1 00:00:04,695 --> 00:00:09,048 Traduzido: Beatriz Angelim Participação: Felipe Angelim 2 00:00:12,000 --> 00:00:16,000 RevisĂŁo e correção @jinacio 3 00:00:20,149 --> 00:00:23,596 Em qualquer tempo, entre 1750 e 1930, se se pedisse a qualquer pessoa educada 4 00:00:24,019 --> 00:00:28,232 para descrever o objetivo da poesia, da arte e da mĂşsica, 5 00:00:29,961 --> 00:00:32,207 eles teriam respondido: a beleza. 6 00:00:38,478 --> 00:00:40,195 E se vocĂŞ perguntasse o motivo disto, 7 00:00:40,699 --> 00:00:42,769 aprenderia que a beleza é um valor 8 00:00:43,316 --> 00:00:45,678 tĂŁo importante quanto a verdade e a bondade. 9 00:00:52,971 --> 00:00:56,532 EntĂŁo, no séc. XX, a beleza deixou de ser importante. 10 00:00:59,012 --> 00:01:02,712 A arte, gradativamente, se focou em perturbar e quebrar tabus morais. 11 00:01:03,677 --> 00:01:05,644 NĂŁo era beleza, mas originalidade, 12 00:01:06,066 --> 00:01:09,122 atingida por quaisquer meios e a qualquer custo moral, 13 00:01:09,415 --> 00:01:10,714 que ganhava os prĂŞmios. 14 00:01:16,356 --> 00:01:18,795 NĂŁo somente a arte fez um culto Ă  feiura, 15 00:01:19,351 --> 00:01:22,508 como a arquitetura se tornou desalmada e estéril. 16 00:01:24,250 --> 00:01:27,433 E nĂŁo foi somente o nosso entorno físico que se tornou feio: 17 00:01:31,272 --> 00:01:36,171 nossa linguagem, mĂşsica e maneiras, estĂŁo cada vez mais rudes, 18 00:01:36,577 --> 00:01:38,763 auto centradas e ofensivas, 19 00:01:39,088 --> 00:01:43,411 como se a beleza e o bom gosto, nĂŁo tivessem lugar em nossas vidas. 20 00:01:46,402 --> 00:01:51,334 Uma palavra é escrita em letras garrafais em todas estas coisas feias, e a palavra é: EGOISMO. 21 00:01:51,742 --> 00:01:54,673 "Meus lucros", "meus desejos" "meus prazeres", 22 00:01:55,784 --> 00:02:00,008 E a arte nĂŁo tem o que dizer em resposta, apenas: "sim, faça isso"! 23 00:02:03,612 --> 00:02:05,684 Penso que estamos perdendo a beleza 24 00:02:06,635 --> 00:02:10,335 e existe o perigo de que, com isso, percamos o sentido da vida. 25 00:02:12,363 --> 00:02:16,346 POR QUE A BELEZA IMPORTA? Por Roger Scruton 26 00:02:28,818 --> 00:02:31,286 Sou Roger Scruton, filósofo e escritor. 27 00:02:32,303 --> 00:02:34,233 Meu trabalho é fazer perguntas. 28 00:02:36,869 --> 00:02:40,519 e durante os Ăşltimos anos, venho fazendo perguntas sobre a beleza. 29 00:02:44,032 --> 00:02:48,071 A beleza tem sido essencial para a nossa civilização por mais de 2.000 anos. 30 00:02:49,415 --> 00:02:51,348 Em seu inicio, na Grécia antiga, 31 00:02:51,786 --> 00:02:57,547 a filosofia refletiu sobre a arte, mĂşsica, arquitetura, 32 00:02:57,869 --> 00:02:59,302 e a vida cotidiana. 33 00:03:04,686 --> 00:03:07,401 Filósofos argumentaram que, através da percepção da beleza, 34 00:03:07,729 --> 00:03:09,227 moldamos o mundo como um lar. 35 00:03:10,753 --> 00:03:13,970 Também passamos a entender sua própria natureza, sua essĂŞncia espiritual. 36 00:03:17,419 --> 00:03:19,804 Mas nosso mundo virou as costas para a beleza. 37 00:03:20,479 --> 00:03:24,920 e, por este fato, nos encontramos rodeados de feiura e alienação. 38 00:03:28,569 --> 00:03:30,178 Quero persuadi-lo de que a beleza importa, 39 00:03:31,162 --> 00:03:33,187 de que nĂŁo é somente algo subjetivo, 40 00:03:33,903 --> 00:03:36,166 mas uma necessidade universal do ser humano. 41 00:03:38,730 --> 00:03:42,470 Se ignoramos esta necessidade, nos encontramos em um deserto espiritual. 42 00:03:43,420 --> 00:03:45,937 Quero te mostrar a rota de fuga deste deserto, 43 00:03:46,516 --> 00:03:48,725 Este é um caminho que nos leva de volta ao lar. 44 00:04:08,882 --> 00:04:13,363 Os grandes artistas do passado, estavam cientes que a vida humana é cheia de caos 45 00:04:13,905 --> 00:04:14,919 e sofrimento. 46 00:04:16,071 --> 00:04:17,529 Mas eles tinham um remédio para isto, 47 00:04:18,224 --> 00:04:20,704 e nome deste remédio, era beleza. 48 00:04:28,647 --> 00:04:31,905 A bela obra de arte traz consolação na tristeza 49 00:04:32,547 --> 00:04:34,031 e afirmação na alegria. 50 00:04:37,339 --> 00:04:39,739 Ela mostra que a vida humana vale a pena. 51 00:04:47,969 --> 00:04:51,783 Muitos artistas modernos se esqueceram desta sagrada tarefa. 52 00:04:53,247 --> 00:04:57,289 O caos da vida moderna, eles pensam, nĂŁo pode ser redimido pela arte. 53 00:04:58,239 --> 00:05:00,157 Em vez disso, ele deveria ser exposto. 54 00:05:03,372 --> 00:05:07,901 Este padrĂŁo foi criado quase um século atrás pelo artista francĂŞs Marcel Duchamp, 55 00:05:08,690 --> 00:05:12,689 que assinou um urinol com uma assinatura falsa "R.Mutt" 56 00:05:13,262 --> 00:05:14,589 e colocou isto numa exibição. 57 00:05:17,864 --> 00:05:21,922 Seu gesto foi satírico, feito para zombar do mundo da arte 58 00:05:22,123 --> 00:05:23,666 e a arrogância que ele contém. 59 00:05:26,600 --> 00:05:28,690 Mas isto foi interpretado de outra forma, 60 00:05:29,384 --> 00:05:31,501 mostrando que qualquer coisa poderia ser arte, 61 00:05:33,869 --> 00:05:37,336 como uma luz que acende e apaga... 62 00:05:39,616 --> 00:05:43,090 uma lata de excremento... 63 00:05:43,452 --> 00:05:44,902 até mesmo uma pilha de tijolos. 64 00:05:48,504 --> 00:05:50,836 NĂŁo tendo mais a arte um estatuto sagrado; 65 00:05:51,296 --> 00:05:54,900 nĂŁo estando ela mais em um padrĂŁo moral e espiritual elevado; 66 00:05:56,008 --> 00:05:58,191 ela se torna apenas mais um gesto humano entre outros, 67 00:05:59,118 --> 00:06:01,499 nĂŁo mais significativo do que uma gargalhada ou um grito. 68 00:06:03,737 --> 00:06:07,490 - Acho que estĂŁo fazendo graça conosco! - Ă uma pilha de tijolos! 69 00:06:13,841 --> 00:06:15,985 Houve um tempo em que a arte cultuava a beleza. 70 00:06:16,241 --> 00:06:18,534 Agora temos um culto Ă  feiura, no lugar. 71 00:06:20,827 --> 00:06:24,088 Sendo o mundo perturbador, a arte deveria ser perturbadora também. 72 00:06:25,291 --> 00:06:29,834 Aqueles que procuram beleza na arte apenas estĂŁo por fora da realidade moderna de beleza. 73 00:06:32,453 --> 00:06:34,245 Ăs vezes a intenção é nos chocar, 74 00:06:35,649 --> 00:06:40,957 mas o que é chocante de início, se torna chato e vazio, quando repetido. 75 00:06:43,252 --> 00:06:45,491 Isto transforma a arte em uma piada elaborada 76 00:06:46,136 --> 00:06:48,331 que perdeu a graça, 77 00:06:49,266 --> 00:06:51,204 se os críticos continuarem a encorajar isto, 78 00:06:51,691 --> 00:06:54,290 com medo de dizerem que "o imperador está nu". 79 00:06:57,877 --> 00:07:02,420 A arte criativa nĂŁo é feita do nada, somente se tendo uma idéia. 80 00:07:04,835 --> 00:07:07,365 Sim, idéias podem ser interessantes e prazerosas, 81 00:07:08,317 --> 00:07:11,528 mas isto nĂŁo justifica a apropriação do papel da arte. 82 00:07:13,547 --> 00:07:16,676 Se uma obra de arte, nĂŁo é nada mais do que uma idéia, 83 00:07:17,210 --> 00:07:20,779 qualquer um poderia ser um artista e qualquer objeto uma obra de arte... 84 00:07:21,722 --> 00:07:25,742 NĂŁo existe mais nenhuma necessidade de habilidade, gosto ou criatividade. 85 00:07:31,055 --> 00:07:37,676 - O que vocĂŞ está tentando fazer, ao meu ver, é desvalorizar a arte, 86 00:07:38,539 --> 00:07:43,044 simplesmente dizendo:"se eu disser que isto é uma obra de arte, isto se torna uma obra de arte!" 87 00:07:43,527 --> 00:07:47,332 - Sim, mas a expressĂŁo "obra de arte" nĂŁo é importante para mim! 88 00:07:48,834 --> 00:07:52,843 NĂŁo me importo com a palavra "arte" porque ela se tornou tĂŁo... 89 00:07:54,008 --> 00:07:56,943 descreditada, digamos. 90 00:07:57,271 --> 00:08:00,427 - Mas vocĂŞ de fato contribuiu para seu descrédito, intencionalmente. 91 00:08:00,654 --> 00:08:02,043 - Sim, intencionalmente, 92 00:08:02,470 --> 00:08:04,835 como uma forma de me livrar dela. 93 00:08:05,961 --> 00:08:09,986 porque desta mesma forma muitas pessoas se livraram da religiĂŁo. 94 00:08:12,230 --> 00:08:15,273 O povo aceitou Duchamp, com suas próprias avaliaçþes. 95 00:08:16,102 --> 00:08:20,172 Acredito que ele nĂŁo se livrou da arte, mas se livrou da criatividade. 96 00:08:23,258 --> 00:08:27,427 De qualquer forma, os trabalhos de Duchamp ainda influenciam a arte hoje. 97 00:08:29,116 --> 00:08:31,161 O artista Michael Craig-Martin, 98 00:08:31,859 --> 00:08:34,042 que ensinou muitos jovens artistas britânicos, 99 00:08:34,417 --> 00:08:36,803 cujos trabalhos dominam o mundo da arte, 100 00:08:37,096 --> 00:08:38,206 segue os exemplos de Duchamp com seu 101 00:08:38,797 --> 00:08:42,388 próprio trabalho semiótico chamado, "An Oak Tree" (Um Carvalho). 102 00:08:42,955 --> 00:08:45,677 que consiste em um copo de água em uma prateleira, 103 00:08:46,119 --> 00:08:49,795 e um texto explicando o porquĂŞ isto é um carvalho. 104 00:08:52,652 --> 00:08:54,617 - Quando entrei pela primeira vez em SĂŁo Pedro e me deparei com Michelângelo, 105 00:08:54,849 --> 00:09:00,346 pra mim foi uma experiĂŞncia transportadora, 106 00:09:00,592 --> 00:09:02,033 minha vida foi mudada por ela. 107 00:09:02,133 --> 00:09:06,590 VocĂŞ acredita que alguém possa ter a mesma experiĂŞncia com o "Urinol" de Duchamp, 108 00:09:07,030 --> 00:09:10,436 ou talvez com seu "Oak Tree" que é similar? 109 00:09:11,487 --> 00:09:17,721 - Eu sei que quando era adolescente e descobri Duchamp, 110 00:09:18,281 --> 00:09:23,960 fiquei absolutamente fascinado. 111 00:09:25,583 --> 00:09:27,768 Eu nĂŁo acho que as pessoas estĂŁo sobrecarregadas por um senso de beleza 112 00:09:28,163 --> 00:09:30,779 quando dizem que o "Urinol" nĂŁo é feito para ser belo. 113 00:09:31,387 --> 00:09:35,706 Mas isto nĂŁo significa que nĂŁo haja algo sobre ele que captura a imaginação, 114 00:09:36,074 --> 00:09:40,699 e eu acho que "capturar a imaginação" é a chave para o que a arte moderna pretende. 115 00:09:41,540 --> 00:09:46,373 Duchamp dizia que a arte havia se tornado muito preocupada com técnica, 116 00:09:46,473 --> 00:09:47,971 muito preocupada com ótica. 117 00:09:48,613 --> 00:09:52,355 Ele acreditava que ela havia se tornado imoralmente intelectualmente corrompida 118 00:09:52,635 --> 00:09:57,396 e sua razĂŁo para fazer obras de arte que nĂŁo se encaixavam neste sistema nĂŁo era cinismo, 119 00:09:57,687 --> 00:09:59,820 era como para dizer: 120 00:09:59,920 --> 00:10:03,632 "Estou tentando fazer arte que nega todas as coisas 121 00:10:04,051 --> 00:10:07,597 que as pessoas dizem que a arte deve ter, 122 00:10:08,404 --> 00:10:12,407 porque estou tentando dizer que o centro da arte está em outro lugar." 123 00:10:13,164 --> 00:10:14,741 - Entendo o que quer dizer, 124 00:10:15,429 --> 00:10:18,278 as coisas deveriam mudar e Duchamp estava tentando mudá-las. 125 00:10:19,448 --> 00:10:21,602 mas, para que outra coisa ele estava tentando mudá-las? 126 00:10:22,358 --> 00:10:25,270 - NĂŁo, é... ele nunca poderia imaginar 127 00:10:25,784 --> 00:10:29,688 o que aconteceria, ele mesmo, tenho certeza, 128 00:10:29,999 --> 00:10:34,258 nĂŁo tinha idéia das proporçþes que o que ele fez tomariam; 129 00:10:34,956 --> 00:10:42,041 basicamente que uma obra de arte é uma obra de arte porque pensamos assim. 130 00:10:42,693 --> 00:10:46,010 Acho também importante dizer que a noção de arte foi estendida 131 00:10:46,347 --> 00:10:48,872 para incluir coisas em que nĂŁo pensávamos. 132 00:10:49,127 --> 00:10:52,961 Esta é parte da função da arte: tornar belo, fazer alguém ver algo como belo, 133 00:10:53,348 --> 00:10:55,692 algo que ninguém havia visto como belo até o momento. 134 00:10:56,081 --> 00:10:57,875 - Sim, como a "lata de merda"... 135 00:10:58,403 --> 00:11:00,572 - Bem, er, nĂŁo estou certo se é algo bonito, 136 00:11:00,672 --> 00:11:03,816 mas se vocĂŞ tomar um exemplo que nĂŁo está tentando ser belo, 137 00:11:04,145 --> 00:11:05,955 se vocĂŞ pegar um Jeff Koons... 138 00:11:06,816 --> 00:11:11,199 Jeff Koons tem feito coisas que sĂŁo verdadeiramente bonitas. 139 00:11:12,404 --> 00:11:16,124 - Parece muito Kitsch para mim, porém os de Kitsch eram todos agradáveis... 140 00:11:16,516 --> 00:11:19,416 - Este é o objetivo, a essĂŞncia de seu trabalho. 141 00:11:19,860 --> 00:11:21,399 - Qual é a utilidade desta arte, 142 00:11:21,679 --> 00:11:23,832 em que isto ajuda as pessoas? 143 00:11:25,066 --> 00:11:32,988 - Eu penso que...espero que isto permita as pessoas a ver o mundo no qual vivem, 144 00:11:33,151 --> 00:11:36,701 num sentido de que isto dĂŞ mais sentido a ele. 145 00:11:37,049 --> 00:11:41,803 E nĂŁo é o mundo de um mundo ideal, de outro mundo ou de algum lugar melhor, 146 00:11:42,553 --> 00:11:46,749 mas o aqui e agora, o mundo em que estĂŁo e em que tentam viver, 147 00:11:47,527 --> 00:11:51,773 porém mais fácil do que o real. 148 00:12:00,867 --> 00:12:03,133 EntĂŁo, a arte de hoje nos mostra o mundo 149 00:12:03,409 --> 00:12:07,295 como ele é, o aqui e agora e todas as suas imperfeiçþes. 150 00:12:08,011 --> 00:12:10,336 Porém, é seu resultado REALMENTE arte? 151 00:12:12,980 --> 00:12:17,391 Certamente algo nĂŁo é uma obra de arte só por mostrar a realidade, 152 00:12:17,811 --> 00:12:20,900 incluindo a feiura, e se auto chamar de arte. 153 00:12:35,333 --> 00:12:39,978 A arte necessita de criatividade, e criatividade, é sobre dividir, 154 00:12:40,537 --> 00:12:44,301 chamar os outros para ver o mundo como o artista o vĂŞ. 155 00:12:47,468 --> 00:12:50,432 Ă por este motivo que vemos beleza na arte inocente das crianças. 156 00:12:51,301 --> 00:12:54,842 Crianças nĂŁo estĂŁo nos dando idéias no lugar de imagens criativas, 157 00:12:55,529 --> 00:12:57,920 nem estĂŁo se afundando em feiura. 158 00:12:58,680 --> 00:13:02,986 Elas estĂŁo tentando afirmar o mundo como o vĂŞem, e dividir o que sentem. 159 00:13:06,668 --> 00:13:09,775 Algo da criatividade deliciosamente pura das crianças, 160 00:13:10,100 --> 00:13:13,284 sobrevive em cada verdadeira obra de arte. 161 00:13:14,109 --> 00:13:18,122 Mas criatividade nĂŁo é suficiente, e o talento do verdadeiro artista, 162 00:13:18,352 --> 00:13:23,379 é mostrar o real sob a luz do ideal, e entĂŁo, transfigurá-lo. 163 00:13:27,966 --> 00:13:32,174 Isto é o que Michelângelo alcança em seu grande retrato de David. 164 00:13:34,826 --> 00:13:37,826 Mas quando encontramos uma cópia em concreto de David, 165 00:13:38,435 --> 00:13:40,683 talvez como parte do arranjo de algum jardim, 166 00:13:40,885 --> 00:13:42,303 ela nĂŁo é bela de fato, 167 00:13:43,208 --> 00:13:47,120 pois lhe falta o ingrediente essencial da criatividade. 168 00:14:05,049 --> 00:14:08,186 DiscussĂľes do tipo que eu estive tendo sĂŁo perigosas. 169 00:14:08,882 --> 00:14:12,303 Em nossa cultura democrática, as pessoas geralmente pensam que é ameaçador 170 00:14:12,677 --> 00:14:14,563 julgar o gosto de outra pessoa. 171 00:14:17,482 --> 00:14:19,818 Alguns se sentem ainda ofendidos com a sugestĂŁo 172 00:14:20,133 --> 00:14:22,970 de que existe uma diferença entre bom e mau gosto, 173 00:14:23,177 --> 00:14:26,671 ou de que importa o que vocĂŞ olha, lĂŞ ou escuta. 174 00:14:28,513 --> 00:14:30,054 Mas isto nĂŁo ajuda ninguém. 175 00:14:30,726 --> 00:14:34,780 Existem padrĂľes de beleza, que tem firmes bases na natureza humana 176 00:14:35,221 --> 00:14:38,566 precisamos zelar por eles e trazĂŞ-los para nossas vidas. 177 00:14:44,342 --> 00:14:46,921 Talvez as pessoas tenham perdido a fé na beleza, 178 00:14:47,199 --> 00:14:49,353 pois perderam a crença em ideais, 179 00:14:49,818 --> 00:14:53,687 ou apenas por terem passado a acreditar no mundo do desejo animal. 180 00:14:54,577 --> 00:14:58,024 NĂŁo existem valores além dos que sĂŁo Ăşteis; 181 00:14:58,650 --> 00:15:00,772 algo tem valor, se tem utilidade. 182 00:15:01,568 --> 00:15:03,487 E qual é a utilidade da beleza? 183 00:15:07,041 --> 00:15:10,771 "Toda arte é absolutamente inĂştil", disse Oscar Wilde, 184 00:15:11,254 --> 00:15:13,219 que havia notado isto como um elogio. 185 00:15:13,982 --> 00:15:18,024 Para Wilde, a beleza tem um valor maior do que a utilidade. 186 00:15:18,679 --> 00:15:21,388 Pessoas precisam de coisas inĂşteis tanto quanto, 187 00:15:21,488 --> 00:15:24,749 ou mais ainda, precisam de coisas Ăşteis. 188 00:15:26,026 --> 00:15:28,022 Pense nisto: qual é a utilidade do amor? 189 00:15:28,739 --> 00:15:30,315 da amizade? da devoção? 190 00:15:30,671 --> 00:15:32,670 Nenhum, de fato. 191 00:15:33,009 --> 00:15:35,916 E o mesmo serve para a beleza. 192 00:15:38,565 --> 00:15:42,096 Nossa sociedade consumista pensa na utilidade primeiro, 193 00:15:42,641 --> 00:15:44,932 e a beleza nĂŁo passa de um efeito colateral. 194 00:15:47,979 --> 00:15:51,970 Sendo a arte é inĂştil, nĂŁo importa o que vocĂŞ lĂŞ, o que olha, o que ouve. 195 00:15:59,880 --> 00:16:02,500 Somos inundados de mensagens por todos os lados, 196 00:16:02,922 --> 00:16:06,244 tentados pelo desejo, indiscriminadamente. 197 00:16:10,189 --> 00:16:11,189 E esta é uma das razĂľes pela qual a beleza esta desaparecendo de nosso mundo. 198 00:16:13,919 --> 00:16:16,171 Recebendo e gastando, vivemos para nada 199 00:16:16,679 --> 00:16:18,772 exaustando nossas energias. 200 00:16:21,255 --> 00:16:25,964 Na nossa cultura de hoje, a propaganda é mais importante que a obra de arte, 201 00:16:26,215 --> 00:16:29,863 e as obras de arte sempre tentam ganhar nossa atenção como as propagandas o fazem, 202 00:16:30,392 --> 00:16:35,651 sendo rudes ou escandalosos, como este crânio de platina ornado de pedras, 203 00:16:35,751 --> 00:16:37,323 por Damien Hirst. 204 00:16:38,104 --> 00:16:41,690 Como as propagandas, as obras de arte de hoje buscam criar uma marca, 205 00:16:42,374 --> 00:16:45,867 mesmo nĂŁo tendo produto a vender, exceto elas mesmas. 206 00:17:21,358 --> 00:17:23,438 A beleza partiu para duas direçþes: 207 00:17:23,858 --> 00:17:29,707 para culto da feiura nas artes, e para o culto da utilidade no cotidiano. 208 00:17:30,219 --> 00:17:34,166 Estes dois cultos foram, juntos, para o mundo da arquitetura. 209 00:17:38,394 --> 00:17:42,109 Na virada do séc XX, arquitetos, como artistas, 210 00:17:42,529 --> 00:17:47,300 passaram a ficar impacientes com a beleza e a substituí-la por utilidade. 211 00:17:50,841 --> 00:17:55,259 O arquiteto americano, Louis Sullivan, expressou a crença dos modernistas, 212 00:17:55,556 --> 00:17:58,176 quando disse que "a forma segue a função". 213 00:17:58,534 --> 00:18:02,173 Em outras palavras, "pare de pensar na aparĂŞncia de uma construção 214 00:18:02,467 --> 00:18:05,226 e pense, em vez disso, no que ela faz" 215 00:18:08,660 --> 00:18:11,937 A doutrina de Sullivan, tem sido usada para justificar 216 00:18:12,037 --> 00:18:14,842 o maior crime contra a beleza que o mundo jamais viu, 217 00:18:15,414 --> 00:18:17,801 que é o crime da arquitetura moderna. 218 00:18:37,618 --> 00:18:41,693 Eu cresci nos arredores de Reading, que era uma charmosa cidade vitoriana, 219 00:18:41,793 --> 00:18:44,337 com ruas arborizadas e igrejas góticas, 220 00:18:44,602 --> 00:18:47,145 coroadas por elegantes prédios pĂşblicos e hotéis. 221 00:18:48,257 --> 00:18:51,060 Mas nos anos 60 as coisas começaram a mudar. 222 00:18:51,495 --> 00:18:54,760 Aqui, no centro, uma rua inteira foi demolida 223 00:18:55,226 --> 00:18:57,925 para dar lugar a escritórios e uma estação de Ă´nibus. 224 00:18:58,160 --> 00:19:02,028 Tudo projetado sem preocupação com a beleza. 225 00:19:02,847 --> 00:19:07,601 e o resultado prova, claramente, que se vocĂŞ considerar somente a utilidade, 226 00:19:08,259 --> 00:19:10,411 as coisas que vocĂŞ construiu, vĂŁo se tornar inĂşteis. 227 00:19:11,961 --> 00:19:15,586 Este prédio foi abandonado, pois ninguém tem uso para isto; 228 00:19:15,859 --> 00:19:18,817 ninguém tem um uso para isso pois ninguém quer ficar nele; 229 00:19:19,344 --> 00:19:22,435 ninguém quer ficar nele porque ele é feio! 230 00:19:35,186 --> 00:19:37,115 Para onde olhamos, há feiura e mutilação. 231 00:19:37,332 --> 00:19:42,157 Os escritórios e a estação de Ă´nibus foram abandonadas 232 00:19:43,495 --> 00:19:47,379 e as Ăşnicas coisas que habitam o local sĂŁo pombos, cobrindo os pavimentos. 233 00:19:48,337 --> 00:19:50,875 Tudo foi vandalizado. 234 00:19:51,794 --> 00:19:53,727 Mas nĂŁo devemos culpar os vândalos. 235 00:19:53,993 --> 00:19:56,112 este lugar foi construído por vândalos, 236 00:19:56,271 --> 00:19:59,629 os pichadores apenas finalizaram o trabalho. 237 00:20:04,326 --> 00:20:08,079 A maior parte de nossas cidades tem áreas como esta, 238 00:20:08,625 --> 00:20:11,529 em que prédios foram eretos apenas para uso, 239 00:20:11,701 --> 00:20:13,635 e que rapidamente se tornaram inĂşteis. 240 00:20:14,319 --> 00:20:17,057 NĂŁo que os arquitetos tenham aprendido com este desastre... 241 00:20:33,686 --> 00:20:36,087 Quando o pĂşblico começou reagir contra 242 00:20:36,187 --> 00:20:38,718 o brutal estilo do concreto nos anos 60, 243 00:20:39,189 --> 00:20:42,886 os arquitetos apenas o substituíram por um novo tipo de lixo: 244 00:20:43,263 --> 00:20:46,006 paredes de vidro sustentadas por vigas de ferro 245 00:20:46,324 --> 00:20:48,796 com detalhes absurdos que nĂŁo combinam. 246 00:20:49,218 --> 00:20:54,600 O resultado é um outro tipo de fracasso, que existe apenas para ser demolido. 247 00:21:10,995 --> 00:21:16,814 No meio de toda esta tragédia, encontramos um fragmento das ruas que foram destruídas. 248 00:21:17,177 --> 00:21:20,247 O que foi uma ferraria, hoje é um café, 249 00:21:20,776 --> 00:21:25,787 e as pessoas vĂŞm aqui, de toda a parte, porque este é a Ăşltima gota de vida que resta; 250 00:21:26,051 --> 00:21:28,705 e a vida vem da construção. 251 00:21:41,014 --> 00:21:45,565 Isto me leva novamente Ă  observação de Oscar Wilde, de que toda arte é absolutamente inĂştil. 252 00:21:46,577 --> 00:21:49,668 Priorize a utilidade e vocĂŞ a perderá, 253 00:21:50,338 --> 00:21:54,632 priorize a beleza e o que vocĂŞ construir será Ăştil para sempre. 254 00:21:55,491 --> 00:21:59,108 Ocorre que nada é mais Ăştil que o inĂştil. 255 00:22:05,096 --> 00:22:09,610 Nós vemos isto na arquitetura tradicional, com seus detalhes decorativos, 256 00:22:10,321 --> 00:22:13,739 ornamentos livres da "tirania do Ăştil", 257 00:22:13,839 --> 00:22:15,977 que satisfazem a nossa necessidade por harmonia 258 00:22:16,657 --> 00:22:19,475 e de uma forma estranha, elas nos fazem nos sentir em casa. 259 00:22:19,974 --> 00:22:23,012 Eles nos lembram de que temos mais que necessidades práticas, 260 00:22:23,852 --> 00:22:28,498 nĂŁo somos governados apenas por instintos básicos como comer e dormir, 261 00:22:28,688 --> 00:22:33,433 temos necessidades morais e espirituais também, e se uns precisam ser satisfeitos, 262 00:22:33,802 --> 00:22:35,766 os outros também. 263 00:22:56,510 --> 00:22:59,516 Todos sabemos como é, até mesmo no dia-a-dia, 264 00:22:59,967 --> 00:23:03,065 ser transportado de repente por coisas que vemos, 265 00:23:03,225 --> 00:23:05,550 do mundo ordinário dos nossos desejos, 266 00:23:05,650 --> 00:23:08,642 para a iluminada esfera da contemplação. 267 00:23:11,899 --> 00:23:16,363 O raio do sol, a lembrança de uma melodia, o rosto de uma pessoa amada, 268 00:23:16,685 --> 00:23:23,178 isto nos toma nos momentos mais distraídos que, de repente, a vida vale a pena. 269 00:23:30,427 --> 00:23:36,985 Estes sĂŁo momentos atemporais, em que sentimos a presença de outro e mais elevado mundo. 270 00:23:40,100 --> 00:23:42,568 Desde o começo da civilização ocidental, 271 00:23:42,668 --> 00:23:46,067 poetas e filósofos viram a experiĂŞncia da beleza 272 00:23:46,734 --> 00:23:49,001 como uma aproximação com o divino. 273 00:23:51,533 --> 00:23:55,658 PlatĂŁo, escrevendo em Atenas no séc IV a.C, 274 00:23:55,910 --> 00:24:00,606 argumentou que a beleza é o sinal de uma outra ordem, superior. 275 00:24:03,524 --> 00:24:06,832 "Contemplando a beleza com os olhos da mente, ele escreveu, 276 00:24:07,202 --> 00:24:11,976 vocĂŞ será capaz de nutrir a verdadeira virtude e se tornar amigo de Deus." 277 00:24:16,056 --> 00:24:18,135 PlatĂŁo era um idealista. 278 00:24:18,394 --> 00:24:23,091 ele acreditava que os seres humanos sĂŁo peregrinos e passageiros neste mundo, 279 00:24:23,671 --> 00:24:26,169 que estĂŁo sempre aspirando para além dele, 280 00:24:26,409 --> 00:24:30,149 para o eterno reino onde estarĂŁo unidos com Deus. 281 00:24:35,883 --> 00:24:39,180 Deus existe, em um mundo transcendente, 282 00:24:39,640 --> 00:24:43,817 para o qual nós humanos aspiramos, mas que nĂŁo podemos conhecer diretamente. 283 00:24:46,975 --> 00:24:50,881 Mas uma forma de vislumbrar esta esfera divina daqui debaixo, 284 00:24:50,981 --> 00:24:54,020 é através da experiĂŞncia da beleza. 285 00:24:57,968 --> 00:25:00,566 Isto leva a um paradoxo. 286 00:25:00,666 --> 00:25:05,223 Para PlatĂŁo, a beleza era primeiramente, e sobretudo, a beleza do rosto humano 287 00:25:05,323 --> 00:25:07,295 e da forma humana. 288 00:25:07,395 --> 00:25:11,106 O amor da beleza, ele pensou, se origina em Eros, 289 00:25:11,461 --> 00:25:13,337 a paixĂŁo que todos nós sentimos. 290 00:25:13,537 --> 00:25:16,855 Chamaríamos isto de "amor romântico". 291 00:25:16,955 --> 00:25:19,806 Para PlatĂŁo, Eros era uma força cósmica, 292 00:25:20,299 --> 00:25:23,837 que flui através de nós sob a forma de desejo sexual. 293 00:25:27,927 --> 00:25:30,711 Porém se a beleza humana evoca desejo, 294 00:25:31,405 --> 00:25:34,364 como ela pode ter relação com o divino? 295 00:25:34,623 --> 00:25:38,840 Desejo é para o indivíduo, vivendo neste mundo. 296 00:25:38,940 --> 00:25:41,227 Ă uma paixĂŁo urgente. 297 00:25:43,197 --> 00:25:46,608 O desejo sexual nos dá uma escolha: 298 00:25:47,035 --> 00:25:49,512 adoração ou lascívia, 299 00:25:50,072 --> 00:25:52,161 amor ou luxĂşria. 300 00:25:52,751 --> 00:25:56,845 LuxĂşria é sobre tomar, mas amor é sobre dar. 301 00:26:02,005 --> 00:26:03,331 LuxĂşria traz a feiura, 302 00:26:03,443 --> 00:26:07,139 a feiura da relação humana onde um pessoa trata a outra 303 00:26:07,471 --> 00:26:09,650 como um objeto dispensável. 304 00:26:13,300 --> 00:26:16,747 Para alcançar a fonte da beleza, devemos abandonar a luxĂşria. 305 00:26:33,423 --> 00:26:39,357 E este sentimento, sem a luxĂşria, é o que queremos dizer hoje com "amor platĂ´nico". 306 00:26:40,898 --> 00:26:43,738 Quando vemos beleza em uma pessoa, 307 00:26:44,076 --> 00:26:46,774 é porque vislumbramos nela a luz da eternidade 308 00:26:46,914 --> 00:26:50,732 brilhando de uma fonte divina, além deste mundo. 309 00:26:57,047 --> 00:27:00,625 A bela forma humana é um convite para nos unirmos a ela, 310 00:27:00,725 --> 00:27:03,973 espiritualmente, nĂŁo fisicamente. 311 00:27:05,601 --> 00:27:11,428 O que sentimos sobre beleza é como o que sentimos sobre religiĂŁo: nĂŁo é um sentimento sensual. 312 00:27:18,353 --> 00:27:21,340 Esta teoria de PlatĂŁo é magnífica. 313 00:27:21,944 --> 00:27:24,931 Beleza, ele pensou, era uma visitante de outro mundo. 314 00:27:25,248 --> 00:27:29,205 NĂŁo podemos fazer nada com ela, salvo contemplar sua radiante pureza. 315 00:27:29,585 --> 00:27:32,663 Qualquer outra coisa, poluí-a, profana-a, 316 00:27:32,763 --> 00:27:35,423 destruindo sua aura sagrada. 317 00:27:44,195 --> 00:27:48,293 A teoria de PlatĂŁo pode parecer ultrapassada para as pessoas de hoje, 318 00:27:48,608 --> 00:27:52,352 porém é uma das mais influentes teorias da história. 319 00:27:53,040 --> 00:27:56,989 Durante nossa civilização, poetas, contadores de histórias, pintores, 320 00:27:57,089 --> 00:28:01,124 padres e filósofos, foram inspirados pela visĂŁo de PlatĂŁo 321 00:28:01,224 --> 00:28:03,340 sobre sexo e amor. 322 00:28:08,259 --> 00:28:11,777 Se olharmos na seção de poesia, encontraremos muitos livros 323 00:28:11,917 --> 00:28:14,975 de pessoas que tentavam explicar a visĂŁo platĂ´nica do erótico. 324 00:28:15,334 --> 00:28:16,955 Veja este aqui! 325 00:28:19,232 --> 00:28:21,451 "The death of Arthur" de Thomas Mallory, 326 00:28:21,551 --> 00:28:23,970 John Donne, aqui e ali, 327 00:28:24,177 --> 00:28:26,265 "Sir Gawain and the Black Knight", 328 00:28:26,562 --> 00:28:28,607 Chaucer, especialmente em "A Knight's Tale", 329 00:28:29,093 --> 00:28:30,742 poemas manuscritos de Poe, 330 00:28:31,443 --> 00:28:33,754 inacreditáveis expressĂľes da visĂŁo platĂ´nica... 331 00:28:34,828 --> 00:28:38,774 Cavalcanti, que foi o mestre de Dante e Dante mesmo inclusive, 332 00:28:40,390 --> 00:28:43,783 Spenser, claro "The Faerie Queen", 333 00:28:44,143 --> 00:28:46,376 Dafydd ap Gwilym onde temos a versĂŁo galesa (País de Gales) disto, 334 00:28:46,888 --> 00:28:50,259 As Mulheres Trubadur, Christina Rossetti, 335 00:28:51,341 --> 00:28:53,408 que tem uma visĂŁo mais Vitoriana, 336 00:28:54,748 --> 00:28:56,367 e assim vai... 337 00:29:09,258 --> 00:29:12,116 O pintor renascentista Sandro Botticelli, 338 00:29:12,565 --> 00:29:17,869 ilustrou a teoria nesta famosa pintura, que mostra o nascimento de VĂŞnus, 339 00:29:17,969 --> 00:29:19,760 deusa do amor erótico. 340 00:29:20,990 --> 00:29:25,343 VĂŞnus olha para o mundo de um local além do desejo, 341 00:29:25,567 --> 00:29:28,945 ela nos convida a transcender nossas paixĂľes terrenas 342 00:29:29,065 --> 00:29:32,662 e nos unirmos a ela, através do amor puro Ă  beleza 343 00:29:35,560 --> 00:29:38,744 A musa de Botticelli foi Simonetta Vespucci. 344 00:29:39,478 --> 00:29:42,493 Botticelli a amou até o fim de sua breve vida, 345 00:29:42,735 --> 00:29:45,546 e pediu para ser enterrado a seus pés. 346 00:29:45,913 --> 00:29:51,332 Ela era, para ele, a representação do ideal de PlatĂŁo: era a beleza a ser contemplada, 347 00:29:51,469 --> 00:29:53,360 mas nĂŁo possuída. 348 00:29:56,686 --> 00:30:02,587 PlatĂŁo e Botticelli nos dizem que a verdadeira beleza está além do desejo sexual. 349 00:30:02,842 --> 00:30:06,808 EntĂŁo podemos encontrar beleza nĂŁo somente em uma pessoa jovem e desejável, 350 00:30:07,119 --> 00:30:11,296 mas também num rosto envelhecido, cheio de pesar e sabedoria, 351 00:30:11,396 --> 00:30:13,492 como a pintura de Rembrandt. 352 00:30:20,810 --> 00:30:24,516 A beleza de um rosto é o símbolo de uma vida expressa nele, 353 00:30:25,646 --> 00:30:29,836 sua carne se transforma em espírito e ao fixar nossos olhos nele, 354 00:30:29,983 --> 00:30:32,782 vemos através da alma. 355 00:30:35,840 --> 00:30:39,412 Pintores como Rembrandt foram importantes por nos mostrarem a beleza 356 00:30:39,597 --> 00:30:41,928 como algo corriqueiro, 357 00:30:42,735 --> 00:30:44,328 ela está ao nosso redor, 358 00:30:44,713 --> 00:30:48,711 precisamos apenas dos olhos para vĂŞ-la e do coração para senti-la. 359 00:30:48,831 --> 00:30:52,485 O acontecimento mais banal pode ser transformado em algo belo, 360 00:30:52,648 --> 00:30:55,891 por um pintor que pode ver o coração das coisas. 361 00:31:09,337 --> 00:31:12,051 Enquanto a crença em um Deus transcendente 362 00:31:12,425 --> 00:31:15,279 estava enraizada na nossa civilização, 363 00:31:15,433 --> 00:31:18,697 artistas e filósofos continuaram a ver a beleza 364 00:31:19,210 --> 00:31:20,549 do ponto de vista de PlatĂŁo. 365 00:31:21,629 --> 00:31:25,562 A beleza era a revelação de Deus, no aqui e agora. 366 00:31:28,784 --> 00:31:32,922 Esta religiĂŁo ligada Ă  beleza durou dois mil anos, 367 00:31:34,040 --> 00:31:39,443 mas no séc XVII a revolução científica começou a semear a dĂşvida. 368 00:31:43,054 --> 00:31:49,399 A visĂŁo medieval aceitou a idéia de que a terra era o centro do universo, 369 00:31:52,008 --> 00:31:56,930 EntĂŁo, Copérnico e Galileu, provaram que a terra gira em torno do sol, 370 00:31:58,144 --> 00:32:03,428 e Newton completou o trabalho, descrevendo o universo como um relógio onde 371 00:32:03,780 --> 00:32:06,918 cada momento se sucede mecanicamente. 372 00:32:14,453 --> 00:32:17,058 Esta era a visĂŁo do Iluminismo, que descrevia nosso mundo 373 00:32:17,211 --> 00:32:21,528 como se nĂŁo houvesse mais lugar nele para deuses e espíritos, 374 00:32:21,968 --> 00:32:24,652 nem para valores e ideais. 375 00:32:24,966 --> 00:32:26,477 Sem lugar para nada, 376 00:32:26,645 --> 00:32:31,505 além do movimento regular do relógio que move a Lua em torno da Terra 377 00:32:31,798 --> 00:32:36,024 e a Terra em torno do Sol sem nenhum propósito maior. 378 00:32:41,734 --> 00:32:46,508 No centro do universo newtoniano, há um vazio com o "formato de Deus", 379 00:32:46,608 --> 00:32:48,676 um vácuo espiritual, 380 00:32:48,776 --> 00:32:52,218 e um filósofo em particular buscou preencher este vácuo: 381 00:32:52,607 --> 00:32:54,932 o terceiro Conde de Shaftesbury. 382 00:32:58,503 --> 00:33:02,299 A ciĂŞncia explica as coisas, porém, para Shaftesbury, 383 00:33:02,722 --> 00:33:06,149 parte do mundo estava ainda, de alguma forma, incompleta. 384 00:33:06,498 --> 00:33:09,456 Podemos ver o mundo por outra perspectiva, 385 00:33:10,055 --> 00:33:13,106 nĂŁo buscando usá-lo ou explicá-lo, 386 00:33:13,433 --> 00:33:19,524 mas simplesmente contemplando sua aparĂŞncia, como podemos contemplar um campo ou uma flor. 387 00:33:23,846 --> 00:33:26,791 A idéia de que o mundo é intrinsecamente significativo, 388 00:33:27,064 --> 00:33:31,670 coberto de um encantamento que nĂŁo necessita de doutrina religiosa para percebĂŞ-lo, 389 00:33:31,821 --> 00:33:34,245 uma vez que é uma profunda necessidade emocional. 390 00:33:34,419 --> 00:33:37,182 A beleza nĂŁo foi colocada no mundo por Deus, 391 00:33:37,377 --> 00:33:39,275 mas descoberta nele pelas pessoas. 392 00:33:55,764 --> 00:33:59,488 O ideal de Shrewsbury encorajava o culto Ă  beleza, 393 00:34:00,158 --> 00:34:03,371 que elevava a apreciação da arte e da beleza 394 00:34:03,620 --> 00:34:07,326 ao papel que fora ocupado pelo culto Ă  Deus. 395 00:34:07,426 --> 00:34:11,543 A beleza deveria preencher o vazio com o "formato de Deus", criado pela ciĂŞncia. 396 00:34:15,964 --> 00:34:21,687 Artistas nĂŁo eram mais ilustradores das historias sagradas, a serviço da Igreja; 397 00:34:22,206 --> 00:34:25,382 eles estavam descobrindo as historias por si mesmos, 398 00:34:25,482 --> 00:34:27,976 ao interpretar os segredos da natureza. 399 00:34:28,697 --> 00:34:31,793 Campos, que costumavam ser meros panos de fundo para imagens sagradas, 400 00:34:32,280 --> 00:34:37,940 se tornaram o foco, com humanos apenas de figuração. 401 00:34:42,733 --> 00:34:45,902 Mas para Shrewsbury, nĂŁo era necessária uma obra de arte 402 00:34:46,242 --> 00:34:48,552 para nos mostrar a beleza do mundo. 403 00:34:48,908 --> 00:34:54,743 Apenas devemos olhar para as coisas com atenção e sentimentalidade. 404 00:34:58,062 --> 00:35:01,252 Shrewsbury está nos dizendo: "pare de de usar as coisas, 405 00:35:01,352 --> 00:35:02,811 de querer explicá-las, 406 00:35:02,911 --> 00:35:05,817 contemple-as, em vez disso. 407 00:35:06,357 --> 00:35:08,472 Assim entenderemos o que elas significam. 408 00:35:09,135 --> 00:35:12,341 A mensagem da flor, é a flor. 409 00:35:23,565 --> 00:35:26,085 Budistas Zen disseram coisas semelhantes. 410 00:35:26,763 --> 00:35:30,469 somente deixando nossos interesses de lado 411 00:35:30,660 --> 00:35:34,289 é que encontraremos da verdade real da flor. 412 00:35:34,389 --> 00:35:38,687 Vendo as coisas por este lado, descobrimos sua beleza. 413 00:35:45,415 --> 00:35:49,236 O maior filósofo do Iluminismo, Immanuel Kant, 414 00:35:49,368 --> 00:35:52,794 foi profundamente influenciado pelas idéias de Shrewsbury. 415 00:35:53,625 --> 00:36:00,418 Kant argumentou, que a experiĂŞncia da beleza, vĂŞm quando abandonamos nossos interesses, 416 00:36:00,540 --> 00:36:04,317 quando olhamos para as coisas nĂŁo com a intenção de usá-las para nossos propósitos, 417 00:36:04,417 --> 00:36:09,470 explicar como elas funcionam, ou satisfazer alguma necessidade ou desejo, 418 00:36:09,570 --> 00:36:13,751 mas apenas para observá-las e assimilar o que elas sĂŁo. 419 00:36:21,646 --> 00:36:26,882 Considere a alegria que sentimos ao segurar o bebĂŞ de uma amiga, 420 00:36:27,522 --> 00:36:29,584 vocĂŞ nĂŁo quer fazer nada com o bebé, 421 00:36:30,126 --> 00:36:35,459 vocĂŞ nĂŁo quer comĂŞ-lo, usá-lo para algo, ou fazer uma experiĂŞncia científica com ele. 422 00:36:36,556 --> 00:36:41,901 vocĂŞ apenas quer sentir a vida que emana 423 00:36:42,187 --> 00:36:47,705 quando vocĂŞ coloca todo o seu foco neste bebĂŞ e nĂŁo mais em si mesmo. 424 00:36:51,566 --> 00:36:55,805 Esta é o que Kant descreveu como uma atitude desinteressada, 425 00:36:55,923 --> 00:37:00,580 a atitude que permeia nossa experiĂŞncia da beleza. 426 00:37:03,398 --> 00:37:05,971 Explicar isto é extremamente difícil, 427 00:37:06,071 --> 00:37:09,580 pois se vocĂŞ nĂŁo vivenciou isto, nĂŁo sabe o que significa. 428 00:37:09,878 --> 00:37:15,708 Mas todos, ao ouvir boa mĂşsica, olhar uma paisagem sublime, 429 00:37:16,819 --> 00:37:21,472 ler um poema que parece conter a essĂŞncia daquilo que descreve, 430 00:37:21,916 --> 00:37:24,739 todos que passam por uma experiĂŞncia como essa dizem: 431 00:37:24,839 --> 00:37:26,915 "Sim, isto é suficiente!". 432 00:37:33,457 --> 00:37:36,664 Mas por que esta experiĂŞncia é tĂŁo importante ? 433 00:37:37,115 --> 00:37:40,954 O confronto com a beleza é tĂŁo imediato, tĂŁo vívido, 434 00:37:41,559 --> 00:37:45,894 tĂŁo pessoal, que parece difícil que pertença ao mundo ordinário. 435 00:37:46,668 --> 00:37:50,873 Sim, a beleza brilha sobre nós através de coisas comuns. 436 00:37:50,973 --> 00:37:55,196 Será esta uma característica do mundo ou apenas nossa imaginação? 437 00:37:58,540 --> 00:38:03,757 Na maior parte do tempo, nossa vida gira em torno de nossas preocupaçþes diárias, 438 00:38:04,237 --> 00:38:07,940 mas Ă s vezes, nosso foco é mudado, 439 00:38:08,966 --> 00:38:12,057 na presença algo muito mais importante 440 00:38:12,477 --> 00:38:15,773 que nossos desejos e interesses imediatos, 441 00:38:15,873 --> 00:38:17,282 algo que nĂŁo é deste mundo. 442 00:38:19,986 --> 00:38:20,986 De PlatĂŁo a Kant, 443 00:38:21,107 --> 00:38:27,273 filósofos tentaram capturar a peculiar maneira com a qual a beleza nos comove, 444 00:38:28,873 --> 00:38:32,601 como um sĂşbito raio de sol, ou o ímpeto do amor. 445 00:38:33,977 --> 00:38:37,300 Para PlatĂŁo, a Ăşnica explicação de tal experiĂŞncia, 446 00:38:37,593 --> 00:38:42,257 era sua origem transcendente, que nos atinge, como a voz de Deus. 447 00:38:46,806 --> 00:38:49,856 E Kant também, de uma maneira muito mais sóbria, 448 00:38:49,956 --> 00:38:55,473 crĂŞ que experienciar a beleza nos conecta com o mistério máximo da existĂŞncia. 449 00:38:57,897 --> 00:39:01,494 Através da beleza somos trazidos Ă  presença do sagrado. 450 00:39:07,594 --> 00:39:10,325 Podemos entender o que estes filósofos queriam dizer, 451 00:39:10,425 --> 00:39:14,209 se refletirmos no que sentimos na presença da morte, 452 00:39:14,474 --> 00:39:17,238 especialmente a morte de uma pessoa amada. 453 00:39:17,917 --> 00:39:22,320 Olhamos com aversĂŁo para o corpo cuja a vida se esvaiu, 454 00:39:22,685 --> 00:39:25,347 relutamos em tocar o corpo, 455 00:39:25,635 --> 00:39:29,124 o vemos como nĂŁo exatamente parte do nosso mundo, 456 00:39:29,224 --> 00:39:32,321 quase como um visitante de uma outra esfera. 457 00:39:38,928 --> 00:39:41,352 E o mesmo sentido do transcendente, 458 00:39:41,452 --> 00:39:45,251 emerge da experiĂŞncia que inspirou PlatĂŁo: 459 00:39:45,739 --> 00:39:49,970 a experiĂŞncia de se apaixonar. 460 00:39:53,998 --> 00:40:00,019 Estas duas coisas sĂŁo parte do universo humano, e sĂŁo experiĂŞncias de um tipo estranho. 461 00:40:00,584 --> 00:40:05,641 O rosto e o corpo do ser amado estĂŁo imbuídos de intensidade de vida, 462 00:40:05,741 --> 00:40:10,616 mas eles sĂŁo como o corpo de uma pessoa morta em um aspecto crucial: 463 00:40:12,362 --> 00:40:15,285 parecem nĂŁo pertencer ao mundo cotidiano. 464 00:40:16,645 --> 00:40:20,852 Poetas gastaram muitas palavras com esta experiĂŞncia, 465 00:40:21,009 --> 00:40:23,786 que nenhuma palavra parece descrever completamente. 466 00:40:27,191 --> 00:40:30,149 Mas estas grandes mudanças no sonho da vida, 467 00:40:30,423 --> 00:40:32,676 a necessidade de se unir a outra pessoa, 468 00:40:32,776 --> 00:40:34,672 a perda de um ser amado, 469 00:40:34,827 --> 00:40:38,059 sĂŁo momentos que entendemos como sagrado. 470 00:40:52,120 --> 00:40:54,686 Se olharmos para a historia da beleza ideal, 471 00:40:54,827 --> 00:41:00,804 veremos que filósofos e artistas tiveram boas razĂľes para conectar o belo e o sagrado. 472 00:41:01,040 --> 00:41:02,491 E de ver nossa necessidade de beleza 473 00:41:02,894 --> 00:41:05,077 como algo profundo em nossa natureza. 474 00:41:05,177 --> 00:41:07,528 Parte de nossa necessidade de consolação, 475 00:41:07,628 --> 00:41:10,989 em um mundo de perigos, tristeza e sofrimento. 476 00:41:19,575 --> 00:41:23,519 Hoje muitos artistas olham para o ideal de beleza com desdém 477 00:41:23,619 --> 00:41:26,481 e o substituíram por uma vĂŁ forma de viver, 478 00:41:26,698 --> 00:41:30,602 que nĂŁo tem real conexĂŁo com o mundo que agora nos rodeia. 479 00:41:33,676 --> 00:41:38,528 EntĂŁo houve um desejo de profanar as experiĂŞncias do sexo e da morte, 480 00:41:39,090 --> 00:41:42,346 representando-as de forma trivial e impessoal, 481 00:41:43,004 --> 00:41:46,706 que destroem todo o senso de seu significado espiritual. 482 00:41:56,323 --> 00:41:58,816 Assim como aqueles que abandonaram a religiĂŁo 483 00:41:58,916 --> 00:42:01,409 tĂŞm necessidade de zombar da fé que perderam, 484 00:42:01,815 --> 00:42:05,408 assim também os artistas, hoje, sentem a necessidade de tratar a vida humana 485 00:42:05,796 --> 00:42:10,086 de maneira insignificativa e de zombar da busca pela beleza. 486 00:42:13,878 --> 00:42:17,898 Esta deliberada profanação é também a negação do amor, 487 00:42:18,080 --> 00:42:22,906 uma tentativa de refazer o mundo como se o amor nĂŁo fizesse mais parte dele. 488 00:42:23,454 --> 00:42:27,185 E isto, em minha opiniĂŁo, é a principal característica 489 00:42:27,435 --> 00:42:30,849 da cultura pós-moderna, que é uma cultura sem amor, 490 00:42:31,114 --> 00:42:35,091 determinada a representar o mundo como nĂŁo merecedor de ser amado. 491 00:42:42,205 --> 00:42:46,261 Claro que, este hábito de duelar com o lado negativo da vida humana 492 00:42:46,361 --> 00:42:47,394 nĂŁo é novo. 493 00:42:47,494 --> 00:42:49,644 Desde o inicio da nossa civilização, 494 00:42:49,744 --> 00:42:54,874 civilização esta tem sido uma das tarefas da arte: pegar o que é mais doloroso na condição humana, 495 00:42:55,434 --> 00:42:58,600 e redimi-la em uma obra de beleza. 496 00:43:40,647 --> 00:43:43,689 A arte tem a habilidade de redimir a vida, 497 00:43:43,789 --> 00:43:47,571 encontrando beleza até nos piores aspectos dela. 498 00:43:49,899 --> 00:43:54,890 "A Crucificação" de Mantegna, ao mostrar a mais feia e cruel das mortes, 499 00:43:55,273 --> 00:43:58,021 alcança um tipo de majestosidade e serenidade, 500 00:43:58,263 --> 00:44:01,332 que compensa o horror que mostra. 501 00:44:01,657 --> 00:44:08,021 Em face Ă  morte, os seres humanos ainda sĂŁo capazes de mostrar nobreza, compaixĂŁo e dignidade. 502 00:44:08,283 --> 00:44:14,297 E a arte nos ajuda a aceitar isto, mostrando-a sobre tal perspectiva. 503 00:44:19,536 --> 00:44:24,250 E sobre as coisas que nĂŁo sĂŁo trágicas, mas apenas sórdidas ou depravadas, 504 00:44:24,350 --> 00:44:26,849 Pode a arte encontrar beleza nelas? 505 00:44:37,031 --> 00:44:39,192 Esta pintura de Delacroix, 506 00:44:39,292 --> 00:44:43,200 nos mostra a cama do artista, em toda a sua sórdida desordem. 507 00:44:44,127 --> 00:44:47,450 Ele imprime beleza em algo que nĂŁo a possui 508 00:44:47,644 --> 00:44:51,659 e transmite um tipo de bĂŞnção em seu próprio caos emocional. 509 00:44:54,779 --> 00:44:59,911 Delacroix diz: "Veja como estes lençóis relembram os pesadelos 510 00:45:00,234 --> 00:45:03,684 e a energia atormentada da pessoa que estava nela 511 00:45:03,947 --> 00:45:08,284 e como as luzes capturam isto, como se ainda estivessem animadas pelo dormente" 512 00:45:09,329 --> 00:45:12,797 A cama é transformada pelo ato criativo e se transforma 513 00:45:12,897 --> 00:45:15,892 em um vívido símbolo da condição humana, 514 00:45:15,992 --> 00:45:19,672 que estabelece uma ligação entre nós e o artista. 515 00:45:27,738 --> 00:45:31,844 Algumas pessoas descrevem a obra "My Bed", de Tracy Emin neste sentido. 516 00:45:32,163 --> 00:45:35,916 Porém existe toda diferença no mundo entre uma verdadeira obra de arte, 517 00:45:36,016 --> 00:45:39,877 que transforma o feio em belo, e a falsa obra de arte 518 00:45:39,977 --> 00:45:42,667 que apenas divide a feiura que mostra. 519 00:45:45,981 --> 00:45:51,577 Esta é a vida moderna, representada em toda a sua aleatoriedade e desordem. 520 00:45:54,547 --> 00:46:00,519 - O que faz disto uma obra de arte em vez de uma cama desarrumada? 521 00:46:00,668 --> 00:46:03,264 - Antes de tudo, é porque eu digo que que é uma obra de arte. 522 00:46:03,492 --> 00:46:05,462 - VocĂŞ diz? - Eu digo que é... 523 00:46:05,698 --> 00:46:06,615 - Esta é sua opiniĂŁo 524 00:46:06,715 --> 00:46:12,266 - E o que vocĂŞ quer que o expectador veja? 525 00:46:12,366 --> 00:46:15,116 espera que eles digam: "Eu acho que isso é belo!" 526 00:46:15,216 --> 00:46:16,175 - NĂŁo! 527 00:46:16,275 --> 00:46:18,035 NĂŁo, nĂŁo é isso que espero! 528 00:46:18,135 --> 00:46:19,269 - VocĂŞ pensa que é belo? 529 00:46:19,500 --> 00:46:23,603 - Sim sim, penso que é bonito senĂŁo nĂŁo teria exposto. 530 00:46:24,769 --> 00:46:27,503 Como poderia ser isto uma bela obra de arte, 531 00:46:27,710 --> 00:46:31,858 se nĂŁo pretende transformar a matéria prima em uma idéia ? 532 00:46:32,204 --> 00:46:35,085 Ă apenas mais uma realidade sórdida entre outras, 533 00:46:35,517 --> 00:46:38,330 literalmente, uma cama desarrumada. 534 00:46:41,456 --> 00:46:44,870 Voltamos Ă  questĂŁo levantada pelo ÂŤ Urinol Âť de Duchamp: 535 00:46:44,970 --> 00:46:47,086 qualquer coisa pode ser arte? 536 00:46:48,846 --> 00:46:51,293 Esta questĂŁo preocupa tanto os inovadores 537 00:46:51,858 --> 00:46:55,007 quanto os tradicionalistas, como Alexander Stoddart, 538 00:46:55,577 --> 00:47:00,143 um escultor monumental cujos trabalhos sĂŁo mundialmente vistos, 539 00:47:00,285 --> 00:47:03,436 inclusive na galeria da Rainha, no palácio de Buckingham. 540 00:47:04,567 --> 00:47:09,393 - Um defensor da arte conceitual pode dizer que mesmo uma idéia pode ser bela 541 00:47:09,739 --> 00:47:14,553 logo pode-se dizer nĂŁo há nada de errado com este tipo de arte? 542 00:47:14,749 --> 00:47:19,970 - Sim, mas isto é um aforisma no campo de aplicação. 543 00:47:20,083 --> 00:47:22,589 O advogado pode ter uma idéia bela, 544 00:47:23,040 --> 00:47:27,240 o político, o médico. 545 00:47:28,020 --> 00:47:30,048 "Vamos curar o câncer": uma idéia bela. 546 00:47:30,580 --> 00:47:33,651 Mas ele nĂŁo diz que é um artista por isso. 547 00:47:33,751 --> 00:47:36,633 A arte conceitual, claro, é totalmente limitada. 548 00:47:36,770 --> 00:47:41,559 Ă de fato um tipo de arte que é esgotada em sua descrição verbal. 549 00:47:42,588 --> 00:47:45,739 EntĂŁo, vocĂŞ precisa apenas ver meia vaca em um barril de formol, 550 00:47:45,974 --> 00:47:48,729 que vocĂŞ já está na metade do caminho. 551 00:47:48,931 --> 00:47:51,481 O objetivo mesmo entĂŁo pode ser descartado. 552 00:47:51,618 --> 00:47:54,740 A cama de Tracey Emin é um exemplo perfeito disso: 553 00:47:55,210 --> 00:48:00,655 se vocĂŞ estivesse cansado andando pela galeria, subisse um degrau e visse aquela cama lá, 554 00:48:01,747 --> 00:48:04,038 vocĂŞ deitaria nela. 555 00:48:04,247 --> 00:48:07,532 Mas, é claro, se vocĂŞ visse apenas o torso do Apolo de Beldevere 556 00:48:07,738 --> 00:48:13,200 naquele mesmo lugar vocĂŞ seria atraído, e iria mesmo subir e tentar decifrá-lo. 557 00:48:14,790 --> 00:48:19,065 Muitos estudantes vĂŞm até mim de departamentos de escultura, secretamente claro, 558 00:48:20,064 --> 00:48:24,522 pois eles nĂŁo querem dizer aos tutores que vieram falar com o inimigo 559 00:48:24,992 --> 00:48:27,558 E eles dizem: "Eu tentei esculpir um modelo, uma figura. 560 00:48:27,901 --> 00:48:32,837 Eu o modelava e entĂŁo um tutor veio e me disse para cortar ao meio 561 00:48:33,255 --> 00:48:38,360 e derramar alguns excrementos sobre ele, que isso iria torná -lo "interessante". 562 00:48:38,819 --> 00:48:43,512 - Ă o que eu sinto sobre o tipo de "profanação padronizada" 563 00:48:43,612 --> 00:48:46,054 que passa por arte hoje em dia: 564 00:48:46,154 --> 00:48:49,107 que é um tipo de imoralidade. - Sim! 565 00:48:49,207 --> 00:48:53,179 - pois é uma tentativa de apagar o significado da forma humana de algum jeito. 566 00:48:53,462 --> 00:48:56,753 - Ă uma tentativa de apagar o conhecimento. 567 00:49:02,770 --> 00:49:06,831 Os paradigmas da arte viraram as costas ao antigo currículo 568 00:49:06,931 --> 00:49:10,508 que coloca a beleza e o engenho como prioridades. 569 00:49:11,033 --> 00:49:15,536 Aqueles como Alexander Stoddart, que tentam restaurar a antiga conexĂŁo 570 00:49:15,924 --> 00:49:20,574 conexĂŁo entre o belo e o sagrado, sĂŁo visto como antiquados e absurdos. 571 00:49:32,548 --> 00:49:36,939 O mesmo tipo de crítica ocorre com os arquitetos tradicionalistas. 572 00:49:38,771 --> 00:49:43,384 Um dos alvos é Leon Krier, arquiteto da moderna cidade do príncipe Charles, 573 00:49:43,616 --> 00:49:45,379 Poundbury. 574 00:49:49,033 --> 00:49:52,953 Projetando modestas ruas, inspiradas nos moldes tradicionais, 575 00:49:53,599 --> 00:49:58,501 usando os padrĂľes e tĂŁo queridos detalhes que nos serviram por séculos, 576 00:49:58,852 --> 00:50:02,133 Leon Krier criou uma genuína cidade. 577 00:50:02,690 --> 00:50:05,658 As proporçþes sĂŁo proporçþes humanas, 578 00:50:07,074 --> 00:50:09,967 os detalhes sĂŁo confortantes aos olhos. 579 00:50:15,054 --> 00:50:17,983 Esta nĂŁo é uma grande ou original arquitetura, 580 00:50:18,083 --> 00:50:19,872 nem tenta ser. 581 00:50:19,972 --> 00:50:22,881 Ă uma modesta tentativa de colocar as coisas no lugar, 582 00:50:23,014 --> 00:50:26,569 seguindo padrĂľes e exemplos baseados na tradição. 583 00:50:27,498 --> 00:50:33,034 Isto nĂŁo é nostalgia, mas conhecimento, que foi passado através do tempo. 584 00:50:36,993 --> 00:50:41,913 A arquitetura que nĂŁo respeita o passado, nĂŁo está respeitando o presente, 585 00:50:42,013 --> 00:50:45,490 pois nĂŁo está respeitando as necessidades básicas das pessoas, 586 00:50:46,022 --> 00:50:48,906 que é a de construir um lar duradouro. 587 00:50:58,105 --> 00:51:01,661 Tenho mostrado algumas das maneiras pelas quais os artistas e arquitetos 588 00:51:01,761 --> 00:51:04,819 seguiram o chamado da beleza. 589 00:51:05,752 --> 00:51:10,527 E fazendo, deram significado ao mundo. 590 00:51:12,307 --> 00:51:16,576 Os mestres do passado, reconheceram que temos necessidades espirituais 591 00:51:16,691 --> 00:51:18,810 assim como desejos animais. 592 00:51:21,183 --> 00:51:23,619 Para PlatĂŁo, a beleza era um caminho para Deus 593 00:51:24,468 --> 00:51:27,876 enquanto pensadores do Iluminismo viram a arte e a beleza, 594 00:51:28,416 --> 00:51:31,927 como formas de nos salvarmos do vazio da rotina 595 00:51:32,246 --> 00:51:35,078 e alcançarmos um nível superior. 596 00:51:37,115 --> 00:51:40,085 Mas a arte virou as costas para a beleza. 597 00:51:40,185 --> 00:51:43,039 Se tornou escrava da cultura do consumismo, 598 00:51:43,768 --> 00:51:49,140 alimentando nossos prazeres e vícios e os afundando em seu próprio desgosto. 599 00:51:51,661 --> 00:51:57,810 Isto é, em minha opiniĂŁo, a lição das mais feias formas de arte e arquitetura. 600 00:51:57,984 --> 00:52:01,477 Elas nĂŁo mostram a realidade, mas se vingam dela 601 00:52:02,161 --> 00:52:04,392 estragando o que deveria ter sido um lar 602 00:52:04,811 --> 00:52:09,802 e nos deixando desolados e alienados em um deserto espiritual. 603 00:52:13,459 --> 00:52:16,544 Ă claro que é verdade que existem mais coisas no mundo hoje 604 00:52:17,115 --> 00:52:19,311 que nos distraem e preocupam. 605 00:52:19,459 --> 00:52:21,816 Nossas vidas sĂŁo cheias de altos e baixos, 606 00:52:22,550 --> 00:52:27,257 lutamos contra o barulho e a distração, e nada resolve. 607 00:52:31,014 --> 00:52:35,655 A resposta correta, no entanto, nĂŁo é abraçar esta alienação, 608 00:52:35,944 --> 00:52:38,995 mas olhar para rota de escape do deserto, 609 00:52:39,439 --> 00:52:46,188 que nos levará a um ponto entre o real e o ideal, que podem ainda existir em harmonia. 610 00:52:57,479 --> 00:53:02,328 Em minha vida, achei esse caminho mais fácil através da mĂşsica, 611 00:53:02,429 --> 00:53:04,857 do que entre qualquer outra forma de arte. 612 00:53:07,884 --> 00:53:12,227 Pergolesi tinha 26 anos quando escreveu "Stabat mater", 613 00:53:12,429 --> 00:53:17,566 que descreve o pesar da Virgem Sagrada, diante da cruz do Cristo moribundo. 614 00:53:18,591 --> 00:53:23,147 Todos o sofrimento do mundo é simbolizado em suas esplĂŞndidas linhas. 615 00:53:31,197 --> 00:53:35,561 Visto que Pergolesi estava sofrendo de tuberculose quando compĂ´s Stabat Mater, 616 00:53:36,280 --> 00:53:39,103 ele é aquele filho, morrendo na cruz também. 617 00:53:39,863 --> 00:53:43,939 De fato, ele morreu alguns meses depois do término da obra. 618 00:53:45,197 --> 00:53:48,264 Esta nĂŁo é uma complexa ou ambiciosa peça de mĂşsica, 619 00:53:48,773 --> 00:53:51,813 simplesmente a expressĂŁo da fé de um compositor, 620 00:53:53,035 --> 00:53:56,310 ela mostra a forma, pela qual profundos e atormentados 621 00:53:56,611 --> 00:54:00,302 sentimentos podem atingir unidade e liberdade através da mĂşsica. 622 00:54:01,742 --> 00:54:05,157 A voz de Maria é escrita para dois cantores, 623 00:54:05,257 --> 00:54:08,292 a melodia se ergue lenta e dolorosamente 624 00:54:08,450 --> 00:54:13,781 eliminando a dissonância quando as vozes se confrontam, 625 00:54:14,126 --> 00:54:17,763 representando o conflito e o pesar que ela carrega. 626 00:54:21,379 --> 00:54:24,982 - Porque nĂŁo passamos para a linha 18? 627 00:54:25,682 --> 00:54:27,247 - Sim, boa idéia... 628 00:54:56,996 --> 00:55:01,004 - Aqui temos um simples e sagrado texto. 629 00:55:02,066 --> 00:55:07,966 A mĂŁe chorando e se lamentando na cruz onde seu filho está pendurado. 630 00:55:08,491 --> 00:55:10,302 E é tudo o que se precisa dizer! 631 00:55:10,410 --> 00:55:13,674 - E até uma pessoa nĂŁo musical compreenderia facilmente a mensagem... 632 00:55:13,925 --> 00:55:16,216 é uma peça de lamentação, nĂŁo é mesmo ? 633 00:55:17,122 --> 00:55:18,849 NĂŁo poderia haver dĂşvida quanto a isso. 634 00:55:19,036 --> 00:55:21,486 - A mĂşsica fala além das palavras, 635 00:55:21,799 --> 00:55:26,166 e faz as palavras falarem a vocĂŞ em outra linguagem, direto ao seu coração. 636 00:55:26,632 --> 00:55:31,534 - Isto significa que mesmo em nosso mundo secular isto pode comover 637 00:55:31,634 --> 00:55:33,156 sem as pessoas terem que saber... 638 00:55:33,363 --> 00:55:34,198 - Sim, exato! 639 00:55:34,298 --> 00:55:35,245 - ...do que se trata 640 00:55:35,533 --> 00:55:41,251 - Aprendemos sem os aparatos teológicos sobre nossa existĂŞncia, através do sofrimento, 641 00:55:41,516 --> 00:55:45,077 que é o destino que todos nós, mas que nĂŁo é nosso fim. 642 00:57:11,744 --> 00:57:16,569 Neste documentário, descrevi a beleza como uma fonte essencial. 643 00:57:17,421 --> 00:57:21,158 Através da busca da beleza, modelamos o mundo como um lar 644 00:57:21,258 --> 00:57:24,262 e fazendo-o, amplificamos nossas alegrias 645 00:57:24,812 --> 00:57:27,224 e o consolo para nossas tristezas. 646 00:57:30,451 --> 00:57:34,620 Arte e mĂşsica, irradiam significado para a vida cotidiana, 647 00:57:35,268 --> 00:57:39,166 e através delas, nos tornamos capazes de enfrentar as coisas que nos preocupam 648 00:57:39,553 --> 00:57:42,746 e encontrarmos consolo e paz em suas presenças. 649 00:57:46,068 --> 00:57:49,379 Esta capacidade da beleza, de redimir nosso sofrimento, 650 00:57:49,595 --> 00:57:54,605 é o que a torna capaz de ser vista como uma substituta para a religiĂŁo. 651 00:57:58,108 --> 00:58:00,469 Por que dar prioridade Ă  religiĂŁo? 652 00:58:00,893 --> 00:58:03,728 Por que nĂŁo dizer que a religiĂŁo é uma substituta da beleza? 653 00:58:04,169 --> 00:58:07,426 Melhor ainda, por que descrevĂŞ-las como rivais? 654 00:58:08,020 --> 00:58:10,827 O sagrado e o belo, um ao lado do outro, 655 00:58:11,280 --> 00:58:16,165 duas portas que levam a um Ăşnico espaço, e neste espaço, 656 00:58:16,587 --> 00:58:19,078 encontramos nosso lar.