Imaginem um mundo onde as pessoas se entendem. Elas dialogam umas com as outras e elas aprendem a se compreender. Nesse mundo, as diferenças são vistas sem desconfiança. As diferenças não precisam ser atenuadas, pra que se atenuem conflitos. Ao contrário, as diferenças somam, elas são valorizadas. Quando eu olho pra uma pessoa diferente de mim, eu olho com muita atenção, eu escuto essa pessoa, e de repente eu começo a perceber que, além da diferença, tem também a semelhança. Eu e ela também somos iguais. Eu sou você. Imaginem esse mundo, e eu digo pra vocês que esse mundo existe. Esse mundo existe, mas nós precisamos reaprender a dialogar. Se a gente quer mudar o mundo, é fácil acreditar que a gente vai ter uma grande ação, ou uma pessoa vai falar alguma coisa muito diferente. Talvez vocês já não acreditem mais nisso, e eu acho bom. Talvez seja muito melhor a gente acreditar que o mundo vai mudar a partir de pequenas ações, que muita gente vai fazer. Então vamos começar pequenininho? Vamos começar pela nossa comunicação? Comunicação uns com os outros. Comunicação é uma coisa muito importante. Através da comunicação, por exemplo, a vida acontece. Se não tivesse uma boa comunicação, as células não se nutririam no sangue. Então, a gente diz que a comunicação cria mundos sociais. Nós podemos criar mundos sociais bons, ou muito ruins. Sabe aquelas situações em que você entra numa comunicação com uma pessoa toda travada, toda ruim, e depois você demora um século pra poder desfazer aquele mal-entendido? Ou a gente pode criar uma outra coisa. Que tipo de comunicação a gente precisa pra criar o mundo social que a gente quer? Falando ainda de comunicação, tem uma outra coisa importante. É a questão do significado. Eu acho que vocês já sabem que as pessoas atribuem significados diferentes aos mesmos dados, aos mesmos fatos. A mesma coisa acontece, e eu vejo de um jeito e o outro vê de outro jeito. Então, como é que a gente vai conviver, se cada um vê as coisas de um jeito? Essa é a questão da comunicação. Eu digo pra vocês que existe uma conversa, uma conversação na comunicação, que é capaz de resolver essas situações de isolamento ou do problema do significado. Essa conversa a gente acha que a gente sabe fazer e que a gente faz muito; mas na verdade a gente não sabe tão bem e faz muito menos do que pensa. É o diálogo. O diálogo é uma palavra usada de uma maneira muito imprecisa. A gente chama, por exemplo, de diálogo as conversas entre os israelenses e os palestinos, as conversas entre os empregadores, os empresários, e os sindicatos, as conversas, por exemplo, entre o pai e o filho, o filho que quer ir na balada, ou o pai, e devia ter um diálogo e não é. Então, vamos ver exatamente: vocês sabem o que significa a palavra "diálogo"? "Diálogo" vem de "dia" e "logos". "Dia" não é "dois"; "dois" é "di". "Dia" significa "através". Por exemplo, o diâmetro de um círculo, a linha que passa através do círculo. Ou uma cortina diáfana, a luz passa através dessa cortina. E "logos"? "Logos" significa muitas coisas. "Conhecimento", "palavra", "razão". Mas aqui nos interessa é que "logos" significa "sentido", "significado". Então, "dia" e "logos", um significado que atravessa. Bom, na maior parte das nossas comunicações, o significado não atravessa, ele não entra completamente; a gente fica num nível de comunicação que é baseado nos estereótipos ou nos preconceitos. Então alguém fala alguma coisa, eu já estou julgando aqui a priori o que essa pessoa falou, antes de saber direito qual é a conexão que essa pessoa tem com isso. Vou dar um exemplo. Eu digo pra vocês que eu sempre gosto de ser pontual. "Nossa, que cara chato!" "Ih, meu Deus do céu, não queria ser filho dele." "Ah, eu também gosto de ser pontual." Esse nível é um nível da "persona". A gente julga as coisas que a gente recebe na comunicação de uma maneira muito superficial, de acordo com a nossa experiência passada. Mas não está claro, não atravessou ainda o significado da pontualidade para mim. Então vocês podem me perguntar: "Pô, mas por que você faz tanta questão de ser pontual?" Eu vou responder pra vocês. Na faculdade, eu era o cara mais atrasado que vocês podiam conhecer. Marcava às nove horas, eu chegava às nove e meia. Ou dez. Por quê? Porque quando eu chegava na hora, eu sempre tinha que esperar, todo mundo chegava atrasado, então falei: "Bom. Eu não quero ficar esperando", então me acostumei. Mas aí eu fui morar num outro país. E nesse outro país as pessoas eram pontuais. Você marcava às nove horas, ninguém chegava nem nove e cinco, nem cinco pras nove. Era às nove. Levei muita bronca! Porque eu chegava atrasado. Mas aí depois eu comecei a chegar na hora, e percebi uma coisa muito interessante: que era muito bom! Às 15 pras 9 eu estava falando com alguém que eu queria, estava cuidando de algum outro assunto, qualquer coisa que eu quisesse. Saía, ia pro lugar, 15 minutos na época dava pra chegar em qualquer lugar, não tinha esse trânsito maluco, mas eu estava no lugar às nove, as pessoas estavam lá às nove. A vida rendia. Maravilha. Pontualidade me faz bem. Então, deixa eu perguntar pra vocês: compreenderam o sentido da pontualidade pra mim, agora? O sentido atravessou? Vocês entendem, de fato, o que a pontualidade é para mim? Muito bem. Isso obriga vocês a serem pontuais também? Imagino que não. Muitos de vocês devem ter ideias diferentes a respeito da pontualidade. E o diálogo é isto: é apenas entender o que é o significado de alguma coisa pra pessoa. Pode ser diferente do meu, mas eu compreendo essa pessoa, eu sou capaz de compartilhar o significado com ela. Alguém poderia dizer: "Olha, pontualidade, comigo, não, Sabe por quê? Meu pai era muito rígido. Se a gente chegasse muito atrasado, era um caso. Então eu não gosto de ser controlado pelo relógio". Faz sentido, não faz? Igualmente. Então, ambos têm razão. Quem é que tem mais razão? Essa é a tentação. É querer discutir pra saber: quem tem mais razão, o pontual ou o não pontual? Os dois têm a mesma razão. Então o diálogo é um tipo de conversa onde os significados diferentes podem ser compartilhados e eles não precisam mudar um por causa do outro. Podem mudar! Mas não precisam mudar. Na verdade eu não estou querendo dizer pra vocês que diálogo é a coisa mais importante do mundo, e é uma panaceia pra todos os males. Não é assim. Existem outras conversas que também são importantes. Por exemplo: uma discussão. O que é uma discussão? É quando eu entro num lugar... Por exemplo, eu sou de uma empresa que está precisando fazer um planejamento estratégico ou uma política pública no governo, mas a gente tem que ver várias possibilidades, analisar essas possibilidades, e então escolher a melhor delas. Essa é uma conversa de discussão. Perfeito. Maravilhoso. Precisamos da discussão. Mas o que eu vejo acontecer é que a gente está tão formatado e tão condicionado a discutir, que quando falo: "Eu sou pontual", o outro diz: "Ah, mas isso não é legal!" Como se só houvesse uma verdade. Então eu acho que a gente discute demais. A gente precisa aprender a usar a conversa certa na hora certa. O debate, por exemplo. É outra conversa importante. Debate é aquilo que a gente vê acontecendo na televisão, quando existem os políticos, que vão lá pra ganhar o seu voto. Então, como se entra num debate? A gente entra pra ganhar. Eu não entro lá pra dizer que o programa político do meu concorrente é melhor do que o meu. Eu entro pra ganhar. Mesmo isso tem um lugar. Então, se eu estou armado e vem alguém, bom, muito bem, se essa pessoa me desarma, está bem. Então eu uso o debate, que é uma conversa de destruição, pra desarmar. Aikidô, por exemplo. Tudo tem seu lugar. Então eu não quero dizer pra vocês que o diálogo é tudo, mas o que eu quero dizer é isto aqui. Existem três pilares de conversação na nossa civilização: o debate, onde eu entro pra vencer; a discussão, onde eu entro pra analisar; e o diálogo, onde eu entro pra estabelecer a conexão pras pessoas. O que acontece na nossa sociedade é que, se esses três pés fossem os pés de uma mesa, essa mesa estaria completamente torta. Nós fazemos muito mais debate, muito mais discussão, do que o diálogo, que é a conversa que nos conecta uns com os outros. Estamos muito desconectados. A gente acha que a gente está conectado, mas a gente nunca esteve tão desconectado. Basta você, que frequenta, talvez, o Facebook, ver o que acontece quando as pessoas postam alguma coisa a respeito de política ou alguma coisa a respeito de religião, sejam quais forem esses assuntos polêmicos. Então, essa desconexão, a conversa que resolve essa desconexão é o diálogo. E, pra mim, as pernas desta mesa estão completamente tortas, assim, desequilibradas. Então você quer fazer um bom diálogo? O que você precisa pra recompor a conexão com as pessoas? Três condições. A primeira condição é igualdade. Bom, pais e filhos, professores e alunos, chefes e funcionários... Se a gente parte pro diálogo já desigual, achando que um sabe mais do que o outro, ou que pode falar mais do que o outro, não vai ter diálogo. Agora, a igualdade que eu estou falando é esta aqui, ó. Tem duas concepções. Uma é aqui do lado esquerdo. Tem um jogo lá de futebol, o Tinga está lá jogando, e todo mundo querendo olhar, mas tem um grandão, um médio e um pequenininho. E três caixotes. O grandão não precisa do caixote, o médio, mais ou menos, e o pequenininho, não adianta um caixote pra ele. Mas a gente vai ser rígido e vai dar igualdade pra todos, OK? Um caixote pra cada um. Não resolve. Mas olha que outra distribuição criativa que existe aqui. A gente tem o grandão, que não precisa do caixote, o médio que precisa de um e o pequenininho que precisa de dois. Então na hora de fazer o diálogo, a gente precisa colocar as pessoas em posição de igualdade. É dessa igualdade que eu estou falando. A segunda condição pra falar do diálogo é ouvir. Ouvir com empatia. Ouvir é muito interessante, todo mundo diz que falar é ativo e ouvir é passivo. Eu pergunto pra vocês: vocês já tentaram falar alguma coisa pra alguém que não está a fim de escutar? Então, essa que é a força do ouvir. Ouvir dá força pro falar. Aquilo que eu estou falando está sendo alimentado por vocês estarem ouvindo. A gente diz no diálogo que a pessoa que ouve é muito mais importante do que a pessoa que fala. Porque a energia está lá. E a empatia? Empatia é assim: eu vou me colocar no lugar do outro. Puxa, parece fácil. Pra fazer isso, eu preciso me esvaziar das coisas que eu tenho no meu mundo, dos meus julgamentos, minhas experiências, pra poder entrar no mundo do outro pra entender ele do jeito dele, não do jeito que eu sou. Cada um é um, cada mundo é um mundo diferente. Então, se eu entendo o outro nos termos dele, eu vou, compreendo, vejo um monte de coisas, às vezes nem preciso falar pra ele ou ela certas coisas, as coisas que eu vejo, porque talvez sejam ameaçadoras. Mas eu volto pro meu mundo. Bom, se eu vou pra lá, estou inseguro no meu mundo, não consigo ver a verdade dele porque ameaça a minha, não tem empatia. Pessoas inseguras não conseguem ter empatia. Elas não conseguem ver a verdade do outro, então, em vez de empáticas, elas se tornam fanáticas. Elas se tornam fundamentalistas. Quanto mais diferença você vê no outro, mais você precisa afirmar que a única verdade é a sua. Então, perceba como é importante saber a empatia, praticar a empatia. E a terceira coisa é falar dos pressupostos. Pressupostos é assim: quando eu falei da pontualidade, eu falei dos meus pressupostos. São as minhas crenças, as minhas experiências que fazem com que eu acredite naquilo que eu acredito. Então, tem situações em que não dá pra falar dos pressupostos. Por exemplo, o chefe que quer que o empregado faça a coisa do jeito que ele quer sem nem dizer por quê. Então, se não tem possibilidade de falar dos pressupostos, não tem diálogo. Detalhe, ou coisa muito importante: antes de ficar criticando os pressupostos do outro, deixa eu olhar primeiro pros meus. Isso é uma lição de humildade. Então... o diálogo é essa conversa que consegue recompor a conexão social. Compartilhar o significado, não o fato, não a informação, é aquilo que faz a gente ser uma sociedade unida, um grupo unido, uma escola unida. É o significado, não são os fatos, a gente compartilhar esses significados. Vocês, jovens, têm a oportunidade de estarem com uma conexão como nunca existiu na história. Então, é a grande oportunidade de vocês fazerem uma conversação que una as pessoas e que revele a conexão que acontece entre vocês. O diálogo não cria conexão. O diálogo revela. Nós já estamos conectados, só que a gente não sabe. A gente fica pensando em coisas exteriores, então poder, status, seja lá o que for, e não olha pra conexão que acontece espontaneamente dentro de nós. Essa conversa que libera a conexão espontânea é o diálogo. Então pratiquem o diálogo, até nas redes sociais, em todo lugar. Procurem compreender o outro, entrar no mundo do outro. Não tem certo e errado no diálogo. No diálogo tem "eu compreendo" ou "eu não compreendo". E eu vou me despedir de vocês com esta fala de um poeta persa do século 13, o Rumi: "Para além das ideias sobre o certo e o errado, tem um território. Eu me encontro com você lá". Obrigado. (Aplausos)