John Ronald Reuel Tolkien
nasceu a 3 de janeiro de 1892.
Ele e o seu irmão Hilary,
viveram uma infância difícil.
Quando Tolkien tinha apenas quatro anos,
perdeu o pai, Arthur,
com uma febre reumática.
Mabel, a mãe, uma viúva
de baixos rendimentos,
ensinou os filhos em casa
e desempenhou um papel vital
na sua educação e desenvolvimento.
Tolkien era um rapaz inteligente,
com um grande fascínio pelas línguas.
Tolkien candidatou-se
à Escola de King Edward,
em Birmingham e foi aceite.
A partir do outono de 1900,
por 12 libras por ano,
Tolkien iria ser educado num ambiente
que incentivaria o seu potencial académico
John Garth: A ida para King Edward
foi de importância vital para Tolkien.
Ele era um rapaz
excecionalmente talentoso.
A escola de King Edward
proporcionou-lhe uma ampla visão
e a companhia de outros rapazes
que eram igualmente talentosos
e que, provavelmente,
Tolkien dificilmente encontraria.
Simon Stacey: Tolkien jogava râguebi
e era uma voz importante
na sociedade de debates
e na sociedade literária.
Era a vida e a alma e penso
que sentiu muito a falta da escola
quando, por fim, teve que se ir embora.
VO: Com 11 anos,
Tolkien e o irmão Hilary,
perderam a mãe, Mabel, devido a diabetes.
Destroçado, ele dedicou-se à escola
ainda mais energicamente
do que anteriormente.
Academicamente, era excelente
mas, em 1905, encontra
o seu rival intelectual,
Christopher Wiseman.
JG: Tolkien conhece o seu maior amigo
na escola King Edward, Christopher Wiseman,
no campo do râguebi.
Músico, matemático,
muito diferente de Tolkien.
Estabeleceram uma ligação
tão forte no râguebi
que se intitulavam
"Os Grandes Irmãos Gémeos",
que era uma frase de
"Lays of Ancient Rome",
de Lorde Macauley.
SS: Também eram
rivais amigáveis na escola,
sendo ambos rapazes muito académicos.
Wiseman tinha um intelecto formidável
e interessava-se por muitas das coisas
em que Tolkien também estava interessado:
línguas, penso que
ele estava a pensar no egípcio
e estava a pensar nos hieróglifos.
JG: Tolkien e Wiseman
devem ter-se ajudado
a definir-se um ao outro
durante os anos de adolescência,
porque discutiam muito
sobre as suas crenças na vida.
SS: Wiseman era um músico cheio de talento.
Tolkien era duro de ouvido
mas isso não os impedia de continuar!
VO: Tolkien também se tornou amigo
do filho do diretor, Rob Gilson.
Tolkien, Wiseman e Gilson,
estabeleceram uma ligação
que duraria durante todos os anos da escola
e para além dela.
Fora da escola King Edward,
a vida de Tolkien vai mudar de novo.
JG: Tolkien vivia numa pensão,
com o irmão, Hilary.
Quando tinha 16 anos
conheceu uma outra pensionista, Edith Batt
que, na altura, tinha 19 anos.
Era uma rapariga muito bela
uma pianista talentosa e também era órfã.
Os dois ligaram-se pela sua tristeza comum
mas também pelas suas esperanças e sonhos.
A dificuldade para Ronald
— como ela lhe chamava —
e para Edith, era que ele
era católico romano
e ela era anglicana.
VO: O tutor de Tolkien,
o Padre Francis Morgan,
um padre católico, percebe
que isso é uma barreira importante
e também acha
que Edith poderá afastar Tolkien
da sua tentativa de entrar
na Universidade de Oxford.
JG: O Padre Francis Morgan
proibiu-os de se encontrarem,
ou sequer de comunicarem.
Ele voltou para os seus amigos
da escola King Edward
e foi nessa fase final da sua época
que ele começou a florescer
e a conquistar o seu lugar.
Ele e os amigos davam cartas.
VO: Aproveitando ao máximo
o seu ano de finalistas
na escola King Edward
e os amigos que tinham feito,
Tolkien e os seus pares
fundaram uma sociedade informal.
Estes jovens intelectuais reuniam-se
na biblioteca da escola
faziam o que era proibido fazer:
faziam chá.
Fora das horas da escola,
reuniam-se num café de Barrow's Store,
em Birmingham.
Troçando de si mesmos, intitulavam-se
o "Clube do Chá e a Sociedade de Barrow"
ou o CCSB, enquanto sigla.
JG: O núcleo principal do CCBS
era provavelmente Tolkien e Wiseman,
e os outros gravitavam à volta deles.
Havia Robert Quilter Gilson,
filho do diretor.
Rob era um rapaz culto e sociável,
era talvez o elemento aglutinador do grupo.
Recebia bem toda a gente
e encontrava causas comuns com eles.
Um tipo gentil e artístico
que adorava desenhar.
SS: Era um artista dotado
e tinha a ambição de ser arquiteto.
JG: Houve uma entrada tardia,
Geoffrey Bache Smith,
que era fascinado pela mitologia céltica.
Isso deu-lhe um tema comum com Tolkien.
Era outra das paixões de Tolkien.
SS: Smith era um bom poeta, evoluído,
que recomendava a Tolkien
poesia contemporânea.
Quando começou a escrever poesia,
Tolkien, até certo ponto,
foi inspirado por Smith
e pelo grupo em geral.
Foi esse o início de Tolkien
enquanto escritor.
JG: Desde o início,
em que o importante era o divertimento
até posteriormente,
durante os anos da guerra,
isso evoluiu para uma camaradagem
em que todos eles beberam
uma força tremenda e conforto.
VO: No final desse ano,
a época de Tolkien
na escola King Edward chegou ao fim
e ele começou
o seu primeiro período em Oxford,
depois de ter sido aceite com êxito.
Na véspera do 21.º aniversário
e da sua independência
do Padre Francis Morgan,
Tolkien escreve a Edith
e, em menos duma semana,
voltam a encontrar-se.
Edith está noiva de outro homem,
mas, apesar de um ridículo quase certo,
concorda em quebrar o noivado
para ficar com o seu Ronald.
Nos meses seguintes,
um sentimento crescente
de problemas percorre a Europa
e a 28 de junho de 1914, tudo muda.
(som de disparos)
Gavrillo Princip é preso
pelo assassínio do arquiduque
Franz Ferdinand.
Segue-se uma crise diplomática
e, em poucas semanas,
as principais potências da Europa
estão em guerra.
A Alemanha invade a Bélgica
e a Grã-Bretanha declara guerra à Alemanha.
O Parlamento emite um apelo às armas
para o público britânico.
Paul Golightly: Não há uma corrida
à bandeira imediatamente.
Torna-se muito óbvio
que as pessoas
estão mais dispostas a aderir
quando aparecem
as histórias das atrocidades.
Nessa altura sente-se
um impulso muito maior para participar.
JG: Havia um ambiente
de excitação sobre a guerra.
Havia um sentimento ingénuo
de que ela iria permitir
que os jovens cumprissem
o seu potencial duma forma
que não seria possível em tempo de paz.
Havia um tremendo
sentimento de patriotismo
e um sentimento do dever
para com o que quer que a Inglaterra
ou a Grã-Bretanha defendesse.
PG: Eram atraídos pela ideia
de acertar as contas com os alemães
ou, pelo menos, alguns deles eram.
No todo, pensavam que iam
pôr o nariz dos alemães a sangrar.
JG: "Os alemães
tinham sido uns cobardes"
e precisavam de ser metidos na ordem
PG: Os homens alistavam-se
sem ser por necessidade económica,
encontramos disso em qualquer guerra.
A vida não é muito excitante
e o romance e o colorido
de se alistar no exército
e de fazer parte duma coisa em grande,
claro que tem um certo fascínio.
Veem-se as coisas de modo romântico
o que, obviamente,
está condenado ao fracasso.
Todos sabemos em que se tornou
a I Guerra Mundial.
Não é uma guerra de movimento,
de choque, de entusiasmo.
Não há cargas de cavalaria
nem trombetas à distância.
O que vai dominar
é o matraquear das metralhadoras
e as explosões da artilharia.
Penso que eles têm expectativas
sobre o que vai ser a guerra,
e penso que a sua principal emoção era:
"Será que vai acabar
antes de eu chegar a França?"
JG: Tolkien, cujas leituras englobavam
a literatura de antigos heróis
que, surpreendentemente,
é muito franca sobre
o que acontece na guerra,
foi para a guerra
de olhos muito mais abertos.
Descreveu-se a si mesmo como
um "jovem com demasiada imaginação"
e portanto não se deliciava com a guerra
fosse em que sentido fosse.
PG: Penso que isso se aplicava,
não apenas a homens
como Tolkien, que lutou nela,
mas também aos políticos e generais
que a dirigiam.
Penso que muita gente percebia
que esta guerra ia ser terrível.
SS: O que apanhamos nas cartas
entre Gilson, Tolkien e Wiseman
e depois na poesia de Smith,
é uma forte determinação
de cumprirem o dever
e de estarem preparados para dar a vida,
uma apreciação realista
de que é uma época sombria
e que eles têm que a atravessar.
VO: G.B. Smith e Rob Gilson
alistaram-se ambos no exército em 1914.
Hilary, o irmão de Tolkien
alista-se como corneteiro
e Christopher Wiseman vai para a marinha.
Mas Tolkien enfrenta um dilema.
SS: Tolkien estava numa posição difícil
quando a guerra rebentou.
Faltava-lhe um ano
para acabar o curso em Oxford
e Tolkien precisava muito de o acabar
porque queria continuar
uma carreira académica.
Não tinha dinheiro de família,
ao contrário de Gilson
e, portanto, depois de investir
três anos no curso,
era muito importante acabá-lo.
Portanto, descobriu um esquema
em que podia receber formação
no Corpo de Formação de Oficiais,
enquanto completava o curso,
o que conseguiu triunfalmente
com distinção, em Oxford.
VO: Segue o seu grande amigo, G.B. Smith,
nos Fuzileiros de Lancashire,
na esperança de ser colocado
no mesmo batalhão.
JG: Tolkien procurou
qualquer coisa no exército
onde pudesse usar
os seus talentos especiais,
Os seus talentos epeciais eram as línguas
e os sistemas de escrita.
Tinha um fascínio pelos códigos
e coisas dessas.
Portanto, era mais que natural
que ele arranjasse formação
em transmissões.
PG: Significava que Tolkien
tinha que tomar contacto
com a tecnologia disponível na época
e deve ter ficado interessado.
Daí o uso da rádio,
o uso dos sinais, dos semáforos.
SS: Aprendeu código Morse,
aprendeu a usar lâmpadas de sinalização,
telefones de campo, que, claro,
acabaram em grande parte
por serem ineficazes ou não funcionarem.
JG: Veio a ser oficial do Batalhão
de Transmissões no seu batalhão.
Tolkien tinha que controlar
as comunicações dum batalhão
de cerca de 600 a 1000 homens,
consoante a quantidade
de força humana na altura.
PG: Claro que o seu trabalho base
era agir como ligação entre
os diversos estratos de comando,
e era responsável pela receção das ordens
e por assegurar que eram entregues
às pessoas certas
e, claro, era responsável
por transmitir ao comando superior
a situação do seu setor.
JG: Portanto, era uma peça crucial
numa guerra que dependia totalmente
da quantidade de informações que se tinham
sobre a posição do inimigo.
VO: Em março de 1916,
quando a sua formação se aproxima do fim,
Tolkien e Edith tomam consciência
de que, em breve,
ele será enviado para a Frente.
Casam-se e dois meses depois,
Tolkien embarca para França.
Os dois despedem-se, sem saberem
se alguma vez se voltarão a ver.
(Som de canhões a disparar)
VO: Quando Tolkien chega à Frente,
a guerra já se desenrolava há dois anos.
O custo da guerra é evidente:
o campo está cheio de cicatrizes
e as baixas são elevadas.
Depois de um empate virtual
de guerra das trincheiras,
durante 1915,
e com uma nova vaga
de milhares de recrutas recém-treinados,
torna-se claro que está iminente
um Grande Empurrão.
O Batalhão de Tolkien mantém-se na reserva,
mas ele teme pela vida
dos seus antigos colegas
que estão na Frente.
Um mês depois da sua chegada a França,
os Aliados lançam a Ofensiva Somme.
Às 7:30 da manhã, num sábado, dia 1 de julho,
as tropas na linha da frente britânica,
passam ao ataque.
Só no primeiro dia da Ofensiva,
morreram 20 000 homens,
ficaram feridos 35 000
e mais de 2000 foram dados
como desaparecidos.
PG: A primeira baixa foi o plano.
Começou a desmoronar-se muito rapidamente.
Tragicamente para os homens
apanhados em campo aberto,
foi uma sentença de morte.
Morreu um em cada cinco dos homens
que entraram em combate no dia 1 de Julho.
JG: Foi o dia mais desastroso
da história do exército britânico
e uma tragédia para todo o país.
Houve aldeias que perderam
todos os seus jovens.
PG: Ficou marcado
como uma perda de inocência.
Os 20 000 que foram mortos
representam um ponto de viragem
na consciência britânica
e talvez nas relações
entre os que tomam as decisões
e os que são forçados a cumpri-las.
VO: Entre os muitos homens
que se perderam naquele dia,
estava o querido membro do CCSB,
Robert Gilson.
JG: Ele chefiou o pelotão no ataque,
era o responsável pela sua companhia,
mas foi baleado
a meio da Terra de Ninguém.
PG: Estava na quarta vaga.
Viu a primeira vaga avançar e fracassar,
a segunda vaga avançar e fracassar,
a terceira vaga avançar e fracassar.
E ele, que fazia parte da quarta vaga,
teve que avançar e avançou.
Penso que isso é a coisa mais comovente
e provavelmente mais trágica
naquele 1 de julho de 1916.
Aquela geração tinha tanta fé
nos seus superiores,
provavelmente tinha tanta lealdade
para com os seus colegas
que estava preparada para avançar
mesmo que significasse uma morte certa.
JG: Tolkien soube disso
depois da sua primeira ação no Somme,
umas semanas mais tarde, e ficou devastado.
Ficou abalado até aos alicerces
das suas crenças.
Tal como todos os membros do CCSB,
tinha formado o seu grupo
com camaradagem, com ideais
e no espírito de que tinham
alguma coisa a dar ao mundo,
em que todos os quatro eram partes vitais,
e agora um deles estava morto.
O que é que aquilo significava
quanto aos seus objetivos gerais?
E também ao seu objetivo.
SS: Geoffrey Smith escreveu-lhe uma carta
em que, claramente, Smith transmite
sentimentos de devastação
e um sentimento de que
a camaradagem tinha sido violada.
Rob nunca viria a ser arquiteto,
nunca cumpriria o seu papel
naquilo com que tinham sonhado.
JG: Penso que ele levou
muito tempo a recuperar.
Os outros dois membros, Wiseman e Smith,
teimaram em convencê-lo de que, não,
os propósitos do CCSB continuavam
e penso que, por fim, Tolkien
se sentiu encorajado.
VO: Tolkien escreve ao pai de Rob,
o diretor da escola King Edward,
a dar-lhe os pêsames.
"O CCSB perdeu um jovem brilhante,
"um artista de talento e,
o mais doloroso de tudo,
"um querido amigo".
A guerra de Tolkien
tinha começado verdadeiramente
e nos meses seguintes é sujeito
às muitas provações
da guerra das trincheiras.
JG: Estava sempre a entrar
e a sair das trincheiras.
Os batalhões eram rodados
da linha da Frente
para as trincheiras de reserva
para descansarem,
como eles diziam na galhofa,
mas não havia qualquer descanso,
era treino.
Tolkien falava do desgaste universal
de toda aquela guerra.
Mas, durante este período,
esteve envolvido em três ataques.
Teve muita sorte por não ter participado
no primeiro dia do Somme.
Estava uns quilómetros atrás
da linha da Frente, nessa altura.
O seu batalhão avançou
para uma segunda vaga de ataques.
Foram enviados
contra uma aldeia chamada Ovier,
que tinha sido a linha da Frente alemã.
Uma das primeiras coisas que encontrou
foi um caos no sistema de comunicações
do campo de batalha.
Era muito primitivo.
Só estava parcialmente montado
e danificado pelos acasos da batalha.
Tinha sinalizadores a atravessar
a Terra de Ninguém
a transportar luzes para dizer:
"Chegámos".
Mais luzes: "Fizemos prisioneiros".
Tinham pombos que eram
o método de comunicação mais fiável.
Um dos sinalizadores de Tolkien
ganhou uma medalha
por conseguir que os pombos atravessassem
a Terra de Ninguém
e fizessem o trabalho corretamente.
VO: O ataque é um êxito
e foram feitos muitos prisioneiros.
De todo o combate que Tolkien relata,
uma das batalhas mais significativas
é também uma das suas últimas:
um ataque à Trincheira Regina.
JG: Isso foi em outubro,
altura em que o campo de batalha
estava reduzido a lama.
O ataque tinha sido adiado
por causa da chuva pesada
mas a 21 de outubro,
houve uma vaga de frio,
o solo ficou duro com o gelo
e o ataque pôde ser concretizado.
(Disparos de canhão)
(Tiros de metralhadora)
JG: Presenciou mortes violentas,
também viu e sentiu um terror enorme.
Tanto quanto sabemos,
ele nunca descreveu em pormenor
como foi aquela guerra das trincheiras
mas resumiu-o em duas palavras,
numa das suas cartas: "horror animal".
Retirava-lhes toda a humanidade
e transformava-os em bestas desesperadas
que só pensavam em fugir e sobreviver.
É muito interessante,
se procurarmos no Senhor dos Anéis,
sempre que as personagens
estão numa situação de terror extremo,
são sempre descritas
como paralisadas e estupidificadas,
desumanizadas pelo terror.
PG: Muitas das trincheiras britânicas
eram propositadamente desconfortáveis
porque os generais queriam
que os homens acreditassem
que eram apenas temporárias.
que iam sair dali,
que aquilo não era a casa deles.
VO: Na Frente Ocidental, Tolkien
sente-se isolado de casa
e as cartas para Edith e as cartas dela
são um cabo de salvamento.
Por razões de importância estratégica,
Tolkien está impedido de informar
nas cartas a sua localização
portanto inventa um código de pontos
para manter Edith informada
do local onde está.
JG: Escolhe as letras do alfabeto
no texto do que lhe escreve
e põe um ponto por cima das relevantes
para escrever o nome do local
onde estava nessa altura.
Edith tinha um mapa na parede
e assinala com um alfinete
o local onde ele estava na altura.
VO: Depois do ataque com êxito
à Trincheira Regina,
o batalhão retira-se da Frente
e estaciona em frente das altas patentes.
Mas Tolkien adoece.
JG: Era a febre das trincheiras.
Era uma doença provocada pelos piolhos
devido à falta de higiene nas trincheiras.
PG: Espalha-se
pelo contacto com os piolhos
e os sintomas não são nada agradáveis.
Provocam dores de cabeça,
pode-se ter dores de estômago,
dores nas articulações e nos ossos,
lesões na pele.
Não é fatal mas pode ser muito debilitante.
Tão debilitante que não se pode ser
um soldado eficaz.
Tolkien teve um ataque muito grave,
tão grave que teve que ser evacuado
"de volta a Blighty", como escreveram.
De facto, foi o fim da sua guerra.
JG: Salvou a vida de Tolkien.
Tirou-o do campo de batalha
e ele voltou à Grã-Bretanha.
Foi enviado para Birmingham,
para o Hospital Geral First Southern,
como se chamava na época,
que estava instalado nos terrenos
da Universidade de Birmingham.
Foi ali que Tolkien se reencontrou
com a mulher, Edith
e onde ele começou a escrever
as primeiras histórias
da "Terra-Média".
A sua reunião com Edith
foi duplamente emotiva
e foi uma inspiração
para diversas partes da escrita
na sua mitologia,
nomeadamente
a história de Luthien e Beren,
que aparecem no Silmarillion
e estão referidas no Senhor dos Anéis.
Uma história de amor entre um homem mortal
e um duende imortal.
VO: Mas o descanso de Tolkien
é de curta duração.
Pouco depois de regressar a Birmingham,
Tolkien vem a saber
por Christopher Wiseman,
que o seu grande amigo G.B. Smith
tinha sido morto.
JG: A Batalha do Somme acabara
e Smith estava a organizar
um desafio de futebol para os seus homens
a cerca de 6 km da Linha da Frente,
quando uma bomba perdida
explodiu perto dele.
Foi atingido pelos estilhaços
e contraiu uma gangrena gasosa,
que o matou em poucos dias.
No início de 1916, ainda Tolkien
estava em formação,
tinha recebido uma carta de G.B. Smith
que, na altura,
estava nas trincheiras, em França.
VO: Smith ia sair na patrulha da noite.
O oficial que chefiara a patrulha
na noite anterior
tinha sido capturado
e muito provavelmente morto.
JG: Era uma das atividades mais perigosas
que se podiam ter na Frente Ocidental
e Smith ia fazê-la.
Aproveitou a oportunidade
para escrever a Tolkien e dizer-lhe:
"Vou sair na patrulha da noite.
"Sou um ardente e apaixonado admirador
"daquilo que escreveste
e daquilo que hás de escrever".
Dissera a Tolkien:
"Tenho a certeza que és um eleito,
"e tens que publicar".
Smith foi essencialmente
o primeiro fã da Terra-Média.
SS: Smith diz na carta
que a morte não podia pôr fim ao CCSB,
aos "quatro imortais", nas suas palavras,
que Tolkien podia dizer
as coisas que quisesse dizer,
muito depois de deixar de as poder dizer.
É muito comovente porque penso que Tolkien,
apesar do seu "eu" artístico individual,
viu a sua carreira posterior
como uma tentativa
de cumprir os sonhos artísticos
que tinham partilhado.
JG: Ele conseguiu reunir as suas forças
e ver talvez em Smith um ideal
digno de viver.
VO: No verão de 1918,
Tolkien e Wiseman reúnem
alguns dos poemas de Smith
e publicaram-nos num pequeno volume,
intitulado:
"Uma Colheita da Primavera".
A guerra de Tolkien acabara,
mas o impacto das suas experiências
ficará sempre nele
e influenciará a sua escrita futura.
JG: Toda a experiência da guerra
teve um efeito permanente
na mitologia de Tolkien.
Logo que Tolkien regressou do Somme
começou a escrever uma história
chamada "A Queda de Gondolin",
que foi o primeiro elemento
da sua mitologia
que tratava de batalhas.
A coisa fascinante nisso foi que
as forças atacantes
usavam coisas que Tolkien designava
por "dragões", "bestas" ou "monstros"
mas eram descritas como metálicas
e a rolar e a cuspir fogo.
Algumas delas tinham tropas lá dentro.
É muito claro que é uma espécie
de mitificar o tanque
que era a arma secreta dos britânicos,
que tinha sido lançada no Somme
quando Tolkien lá estava.
O Senhor dos Anéis
concentra-se numa irmandade,
em que os membros estão separados
em diversas frentes de batalha,
tal como estavam os do CCSB.
SS: É quase impensável
que, ao escrever sobre
a dispersão da irmandade,
no Senhor dos Anéis,
Tolkien não tenha sido influenciado
pela sua perda
durante a I Guerra Mundial
e pelo fim da irmandade do CCSB.
Há uma carta posterior em que ele refere
que os pântanos mortos,
que Frodo, Sam e Gollum atravessam,
se devem ao norte da França,
na área do Somme,
onde ele combateu.
JG: Frodo e Sam são o equivalente
a um oficial e à sua ordenança,
o seu impedido.
Tolkien diz mesmo:
"O meu Sam Gamgee é inspirado
nos impedidos e ordenanças
"que conheci na I Guerra Mundial".
Frodo representa os sentimentos dum jovem,
como o próprio Tolkien,
atirado para uma guerra
involuntariamente e tendo que suportar
uma carga terrível, a carga do dever.
Podemos ver que Frodo exibe sintomas
daquilo a que hoje se chama
Perturbação Pós-Traumática
ou Trauma da Guerra ou,
como lhe chamavam na época,
Psicose de Obus.
Começa a afastar-se do mundo,
cada vez mais encerrado em si mesmo.
Diz que não consegue recordar
como era a relva,
como era a luz do sol.
Quando a guerra acaba
em O Senhor dos Anéis,
Frodo não se pavoneia como um herói,
está visivelmente traumatizado
por aquela experiência.
Isso era o que acontecia
com muitos dos soldados
que regressavam da Frente Ocidental,
incapazes de falar sobre as experiências
que os tinham afetado tão profundamente.
PG: A geração que luta na I Guerra Mundial
devia ser considerada corajosa.
SS: O sacrifício dessa geração
foi extraordinário.
JG: Foi uma perda trágica,
não só para as famílias, para os amigos,
mas para a civilização no seu todo.
Abalou crenças antigas e preconceitos
sobre a honra e a glória.
SS: É a primeira guerra
a sério das máquinas.
Foram eliminados tantos milhares,
tantos milhões de homens,
que foram destruídos
sem terem enfrentado o inimigo individualmente.
PG: Esses homens não tiveram o privilégio
de morrer um a um, morreram em massa.
Penso que é esse número
que nos traumatiza tanto.
É por isso que temos os memoriais
em Thiepval e Menin Gate.
São apenas uma longa lista de nomes.
Os corpos desapareceram,
pura e simplesmente.
Todos tinham vidas separadas
mas todos desapareceram ao mesmo tempo.
JG: Quando lemos a crónica
da escola King Edward,
como eu fiz quando investiguei
a vida de Tolkien,
ficamos a conhecer os rapazes
com quem ele cresceu
e vemos as suas realizações,
vemos o que andavam a estudar,
vemos como eram
maravilhosamente inteligentes
potencialmente criativos e brilhantes.
Depois veio a I Guerra Mundial
e vemos que era para isso
que eles estavam destinados.
PG: Aqueles jovens,
com a vida inteira à sua frente,
foram — sim, é uma frase
que todos conhecemos —
foram ceifados na sua juventude.
Tinham um grande potencial,
cheio de vida,
cheio de vigor, cheio de planos,
cheio de ambições.
Queriam fazer montes de coisas
na sua vida profissional e pessoal
e essa oportunidade foi-lhes negada.
JG: Quando olhamos
para os acasos da guerra,
é espantoso como Tolkien sobreviveu
e conseguiu produzir
as grandes obras de literatura
que escreveu.
Obras que moldaram a nossa cultura.
Ficamos a pensar
quantos outros não sobreviveram
que potencial tinham dentro deles
que nunca tiveram tempo de revelar.
É uma perda irreparável.
SS: G.B. Smith dá um breve lampejo
duma vida jovem aniquilada
que só comunicou os seus sonhos
de forma muito incompleta.
PG: É uma geração que não falou
sobre o que sentia.
Nesse sentido, penso que
o efeito psicológico foi de longa duração.
Muitos veteranos sobreviveram à guerra
mas descobriram
que não conseguiam sobreviver à paz.
VO: Na capela da escola King Edward
há oito placas de latão que têm
os nomes de 245 antigos alunos
que perderam a vida
durante a I Guerra Mundial.
Tolkien e os seus amigos do CCSB,
são apenas quatro
dos quase 1500 antigos alunos
que responderam à chamada do seu país
e combateram na Grande Guerra.
Cada uma das suas histórias
devia ser contada.
PG: Os cemitérios que podemos visitar
no norte da França tornaram-se
quase nas catedrais do século XXI.
É preciso fazer algumas
perguntas muito importantes
sobre a natureza da guerra
e a natureza do sacrifício.
E, no caso da I Guerra Mundial,
a escala desse sacrifício,
e se qualquer guerra é digna disso.
[1403 antigos alunos da escola King Edward
[prestaram serviço ao país
durante o conflito.
[Foram mortos quase um em cada cinco]
[Calcula-se que houve mais
de 16 milhões de mortos
[e 20 milhões de feridos
durante a I Guerra Mundial]