Além da Imaginação: as pessoas são iguais Há uma quinta dimensão além da conhecida pelos humanos. Uma dimensão tão vasta quanto o espaço e tão atemporal quanto o infinito. É o meio-termo entre a luz e a escuridão, entre a ciência e a superstição, e fica entre o buraco dos medos humanos e o topo dos seus conhecimentos. Essa é uma dimensão da imaginação, uma área que chamamos de Além da Imaginação. A área de explosão será esvaziada por 0200. Repito: a área de explosão será esvaziada por 0200. Jeito estranho de passar a última noite, não é? Estranho? Não se passa a última na Terra olhando para o seu transporte. Na última noite na Terra, você a aproveita, passeia pelas ruas, vai aos bares e dança com as mulheres. Aquele vai ser o nosso mundo por um bom tempo, Sam, e ficamos aqui olhando três horas antes de decolar. Marcusson? Está com medo? Acho que não. Você está? Estou. Com muito medo. É diferente para você. É treinado para isso. Não é a mesma coisa para mim. Sou cientista, biólogo. O meu mundo é o dos livros, lâminas e microscópios. Estão me mandando porque precisam do meu cérebro. É uma pena que não possam mandar só o cérebro e deixar o corpo aqui aonde pertence. Estou apavorado. Apavorado com o que encontraremos lá. É a única coisa que não devia temer. O desconhecido, a solidão, o silêncio... Isso apavora qualquer um, mas tenho uma teoria sobre as pessoas. Falo de todas as pessoas, Sam. São iguais em todos os lugares. Tenho certeza de que, quando Deus fez os seres humanos, ele as desenvolveu a partir de uma fórmula fixa. Seriam o mesmo aqui na Terra e até onde alcançarem no espaço. Pessoas em Marte? Onde quer que pudessem existir, seriam o mesmo. Você está vendo uma espécie frágil, com duas pernas e com cabeças muito pequenas chamado de humano. Warren Marcusson, 35 anos. Samuel A. Conrad, 31 anos. Vamos nos preparar, Sam. Temos poucas horas. Eles estão viajando para o espaço, se libertando, e lançando seus dedos pequenos ao desconhecido. O destino é Marte e logo aterrissaremos com eles lá. Marcusson? Marcusson? Você está bem? Marcusson, o que... Marcusson. Pode desistir de qualquer aterrissagem, lembra? E a nave? A pressão do ar está boa e as luzes funcionando. Não tive tempo de checar mais nada. Descanse um pouco. Temos muito tempo. Muito tempo? Está bem. Está bem. Veremos. Sam? Sam! Oi. Por quanto tempo dormi? Algumas horas. Estava precisando. Conrad, vamos fincar a bandeira. Vá devagar. Temos muito tempo. Viajamos 56 milhões de quilômetros! Algumas horas não farão diferença. Não vai conseguir abrir. O hidráulico está desligado. Bote no auxiliar. Podemos abrir. Não podemos. Vou consertar. Vou botar no auxiliar. Então poderemos abri-la. Farei isso agora. Eu abro. Marcusson, você tem que ir devagar. -Abra a porta, Conrad. -Já disse que a porta... Mentiroso! Você consegue abrir a porta! Por que, Sam? Por que não abre? Não quero abrir. Por que não? Por que... O que houve com sua mente científica,Conrad? Pensei que a tivesse trazido. Por que veio junto, então? Quero sair. Quero que abra a porta. Pode trancar depois. Só me ajude. É tudo o que peço. Por favor, me ajude. Sam, estou machucado por dentro. Acho que estou com sangramento interno. Escute, Sam. Não quero morrer aqui dentro. Quero ver pelo que estou morrendo. Pode me levar para fora? Me leve para fora. Marc, por favor! -Por favor! -Não tenha medo, Sam. Estou com um mal pressentimento. Se tiver alguém lá fora, eles te ajudarão. Se tiverem cérebro e coração, significa que têm alma, o que faz deles pessoas, e pessoas são iguais. Elas são propensas a serem iguais. Pelo amor de Deus! Não me deixe sozinho, Marc. Não me deixe sozinho! O que quer que esteja lá fora é como nós. Bem, não sei disso! Não quero saber. Não quero saber, não quero saber, não quero saber! Vocês são pessoas. São como eu, com rosto, corpo... Tudo. Vocês são como eu! Me perdoem. Não fiquem com medo. Meu nome é Sam Conrad. Samuel Conrad. Entenderam o nome? Meu amigo e eu viemos da Terra. Olhem, vou mostrar. Essa é a Terra. Somos o terceiro planeta do sistema solar. Esse planeta é o de vocês. De onde venho, ele se chama Marte. O outro morreu. Não se assuste, sr. Conrad. Também não lhe faremos mal. Imaginávamos quando iria sair. Estávamos esperando há horas. Como sabem a minha língua? Não sabemos, sr. Conrad. Como verá em breve, o senhor está falando a nossa língua. Sua língua? Transferência inconsciente; um tipo de hipnose. Deve estar cansado. Vamos preparar um lugar para descansar. Estou muito agradecido. Perdoe-me ficar encarando. Não consigo me acostumar. Digo, vocês são humanos como eu. Pessoas. Marcusson disse que seriam. Marcusson... Sr. Conrad? Enterraremos seu amigo para o senhor. Mais tarde pode nos dizer como prefere a lápide. Também consertaremos sua nave. Obrigado. Você estava certo, velho amigo. São pessoas. Assim como nós. Queria que estivesse vivo para ver isso. Tenho tantas perguntas. Quero saber tanta coisa sobre a civilização, a estrutura social, o modo de viver, a ciência... Tantas perguntas. Milhares. Responderemos suas perguntas, sr. Conrad, mas primeiro deve descansar um pouco enquanto preparamos um lugar onde se sentirá em casa. Voltaremos logo. Senhorita? A senhorita tem um nome, não tem? Me chamo Teenya. Bem, Teenya, pode dizer aos outros que estou muito agradecido? Eu estava apavorado, muito apavorado. Não tenha medo, sr. Conrad. Ninguém irá machucá-lo. Ninguém irá machucá-lo. Tem que acreditar nisso. Obrigado, Teenya. Obrigado. Até mais, sr. Conrad. -Bom dia. -Descansou bem, sr. Conrad? Muito e bem. Posso ver a cidade e as outras pessoas? Logo. Antes, temos uma surpresa, uma surpresa muito agradável. Mesmo? Queira nos acompanhar, por favor? Claro. Onde estamos indo? Essa é a surpresa, sr. Conrad. A senhorita vem? Vou, sim. Isso é uma casa marciana? É assim que vivem? A nossa é bem diferente. Construímos essa à noite porque imaginamos que seu povo viva assim. É uma réplica perfeita... Perfeita. Uma televisão! Os móveis, a cortina... Tudo! Como construíram tão rápido? Como sabiam? Da sua mente. Pensa com clareza, sr. Conrad, com muita clareza. Tem ideias muito fortes. Gostaria de ver o resto da casa? Claro. É fabulosa. Realmente fabulosa! Queríamos que se sentisse em casa, sr. Conrad. Se sente assim? É inacreditável. Obrigado. Se importa de ficar aqui por pouco tempo? Disse que queria conhecer a cidade e as pessoas. Vamos sair e preparar isso. Isso é maravilhoso. Querem que eu fique aqui? Se importa? Seria um prazer. Que bom. Por pouco tempo. Divirta-se, sr. Conrad. Aproveite a casa. Vou mostrar a saída. Afinal, é minha casa. Teenya? Vou vê-la de novo, não vou? Claro que vai, sr. Conrad. Se for uma ilusão, posso viver com isso. É o melhor uísque que já bebi. Ei! Vocês me trancaram! Qual é o problema de vocês? Estou trancado! O que foi? Não tem janelas! Não tem janela em lugar nenhum! Por que estão fazendo isso? Por quê? Por que me trancaram aqui? Por que estão me olhando desse jeito? Criatura da Terra em seu habitat natural Marcusson! Marcusson, você estava certo. Você estava certo. As pessoas são iguais. As pessoas são iguais em todos os lugares. Espécie de animal trazida viva. Características físicas e semelhantes a humanos, como cabeça, tronco, braços, pernas, mãos e pés, cérebros pequenos e pouco desenvolvidos, vem de um planeta primitivo chamado Terra, se auto-nomeia Samuel Conrad, e permanecerá nessa gaiola com água corrente, eletricidade e aquecedor pelo resto da vida. Samuel Conrad encontrou o além da imaginação. Tradução: Fernanda Cruz