Se perguntarem a biólogos evolutivos quando os humanos se tornaram humanos, alguns dirão que, bem, a dada altura começámos a estar de pé, tornámo-nos bípedes e senhores do nosso meio envolvente. Outros dirão que, como o nosso cérebro começou a crescer muito, fomos capazes de atingir processos cognitivos muito mais complexos. Outros ainda defenderão que foi o desenvolvimento da linguagem que nos permitiu evoluir enquanto espécie. Curiosamente, esses três fenómenos estão todos ligados. Não temos a certeza como, ou em que ordem, mas eles estão todos ligados à mudança de forma de um pequeno osso atrás do pescoço que mudou o ângulo entre a nossa cabeça e o nosso corpo. Isso tornou possível que ficássemos eretos e também que os nossos cérebros se desenvolvessem atrás, e ainda que os aparelhos vocais passassem de 7 cm, nos primatas, para 11 a 17 cm nos seres humanos. A isto chama-se a descida da laringe. E a laringe é o local da nossa voz. Quando os bebés humanos nascem hoje em dia as suas laringes ainda não desceram. Isso só acontece por volta dos 3 meses de idade. Então, metaforicamente, todos nós aqui revivemos a evolução de toda a nossa espécie. E já que falamos de bebés, quando começamos a desenvolver-nos no útero da nossa mãe, a primeira sensação que temos do mundo lá fora, com apenas 3 semanas de vida, quando temos o tamanho de um camarão, é através da sensação táctil proveniente das vibrações da voz da mãe. Portanto, como se pode ver, a voz humana, é muito significativa e importante ao nível da espécie, e ao nível da sociedade — é desta forma que comunicamos e criamos laços — e aos níveis pessoal e interpessoal. Com a nossa voz, partilhamos muito mais que palavras e informações, praticamente partilhamos quem somos. A nossa voz é indissociável da forma como as outras pessoas nos veem. É uma máscara que usamos na sociedade. Mas a nossa relação com a nossa voz está longe de ser evidente. Nós raramente usamos a nossa voz para nós próprios; nós usamo-la como uma oferta para os outros. É como nos tocamos uns aos outros. É a nossa aparência dialética. Mas o que achamos da nossa própria voz? Por favor levante a mão quem não gosta do som da sua voz quando a ouve numa gravação. (Risos) Obrigada. De facto, a maior parte refere que não gosta do som da sua voz gravada. O que isso quer dizer? Vamos tentar compreender isso nos próximos 10 minutos. Sou investigadora no MIT Media Lab, faço parte do grupo "Ópera do Futuro", e a minha investigação centra-se na relação que as pessoas têm com a própria voz e com as vozes dos outros. Eu estudo o que podemos aprender ao escutar as vozes, em várias áreas, da neurologia à biologia, ciências cognitivas, linguística. No nosso grupo, criamos ferramentas e experiências que ajudam as pessoas a compreender melhor a sua voz de forma a reduzir os entraves, tornarem-se melhores ouvintes, criar relações mais saudáveis ou apenas para que se entendam melhor a si próprios. Isto realmente requer uma abordagem integrada à voz. Porque, pensem em todas as aplicações e implicações que a voz pode ter, à medida que descobrimos mais sobre ela. A voz é um fenómeno muito complexo. Ela requer a sincronização de mais de 100 músculos do corpo. Ao ouvirmos a nossa voz, podemos compreender possíveis falhas do que acontece lá dentro. Por exemplo: ouvir tipos de perturbações muito específicas e descontinuidade na voz pode ajudar a prever estágios iniciais da doença de Parkinson, até numa chamada telefónica. Ouvir uma voz ofegante pode ajudar a detetar doenças do coração. E também sabemos que as mudanças no ritmo de palavras individuais são um bom indicador de depressão. A voz está também muito ligada aos níveis hormonais. Pessoas que ouviram vozes femininas conseguiram posicionar com precisão as donas das vozes no seu ciclo menstrual, apenas com informação acústica. E agora que há tecnologia que nos ouve permanentemente, Alexa da Amazon Echo pode conseguir prever se estamos grávidas mesmo antes de nós sabermos. Então pensem... (Risos) Pensem nas implicações éticas disso. A voz também está muito ligada à forma como criamos relações. Temos uma voz diferente para cada pessoa com quem falamos. Se eu agarrar num trecho de voz e o analisar, posso saber se estão a falar com a mãe, com um irmão, com um amigo ou com o chefe. Também podemos usar a postura vocal como indicador. Ou seja, a forma como decidem colocar a voz quando falam com alguém. A vossa postura vocal, quando falam com o cônjuge, pode ajudar a prever "se", e "quando", se vão divorciar. Portanto, há muito para aprender ao ouvir vozes. E acredito que isto começa por compreender que temos mais que uma voz. Então, vou falar sobre três vozes que a maioria de nós possui, num modelo a que eu chamo "máscara". Quando olhamos para a máscara, vemos a projeção do carácter. Chamemos a isso a voz para o exterior. Este também é o modo mais clássico de se pensar na voz, é a forma de projetar-se a si mesmo no mundo. O mecanismo para esta projeção é bem conhecido. Os pulmões contraem o diafragma e isso cria uma vibração autossustentada da prega vocal, que produz um som. Pela forma como abrimos e fechamos as cavidades da boca, o aparelho vocal faz variar o som. Todos temos o mesmo mecanismo. Mas as vozes são bastante únicas, porque as diferenças muito subtis no tamanho, fisiologia e níveis hormonais vão causar diferenças muito subtis na voz para o exterior. E o cérebro é muito bom a apanhar essas diferenças subtis nas vozes para o exterior de outras pessoas. No nosso laboratório, trabalhamos a ensinar máquinas a compreender essas diferenças subtis E utilizamos a aprendizagem profunda para criar um sistema de identificação do orador em tempo real para ajudar a consciencializar as pessoas sobre o uso do espaço vocal partilhado — ou seja, quem fala e quem nunca fala em reuniões — para aumentar a inteligência coletiva. E uma das dificuldades disso é que a voz não é estática. Já dissemos que é diferente para cada pessoa com quem falamos mas também geralmente muda ao longo da vida. No início e no fim da jornada as vozes feminina e masculina são muito similares. É muito difícil distinguir a voz de uma menina pequena da voz de um menino pequeno. Mas, no meio, a voz torna-se um sinal da identidade fluida. Geralmente, as vozes masculinas sofrem uma grande alteração na puberdade. E nas vozes femininas há alterações em cada gravidez e uma grande alteração na menopausa. Tudo isto é a voz que os outros ouvem quando falamos. Então porque não nos é familiar? Porque não é essa a voz que ouvimos? Bem, vamos pensar um pouco. Quando usamos uma máscara, não vemos essa máscara. E quando tentamos observá-la, só vemos a parte de dentro da máscara. Essa é a nossa voz para o interior. Então, para entender porque é diferente, tentemos entender o mecanismo de perceção desta voz para o interior. Porque o corpo tem várias maneiras de filtrá-la de modo diferente da voz para o exterior. Para detetar esta voz, ela primeiro tem que ir para os ouvidos. A voz para o exterior viaja através do ar enquanto a voz para o interior viaja através dos ossos. Isto chama-se condução óssea. Por causa disso, a voz para o interior vai soar num registo mais baixo e também mais harmoniosa musicalmente que a voz para o exterior. Quando lá chega, tem acesso ao ouvido interno. Aí há outro mecanismo a funcionar. É um filtro mecânico, É uma pequena divisão que protege o ouvido interno sempre que produzimos um som. Por isso, também reduz aquilo que ouvimos. E ainda há um terceiro filtro, um filtro biológico. A cóclea — uma parte do ouvido interno que processa o som — é feita de células vivas. Essas células vivas vão ativar-se de maneiras diferentes consoante a frequência com que ouve o som. É um efeito de habituação. Por essa razão, como a voz é o som que mais ouvimos ao longo da vida, ouvimo-la menos que outros sons. Finalmente, temos um quarto filtro. É um filtro neurológico. Os neurologistas descobriram recentemente que, quando abrimos a boca para criar um som, o córtex auditivo desliga-se. Portanto, ouvimos a nossa voz mas o cérebro nunca ouve de facto o som da nossa voz. Bem, isso faz sentido do ponto de vista evolutivo, porque sabemos cognitivamente como vamos soar portanto talvez não precisemos de gastar energias a analisar o sinal. A isto chama-se descarga corolária e acontece em cada movimento do corpo. A definição exata de descarga corolária é uma cópia do comando motor que é enviada pelo cérebro. Essa cópia não cria movimento por si só mas ao invés, é enviada para outras regiões do cérebro para avisá-las do movimento iminente. E para a voz, esta descarga corolária também tem um nome diferente. É a voz interna. Vamos recapitular. Nós temos a máscara, a voz para o exterior, a parte de dentro da máscara, a voz para o interior, e depois há a voz interna. Eu gosto de pensar nesta como o titereiro que maneja as cordas de todo o sistema. A voz interna é a que ouvimos quando lemos um texto em silêncio, quando ensaiamos uma conversa importante. Às vezes é diícil desligá-la, É muito difícil olhar para um texto escrito na nossa língua nativa, sem que a voz interna o leia. É também a voz que se recusa a parar de cantar a canção estúpida que temos na cabeça. (Risos) Para algumas pessoas é impossível controlá-la. É o caso de pacientes esquizofrénicos que têm alucinações auditivas. Aqueles que não conseguem distinguir entre as vozes que vêm de dentro ou de fora das suas cabeças. No laboratório também estamos a trabalhar em pequenos aparelhos para ajudar as pessoas a fazerem essa distinção e reconhecerem se uma voz é interna ou externa. Podemos também pensar na voz interna como aquela que ouvimos nos sonhos. Esta voz interna pode tomar várias formas. Nos sonhos libertamos o potencial desta voz interna. Esse é outro trabalho em curso no nosso laboratório: tentar aceder a esta voz interna nos sonhos. Portanto, mesmo que não possamos controlar sempre a voz interna, podemos sempre conectarmo-nos com ela através do diálogo, através de diálogos internos. Podemos até considerar esta voz interna como o elo perdido entre o pensamento e a ação. Bem, espero ter-vos deixado com uma melhor apreciação, uma nova apreciação de todas as nossas vozes e do papel que desempenham dentro e fora de nós, já que a voz é um determinante crítico do que nos torna humanos e da forma como interagimos com o mundo. Obrigada. (Aplausos)