham a certeza
de que estariam atrás das grades
quando tivessem 16 anos.
E, pior ainda, alunos que acreditavam
que estariam mortos
antes de completar 18 anos.
Meus alunos nunca leram
um livro do começo ao fim,
nem tinham a menor intenção de ler.
Eles odiavam ler,
odiavam escrever,
e a única coisa que parecia uni-los
em perfeita harmonia
era que todos me odiavam,
essa criatura alegre e irritante,
com suas bolinhas e suas pérolas.
E, se não acreditam,
gostaria de passar um vídeo curto
para provar como foi aquele dia,
e o que meus alunos
pensavam de sua professora,
essa líder de torcida dos infernos.
(Risos)
(Vídeo) (Música de fundo)
Aluno 1: Olhar para eles
era como olhar para o nada,
porque eu não dava a mínima.
Aluno 2: Muitos estudantes
eram simplesmente maus, sabia?
E eu não esperava que Erin
tentasse nos ensinar coisa nenhuma.
Eu sabia que ela não passava de uma babá.
Erin Gruwell: Era muito evidente
que eles não queriam estar ali.
Quando eu entrava na sala,
eu percebia quem estava chateado,
quem estava cansado, ou com fome,
quem está entediado,
quem mal podia esperar pra sair dali,
quem me odiava até o último fio de cabelo.
É fácil ser perceptivo e estar no momento,
mas, para isso,
é preciso estar vulnerável.
Eu tinha de entrar lá e baixar a guarda.
Aluno 1: Acho que qualquer um
naquela situação
só podia estar com medo,
tinha de estar com muito medo.
Tinha de estar.
Tinha de estar.
Porque não só você
está lidando com pessoas
que não se importam
se você é uma professora,
mas que não se importam com você.
É pessoal.
(No palco) EG: É pessoal.
Então, olhando para esses alunos,
pensei: "Como posso fazê-los
abaixar os punhos,
abaixar aquela lata de spray
ou, pior ainda, abaixar a arma?"
Pois na minha sala tive alunos
que vieram do centro de internação,
que usavam tornozeleiras eletrônicas
e que tinham acompanhamento judiciário.
Alunos que saíram da reabilitação
de metanfetamina ou crack.
Alunos que pulavam de lares adotivos,
para casas de acolhimento e abrigos.
Alunos que nunca faziam sua lição de casa
ou cujos pais nunca me mandavam bolinhos
e, mesmo que mandassem, provavelmente
não seria uma boa ideia comê-los.
E a maioria dos meus alunos
não dava a mínima
para esses caras brancos
de collant que já tinham morrido.
Caras brancos mortos usando
collants, ou togas, ou Shakespeare.
E então comecei a pensar:
"Como posso ensinar a meus alunos
que eles têm uma história?"
Afinal, todos temos uma.
Daí, decidi que íamos fazer
uma brincadeira,
que era tudo, menos brincadeira.
Simplesmente colei
uma fita adesiva no chão da sala
e fiz perguntas a meus alunos
na esperança de que aquela linha
fosse um centro gravitacional.
E, à medida que eles
permanecessem nessa linha,
eu conheceria a situação deles,
eu conheceria sua história.
Quando as perguntas começaram,
acredito que os 150 jovens que passaram
pela minha sala de aula, aos 14 anos,
eram todos pobres.
Sem dúvida, todos eles
conheciam a sensação
de não saber de onde viria
a próxima refeição,
o orgulho de não querer
comer a merenda escolar.
Todos eles sabiam
como era voltar pra casa
e ver que a luz tinha
sido cortada de novo,
que não tinha comida na geladeira de novo.
E aquelas mães solteiras batalhadoras,
entre baratas e bitucas de maconha,
nunca iam chegar a lugar nenhum.
A maioria dos meus alunos
sabia o que era viver como sem-teto,
sofrer gozação.
A maioria deles sabia
como era querer dar um fim em tudo,
ficar na beirada,
colocar uma navalha no pulso,
ficar olhando aquelas pílulas.
A maioria dos meus alunos
tinha sofrido ou praticado bullying.
A maioria já tinha visitado alguém
no reformatório, na prisão ou na cadeia,
ou já tinha passado um tempo lá.
Mas a pergunta mais perturbadora
que fiz a meus alunos
foi se eles já haviam perdido alguém.
E, quando todos, um após o outro,
permaneceram na linha,
percebi: "Essa é a nossa história".
Porque ter 14 anos e passar a vida toda
sentindo que você tem um alvo no peito...
Ter 14 anos e ter que se preocupar
e pensar: "Será que vou
chegar bem em casa hoje
e ver aquela mãe solteira
batalhadora de novo?"...
Ter 14 anos e estar entorpecido
e anestesiado sobre seu futuro...
Diante disso, eu queria ensinar
a meus alunos ter uma voz.
Talvez eles não pudessem mudar
os personagens de sua vida,
mas talvez "a caneta fosse
mais poderosa do que a espada",
e talvez, apenas talvez, eles pudessem
reescrever seu próprio final.
Então, decidi que íamos brindar,
fazer "um brinde à mudança".
E talvez não importasse
que a maioria de meus alunos tenha sido
expulsa de todas escolas que frequentou.
Talvez não importasse que meus alunos
tenham tirado 0,5 no teste GPA.
Começando naquele momento, bem ali,
íamos pegar uma taça de champanhe
de plástico com sidra de maça espumante
e íamos começar do zero.
A primeira jovem que pegou
aquela taça de champanhe de plástico
foi bem solene.
E a mudança dela não era
sobre um lápis número dois.
Sua mudança não era sobre um teste,
notas, dados ou estatísticas.
Ela pegou aquela taça de plástico,
aos 14 anos, e simplesmente disse:
"Não quero estar grávida
quando tiver 15 anos, como minha mãe.
Não quero passar o resto da vida
atrás das grades, como meu pai.
E não quero estar a sete palmos
quando completar 18 anos, como meu primo.
Eu quero mudar".
E aquele momento de vulnerabilidade,
aquele momento de exposição
na frente de uma sala
cheia de "supostos" inimigos,
deu a todos eles a oportunidade
de pegar uma taça plástica de champanhe
e ousar sonhar, e sonhar grande,
Os meninos estavam cansados
de ouvir para agirem como homem,
quando não havia um homem em casa
para lhes dar exemplo ou orientá-los.
Os meninos estavam cansados
de se sentar à beira da cama
"neste Natal" ou "neste aniversário",
esperando por um pai tratante
aparecer e trazer um presente,
ou ouvir dele que eram amados.
E que nunca apareciam.
Meninas bonitas estavam cansadas
de serem tocadas em partes do corpo
onde sabiam que não deveriam ser tocadas.
E as pessoas que as tocavam
tinham nomes como "tio Joe".
E, à medida que cada aluno pegava
aquela taça de champanhe de plástico
e falava sobre mudança,
eu entregava a eles um diário.
E a ideia era: "Volte, vá a um lugar
onde você se sinta seguro,
escreva, e assuma o controle.
E talvez essas palavras te façam imortal.
E juntos vamos ler histórias
sobre outros jovens
que escreveram suas palavras,
Jovens que vieram
de guerras não declaradas -
ou declaradas.
Garotinhas num sótão apertado
olhando pela janela e vendo suas amigas
sendo levadas como ovelhas
para o matadouro.
E ela assumiu o controle.
Todo dia, Anne Frank,
aquela garotinha, escrevia sua história.
Ou meninos como Elie Wiesel,
que foi entulhado num vagão de boi
e mandado para Auschwitz-Birkenau,
e assistiu a toda a sua família
perecer numa chaminé.
Mas ele escreveu sobre isso.
Ou garotinhas corajosas,
em lugares como Bósnia-Herzegovina,
vendo suas amigas virarem
alvo de atiradores de elite,
e, ainda assim, todos os dias
ela também escreveu sobre aquilo".
Então, meus alunos começaram
a escrever a própria história.
E, ao fazerem isso,
começamos a enviar cartas,
como se fossem mensagens numa garrafa.
Talvez alguém nos ouvisse.
Talvez nossos apelos
não caíssem em ouvidos moucos.
Talvez esses ícones viessem nos ver,
150 bandidos.
E eles vieram.
A mulher que ajudou Anne Frank
naquele minúsculo sótão,
uma simples secretária,
recebeu 150 cartas,
e subiu num avião, apesar dos erros
de ortografia e gramática das cartas,
para homenagear
meus alunos e suas histórias.
Sobreviventes de Schindler
que andaram por aqueles trilhos
que levavam a Auschwitz-Birkenau
também receberam cartas dos meus alunos.
Eles também vieram.
Refugiados bósnios vieram a nossa sala,
olharam para meus alunos
sem se importar com a cor de sua pele,
com o bairro onde moravam
ou, mais importante,
com o que os pais deles fizeram ou não.
Eles simplesmente vieram.
Então, um belo dia, meus alunos
ficaram muito convencidos,
e disseram: "Sabe, professora, ficamos
enviando cartas para o mundo todo,
e todos esses ícones vêm à sala 203
e compartilham seu mundo com a gente.
É hora de mostrarmos nosso mundo também".
Meus alunos queriam fazer uma excursão.
Eles queriam ir a Washington, D.C.
Queriam seguir os passos
dos ativistas dos direitos civis,
os Freedom Riders, que pegaram
ônibus e pararam em todos as barreiras,
e beberam de todos aqueles bebedouros,
se sentaram nas lanchonetes,
e se sentaram onde
bem entenderam naqueles ônibus.
Para quem aqui nunca
lidou com adolescentes,
a ideia de levar 150 alunos
para Washington, D.C.,
só me fazia pensar:
"sexo, drogas e rock'n'roll".
E dava uma angústia pensar
que eu tinha 150 alunos
que viviam abaixo da linha da pobreza.
Assim, eles não tinham
o luxo de ir pra casa
e pedir àquela mãe solteira batalhadora
pra pegar um cartão de crédito
ou convencê-la a assinar um cheque,
ou ir ao caixa eletrônico sacar
uma nota novinha de US$ 20,
pois, se tivessem aquela nota,
ela seria para pagar a conta de luz
ou pôr comida na geladeira.
Então, falei para meus alunos:
"Vocês têm de achar um jeito,
se vamos ir do ponto A ao ponto B,
se vamos fazer essa jornada,
vocês vão ter de achar um jeito".
E, quando começamos a arrecadar fundos,
um dos alunos me pôs numa saia justa,
como os jovens fazem,
e disse: "Professora, o que acontece
se levantarmos todo esse dinheiro
e não ele não der pra viajar?"
Naquele momento, pensei:
"Não vamos conseguir".
Aí, pra sair do aperto, eu disse:
"Se levantarmos todo esse dinheiro
e não der pra viajarmos,
podemos comprar mais alguns livros.
Talvez possamos fazer uma excursão
ao Museum of Tolerance.
Quem sabe fazer uma festa de pizza,
o que, nesse caso, é um ganha-ganha,
porque fizemos juntos".
Mas, daí, parei, e até hoje
não sei como nem por quê,
mas eu disse: "Mas, se fizermos
essa viagem metida,
e arrecadarmos esse dinheiro,
a vida de vocês
nunca mais vai ser a mesma".
E eles conseguiram.
Então, gostaria de mostrar
um pouco dessa excursão,
quando 150 jovens abaixaram
o punho, abaixaram as armas,
pegaram uma caneta,
escreveram a própria história
e levaram suas palavras, sua história,
para a capital da nossa nação.
(Vídeo) (Música de fundo) Aluna 3:
Alguém veio com a ideia de homenagearmos
todos nossos amigos que perderam
a vida em mortes sem sentido.
Aluno 4: Então escrevemos
o nome dessas pessoas em broches
e usamos como símbolo
de que o espírito delas ainda estava vivo,
de que ainda estavam com a gente,
sabe, que ainda faziam parte de nós.
Aluna 5: Todos nós demos as mãos
e saímos do hotel de mãos dadas.
Aluno 6: Fomos andando
até o Washington Memorial,
e era longe
e... havia 150 de nós.
E não soltamos as mãos.
Todo mundo começou a buzinar,
mas continuamos andando.
Aluna 7: O mundo simplesmente segue
e ninguém para pra olhar alguém no rosto,
olhar de verdade
para as pessoas como elas são.
E então paramos o tráfego,
e dava pra sentir a presença
de algo maior do que nós.
EG: Não me esqueço de um homem
baixando o vidro do carro, bem bravo,
dizendo: "O que vocês estão fazendo?"
e um dos "Escritores da Liberdade"
disse: "Estamos mudando o mundo".
(Fim do vídeo)
EG: Para um grupo de 150 alunos,
mudar significava não ter
de ser com aquela mãe
viciada,
ou aquele pai sem palavra,
e que eles poderiam reescrever
seu próprio final,
poderiam ser os primeiros
da família a se formar,
os primeiros da família
a ir pra faculdade,
os primeiros da família
a pegar essas histórias,
colocá-las num livro,
enviá-las - mais uma vez,
como uma mensagem numa garrafa -
e esperar que esses apelos
não caíssem em ouvidos moucos.
Então, enviei 150 cópias
das histórias dos meus alunos
para todas as editoras deste país.
E todas elas rejeitaram meus alunos.
Todas, exceto uma,
a mesma editora que apostou
numa garotinha num sótão minúsculo.
Então, como era pra ser, a editora
que publicou "O Diário de Anne Frank"
decidiu apostar em 150 jovens,
e publicou o livro deles.
Será que alguém ia ler um livro
escrito por, para e sobre jovens?
Aparentemente, parece que sim,
porque esse livrinho se tornou
um best-seller nos Estados Unidos.
E digo isso porque meus alunos
apelidaram o livro
de "O livrinho que podia",
em homenagem ao trenzinho
da história infantil descendo os trilhos:
"Acho que posso, acho que posso...".
Estou aqui na frente de vocês
como uma professora comum, ordinária,
que teve uma experiência extraordinária.
E apesar de eu não ter juntado
coragem suficiente
pra ficar na frente de um tanque
em nenhuma praça,
ou de parar o trânsito sozinha,
como fizeram meus alunos,
reuni coragem para estar
na sua frente hoje,
e então espero que, aqui na sua frente,
quando vocês me virem,
vejam meus alunos,
quando você me ouvirem,
ouçam os apelos deles.
E, quando uma linda sobrevivente
do Holocausto desafiou meus alunos,
dizendo: "O mal prevalece
quando pessoas boas não fazem nada",
estou aqui na sua frente,
desafiando cada um de vocês,
cada um de vocês que é uma pessoa boa,
a fazer alguma coisa.
Não deixem esses apelos
caírem em ouvidos moucos.
Não virem a cara.
Façam alguma coisa.
Façam algo pelos jovens necessitados.
Obrigada.
(Aplausos)