O que nós sabemos e o que já vivemos nos tornam quem nós somos hoje. As nossas perguntas, aquelas para as quais estamos buscando respostas, nos tornarão quem nós seremos amanhã. A curiosidade é o que está por trás dessas perguntas. E a curiosidade é algo que descobri desde que comecei a fazer pesquisa lá no ensino médio. Só que demorou algum tempo e foi preciso que eu atravessasse um oceano, literalmente, pra entender o poder disso. Durante o ensino médio, eu fiz pesquisa, estudei numa escola que se chama Fundação Liberato, que fica relativamente próxima daqui. Lá, fazer pesquisa científica é uma verdadeira tradição, então todos os alunos fazem pesquisa. Desde o primeiro ano naquela escola, eu comecei a fazer projetos científicos. Meu primeiro projeto, junto da Viviane e da Gabriela, duas colegas do curso técnico, era lá por 2007 e a gente escutava muito falar de aquecimento global e dos gases que causavam efeito estufa e nós estávamos preocupadíssimas com isso. Afinal, será que nossa escola, as atividades escolares que a gente fazia ali, contribuíam pro aquecimento global? E aí, a gente fez nosso primeiro projeto, que foi calcular matematicamente e com muita coleta de dados, o quanto a nossa escola emitia de gás, de dióxido de carbono, durante suas atividades escolares; e o quanta absorvia, porque dentro da escola havia uma plantação de eucalipto. Era uma conta matemática, somava e subtraía ali, e a gente descobriu que o saldo era positivo. A escola absorvia mais gás do que emitia, isso era ótimo pro meio ambiente. A gente fez esse projeto, apresentou nas feiras de ciência... e não ganhamos nada. Mas, tudo bem. A gente foi pra próxima etapa, que era fazer um novo projeto. Por conta das plantações de eucalipto, a gente percebeu que nada crescia em volta das árvores de eucalipto. E aí nosso segundo projeto foi criar um herbicida natural com folhas de eucalipto. O que a gente fazia, basicamente, era misturar as folhas de eucalipto com água, criar um extrato que conseguia impedir o crescimento de ervas daninhas. E aí a gente de novo foi pra uma feira de ciências, mostrou esse projeto e não ganhamos nada. Mas tudo bem, a gente estava aprendendo muito com esse processo. E aí, no terceiro ano, já não era mais obrigado a fazer projeto, mas a gente gostava tanto daquilo, de ir pras feiras e não ganhar nada, que fazia muito sentido continuar. E aí a gente queria fazer algo mais desafiador, já era nosso terceiro projeto. Decidimos mudar completamente de área, talvez a "zica" fosse por estarmos trabalhando com o meio ambiente, então vamos pra área da saúde. E aí a gente decidiu criar um curativo com nanopartículas. Por uma história familiar, eu já conhecia um pouco do processo de amputação. A ideia era criar um curativo que pudesse ser utilizado no pós-operatório de amputação e reimplante de membros. Basicamente o que a gente fazia era colocar nesse tecido algumas nanopartículas que tinham efeito antimicrobiano, então impediam que bactérias e fungos se proliferassem, e outra que tinha efeito isolante térmico, assim aqueceria a pele e aumentaria o fluxo sanguíneo. De novo a gente foi com esse projeto pra uma feira. E a gente não ganhou nada. Mas depois a gente foi em outra e começou a conquistar alguns prêmios. Um pouco dessa experiência me levou pro quarto projeto, que é, basicamente, uma continuação desse terceiro. Depois de estudar tanto sobre o processo de amputação e reimplante de membros, percebi que a maior parte das amputações ocorriam em pessoas com diabetes, geralmente em membros inferiores, porque essas pessoas desenvolvem alguns problemas típicos, que a gente chama de pé diabético. E a ideia foi usar aquele mesmo tecido pra criar uma meia que pudesse tratar o pé diabético. Por conta desses projetos, eu vivi experiências que foram incríveis. Comecei a conquistar alguns prêmios e isso me ensinou muito. Mas, basicamente, vamos pensar como é que ocorrem esses projetos, como é que eles surgem, como é que os cientistas trabalham. E aí eu queria que vocês fechassem os olhos e pensassem em uma fase da vida de vocês, maravilhosa. Isso, a puberdade, podem abrir os olhos. A puberdade é uma fase maravilhosa, um caos da fisiologia. E na puberdade, a gente usa muito o método científico. Imaginem vocês lá pelos 13 anos quando se olhavam no espelho e de repente notavam um ponto vermelho bem no meio da testa. Era uma espinha. Os cientistas começam justamente por aí, pela observação e aí eles identificam o problema. Esse definitivamente é um problema. No final de semana você tem uma festa e, poxa, ninguém quer levar espinha na festa. E aí você parte pra hipótese. E a sua hipótese talvez seja de que você consegue remover essa espinha usando as mãos. E aí o cientista parte pra próxima etapa, que é o planejamento e execução de algum experimento. Você vai na frente do espelho e espreme a sua espinha. E aí a gente vai pro resultado. O resultado foi péssimo: sua espinha agora é visível a 10 metros de distância. Antes de você chegar na festa, ela vai chegar antes e dar "oi" pra galera. E aí a gente vai pra conclusão, que é a etapa final. Mas, na verdade, nunca tem fim, porque sempre, na ciência, quando você chega a uma conclusão isso te traz muitas outras perguntas. Basicamente então, a gente começa com a observação, e a gente encontra um problema. Cria uma hipótese, planeja e executa um experimento que traga resultados, uma conclusão e de novo novas perguntas. Eu aprendi muito quando fazia pesquisa; mas eu ainda não havia aprendido o que existia de mais especial e essencial em ser cientista. E foi preciso que eu fosse pra Israel pra conseguir enxergar isso. Em 2013, eu fui selecionada pra ir pra Israel, pra um intercâmbio de pesquisa de cinco semanas, no Instituto Weizmann, que é um dos maiores institutos de pesquisa do mundo. E eu estava lá, no meio de mais 80 jovens do mundo todo, todos prestes a entrar na universidade. E eu fui colocada pra trabalhar com a minha mentora, que era uma neurocientista chamada Hila Harris. Com ela, o que eu estava fazendo, basicamente, era tentar compreender algumas funcionalidades do cérebro. Eu sempre chegava pra ela e perguntava: "Hila, o que a gente vai conseguir resolver quando entender o que o teu projeto quer desvendar. Qual problema a gente vai resolver?" Ela falava "Kawoana, eu não sei pra que isso vai servir". Eu ficava tão frustrada com aquilo, porque na minha vasta experiência de cientista ao longo de todo meu ensino médio, eu achava que cientistas eram pessoas que usavam o método científico pra resolver problemas. Na verdade não era nada disso. Num jantar com o presidente do instituto, ele nos disse que lá naquele instituto os cientistas eram selecionados pelo seu grau de curiosidade. Curiosidade era a palavra. Não importava para o que serviria seu projeto, o que importava era o quão motivado ele estava a responder alguma pergunta. E eu nunca havia parado pra pensar dessa forma. Eu sempre pensava para que serviriam os projetos que eu estava fazendo. Mas, quando você trabalha motivado pela sua curiosidade, pra responder algumas perguntas pras quais a gente ainda não tem resposta, você vai além das fronteiras do conhecimento, porque você não estava prevendo aquele resultado e geralmente os resultados que a gente não prevê são grandiosos. Assim, com muita frequência, problemas reais são resolvidos por meio do resultado dessas pesquisas que surgiram da mera e genuína curiosidade dos cientistas. Então curiosidade parecia ser a palavra-chave desse processo. Mas não é qualquer curiosidade. Tem uma frase do Eça de Queiroz que diz: "Curiosidade é o instinto que leva alguns a olharem pelo buraco da fechadura e outros a descobrirem a América". Então, isso parecia me dizer que havia perguntas que mereciam ser feitas. E é sobre esse olhar de cientista, sobre esse olhar curioso, que eu gostaria de falar com vocês. Quais são as perguntas que vocês querem responder? E pra resgatar esse olhar é preciso voltar um pouco a ser criança. As crianças são sempre cheias de perguntas. Afinal de onde vêm os bebês? Afinal por que o céu azul, por que eu tenho que dormir a essa hora e por que eu tenho que ir pro banho? As crianças são sempre cheias de perguntas, mas quando a gente se torna adulto a gente passa a ser cheio de certezas. A gente acha que a gente sabe quem a gente é e como o mundo funciona. E a gente esquece de fazer perguntas. E aí a gente esquece que ser cientista é querer quebrar paradigmas; ter uma curiosidade que seja genuína e uma vontade de mudar o mundo. Quando a gente liga a TV, abre as redes sociais, o jornal, todos os dias, o que a gente olha é um mundo cheio de certezas, de fatos: os políticos no Brasil são corruptos, a saúde pública no Brasil não funciona, e a educação pública é péssima; você tem que cuidar quando sai na rua porque está tudo tão violento. E a gente esquece que a certeza nos deixa na nossa zona de conforto e que é nas perguntas que a gente cresce. Se a gente fosse mais cientista, se cada um aqui se enxergasse como cientista, a gente ia esquecer as certezas e fazer perguntas. Afinal, como eu consigo melhorar a educação no nosso país? Será que, se eu reduzir as desigualdades sociais, eu consigo interferir na violência urbana? Então ser cientista é trazer mais perguntas pro jogo. E é sobre essas perguntas que eu gostaria de compartilhar com vocês as minhas perguntas atuais Porque desde que comecei a fazer pesquisa, eu comecei a ser mais inquieta. Eu descobri que eu podia ser protagonista, e que de todos esses problemas que a gente enxerga no jornal, eu poderia escolher um, aquele que talvez fizesse meu coração bater mais forte e tentar criar uma pergunta, assim traçar um experimento, chegar a algum resultado e talvez mudar um pouco da realidade. Dessa forma surgiu um projeto chamado Cientista Beta. Eu fiz pesquisa durante todo meu ensino médio, e depois de algum tempo, eu já não sabia muito o que fazer daquela experiência, que não fosse simplesmente contar pras pessoas que eu tinha feito aquilo. Eu tenho um pai em casa que sempre falava que eu tinha que escrever sobre aquilo, falar pros jovens que eles poderiam viver aquilo, havia tantos jovens que não sabiam que poderiam fazer aquilo. Dentro de mim tinha uma pergunta que fazia meu coração dormir todos os dias apertado, que era o que eu posso fazer com tudo isso que eu vivi. Será que é possível transformar a vida de outros jovens, como a minha foi transformada? Uma vez que você é cientista, que você tem uma pergunta, você tem duas escolhas: ou você coloca ela na gaveta e esquece, ou você vai fazer um experimento. E assim surgiu uma iniciativa que se chama Cientista Beta, que conecta os jovens brasileiros com a ciência. O que a gente faz é, com grupo de pessoas muito engajadas e muito comprometidas, a gente conecta o jovens que estão no ensino médio a projeto científicos. A gente estimula que esses jovens passem a olhar o mundo com um olhar curioso de um cientista. A gente fala que eles podem ser inquietos e não há problema, isso é ótimo. Que aqueles problemas que eles enxergam no mundo ao seu redor podem ser resolvidos e que eles podem criar um projeto científico pra propor algum tipo de solução. O que a gente faz é oferecer um conteúdo sobre como fazer pesquisa, mentores do país todo que já fizeram pesquisa e passam a acompanhar esses jovens, e desafios. Assim eu acabei, de alguma forma, respondendo um pouco dos meus questionamentos. Aquela pergunta que ficava apertada agora tinha uma resposta: sim. Fazer um projeto científico durante o ensino médio, ter o olhar de um cientista, pode mudar a vida desses jovens e está mudando a vida de jovens brasileiros. Eu consigo ver no futuro, o quanto isso pode transformar um pouco da nossa realidade na educação, no nosso país. O quanto esses jovens, mais do que criarem projetos, o que a gente está criando são jovens que criam projetos e criam soluções. Jovens que são mais protagonistas e que se enxergam como parte não do problema, mas da solução. Mas como eu sou cientista e pra mim o que importa são as perguntas, a pergunta que hoje está dentro de mim é: o que de grandioso esses jovens ainda vão fazer? Como eles ainda vão nos surpreender? E pra vocês, eu queria perguntar qual é a pergunta que move vocês? É sobre ter um novo olhar, é sobre a nossa própria existência. Qual é a pergunta que dorme e acorda com vocês todos os dias? Será que você está dando vazão pra essa pergunta, criando um experimento, que te traga algum resultado uma conclusão, e de novo novas perguntas? Em 2010, depois daquela sucessão de eventos de fazer um projeto, ir pruma feira, não ganhar nada, fazer outro projeto, ir pruma feira e de novo não ganhar nada, chegou um momento em que eu saí do placar zero, que era ir pruma feira e não ganhar nada, e aí eu consegui conquistar uma vaga na maior feira de ciências do mundo, que acontece nos Estados Unidos. E estar lá, representando meu país, transformou completamente a minha vida. E eu lembro que eu estava entrando na feira, primeira vez nos Estados Unidos, primeira vez num evento internacional, primeira vez indo mostrar o que eu estava fazendo, pra pessoas que falavam outra língua. E aí eu entro na feira e tem uma placa bem grande escrita: (Inglês) "Welcome to tomorrow". Bem-vinda ao amanhã. E aí eu entendi que toda aquela minha busca pelas respostas, enquanto eu fazia projetos, me fizeram construir um amanhã que não existia. Então, o que eu posso deixar talvez seja vocês pensarem qual é o amanhã que vocês querem construir. Escutem as perguntas que estão dentro de vocês. Pois quando a gente busca essas respostas, a gente constrói um futuro que ainda não existe e vai além das fronteiras do que a gente conhece. A gente cria um mundo melhor, ou ao menos nós nos tornamos pessoas melhores. Afinal, o que nós somos e o que já vivemos, o que sabemos nos torna quem somos hoje. E são as perguntas, aquelas para as quais nós estamos incessantemente buscando respostas, que nos tornam quem nós seremos amanhã. Muito obrigada. (Aplausos)