Acho que meu coração
nunca bateu tão forte na vida.
É uma experiência
bastante única estar aqui.
Em primeiro lugar, eu queria
agradecer a oportunidade
de compartilhar minha história.
Nas últimas três semanas, eu refleti
bastante sobre a contribuição
que eu teria a trazer aqui pra vocês.
Deixei de dormir algumas noites por isso.
Eu chamei minha fala
de "Um caminho de consciência",
porque eu acredito que,
como esse é o tema do evento,
o caminho de consciência só começa
quando a gente passa a se aceitar
e, mais do que isso, fazer algo positivo
da nossa própria identidade.
Eu nunca consegui falar sobre isso
abertamente na minha vida,
é a primeira vez que eu trago
esse assunto publicamente,
e é preciso ter bastante coragem
pra falar sobre assuntos como este.
Mas o fato de eu ter sofrido
violência pela minha natureza,
ela sempre foi um divisor
de águas na minha vida.
Pra mim existiam dois Tiagos:
um Tiago que ao longo
do seu desenvolvimento
procurava ser um profissional de destaque
e ser respeitado pelas suas ações;
e um Tiago do foro íntimo,
que não se aceitava,
que se considerava uma pessoa
não merecedora de felicidade.
E enquanto esses dois Tiagos
não se encontrassem,
eu jamais conseguiria encontrar
um caminho pra ser feliz.
E eu queria trazer,
aqui pra vocês, uma imagem
que transmitisse um pouco da mensagem
que eu quero passar neste momento.
E eu encontrei essa imagem
na minha pré-adolescência.
Eu tinha 12 anos, e foi
na minha primeira-comunhão.
Como eu sou de uma cidade pequena,
os meus pais não são religiosos,
mas era um ritual importante a ser vivido.
E a minha mãe decidiu, então,
ao invés de alugar
ou comprar um traje social,
como a maioria das famílias faz,
ela comprou uma roupa nova,
pra que eu pudesse utilizar
depois, na minha vida.
Só que tinha um problema:
eu tinha os cabelos
levemente compridos,
traços angelicais,
e os detalhes da roupa eram rosa.
Ao chegar na frente da igreja, eu estava
me achando superbonito, diferente,
mas a professora da catequese pediu
que eu entrasse na igreja
separado dos demais.
Enquanto os meninos entraram
ao lado das meninas, por ordem de tamanho,
e eu de longe era o mais alto da turma,
eu entrei sozinho na igreja.
E ao entrar na igreja, os olhares
foram de surpresa, de espanto,
e eu acho que até de julgamento.
E eu me assustei com aquilo.
Eu não sabia como lidar
com aquela situação.
Levei uns três anos pra olhar de novo
essas fotos, e rasguei todas elas.
E, por algum motivo,
esta foto acabou se salvando.
Eu também demorei
um bom tempo pra compreender
o comportamento da minha mãe.
Inicialmente eu achei
que ela tinha me exposto demais,
mas na verdade, hoje, eu entendo
que aquele movimento dela
era um movimento de aceitação
da minha sexualidade;
que pra ela, apesar
dos olhares da sociedade,
eu era uma criança linda
e uma criança normal.
Na sequência da minha vida, eu passei
por uma série de situações de "bullying",
como muitos homossexuais passam.
Eu sofri bullying na escola, na faculdade,
no trabalho, mas, na verdade,
não é exatamente sobre bullying
que eu gostaria de falar aqui,
porque eu acho
que a gente precisa aprender
a fazer, das coisas negativas
que acontecem na nossa vida,
algo positivo, pra que a gente seja
seres humanos melhores.
Mas é evidente que situações
de preconceito e de violência
têm consequências no nosso comportamento.
E até meus 30 anos eu era uma pessoa
antissocial, reprimida, agressiva,
e eu não conseguia me compreender.
E, com isso, eu também
não conseguia compreender o outro.
Por eu ter sofrido preconceito,
eu absorvi esse preconceito dentro de mim,
e eu me tornei uma pessoa preconceituosa.
Eu fui preconceituoso comigo,
com outros homossexuais,
eu era preconceituoso
com as pessoas em geral.
Pra mim, era meio que a lei
da ação e da reação.
Como eu recebi violência,
eu achava que eu deveria
devolver violência para o mundo,
que eu deveria reprimir meu comportamento
e todos os meus trejeitos de homossexual,
pra que eu não sofresse
mais violência com isso.
Mas é evidente que esse
modelo não se sustenta.
Eu me sentia, também,
uma pessoa sozinha no mundo.
Como venho de uma cidade
de 20 mil habitantes,
e na minha época de adolescente
a internet ainda não era popular,
eu achava que eu era
o único homossexual do mundo,
e que por isso eu não era
merecedor de felicidade,
que eu realmente era
uma pessoa anormal.
Com o tempo, e com os dados e informações
sendo compartilhadas na internet,
eu tive acesso a informações como esta.
Uma pesquisa da Fipe,
com 500 escolas brasileiras,
revelou que 26% dos alunos
declaram que não nos aceitam,
25% dos alunos acreditam
que nós não somos pessoas confiáveis,
e 23% acreditam que nós somos doentes.
Tudo isso eu já pensei sobre mim.
Hoje, graças a Deus,
eu não penso mais isso.
Eu também desenvolvi
uma certa raiva pelo modelo escolar,
eu tinha muita ira com as escolas
e com o que acontecia nas salas de aula.
Mas, com o tempo, eu também ressignifiquei
essa raiva e entendi que, na verdade,
as escolas nada mais são
do que reflexo da sociedade.
E enquanto a sociedade não mudar,
a escola também não vai mudar.
Nesse sentido, eu trago
mais uma informação importante:
segundo dados do Disque Denúncia,
nos últimos quatro anos,
o índice de denúncia em relação
à homofobia aumentou em 460%.
E essa informação tem dois olhares:
um positivo, que é, nós, homossexuais,
estamos conseguindo falar mais sobre isso
e reivindicar nossos direitos;
e o outro, que pode ser
que a intolerância tenha aumentado.
Independente da interpretação
que a gente faça desse dado,
eu acho que, na sociedade brasileira,
a gente ainda precisa discutir muito
tolerância e aceitação do outro.
Eu pergunto pra vocês, não só em relação
à aceitação dos homossexuais,
em relação a aceitação do outro,
independente de quem ele seja.
E quando vocês se olham no espelho,
o que vocês veem?
Vocês aceitam o cabelo de vocês,
e no meu caso, a falta dele?
Vocês aceitam o peso de vocês,
o gênero de vocês?
E vocês aceitam o do outro?
E até que ponto a gente contribui
pra que esses preconceitos velados
continuem acontecendo na nossa sociedade?
Será que não está na hora
de a gente ressignificar tudo isso?
Como na situação da comunhão que eu trouxe
pra vocês, em que aquilo aconteceu comigo
e, por eu ser diferente, tive olhares
de julgamento, ainda acho que a sociedade
está muito esquematizada
pra privilegiar algumas pessoas.
São os héteros, os brancos, os ricos...
E como a gente sai,
conscientemente, desses modelos?
A gente foi educado pra aceitar
certos comportamentos, e não questionar:
a roupa que a gente usa,
os brinquedos, que são
definidos por gênero,
as tarefas domésticas,
que são associadas às mulheres,
o jeito de se portar.
Quem definiu tudo isso?
Será que não está na hora de a gente
ressignificar e mudar essas coisas?
Eu aprendi, a duras penas,
que quanto mais eu julgasse o outro,
menos eu seria compreendido.
Quando eu comecei a oferecer
compreensão para o mundo,
o mundo também começou a me compreender.
Isso virou um mantra na minha vida,
e todos os dias eu tento falar isso:
"Julgamento afasta, compreensão aproxima.
Julgamento afasta, compreensão aproxima".
E, com isso, eu entendi que, na verdade,
ser gay não deveria ser um assunto
a ser discutido na sociedade.
Isso não deveria ser relevante.
Eu precisei de dois anos de terapia
pra compreender isso,
e entender que eu sou o Tiago,
sou um ser humano, uma pessoa de bem,
com erros e acertos, e que eu mereço
ser feliz, assim como todos vocês merecem.
E eu aprendi isso, com uma das pessoas
que me trouxe mais aprendizado na vida.
Esta pessoa está aqui hoje,
com seus 80 anos, me assistindo.
(Aplausos)
Obrigado.
Foi na cozinha da minha vó,
Massimília Conceição da Câmara,
que eu aprendi a ser gente.
Pra ela, a minha sexualidade
nunca precisou ser pauta a ser discutida.
Ela nunca me fez essa pergunta,
e não foi por medo da resposta,
foi porque, pra ela, eu sempre
fui o neto dela, o Tiago,
um ser humano que merece respeito,
cuidado, afeto e aceitação,
como todo ser humano, não só eu.
Foi o amor da minha vó que eu acho
que me salvou do vício e da autoagressão.
E a partir desse gesto dela, eu entendi
que o que a humanidade precisa
não é da nossa agressividade,
e nem dos nossos medos,
mas, sempre que a gente
conseguir alcançar isso, o amor:
o amor-próprio, o amor pelo outro,
e o amor inclusive pelas pessoas
que a gente não consegue compreender.
E foi só nesse momento
que eu consegui me libertar.
Eu consegui me libertar do meu emprego,
e dos meus preconceitos mais densos
que estavam dentro de mim.
E quando eu consegui me libertar
dessa carga pesada
que existia dentro de mim,
eu consegui fazer com que o amor entrasse.
E foi daí que surgiu
meu projeto empreendedor.
Foi dessa libertação
que eu consegui entender
o meu talento e as coisas positivas
que eu poderia fazer na minha vida.
Foi na cozinha da minha vó
que eu me descobri.
Foi a partir da sensibilidade dela,
que eu desenvolvi a minha sensibilidade.
Eu não precisei fazer
cursos de gastronomia,
não precisei fazer nada,
eu simplesmente precisei deixar
sair de dentro, aquilo que já existia,
a partir da relação que eu tive com ela.
E aí as coisas começaram
a ser leves, na vida.
As coisas começaram a sair de uma maneira
muito tranquila e muito bonita.
E hoje eu não acho que eu tenha uma marca,
uma empresa que pode virar
uma empresa internacional,
que com isso eu posso ser milionário.
Isso pra mim, na verdade, nem importa.
O que eu considero é
que eu tenho um projeto de vida,
que eu compartilho com os outros.
E a partir do momento em que eu me aceitei
e me entendi como ser humano,
eu passei a desenvolver um sentimento
bastante importante, hoje, no mundo,
que é a empatia.
Hoje eu consigo compreender
o sofrimento do outro,
eu consigo compreender
o desenvolvimento do outro,
e a importância de a gente conseguir
despertar o nosso talento e o do outro.
Eu procuro fazer isso no meu projeto.
As pessoas que trabalham
comigo não são funcionários,
são pessoas sonhadoras,
que sonham os sonhos delas, junto comigo.
Ontem à noite, eles gravaram
uma mensagem pra mim,
porque durante a semana perceberam
que eu estava um pouco tenso
de estar aqui nesse palco,
porque eu não escondo mais o meu jeito.
E eles mandaram uma mensagem
de positividade pra mim.
E não tem nada mais bacana na vida
do que receber gesto de carinho.
E esse gesto de carinho, sou muito grato
por hoje conseguir ter encontrado.
E foi só a partir do respeito
e aceitação, a mim e ao outro,
que eu entendi que o mundo
pode ser mais leve.
As coisas não precisam ser densas
e pesadas, não importa o barulho de fora,
quando a gente consegue se ouvir,
todo esse barulho
se transforma em silêncio.
E eu sei que o caminho de encontrar
nossa consciência, de se autoaceitar,
é um caminho bastante complexo, denso,
eu levei 18, 20 anos
pra conseguir me encontrar.
Mas acho que mais importante
que isso é a gente ser do bem,
e procurar transmitir o bem para o outro.
Eu me sinto um pouco pastor
dizendo essas coisas,
(Risos)
mas eu virei uma pessoa otimista,
porque eu acredito no ser humano
e no nosso potencial como ser humano.
Eu acho que o movimento deve vir
de dentro pra fora, sempre.
Hoje se fala muito
sobre empoderamento do outro,
o quanto se pode empoderar outras pessoas,
mas acho que a gente não pode empoderar
ninguém, o máximo que se pode fazer
é mostrar a essas pessoas que a gente
está ao lado delas nessa caminhada,
porque o empoderamento
vem de dentro pra fora.
E pras pessoas que hoje ainda sofrem
algum tipo de preconceito,
que se sentem menos
que os outros por isso,
que acham que não são merecedoras
de felicidade, como já aconteceu comigo,
e acabam caindo no vício das drogas,
do álcool, do endividamento,
e uma série de outros vícios,
o que eu tenho pra dizer pra vocês
é que a ansiedade e as dificuldades
só vão sair de dentro de vocês,
quando vocês começarem a ouvir
o que têm dentro do coração de vocês,
quando vocês começarem a compreender
quem vocês são no mundo,
e como vocês podem
ser bacanas para o mundo.
Eu acho que todos nós podemos
muito mais do que imaginamos.
Hoje, a partir do meu projeto
e da minha liberdade conquistada,
eu consigo apoiar a causa
dos homossexuais como eu, sem medo,
a causa negra, a causa
das pessoas mais velhas,
e a causa de qualquer ser humano.
Hoje acho que é a partir
das microrrevoluções
que a gente consegue transformar o mundo.
E eu procuro fazer isso todos os dias,
com diferentes gestos na minha vida.
Hoje eu acho que nós somos todos iguais,
eu olho para aquela foto da minha comunhão
e eu não me incomodo mais com aquilo.
Eu acho bonito o jeito
que eu estava vestido.
Eu tenho saudades dos meus cabelos.
(Risos)
(Aplausos)
Obrigado.
Eu acho que a nossa essência
fala muito de quem a gente é.
Eu precisei revisitar
a relação com a minha vó,
a relação com a minha mãe, a aceitação
da minha família e da minha história,
pra poder reconstruir
o ser humano que eu sou,
e ser um ser humano melhor com isso.
E hoje eu desenvolvi gratidão
por toda essa caminhada,
porque se eu não tivesse passado
pela situação da comunhão,
pelas situações de bullying,
e pela violência que recebi,
não teria me tornado
o ser humano que sou hoje,
por isso acho tão importante ressignificar
as coisas negativas que acontecem na vida.
E o que eu digo é que hoje eu me sinto
o melhor ser humano do mundo.
Eu não acho que só eu sou o melhor
ser humano do mundo, eu acho que todos nós
somos os melhores seres humanos do mundo.
E a gente precisa acreditar nisso,
porque o mundo já tem
bastante intolerância,
o Brasil já está bastante polarizado,
e enquanto a gente não entender
que só a partir do empoderamento próprio
a gente vai conseguir transformar o mundo,
a gente não vai sair desse status.
E eu acho que é mais honesto
a gente ser como a gente é,
do que como os outros
esperam que a gente seja.
E aqui eu cito dois homossexuais
que, ao longo da história, pra mim,
foram bastante significativos,
sofreram preconceito também,
mas conseguiram fazer algo bom disso.
Um deles foi o Harvey Milk,
nos Estados Unidos,
que acabou sendo vítima de assassinato
por defender a causa dos homossexuais,
na década de 60.
E o outro, um incompreendido
à sua época, o Caio Fernando Abreu.
Gaúcho, acabou sendo vítima da AIDS,
e hoje tem seus textos
popularizados na internet.
E pra finalizar o meu recado,
o que eu queria dizer pra vocês
é colocar esta pergunta:
por qual motivo o meu afeto te afeta?
Por qual motivo a gente é tão intolerante?
Eu espero que a partir disso
a gente consiga desenvolver
um pouco mais de empatia
e fazer do mundo
algo muito mais significativo.
Obrigado.
(Aplausos)