Adoro este microfone. Me sinto a Beyoncé. É muito legal. Me convidaram pra vir aqui falar sobre autismo. É um assunto que conheço bem, por duas razões. Primeiro, eu o estudei durante meu doutorado em Psicologia Social. Segundo, eu também faço parte do espectro autista, pois tenho síndrome de Asperger. Então, tenho um duplo "lugar de fala". Mas, enquanto eu preparava esta palestra, achei que seria ainda mais interessante falar sobre pessoas não autistas. Pois é, sobre vocês. Sabe, observo vocês a minha vida inteira e, verdade seja dita, acho vocês fascinantes. Então, sim, vocês com certeza merecem seu próprio PowerPoint. Tcha-rã! "Pessoas Neurotípicas." É assim que chamamos as pessoas que não estão no espectro autista. Então, vocês também têm um rótulo pra chamar de seu. E quais são os sintomas? Bem, as pessoas neurotípicas adoram conversar fiado. É a "paixão nacional" de vocês! Vocês conversam, mas não dizem nada. Que hábito estranho! No início, eu não fazia ideia de por que vocês faziam isso, mas agora eu entendo. A conversa fiada tem um propósito, já que possibilita que vocês interajam em espaços compartilhados, como com seu vizinho no prédio onde moram, ou com seu colega no ambiente de trabalho. Ao longo dos anos, aprendi a conversar fiado. Mas às vezes é complicado. Tipo, outro dia, encontrei meu vizinho no elevador. Eu estava me sentindo confiante, sabe, porque estava usando minha roupa da sorte. E, claro, esta é a minha roupa da sorte, caso estejam se perguntando. Estava me sentindo como se fosse dona do mundo, e decidi puxar conversa. Vi que ele carregava sacolas cheias de mantimentos. Então, tive a ideia genial de fazer a ele uma pergunta bastante profunda: "Ah, você fez compras?" Pois é, bem, como eu disse, tenho um doutorado, então... E o vizinho respondeu: "Pois é, fui ao mercado, mas não vou voltar mais lá. Tem árabes demais". "Tá bom." Eu juro que é uma história real. Então, passamos de conversa fiada a ofensa racial num piscar de olhos. Vocês também têm uma forma bem peculiar de se comunicar. Vocês usam sarcasmo, duplo sentido, e geralmente pisam em ovos em relação à verdade. Vocês têm a incapacidade quase patológica de se comunicar de forma direta. O que vocês dizem pode ter múltiplos significados, e vocês sempre têm que ler nas entrelinhas. Não sei como vocês conseguem! É exaustivo! E vocês são tão doidos que às vezes até fazem perguntas para as quais não querem saber a resposta. Por exemplo, se uma das minhas amigas disser: "Olha, comprei uma base nova outro dia e estou usando agora; o que achou?", por experiência, sei que pode ser uma pergunta retórica. Ela provavelmente está apenas tentando puxar conversa ou querendo que eu diga que está bonita. Se eu der a ela uma resposta direta, como qualquer autista faria, e disser: "Bem, seu rosto está alaranjado e está parecendo um pouco com o do Donald Trump", não vai ser legal. Todos esses códigos e convenções sociais podem ser bem complicados de entender para uma pessoa autista. Dizemos o que pensamos e pensamos o que dizemos, a ponto de sermos demasiadamente francos. Acredito que colocar seu ego de lado e não levar tudo para o lado pessoal é uma forma de comunicação muito mais eficaz, porque te poupa muito tempo e energia. Vocês deviam tentar. Mas também temos coisas em comum, como interesses específicos. As pessoas autistas tendem a desenvolver um intenso interesse por uma ou mais atividades. Pode ser pelas linhas do metrô, ou por pássaros exóticos, ou por figuras históricas, como Angela Davis. Podemos acumular bastante conhecimento a ponto de nos tornarmos especialistas em nossos interesses específicos. Isso é considerado um sintoma porque pode virar uma obsessão. Mas a verdade é que os interesses específicos são um recurso importante para as pessoas do espectro. Precisamos deles tanto quanto precisamos de ar para respirar. Mas vocês também têm um interesse específico: o de socializar. Vocês gastam muito tempo socializando, com seus amigos, no intervalo do café, ou até com o motorista do ônibus. Pra vocês, isso parece normal porque a maioria das pessoas faz o mesmo, mas, se vocês vivessem num mundo dominado por pessoas autistas, vocês é que seriam esquisitos. Por último, mas não menos importante, seu habitat natural. Posso ler pra vocês? "Pessoas neurotípicas podem ser vistas no início da noite em ambientes dinâmicos com seu grupo de amigos." Claro, como vocês devem ter notado, esse eslaide é meio clichê, porque nem todos os neurotípicos bebem champanhe. E detesto dar más notícias, mas não existe cura para os neurotípicos, por enquanto. É muito triste. Falando sério agora, o que vocês acharam disso tudo? Não se sentem um pouco estigmatizados? Será que não pensaram: "É um pouco humilhante e simplista"? Pois é, eu sei como é. Conseguem imaginar viver num mundo onde você é a minoria, onde o seu jeito de ser é considerado patológico, onde as pessoas te dizem coisas como: "Mas você não parece autista"? Ou: "Sei tudo sobre pessoas neurotípicas porque vi uma temporada inteira de 'Friends'". Um mundo onde as pessoas tentam te padronizar, um mundo onde você se sentiria constantemente imperfeito. Agora, vocês conseguem entender o tipo de coisa com a qual tive de lidar a minha vida inteira. Bem-vindos ao meu mundo. Fico chateada quando as pessoas falam sobre as causas, os "sintomas" e os "tratamentos" do autismo. Acredito que estamos indo na direção errada. Devíamos passar mais tempo tentando dar às pessoas do espectro o espaço que elas merecem na sociedade, tentando empoderá-las e torná-las independentes. Pessoas autistas não precisam de cura, mas precisam de abordagens educacionais apropriadas, para que cresçam e se desenvolvam. Elas também precisam que seus direitos sejam respeitados. Na França, apenas 20 a 30% das crianças autistas frequentam a escola, e pouquíssimos adultos autistas têm um emprego. Não posso dizer exatamente quantos, porque não temos esses dados. Não há um estudo sequer sobre o assunto. Também não sabemos quantos de nós estão atualmente enclausurados em hospitais psiquiátricos. Mas, sabe, um já seria demais. Estamos condenados a uma vida inteira de solidão, pobreza e exclusão. E é ainda mais difícil para as mulheres do espectro. Quando você está na interseção entre o autismo e o gênero, você vivencia dificuldades específicas porque é vítima não só do preconceito contra autistas, mas também do machismo, e essas duas formas de opressão se interlaçam. Vou dar um exemplo. Estamos começando a perceber que os critérios para o diagnóstico do autismo são influenciados pelo gênero, pois foram estabelecidos levando em conta o comportamento de homens autistas. Isso e o fato de o autismo se manifestar de forma bem mais sutil nas mulheres são as razões pelas quais tantas mulheres do espectro continuam sem diagnóstico ou recebem um diagnóstico incorreto. Kimberlé Crenshaw foi a primeira a falar sobre o conceito de interseccionalidade, sobre os problemas que mulheres negras enfrentam. Ela deu uma palestra TED incrível sobre o assunto. Vocês deviam assistir. Mas, tipo, não agora, é claro. Este é o meu grande momento. Me lembro de quando conheci uma pesquisadora alguns meses atrás. Ela estava bem empolgada sobre descobertas recentes a respeito do impacto da ocitocina como tratamento para o autismo. Parece que esse tratamento permite que as pessoas do espectro socializem melhor ou mais. Eu disse a ela que isso levantava diversas questões porque, se eu tivesse recebido esse tratamento e sido forçada a socializar, não teria tido tempo para realizar todas as coisas que realizei nos últimos seis anos. Eu tenho um blogue, um canal no YouTube, fiz meu doutorado e publiquei dois livros. Então, não passo tempo socializando com meus amigos, mas e daí? Eu realizo coisas. Não faz sentido pra mim as pessoas quererem que eu seja menos autista. É exatamente por ser autista que sou extremamente focada, resiliente, hipersensível e, portanto, muito criativa, franca, e sou especialista em várias coisas. E, claro, sei que minha experiência não é igual à de outras pessoas autistas muito mais dependentes que eu, mas, mesmo assim, acho que esse tipo de pesquisa traz questões éticas. Gostaria de viver num mundo onde eu possa ser eu mesma, onde eu seja ouvida, onde eu receba o apoio de que preciso, um mundo onde eu não precise ser o "exemplo de pessoa autista" para ser amada e aceita, um mundo onde eu não tenha que lutar contra estereótipos e discriminação todo santo dia. É esse o mundo que precisamos criar. Enquanto isso, gostaria de dizer aos meus amigos autistas e a todas as pessoas por aí afora que são diferentes: você não é um erro, você não é uma doença que precisa ser curada e você é perfeito. Obrigada. (Aplausos)