Vou contar-vos uma história,
ou melhor, vou contar-vos três histórias,
mas não se assustem, eu falo depressa.
Os meus primos do Sul dizem que eu falo
tão depressa como um "yankee" drogado.
(Risos)
Por isso, só vamos demorar
umas duas a três horas.
Há uma população na Terra
composta por 35 milhões.
São o maior grupo de população no mundo
que não tem um território seu.
Provavelmente, serão a próxima
nova nação do mundo.
São os curdos.
Vou contar-vos um pouco da história deles.
Provavelmente sabem mais sobre os curdos
do que eu penso que sabem.
Talvez já tenham visto as bonitas caras
das suas crianças encantadoras
na Internet e em revistas
— aparecem com frequência.
Se comem iogurtes, já sabem
qualquer coisa sobre os curdos.
Este é Hamdi Ulukaya, o fundador
da empresa turca de iogurtes Chobani.
É curdo.
Mesmo que não estejam
dispostos a reconhecer,
talvez sejam seguidores das Peshmergas,
as guerrilheiras dos curdos.
A palavra "pershmerga" é a palavra curda
que significa "aqueles
que enfrentam a morte".
Alguns dos que enfrentam a morte
no Curdistão são mulheres
e podem ter muitos seguidores ocidentais.
Os homens no Curdistão são conhecidos
há séculos como ferozes combatentes
e muitos deles são
extremamente bem parecidos.
Segundo parece, isso começa muito cedo.
Reparem neste rapazinho.
É melhor ficar por aqui.
O que todos eles querem
é um lugar entre as nações.
O que todos eles querem é um país seu.
É com isto que eles sonham.
Esta é a sua antiga pátria.
Situa-se no centro do Médio Oriente
onde as Montanhas Zagros
formam a coluna vertebral do seu país
e onde estão entre o Iraque e o Irão,
entre a Turquia e a Síria.
É isto que eles querem, uma pátria,
um Curdistão livre e independente
a que possam chamar pátria,
trinta e cinco milhões de curdos.
Vou contar-vos algumas coisas
sobre os curdos
e, para isso, vou usar
as histórias de três mulheres.
Pode parecer invulgar
eu usar as histórias de três mulheres
mas os curdos orgulham-se
de, apesar de serem um país
97% muçulmano,
as mulheres serem extremamente
importantes na sua sociedade.
As mulheres têm assento
no Supremo Tribunal.
As mulheres comandam tropas.
As mulheres são empresárias importantes.
As mulheres são diplomatas,
como verão daqui a pouco.
Orgulham-se disso,
portanto, é apropriado,
em especial, no caso dos curdos,
eu usar histórias de mulheres.
Vou começar com a história
duma mulher bastante invulgar,
uma mulher britânica,
não é uma mulher curda.
Chama-se Gertrude Bell.
Talvez não conheçam este nome,
mas olhem para a cara de Gertrude Bell.
Esta cara delicada, vitoriana,
pertence à mulher
que é considerada
a mãe do Iraque moderno.
Nasceu em 1868,
frequentou Oxford.
Um espírito intelectual brilhante
— dominava seis línguas
já aos oito anos
e, antes de morrer,
não era apenas um grande intelecto,
também era uma alma corajosa.
Há montanhas na Europa
com o nome dela,
porque era uma montanhista brilhante.
Uma vez, passou 52 horas
pendurada numa corda num penhasco
durante um nevão.
É por isso que deram o nome dela
a uma montanha.
Também é por isso que eu nunca
terei o meu nome numa montanha.
(Risos)
Foi visitar um tio na Pérsia,
apaixonou-se pelo mundo árabe,
apaixonou-se pelo deserto,
apaixonou-se pelas gentes
e tornou-se especialista do mundo árabe,
reconhecida por todo o Império Britânico.
Durante a I Guerra Mundial,
o governo britânico pediu-lhe
para guiar os soldados pelo deserto
porque ela era muito boa nisso.
Ela fez isso no típico estilo britânico.
Embora estivesse no meio do deserto,
por vezes, no meio duma batalha,
insistia em parar para tomar chá
e comer as suas refeições
na mais fina porcelana de Londres.
Depois embalava tudo
na sela e continuava.
Estão a ver aqui a fotografia.
Tem um toucado árabe,
um traje de Londres,
tem uma sela inglesa e está a tomar chá.
Este é um aspeto fascinante
da sua personalidade.
Teve um impacto fenomenal
na configuração do Médio Oriente
depois da I Guerra Mundial,
porque era uma mulher brilhante.
Também tinha amigos muito influentes.
Um deles chamava-se Winston Churchill,
que, como veem,
foi ministro do Ar e da Guerra
logo depois da I Guerra Mundial.
Outro era T.E. Lawrence, mais conhecido
por Lawrence da Arábia.
Estes eram os seus amigos mais próximos.
Ela tinha alguma influência
que outros não tinham.
Aliás, teria sempre influência
porque ninguém conhecia
tão bem como ela aquela parte do mundo.
Mas devo dizer-vos que fizeram um erro.
Estes três heróis fizeram um erro.
Tinham na ideia fundar um novo país.
Isto, numa altura
em que o Império Otomano
tinha sido afastado
durante a I Guerra Mundial
e estava a chegar o momento histórico
de os árabes aparecerem
e tudo isso tinha de ser festejado.
Mas estes três arquitetos
do Iraque moderno
esqueceram-se dos curdos.
Ou, se não se esqueceram dos curdos,
pelo menos, esqueceram-se
de quem eram os curdos
e quem eles sempre tinham sido.
Porque os curdos são um povo antigo.
Os curdos são um povo
com um património incrível
e uma cultura incrível.
Também não são árabes,
são felizes em viver pacificamente
entre os seus amigos árabes,
mas os curdos não são árabes,
são um ramo da árvore étnica persa,
do Médio Oriente
e têm um intenso sentido de identidade.
Se costumam ler a Bíblia,
devem saber que os curdos
são descendentes dos antigos medos.
Aparecem em grande parte
da história do Antigo Testamento,
aparecem na história
do Profeta Daniel, por exemplo.
No dia de Pentecostes, eram
os antepassados dos curdos atuais,
aparecem no dia de Pentecostes
quando nasceu Jerusalém e a igreja cristã.
É um património diferente,
é uma origem diferente,
de muitos daqueles
que estavam à sua volta.
São um povo com história,
um povo comprometido, apaixonado,
um povo que não quer perder
o seu património e o seu passado,
não quer fundir-se com outra cultura
por mais favorável que seja essa cultura.
O que os nossos três heróis
europeus fizeram
— Churchill, Lawrence da Arábia
e Gertrude Bell —
foi inventar uma nação chamada Iraque
que nunca tinha existido no mundo.
Puseram os curdos,
na parte norte desse país
como uma almofada contra a Turquia
que tinha nascido do Império Otomano
e ainda era um tanto agressiva.
Reparem bem no que eu digo:
usaram os curdos.
Usaram os curdos como almofada,
para defesa e proteção
dos sunitas e dos xiitas, no sul.
Os curdos são sunitas e xiitas,
têm boas relações com sunitas ou xiitas,
mas não se conformam
em não ter uma pátria sua.
O presidente Wilson
tinha-lhes prometido uma.
Os tratados europeus
tinham-lhes prometido uma pátria
e isto tornou-se a base de grande parte
dos problemas que temos hoje.
Isto passou a constituir
o problema dos curdos,
porque foram usados pela Europa
como proteção contra a Turquia
e não lhes deram a pátria
que lhes tinham prometido.
Gertrude Bell, praticamente
mentora do rei Faisal,
que veio a ser o rei do Iraque
colocado pelos europeus
tinha boas intenções.
Não podemos criticá-la a esta distância,
não podemos olhar para este rosto,
para este rosto vitoriano
delicado que referi
e estou convencido de que
não havia intenção de prejudicar
mas estabeleceu uma base
para grandes conflitos.
Gertrude Bell foi magnífica e brilhante.
Agora vou falar de outra mulher.
Não sei qual é o seu nome verdadeiro
nem vos posso mostrar o seu retrato
porque isso pode custar-lhe a vida,
mas vou chamar-lhe Nishtiman.
Nishtiman acabou por viver
como curda, no Iraque,
país que Gertrude Bell, Lawrence da Arábia
e Winston Churchill inventaram para ela.
Nasceu em 1980.
Isso significa que passou
os primeiros anos de vida
sob o reinado deste homem,
Saddam Hussein.
Saddam Hussein odiava os curdos
porque eles não apoiavam os seus sonhos,
o sonho de um Iraque árabe,
de um Império da Nova Babilónia.
Assim, ele praticou terríveis
atrocidades contra eles.
Aviso desde já, que vou mostrar
algumas imagens muito chocantes.
A 16 de março de 1988,
decidiu deitar bombas químicas
em Halabja, a cidade natal de Nishtiman.
Talvez tenham ouvido falar de Halabja.
A 16 de março de 1988,
Saddam Hussein ordenou à força aérea
que deitasse gás mostarda,
gás sarin, gás tabum,
e outras formas de gás
sobre um povo indefeso,
o seu próprio povo, os curdos,
uma parte dos curdos do Iraque.
Vemos aqui nesta foto, o começo.
Instruiu a força aérea para deitar gás
no perímetro de Halabja,
para cercar a população lá dentro
e depois, deitar o gás venenoso sobre ela.
Estas são as nuvens de fumo
do gás mostarda e sarin.
As pessoas tiveram uma morte terrível.
Os órgãos liquefaziam-se,
as pessoas contorciam-se
de forma terrível
partiam as costelas
separavam as articulações
esmagavam os próprios crânios.
Enlouqueciam, algumas delas
morriam de tanto rir.
É horrível descrever isto desta forma
mas foi exatamente o que aconteceu.
Agora, preparem-se.
As mortes eram imediatas, horríveis,
morreram 5000 pessoas em duas horas.
Outras 10 000 ficaram terrivelmente
desfiguradas e lesionadas
e muitas delas morreram
nas semanas seguintes.
Esta é a foto de um homem morto.
Os dois filhos estão vivos
estão agarrados a ele,
não querem separar-se.
O avô está a tentar
levá-los daquele local.
O idoso morreu instantaneamente
e congelou no local.
A triste tragédia deste casal
é que morreram instantaneamente
mas ficaram no veículo durante dias.
Os vizinhos achavam que estavam vivos
e, às vezes, até lhes acenavam.
Foi assim que ocorreu a morte.
Nesta foto, um homem numa casa
quando o gás começou a entrar lá dentro,
agarrou no filho, correu para um vizinho,
não conseguiu, morreram ambos.
O interessante é que esta foto
serve hoje para esculpir uma estátua.
Esta foto é a base para a estátua
do monumento de Halabja
no Curdistão iraquiano.
Agarraram nesta foto
de um homem abraçado ao filho
como símbolo de todo o ocorrido.
Nishtiman perdeu o pai
naquele gaseamento de Halabja.
A carne dela, aos oito anos,
ardeu durante meses.
Algumas pessoas arderam durante anos.
A mãe dela sobreviveu
mas depois foi capturada
pelas tropas de Saddam
e sepultada numa vala comum.
Há muitas dessas valas
espalhadas pelo Curdistão iraquiano.
Saddam sabia o que fazia.
Mas os curdos são um povo único.
Insistem em honrar os seus mortos
e sabem como encontrar
essas valas comuns.
A mãe de Nishtiman foi encontrada
e o ADN confirmou quem ela era
e foi sepultada.
Ninguém aceita no Curdistão iraquiano
deixar de honrar os seus mortos.
Fazem o luto, põem todos
os restos em caixões
e comemoram a vida deles
e oferecem-nos a Deus.
Fazem isso porque é a sua história
e a sua tradição.
O que aconteceu a Nishtiman?
Eu disse que ela nasceu em 1980,
portanto, agora tem 36 anos.
O que é que ela faz?
Podem gostar de saber, depois
do que viram que ela sofreu
— a já agora, nenhuma das fotos
que vou mostrar são dela,
são pessoas parecidas com ela
porque não posso mostrar a foto dela.
Ela é uma dessas espantosas
mulheres Peshmerga
e a sua tribo de guerreiras
mete medo ao ISIS,
porque o ISIS tem a crença
invulgar e contra o Alcorão
que, se forem mortos por uma mulher,
não entram no Paraíso.
Estas mulheres adoram essa mentalidade.
(Aplausos)
Algumas delas são as melhores
atiradoras das Peshmerga
e muitos amigos meus curdos
criticam-me por eu dizer isto,
mas é verdade, é o que vos digo.
São magníficas e Nishtiman é uma delas.
O interessante a observar,
para quem presta atenção
a estas tendências,
é como muitas dessas mulheres Peshmerga
têm contas no Twitter,
como têm muitos seguidores no Ocidente.
Muitas delas, como veem, são bonitas.
Vemos aqui esta mulher com um iPad.
Durante o dia, anda aos tiros
e depois conferencia com as amigas
e seguidores, à noite.
(Risos)
Por qualquer razão
que eu não consigo perceber,
recebem muitas propostas
de casamento de homens ocidentais.
(Risos)
Eu conheci-as, acho que são fantásticas
mas é bom que sejam um bom marido,
é só o que eu digo.
(Risos)
É melhor ter cuidado.
Esta é Nishtiman.
Vou falar-vos de outra mulher.
Chama-se Bayan. B-a-y-a-n.
Uma mulher que admiro profundamente.
Bayan foi criada pelo homem que veem
à direita — e pela mulher dele, claro.
Sami Abdul Rahman.
É este homem, um herói curdo.
Era líder da resistência
contra o regime, como dirão os curdos,
o que significa sobretudo Saddam,
mas todos os anos
em que o regime do Iraque
oprimiu os curdos.
Este homem era brilhante,
bem educado, falava inglês.
Mas, como fazia parte da resistência,
acabou por ir viver nas montanhas.
Por isso, a pequena Bayan
acabou por ir viver nas montanhas
e, por isso, por um lado,
tinham a casa cheia
de jornalistas ocidentais
porque falavam inglês
e podiam exprimir a sua causa curda.
Por outro lado, viviam uma vida
de aldeia difícil e irregular
nas Montanhas Zagros.
Podemos imaginar a pequena Bayan ali,
mordiscando pão com soldados endurecidos
que a adoravam
como uma pequena mascote
Foi este o tipo de cultura
em que ela cresceu.
As Montanhas Zagros são belas
mas difíceis e traiçoeiras.
Esta é a pátria original dos curdos.
Na verdade, quem pretende
ser um pouco insolente,
chama-lhes as Montanhas Curdas,
o que é verdade.
O pai dela — muito influente —
ajudou a criar aquilo a que hoje chamamos
o Curdistão iraquiano.
Quando chegou a liberdade
com Saddam afastado do poder,
foi primeiro-ministro do seu partido.
Um homem realmente espantoso.
Infelizmente, em 2004,
houve um duplo bombardeamento
por um grupo extremista islâmico
e o Dr. Sami Abdul Rahman
foi morto juntamente com o filho.
Um momento muitíssimo violento.
Nessa altura, Bayan tinha ido
para Inglaterra, estudar.
E também para estar em segurança.
Acabou por ser jornalista
do Financial Times
— um papel de muito prestígio.
O Financial Times atribuiu-lhe
a missão de fazer jornalismo no Japão
onde ela passou muitos anos.
Pensava sempre no Curdistão,
seguia sempre o que o pai estava a fazer,
preocupava-se sempre com o Curdistão.
Mas não sabia exatamente
como devia viver aquilo.
Por fim, percebeu
que teria de viver o legado dos pais,
que teria de viver
o seu amor pelo Curdistão
e por aquilo que os pais
lhe tinham entranhado na alma.
Hoje, a pequena Bayan é
Madame Bayan Sami Abdul Rahman.
É representante em Washington DC
do governo regional curdo.
É a mulher curda mais poderosa do mundo.
Incrível!
(Aplausos)
É deste tamanho.
É dinamite.
É uma mistura de Golda Meir
e Margaret Thatcher,
de Oprah e Pink, para vos dar
uma ideia da personagem.
(Risos)
É realmente espantosa.
Passa o tempo a dizer
ao governo dos EUA, em Washington,
que é preciso apoiar os curdos
contra o ISIS
e que é preciso estar preparado
para um Curdistão independente.
Penso que isso é importante hoje.
O que é que isto vos diz?
Porque é que vos interessa?
Vocês são inteligentes, são educados.
Têm consciência social.
E 35 milhões de curdos
estão à espera de nascerem
na família das nações livres.
Eu tenciono ajudá-los,
espero que vocês também.
Obrigado.
(Aplausos)