WEBVTT

00:00:06.364 --> 00:00:08.814
Um coelho tenta tocar um órgão de igreja,

00:00:08.814 --> 00:00:11.441
um cavaleiro luta com um caracol gigante

00:00:11.441 --> 00:00:15.374
e um homem nu toca
trompete com seu traseiro.

00:00:15.374 --> 00:00:18.997
Pintados com pincéis de pelos
de esquilo em velinos ou pergaminhos

00:00:18.997 --> 00:00:22.134
por monges, freiras e artesãos urbanos,

00:00:22.134 --> 00:00:28.594
essas imagens bizarras povoam as bordas
dos livros mais renomados da Idade Média.

NOTE Paragraph

00:00:28.596 --> 00:00:33.889
As ilustrações contam uma segunda
história tão rica quanto o texto em si.

00:00:34.539 --> 00:00:38.245
Algumas imagens aparecem
em vários manuscritos diferentes

00:00:38.245 --> 00:00:42.450
e normalmente reforçam o conteúdo
religioso dos livros que decoraram.

00:00:42.450 --> 00:00:46.500
Por exemplo, um porco-espinho
colhendo frutas com seus espinhos

00:00:46.500 --> 00:00:50.030
pode representar o Diabo
roubando os frutos de fé,

00:00:50.030 --> 00:00:53.677
ou Cristo carregando
os pecados da humanidade.

00:00:53.677 --> 00:00:57.867
A crença medieval rezava que um caçador
só podia capturar um unicórnio

00:00:57.867 --> 00:01:00.872
quando ele repousava seu chifre
no colo de uma virgem,

00:01:00.872 --> 00:01:04.542
por isso o unicórnio podia
simbolizar tentação sexual,

00:01:04.542 --> 00:01:07.523
ou Cristo capturado por seus inimigos.

00:01:07.523 --> 00:01:11.728
Já os coelhos podiam
representar a luxúria humana,

00:01:11.728 --> 00:01:15.328
que poderiam se redimir tentando
compor músicas sacras

00:01:15.328 --> 00:01:17.594
apesar de seus pecados.

NOTE Paragraph

00:01:17.594 --> 00:01:21.394
Todas essas referências seriam familiares
aos europeus da Idade Média,

00:01:21.394 --> 00:01:24.299
vindas de outras manifestações
artísticas e tradição oral,

00:01:24.299 --> 00:01:27.809
apesar de algumas ficarem
obscurecidas com o passar dos séculos.

00:01:27.809 --> 00:01:30.340
Hoje, ninguém pode dizer ao certo

00:01:30.340 --> 00:01:34.312
o que significava o cavaleiro
lutando com o caracol,

00:01:34.312 --> 00:01:38.023
ou por que o cavaleiro
sempre parecia perder.

00:01:38.023 --> 00:01:41.450
O caracol talvez representasse
a inevitabilidade da morte,

00:01:41.450 --> 00:01:44.171
que derrotaria até
o guerreiro mais poderoso,

00:01:44.171 --> 00:01:49.507
ou a humildade e a necessidade
do guerreiro vencer seu próprio orgulho.

NOTE Paragraph

00:01:50.337 --> 00:01:54.710
Muitos manuscritos ilustrados eram
cópias de textos religiosos ou clássicos,

00:01:54.710 --> 00:01:59.427
e os copistas incluíram suas próprias
ideias e opiniões nas ilustrações.

00:02:00.147 --> 00:02:02.300
Por exemplo, o trompete no traseiro,

00:02:02.300 --> 00:02:05.373
que provavelmente era uma maneira
de expressar desaprovação,

00:02:05.373 --> 00:02:09.338
ou dar uma tirada sarcástica,
à ação no texto.

NOTE Paragraph

00:02:10.088 --> 00:02:14.038
Os desenhos podiam ser usados para fazer
comentários políticos subversivos.

00:02:14.038 --> 00:02:16.441
O texto em os "Decretos de Smithfield"

00:02:16.441 --> 00:02:20.320
detalha as leis da igreja
e a punição para os infratores,

00:02:20.320 --> 00:02:23.554
mas as bordas mostram
uma raposa enforcada por gansos,

00:02:23.554 --> 00:02:28.254
uma possível alusão às pessoas comuns
voltando-se contra opressores poderosos.

00:02:28.814 --> 00:02:30.926
Em "Chronica Majora",

00:02:30.926 --> 00:02:34.213
Mateus de Paris conta
um escândalo de seus dias,

00:02:34.213 --> 00:02:39.783
no qual o príncipe galês Griffin
cai da Torre de Londres e morre.

00:02:39.783 --> 00:02:42.622
Paris escreveu que alguns achavam
que o príncipe caiu

00:02:42.622 --> 00:02:45.032
e que outros pensavam que foi empurrado.

00:02:45.032 --> 00:02:47.229
Ele deixou sua própria opinião nas bordas,

00:02:47.229 --> 00:02:49.517
que mostram o príncipe caindo,

00:02:49.517 --> 00:02:53.297
enquanto tentava fugir
em uma corda feita de lençóis.

NOTE Paragraph

00:02:53.297 --> 00:02:56.713
Algumas bordas contam
histórias mais pessoais.

00:02:57.013 --> 00:02:58.495
O "Luttrell Psalter",

00:02:58.495 --> 00:03:02.553
um livro de salmos e orações
encomendado pelo Sir Geoffrey Luttrell,

00:03:02.553 --> 00:03:04.920
mostra uma jovem arrumando o cabelo,

00:03:04.920 --> 00:03:07.921
enquanto um homem pega
um pássaro com uma rede.

00:03:07.921 --> 00:03:10.928
Dá pra ver a coroa raspada
na cabeça dele com cabelo crescendo,

00:03:10.928 --> 00:03:15.082
indicando que era um clérigo
que negligenciou seus deveres.

00:03:15.082 --> 00:03:17.030
Isso alude a um escândalo familiar,

00:03:17.030 --> 00:03:21.350
no qual o jovem clérigo foge
com Elizabeth, filha de Sir Geoffrey.

00:03:21.350 --> 00:03:25.883
Provavelmente, o conselheiro espiritual
da família desenhou isso no livro

00:03:25.883 --> 00:03:28.353
para lembrar seus clientes das suas falhas

00:03:28.353 --> 00:03:31.380
e incentivar o desenvolvimento
espiritual deles.

NOTE Paragraph

00:03:31.600 --> 00:03:35.297
Alguns artistas chegaram a pintar
a si mesmos nos manuscritos.

00:03:35.297 --> 00:03:39.420
A imagem inicial da coleção
de trabalhos de Christine de Pisan

00:03:39.420 --> 00:03:43.439
mostra Pisan apresentando
seu livro à rainha da França.

00:03:43.439 --> 00:03:46.809
A rainha ficou tão impressionada
com o trabalho anterior de Pisan

00:03:46.809 --> 00:03:49.186
que encomendou sua própria cópia.

00:03:49.186 --> 00:03:54.656
Este patrocínio real possibilitou que ela
abrisse sua própria editora em Paris.

NOTE Paragraph

00:03:55.056 --> 00:04:00.006
A tradição dos manuscritos ilustrados
durou mais de mil anos.

00:04:00.006 --> 00:04:05.390
Os livros foram criados por indivíduos,
ou equipes por uma infinidade de razões,

00:04:05.390 --> 00:04:10.185
desde ajuda a orações particulares,
ofícios religiosos, livros didáticos

00:04:10.185 --> 00:04:13.889
e amuletos protetores
para serem levados às batalhas.

00:04:13.889 --> 00:04:15.877
Com toda essa variedade,

00:04:15.877 --> 00:04:18.111
aqueles pequenos desenhos
curiosos nas bordas

00:04:18.111 --> 00:04:22.677
são uma janela única
para a mente dos artistas medievais.