Eu acredito que existem momentos que marcam a nossa vida. Tem várias fases da vida em que a gente vai vivendo o dia a dia, Porém, tem alguns momentos que acabam tendo um peso maior que outros. e é claro que cada experiência que a gente tem marca a nossa vida. as coisas vão passando, Eu acho que um dos momentos mais importantes da minha vida aconteceu quando eu era bem pequeno. Eu tinha cinco anos. E o que ocorreu foi que eu me apaixonei. Na verdade, eu encontrei pela primeira vez meu mestre, o mestre Lama Gangchen Rinpoche, a quem eu tenho profunda gratidão. Eu acredito ser extremamente afortunado nesta vida por poder ter encontrado e ter vivido e ainda viver e encontrar pessoas que foram, e ainda são, um grande exemplo daquilo em que eu quero me tornar. E esse encontro fez com que eu, devagarzinho, colocasse algumas perguntas na minha cabeça. Fizesse perguntas, questionamentos... Claro que não foi uma coisa de um dia pro outro. Eu sou e sempre fui uma pessoa interiormente lenta, no sentido em que eu penso, eu não sou uma pessoa que conversa muito, eu tenho os meus processos interiores, mas quando eu tomo uma decisão ela é bastante estável. E o que aconteceu foi que durante esses anos, entrando em contato com uma pessoa tão incrível pra mim como foi, e como é ainda, o Lama Gangchen Rinpoche, eu comecei a me colocar uma pergunta. O que eu estou fazendo? Eu venho de uma família onde tive uma educação religiosa, da parte da família do meu pai, judia, por parte da minha mãe, cristã, presbiteriana, meus pais sempre muito abertos. O que aconteceu foi que a pergunta não tinha a ver com a religião em si, mas era: "O que eu estou fazendo aqui?" Eu tinha uma vida ótima em São Paulo. Boa família, ótimos pais, grandes amigos, primos, família, escola. Estava tudo ótimo. Não tinha nada que eu pudesse reclamar da vida que eu tinha. Mas a pergunta que estava sempre lá era: "Aonde eu estou indo?" Estudo matemática, geografia, português, inglês, estudos sociais, aquilo que a gente sabe muito bem. E a pergunta que eu me fiz foi: "Estudo tudo isso pra quê?" A única resposta que eu encontrei na época... hoje acho que eu teria uma resposta bem diferente, não tanto, mas um pouco diferente. Mas a única resposta que eu encontrei na época foi: "Estudo tudo isso pra terminar a escola, ir pra uma universidade, me formar, e, se tudo der certo, pra que eu consiga um trabalho que eu goste e ganhe bem". E eu falei: "É..." Só que comecei a observar à minha volta, nos encontros de família, olhando pra pessoas à minha volta, tentando observar o mundo adulto à minha volta, eu tinha uns 11 anos na época. E eu observava, cada vez que estava perto dos adultos conversando, eu escutava as conversas, e eram principalmente o quê? Reclamação. Dificilmente eu via alguém satisfeito, feliz. Eu via muitas pessoas que materialmente tinham muito, ótima educação, bons trabalhos, mas, poderia dizer talvez, pouca satisfação. E cada vez que eu via meu mestre, eu via, como ainda é hoje, uma pessoa extremamente saudável interiormente, exteriormente, feliz, satisfeita, alegre. Eu vivo com o meu mestre até hoje, são quase 30 anos que eu o conheço, e em nenhum momento eu ouvi ele reclamar ou falar mal de alguém. E o que aconteceu nesse processo foi que eu falei: "É isso que eu quero ser! Ele é o meu exemplo!" Uma vez eu estava num jantar de família em Nova Iorque, com a parte judia, em um casamento, e uma pessoa da família me perguntou: "Mas por que você não se tornou um rabino? Talves estivesse mais perto da sua cultura, não?" Eu falei: "A razão, o que eu acredito, é porque o exemplo de vida que encontrei foi de um mestre budista". Foi o que me levou a isso, né? Antes de começar a falar um pouco sobre qual é o sentido da vida pra mim, aonde tudo isso me levou, que no final das contas, sim, acabei seguindo os passos do meu mestre, ou seja, eu fiz uma decisão que não era conceitual, ela vinha de dentro, ela fazia sentido pra mim, que foi: "Eu quero seguir os passos que essa pessoa, esse meu mestre, fez". Então, com 12 anos fui pra Índia estudar num monastério, eu que nunca fui bom aluno, nunca gostei de estudar, estava lá, tendo que estudar, acordando às 5h30 da manhã, começando as preces, começando a estudar das 7h da manhã às 11h da noite. Vida de monastério é pra quem gosta. Vida no monastério é um pouco como, digamos, estar no exército, com um objetivo um pouco diferente, muita disciplina. No monastério em que eu vivi eram mais de 4 mil pessoas, era uma estrutura muito grande. Mas foi algo maravilhoso. Acho que a melhor educação que eu poderia ter recebido, eu recebi lá. Mas no primeiro ano que voltei pro Brasil depois de ter ido pro monastério, minha avó me levou pra um encontro que pra mim foi muito importante, com uma pessoa por quem eu tenho uma grande estima, o rabino Nilton Bonder. De certa forma, fazendo uma piada disso, minha avó deve ter pensado: "O que aconteceu com meu neto? Com 12 anos foi pra um monastério, vamos conversar com o rabino". E aconteceu que, quando eu cheguei pra encontrar o rabino, tinha a ver com o fato da idade, na tradição judia, fazer "bar mitzvá", como era, como não era, eu estava no monastério, complicada a coisa. Eu sentei pra conversar com o rabino, e a primeira coisa que ele disse foi uma frase que me marcou muito: "Se eu sou eu porque você é você, e se você é você porque eu sou eu, eu não sou eu, e você não é você. Mas se eu sou eu porque eu sou eu, e você é você porque você é você, aí sim, podemos conversar; porque somos verdadeiros". Isso eu sempre tento levar na minha vida, onde quer que eu esteja, eu sou eu porque eu sou eu. É normal as pessoas me olharem, pela forma como eu me visto, e eu não estou nem aí com isso, isso não é importante, se gostam, se não gostam, não vai mudar nada pra mim. Mas o fato é que, durante todos esses anos eu tive a oportunidade de aprender, aprender com conceitos, aprender com exemplos, antes de mais nada. E eu queria compartilhar um pouco com vocês aquilo que pra mim é o significado da vida. Como fazer desta vida uma vida significativa. Resumindo: a gente pode dizer que é uma escolha. Que há duas formas de poder viver a vida. Uma é viver a vida simplesmente para sobreviver; o dia vai passando, vai empurrando com a barriga. Um dia vai passando depois do outro, tem um problema, vamos tentar resolver o problema, entre uma coisa e outra. Um exemplo disso, uma vez um dos meus mestres, com quem eu morava no monastério, me disse: "Se você viver a sua vida apenas para sobreviver, não tem nenhuma diferença entre você e uma vaca". E ele [usava] esse exemplo porque eu morava no campo, no interior da Índia, tinha muitas vacas em volta. E ali pertinho tinha uma vaca, ele falou: "Olha uma vaca". O que a pessoa faz, quando vive para sobreviver? Ela passa a vida tentando evitar sofrimento e ir à busca de prazeres. Se a gente passa a nossa vida unicamente tentando evitar sofrimentos e indo à busca de prazeres, a gente está vivendo a vida apenas para sobreviver. Uma vaca no pasto, quando está um sol muito forte, e tem um lugar com sombra, aonde ela vai? Vai pra sombra, ou fica debaixo do sol? Ela vai pra sombra, ela busca evitar o sofrimento. Se ela está lá pastando, num lugar o pasto está seco, e em outro lugar está verdinho, fresquinho, onde ela vai comer? No pasto verde. Ela busca o prazer. A gente tem um jeito um pouco mais elaborado de fazer isso. (Risos) Mas o que acontece é que viver a vida apenas para sobreviver é uma escolha. É aquela vida na qual você vive a vida, a cada vez que tem uma emoção difícil, que tem um sofrimento, nossa tendência é tentar fugir daquele sofrimento, e não aprender com ele. Então acaba-se tomando refúgio na bebida, acaba-se tomando refúgio na diversão; nada contra a diversão, mas acaba-se tomando refúgio em coisas que, na verdade, não fazem nada mais nada menos do que fazer com que a gente possa fugir dos nossos próprios conflitos e dificuldades, das nossas fraquezas, das nossas sombras, que na verdade são extremamente preciosas. A outra escolha, é uma escolha de fazer essa vida [ser] significativa. Dizer: "Muito bem, a minha vida não é um fim, mas é um meio". E pra mim, fazer essa vida significativa requer dois aspectos, dois campos de ação, que na verdade são um só. Mas, pra facilitar um pouco, a gente pode colocar como duas coisas separadas. O ideal é que elas se tornem uma só, que é: desenvolver a si mesmo, fazer com que cada dia que passa eu me torne uma pessoa melhor. O mínimo que eu quero nisso é morrer uma pessoa melhor do que a que nasceu; que não é tão óbvio assim. Ou seja, tudo aquilo que eu aprendi, os condicionamentos que eu gerei durante a minha vida, que eu possa ser uma pessoa melhor no final dela. Então, se tornar uma pessoa melhor. E o outro aspecto pra fazer desta vida uma vida significativa é ajudar o próximo. Então esse processo não uma coisa que a gente aprende do nada. No budismo existe um processo muito claro que é escutar, compreender e meditar. Qualquer coisa que a gente queira realizar, a gente tem que passar por essas três fases. Escutar quer dizer receber informação. Conversar, ler, escutar, receber informação. O segundo passo é fazer com que aquela informação que a gente escutou, e com a qual a gente esteja de acordo, não seja apenas mais uma repetição do que alguém nos disse, mas fazer com que aquilo se torne nosso. Ou seja, eu vou compreender aquele ponto. E o terceiro ponto, é meditar. Meditar literalmente não quer dizer apenas sentar em silêncio, que é maravilhoso, mas é na verdade se familiarizar. Ter experiências para que aquele conceito não seja apenas mais um conceito, mas se torne parte real da nossa vida. Eu já conversei em vários contextos, às vezes eu pergunto pras pessoas: "Ficar com raiva é bom ou é ruim?" É ruim. Já perguntei isso pra criança de toda idade, adulto, velho, não importa. Em qualquer contexto, todo mundo fala: "Ter raiva não é bom". Saber que não é bom ter raiva quer dizer que você não vai mais sentir raiva? Não. Então saber não é o bastante. A gente precisa, verdadeiramente, ter experiências pra que elas possam se tornar uma realidade na nossa vida. Pra que possam fazer parte da nossa vida, e esse é o processo de meditar; é se autoinduzir a certos estados de consciência que a gente quer gerar, pra que eles possam ser naturais e espontâneos depois. Em outras palavras, é muito melhor ser um altruísta... como se diz... muito melhor ser um altruísta artificial, do que um egoísta natural. No decorrer do tempo, porque eu sei que é melhor ser altruísta eu vou me forçar para isso, não é totalmente verdadeiro, mas gradualmente eu vou aprender. Então tem dois pontos que eu queria trazer pra vocês hoje, bem rapidinho, de dois aspectos que eu acho que são importantes na nossa vida, que a gente pode desenvolver. Tanto pra fazer com que nós sejamos pessoas melhores como pra ajudar o mundo que está à nossa volta. Eles são o amor e a sabedoria. Alguns anos atrás eu abri a Wikipédia, e olhei a palavra amor em inglês, "love". Tinha 67 definições diferentes de amor. No budismo, amar quer dizer "desejar a felicidade". "Eu te amo" quer dizer que a tua felicidade é importante pra mim. Eu desejo profundamente que você seja feliz. Independentemente de onde, quando, com quem, ou como. Eu quero que você seja feliz. "Eu te desejo", eu preciso de você pra minha felicidade. São duas coisas diferentes, algumas vezes podem estar juntas, mas amar é desejar a felicidade do outro. E, bem rapidamente, tem um exercício que eu comecei a fazer alguns anos atrás que me ajuda bastante, eu queria compartilhar com vocês pra trazer algo prático, que é o fato de pelo menos uma vez por dia ir pra alguém, possivelmente que a gente não conhece, num restaurante, no metrô, no supermercado, na rua, olhar para a pessoa e falar: "Eu te amo". Não verbalmente. (Risos) Pra não criar conflitos ou situações um pouco estranhas. (Risos) Eu tive um momento de amor com um pedreiro na Vila Madalena, que foi incrível... (Risos) Na verdade, o exercício é o seguinte: a gente olha pra pessoa nos olhos e pensa no coração: "Eu desejo que você seja feliz. A tua felicidade é importante pra mim". Só isso. Uma vez eu estava nesse momento esperando um amigo na Vila Madalena, em São Paulo, tinha uma construção do lado, e o pedreiro estava me olhando... Olha como eu estou vestido, né? Eu olhei pra ele de volta, e normalmente quando alguém fica te olhando, a tendência, quando você olha pra pessoa, é ela retirar o olhar. Naquele caso não, ele continuou me olhando e eu continuei olhando pra ele. Passaram-se uns dois minutos talvez. E eu comecei a fazer esse exercício de olhar pra ele nos olhos e desejar: "Eu desejo que você seja feliz. Não sei quem você é, de onde você veio, sei que a tua felicidade é importante pra mim. Eu desejo que você seja feliz". Fui devagarzinho e naturalmente sorrindo, ele foi sorrindo, aquilo foi me preenchendo, me levando pra um estado de plenitude. E isso é maravilhoso, porque a gente gosta de ser amado ou não? É bom ser amado? É maravilhoso. Porém tem algo muito melhor, que é amar. Quando a gente abre o coração de verdade, isso nos traz um nível de alegria, de plenitude, que vai além de qualquer prazer que a gente possa experimentar na vida, no dia a dia. É algo maravilhoso. Por isso, egoisticamente falando, é muito melhor ser altruísta. O segundo ponto importante... Então por isso, por favor, pratiquem o amor. Olhem pro mundo à sua volta e desejem a felicidade. Independentemente de quem esteja na nossa frente. O segundo ponto, muito importante, e o ponto mais profundo e complexo da filosofia budista que em 1 minuto e 50 eu não vou poder explicar, (Risos) é o fato que é chamado "sabedoria". Mas em poucas palavras, o que é sabedoria? É se relacionar com a realidade de uma forma coerente com o que a realidade é. Dois exemplos. O mundo à nossa volta é permanente ou impermanente? As coisas estão sempre se transformando ou são fixas? Estão sempre se transformando. Mas quando a gente encontra uma pessoa e vai vê-la de novo no dia seguinte, quem a gente pensa em encontrar? Alguém que se transformou e está um pouco diferente porque interagiu ou a mesma pessoa? A mesma pessoa. E quando a pessoa muda, a gente pode ficar chateado? A gente sofre com a transformação? Ou seja, a realidade à nossa volta aparece a nós, surge a nós, tem uma aparência como se fosse permanente. Mesmo que ela seja, na verdade, impermanente; e a gente acredita. A gente vive num mundo de uma realidade subjetiva ou objetiva? Subjetiva. Nada é igual pra todos. Porém, como a realidade surge pra nós? Como que a gente vê as coisas? Como se elas fossem daquela maneira, de forma objetiva ou subjetiva? Objetiva. Analisando, a gente sabe que é subjetiva, mas na experiência direta, como a gente vê? Como se fosse objetiva. Onde está a ignorância? Ver o que é subjetivo como se fosse objetivo. Então, sabedoria é se relacionar com a realidade de uma forma coerente com o que a realidade é. Quanto mais coerente nós formos, melhor vamos nos relacionar com nós mesmos e com o mundo à nossa volta. Pra terminar, eu queria dizer uma frase que me acompanha muito, porque o maior dos meus defeitos, eu acredito, é a preguiça. Quem me conhece diz: "Não, você não é preguiçoso". Pode deixar que eu sou, eu me conheço. (Risos) E também é um dos pontos que eu batalho pra superar constantemente. E tem uma frase que foi dita por um mestre, mais ou menos uns 4 séculos atrás no Tibete chamado Kunden Jampel Yang Vou dizer primeiro em tibetano. Ele dizia: (Tibetano) Em português seria algo como: "Pensando em fazer, pensando em fazer, se passaram 20 anos. Não consegui, não consegui, se passaram 20 anos. Ai, por que não fiz? Ai, por que não fiz? Se passaram 20 anos. Assim se passaram 60 anos. Essa é a biografia de uma vida vazia". Se tem algo que queremos fazer, temos que começar hoje. Lembremos que naquela época a vida média no Tibete era de 60 anos. Se a gente coloca: "Não pensando em fazer, não pensando em fazer, passaram 20", chegamos aos 80. Mas o fato é: nunca é tarde demais e nunca é cedo demais. Tudo o que nós fazemos, cada palavra que a gente diz, cada lugar que a gente vai, cada pessoa que a gente encontra, cada pensamento que a gente tem, cada decisão que a gente toma, são determinantes na nossa vida. Então, o que eu peço é que, de tudo aquilo que a gente escuta, de tudo aquilo que a gente observa, se tem algo que a gente acredita que verdadeiramente é de benefício, vamos colocar em prática, vamos fazer acontecer na nossa vida. Muito obrigado. (Aplausos)