Tenho um certo receio em relação
à verdade e às conversas.
Eu formei-me como cientista,
mas acabei a trilhar caminhos inusitados.
A ciência é uma maneira
de lançar perguntas ao mundo
e ouvir as suas respostas.
Nunca conheceremos tudo.
Mas isso não quer dizer
que não sabemos nada.
Há muitas coisas que já sabemos.
Contudo, a evidência
por vezes é posta de lado
quando tomamos decisões
ou construímos ideias sobre o mundo.
Por exemplo, nós sabemos
que a alteração climática é real,
mas ainda há pessoas que a negam.
Nós sabemos que as vacinas
funcionam e são seguras.
Mas também há pessoas que duvidam disso.
Esta foi minha primeira deceção.
As evidências são necessárias,
mas não são suficientes.
Isso abriu um novo caminho para mim.
Eu pensava que o problema era o ensino.
Então, deixei o laboratório
e passei a lecionar.
Eu gosto de dar aulas.
A sala de aula
é um de meus locais favoritos.
Mas encontrei ali o mesmo problema.
Eu estava a lecionar sobre vacinas
e uma aluna disse
que não tinha sido vacinada
porque achava
que as vacinas eram perigosas.
Então, pensei:
"Ela diz isto porque não conhece o tema,
"Se lhe explicar, ela muda de posição".
Expliquei-lhe, mas isso não funcionou.
A evidência não é o bastante.
O ensino não é o bastante.
Segunda deceção.
Isto que aconteceu com a minha aluna
foi a minha primeira experiência
com a pós-verdade.
É o que acontece quando
embora haja informações,
elas são postas de lado
em razão de emoções ou crenças.
Assim, abriu-se outro caminho.
Será um problema de comunicação?
Dado que a ciência é uma ferramenta,
utilizei-a para estudar a pós-verdade.
Comecei a conversar com pessoas
que não confiam em vacinas,
ao mesmo tempo que falava
com médicos e jornalistas
a fim de melhorar a comunicação
sobre este tema.
Foi aí que percebi que nunca
tinha aprendido a dialogar
com pessoas que pensam de forma diferente.
Por exemplo,
como dialogar quando
o problema não é a evidência,
mas um desacordo ideológico?
Experiências demonstram que,
quando as pessoas só conversam
com outras que lhes são semelhantes
a sua opinião torna-se
mais extremada e homogénea.
Mas para haver uma democracia saudável
não será preciso que aqueles
que pensam de modo diferente
tenham conversas amplas,
honestas e profundas?
Isso está longe de acontecer.
Cada discussão, cada discordância,
cada conversa
parece mais uma batalha
entre o bem e o mal.
As nossas opiniões, em vez de provisórias,
pontes de comunicação com os outros,
tornam-se inamovíveis,
uma trincheira que cavamos
e que separa os que estão
do nosso lado e os outros.
O diálogo desaparece,
os acordos são impossíveis,
e o mundo fragmenta-se
numa combinação explosiva
de agressão e desconfiança.
Há algo que possamos fazer?
Nem todas as opiniões nascem iguais.
Algumas são frágeis, ou temporárias.
Outras são intensas ou duradouras.
E outras transformam-se
em parte da nossa identidade.
Quando isso ocorre,
qualquer dúvida sobre o que pensamos
transforma-se numa dúvida
sobre quem somos.
E isso, para nós, é insuportável.
Além disso, a necessidade
de proteger a nossa integridade
faz com que nos juntemos
a outros na mesma situação.
Isso é o tribalismo.
Por isso, às vezes nem a evidência
nem o ensino funcionam.
Não pensamos sobre algo,
nós somos esse algo.
(Aplausos)
Vou fazer-vos uma pergunta.
Alguma vez já foram a um evento social
em que não conheciam ninguém
e pensaram:
"Hum, não sei o que esta gente pensa,
é melhor não comentar sobre tal assunto."
Isso já aconteceu?
Vamos ver: levante a mão
quem já viveu algo assim.
Olhem à vossa volta.
O mal do tribalismo não é só
o clima de conflito permanente,
mas também os silêncios que se geram.
Alguns de nós fogem ao debate
mas não por não termos opinião
ou não nos importarmos.
Não somos indiferentes.
Isso tem a ver com o clima de agressão,
porque as coisas não progridem,
por medo, por cansaço,
pela punição social de discordar,
por um ou mais desses motivos,
abandonamos a conversa em silêncio.
É um silêncio ruidoso.
E assim, a impossibilidade de dialogar
faz com que o número de vozes diminua.
Às vezes, a ponto de restar só uma.
Confunde-se o silêncio com a anuência.
E cria-se uma ilusão de consenso.
Como se ouve apenas uma opinião,
parece que só ela existe.
E então qualquer outra
não só parece distinta,
como dissonante, alheia,
que deve ser eliminada.
Em geral, associamos a ideia de censura
a um poder que proíbe lá de cima.
Mas há outra forma, mais subtil.
A censura vinda de baixo.
Aquela que, por meio de ferramentas
de disciplina social,
como por exemplo um tom de voz alto,
faz com que nos retiremos.
Essa é uma ameaça
à liberdade de expressão.
E faz-me pensar que também
é um problema para a democracia.
Tanto no nosso pequeno círculo,
como em larga escala.
Parece então que só há duas opções:
ou demonstramos as nossas ideias
desprezando aqueles
que não pensam como nós,
ou calamo-nos.
E, ao fazer isso, cedemos o controlo
àqueles que decidem falar.
Mas isto é um falso dilema.
Existe outra opção,
mas temos de torná-la evidente,
porque está escondida
neste mar de tribalismo.
Podemos adotar posturas definidas,
muito intensas mesmo,
sem elevá-las à dinâmica
de um discurso intolerante.
Esta é uma das coisas que aprendi
ao falar com as pessoas
que duvidam das vacinas.
Para romper com o tribalismo,
para buscar a maior quantidade de vozes,
para fugir desta dinâmica
de amigos e inimigos,
proponho que distingamos entre
o que acreditamos e como acreditamos.
E se tornarmos esse como não-tribal
poderemos apresentar as nossas opiniões
sem que o nosso pensamento
se converta naquilo que somos.
Os matizes reaparecem
e as conversas voltam a ser possíveis.
E a partir daí,
podemos construir consensos
que são o produto de acordos,
apesar das nossas diferenças.
Mas quando falo dessas ideias,
às vezes sou criticada.
Por exemplo: parece que,
para evitar conflitos,
sugiro que deixemos os consensos
se sobreponham a tudo.
Não, não é isso que quero dizer.
Se não nos expressarmos porque
nos sentimos alienados ou excluídos
não estaremos a participar
na tomada de decisão.
Mas todos nós vivemos
com as consequências dessas decisões.
Então, como vem a dar na mesma,
precisamos de falar.
Porque, se não quisermos falar
neste clima hostil que nos esgota
achando que isso não leva a nada,
tratemos então de superar o modo tribal.
Para além do que pensamos
talvez tenhamos mais em comum
com aqueles que pensam diferente
mas estão dispostos a conversar
do que com aqueles que partilham
das nossas opiniões, mas são intolerantes.
(Aplausos)
Também costumam dizer-me
que não podemos fazer muito
em termos individuais
para sair desse modo tribal.
Mas parece-me que sim,
que há coisas bem concretas a fazer.
E tenho três sugestões
que poderão ajudar.
Primeiro: buscar o pluralismo.
Promovê-lo ativamente.
Assim, as diferenças tornam-se visíveis,
o que é importante,
porque, só quando
incluirmos a discordância
podemos alcançar um verdadeiro consenso.
Para isso acontecer,
precisamos de poder falar
sem sentir que isso
nos penaliza socialmente.
Mas também precisamos
de conseguir escutar vozes
de que não gostamos.
Chegou o momento de defender
a liberdade de expressão.
Cuidar dela é mais fácil que recuperá-la.
Aprender a conversar melhor,
a encontrar melhores formas
de estar em desacordo.
Dialogar não significa
esperar pela nossa vez de falar,
tratando de impor as nossas ideias
pela força ou pela insistência,
mas escutar para compreender o outro.
Sem essa escuta não há diálogo.
Terceiro: separar as ideias das pessoas.
No tribalismo, atacar uma ideia
faz com que a pessoa se sinta ameaçada
porque se sente atacada como pessoa.
Com esta atitude, como podemos
melhorar as nossas ideias?
Precisamos discuti-las
para que as melhores sobrevivam.
As pessoas merecem respeito.
E as ideias têm de ganhá-lo.
Nós, seres humanos, somos inventores.
Em algum momento, em algum lugar,
tivemos a ideia de nos sentar
junto ao fogo para conversar.
E, neste ponto, as conversas
parecem-se com o fogo.
Ambas as coisas
estão sempre entre dois perigos:
o de se extinguirem
e o de crescerem de forma descontrolada.
Levou tempo, mas aprendemos a usar o fogo.
Aprendemos a mantê-lo vivo
para ele não se apagar.
E a manejá-lo para ele não nos destruir.
Talvez esta seja a hora de aprender
a fazer o mesmo com as conversas.
Obrigada.
(Aplausos)